terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Fim do trecho em obras?

 

Leituras para distrair

 Estava entre os que pensam no retorno a uma normalidade pós-pandemia. Uma volta às atividades interrompidas desde a primeira quinzena de março de 2020, como foi o meu caso e de um grande número de pessoas.

Pensava nas restrições e cuidados pandêmicos como um "desvio por motivo de obras". Um desconforto temporário e com retardos implicando em reprogramação dos agendamentos. Para mim, em algum momento encontraríamos outra placa indicando " fim do trecho em obras " e um novo desvio, desta vez para retorno à normalidade do percurso que fora interrompido.

Não penso mais assim. Não por conta exclusiva de reflexões individuais, seria uma pretensão. Mas, pelas oportunidades de conversas entre companheiros, e acesso às reflexões de outros que sequer conheço. Reflexões que circulam nesse mar de informações viabilizado pela tecnologia e agitado pelo quadro trágico de um vírus que, com uma significativa contribuição de agentes governamentais, só em nosso país já tragou cerca de 600 mil vidas.

Não entramos em um desvio para uma rota alternativa e temporária. Entramos em novo caminho com características distintas das que conhecíamos e que vamos identificando na medida em que prosseguimos.

Mais adiante, a pandemia propriamente dita será uma paisagem ultrapassada e a rota a seguir também não será mais aquela de antes. A vida anterior à pandemia terá passado, assim como passará a própria pandemia. Precisamos nos adaptar a essa ideia. Insistir na expectativa de retorno a algo que ficou no passado será um equívoco. Devemos nos empenhar na preparação e atenção para esse novo caminho.

Penso no conselho de um psicólogo (B.F. Skinner) ao tratar sobre a velhice. "A velhice é, em parte, como um outro país. Você poderá viver bem lá, se se preparou com antecedência". Aprender desde já sobre novos hábitos, costumes e necessidades. A mudança virá. Assim, buscar saber como é a vida por lá irá ajudar-nos quando a mudança acontecer.

Também o fim da pandemia virá, mas será como a vida em outro local. Relações profissionais e pessoais, obrigações e relações familiares, estudos, trabalhos, viagens, projetos, enfim, todos esses significados que compõem a nossa vida pessoal e em sociedade serão impactados. Precisamos nos preparar desde já.

Umas das pouquíssimas coisas que não mudarão com a pandemia serão o determinismo da morte e a exploração capitalista. A vida humana ainda é finita, e no capitalismo continuará tratada como mercadoria, no processo interminável da exploração dos trabalhadores pela classe capitalista visando à apropriação por essa última da riqueza produzida pela primeira.

Porém, um fato interessante emergirá como novo, embora não o seja, em relação aos tempos pandêmicos. Precisaremos explicitar certas escolhas porque não poderemos mais usar a pandemia como desculpa. Aonde ir ou o que fazer. Onde estar, quando e com quem.

Escolher e criar subterfúgios e justificativas naturalmente não será uma novidade, afinal, sempre fizemos isso. Mas, a pandemia terá nos deixados "mal" acostumados porque não somos cobrados em nossas afirmativas ou negações quando a usamos como desculpa. Interessante! Um pouco mais a frente as razões precisarão ser outras, mais claras ou explícitas.  Isso será um grande e curioso exercício.  *####*

 

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O Bacalhau do Andarilho

 Leituras para distrair

Daqui a alguns dias faremos um encontro para conversas na casa de um amigo. O prato principal será bacalhau, e tendo em vista  o hábito  do dono da casa de vaguear durante a pandemia quando deveria sossegar o rabo em casa, para sacaneá-lo, batizamos o evento de Bacalhau do Andarilho.

A aproximação do nosso Bacalhau do Andarilho trouxe algumas lembranças sobre as quais já conversei com alguns, mas que resolvi registrar, apenas como exercício.

