quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Tempo de fezes

 Opinião

O Bozo é um dos tantos tropeços infelizes da história política brasileira. É óbvio que ele não surgiu do nada, mas, no frigir dos ovos, foi uma escolha ruim do eleitorado cujos efeitos maléficos sofremos. Alguns de longa duração e outros irreversíveis. 

Apesar disso, eu não preciso, felizmente, compartilhar relações pessoais com o Bozo. Não topo com ele nas calçadas onde caminho, nem nos buracos que frequento. Já com os bozominions não funciona assim. Não tenho como apagá-los das minhas relações, ainda que eu queira, porque compartilhamos ambientes em nossos cotidianos. 

Estou consciente que preciso de alguma dose de tolerância. Afinal, nem todos os bozominions são ideológicos. Há iludidos, alienados, e não plenamente convictos. Além do mais, o Bozo é apenas um entre outros instrumentos de um sistema que eu combato para superar. Esse sistema se credencia sugestionando certos valores e práticas de relações sociais que precisam ser questionados e desfeitos. E isso só será possível com discussões e com o convencimento de valores e propostas alternativas. Trata-se de uma disputa que não têm origem no Bozo, e o contato com os bozominions iludidos é imperativo, não tem outro jeito. 

Mas, no caso do bozominion ideológico, para mim a aproximação é impossível. Quando sinto o fedor agressivo de um ambiente qualquer, uma rua ou calçada esmerdalhada, instintivamente busco algo que sirva de máscara, tentando filtrar o fator nauseante, na expectativa que o desconforto será temporário. Ocorre que o fedor que o bozominion ideológico irradia é algo de outra natureza, é infiltrável. Parece que o sujeito recebeu uma overdose de mercaptano, aquele produto com cheiro de merda que misturam com o gás de cozinha para que se perceba um eventual vazamento. É insuportável. 

"Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me? Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça.O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera." (Carlos Drumond de Andrade – A Flor e a Náusea) 

Tempo de fezes! Drumond deve ter pressentido a proximidade de algum bozominion ideológico. Eles já estavam por aqui. No meu caso, sequer consigo apontar quais emoções ou sentidos sinto mais agredidos. Em minhas limitações, aferro-me à esperança do poeta. Quem sabe nascerá uma flor furando "o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio".

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