quinta-feira, 23 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (35)


Opinião


Há algum tempo, realizando certa atividade precisei dar o meu nome a uma jovem que me atendia. Ela então comentou “Jorge! O meu avô também se chama Jorge”. Eu retruquei “se a idade dele for perto da minha, deve ser filho de turco ou de macumbeiro” Ela então, meio encabulada, disse “Como o senhor adivinhou?”. Nem foi preciso detalhar, mas ela estava se referindo à segunda alternativa.

No Brasil, muitos dos diversos imigrantes de origem árabe receberam o apelido genérico de “turcos”, embora por aqui, no Rio de Janeiro, não sejam tantas as famílias dessa origem específica.  Daí que devem ser poucos os “Jorge” de minha idade que tiveram os seus nomes inspirados diretamente pela origem turca do santo católico. O mais provável é que tenham sido nominados por influência religiosa sim, mas por uma influência religiosa umbandista ou candomblecista. Uma questão de estatística.

Então, gosto de fazer essa brincadeira porque ela tem bastante validade para os "Jorge" da minha geração e usualmente acerto. Às vezes erro. Tenho um xará que é português e foi batizado como Jorge Amado pela admiração que o seu pai, lá em Portugal, tinha pelo escritor baiano.

No meu caso, o nome saiu direto da macumba para a pia batismal. Sempre gostei do meu nome porque ele evoca essa figura mítica de  santo guerreiro e talvez o mais popular e conhecido sincretismo entre as religiões católicas e aquelas de origens africanas. Essa referência positiva sempre me deixou vaidoso e certamente contribuiu bastante para a minha autoestima.

É uma pena que  esse ano, por conta da pandemia do coronavírus,  as igrejas católicas não abriram para as celebrações de São Jorge e as homenagens ao santo foram adiadas. Suponho que o mesmo ocorrerá nos espaços umbandistas.

Então, celebrando a data de hoje e homenageando esse Ogum carioca e Oxossi baiano eu vou “copiar e colar” sem qualquer constrangimento, e mesmo sem pedir permissão, o recorte de uma publicação do Luis Antonio Simas no seu facebook. Simas, é uma dessas figuras especiais, um tesouro do Rio de Janeiro. Estudioso, pesquisador da cultura popular carioca e brilhante comunicador. 

Mas, hoje também é Dia Nacional do Choro – dia de Pixinguinha. Então inclui (abaixo) um link com a peça musical “São Jorge” da autoria de Hermeto Pascoal e que acho linda. Também, pudera, com esse nome. Segundo Hermeto ela descreve a cavalgada de “Faísca”, o cavalo de São Jorge. Na web tem diversas interpretações, incluindo a do próprio Hermeto, cada uma mais bonita que a outra. Escolhi uma que gosto e, no mais, tenhamos todos um bom dia de São Jorge.

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Trecho da publicação BRINCADEIRA DE RODA E GIRA DE SANTO - Luiz Antonio Simas (ver link para texto completo no final)
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Marcado por estes cruzamentos todos, é por isso que no meu calendário particular o dia 23 de abril é o dia internacional da macumba e dos macumbeiros.

Macumbeiro, no meu dicionário afetuoso, é definição de caráter brincante e político, que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo repudiado, e admite as impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada de se encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas, com a predisposição para incorporar forças vitais.

A expressão macumba (que em quimbundo designa um antigo instrumento musical similar ao reco-reco) vem muito provavelmente, em seu sentido religioso, do quicongo "kumba"; feiticeiro (o prefixo "ma", no quicongo, forma o plural). Kumba também designa os encantadores das palavras; poetas. Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência e descacetamento urgente, pela radicalidade do encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular de morte. Aqui, nas Áfricas, e nas terras geladas onde a terra termina.

O macumbeiro reconhece a plenitude da beleza, da sofisticação e da alteridade entre as gentes. Sigurd matou o dragão que Jorge matou de novo, com a espada feita na forja de Ogum, parecida com a forja de Ilmarinem, para que todos acabassem aos pés do altar, batendo tambor, cabeça no gongá, e ouvindo um choro de Pixinguinha numa esquina do Rio, tomando a cerveja que foi do Duque da Baviera e hoje é do santo guerreiro nos terreiros de fé.

Como diria Guimarães Rosa, viver é etecetera.

Saravá para a beleza do mundo!
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NOTAS
Wallace Oliveira | São Jorge (Hermeto Pascoal) | Instrumental Sesc Brasil - Capturado em 25/04/2020 de < https://www.youtube.com/watch?v=4mzENydulho>

BRINCADEIRA DE RODA E GIRA DE SANTO – Luis Antonio Simas – Facebook – Copiado em 25/04/2020 de <https://www.facebook.com/luizantonio.simas/posts/2975144142575067

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