Tomo como referência a minha família de infância: um casal e três filhos homens, sustentada por um operário metalúrgico. Assalariado e sem qualificações especiais além da sua experiência. Só após 10 anos de casamento conseguiu alugar uma casa para a família. Até então, morava em uma "casa de fundos" , propriedade de parentes próximos, sem compromisso de aluguel. Essas informações visam apenas formar o contexto sócio econômico.

Para aquela família, e naquela época, o bacalhau era acessível, logo não devia ser tão caro. E não eram imitações. Era comum achar nos armazéns, para usos diversos, as caixas de armazenamento dos peixes importados, todas com aquelas palavras estrangeiras estranhas e incompreensíveis.

O bacalhau, pelo menos em nosso campo de relações, embora frequente nas mesas, não era idolatrado como alimentação especial. O consumo era maior nas festas religiosas da semana santa quando era "proibido" o consumo da carne bovina. Naturalmente estou relatando memórias de uma experiência particular, não tenho como comprovar e generalizar essas afirmações. São memórias com a intenção exclusiva de estimular lembranças de cada um e conversas entre nós.

As carnes bovinas, essas sim, eram a essência da dieta. Carnes de primeira e de segunda. Ainda hoje não sei identificá-las para exemplificar. O que recordo é que o consumo dos chamados bifes era um hábito comum, mas nas famílias maiores não dava pra fazer um bife para cada um. Não haveria carne que bastasse. Muito menos contemplando as preferências do privilegiado: bem passado, mal passado, ao ponto, etc. As soluções em quase todas as famílias eram a carne moída e os ensopadinhos.

A carne picada em pequenos pedaços rendia. Cozida com batatas, chuchus, cenouras e similares, compunha o que os paulistas chamam de "mistura", o complemento proteico do prato. Brilhante solução!

A carne moída, até então, era assada ou cozida e, após, passada na maquina de moer (conheço alguém que tem uma coleção delas). Só no final da minha infância, em Saigon, os açougues se equiparam com máquinas elétricas para vender diretamente a carne moída crua.

Os almoços de domingo eram especiais. Galinha e maionese determinavam a especialidade das refeições. A galinha era um frango criado no quintal ou comprado vivo no aviário.

Nas proximidades da nossa casa o principal aviário era de "seu Abdala", e o atendimento feito por seu filho "Pedrinho" um rapazola mais velho que eu (ainda criança) e adorado pelas senhoras freguesas locais. Lá comprávamos eventualmente os frangos vivos ou, frequentemente, ovos em dúzias inteiras ou meias, cada um deles inspecionados por Pedrinho.

Havia uma caixa com uma lâmpada incandescente interna e um orifício. Pedrinho aproximava o ovo (da galinha)  do orifício, examinava o seu interior contra a luz para ver se estava fertilizado. Estando ok, embalava a quantidade desejada em jornal. Hoje aprendi na internet que o Pedrinho fazia uma "ovoscopia" e quem quiser pode aprender os segredos do processo no youtube.

Os frangos, coitados, tinham um destino triste (não mudou). Passavam alguns dias ainda vivos no quintal, presos por uma das pernas. Eram executados por minha mãe num ato de degola. Uma das nossas tarefas era recolher folhas de alfavaca, que florescia em quantidade nos canteiros do nosso pequeno quintal, e que servia para o tempero das carnes. Após a degola e o colhimento do sangue, o frango era banhado em água fervente, depenado e cortado para o cozimento de suas partes.

Em nossa casa, pés e cabeça eram dispensados – ninguém consumia canja. Quanto aos miúdos, eu não tenho lembrança, nem todos eram consumidos. Sob o meu olhar atual, acho até que era um luxo. Nossa mesa era basicamente de coxas (não havia o termo sobrecoxas), peito, pescoço e asas. O cú do frango, alguns chamam de "sobre", não era valorizado em nossa mesa e hábitos.

O que chamávamos de maionese, e que compunha o prato especial do domingo, era uma salada de verduras, batatas, chuchus e cenouras cujo molho era feito de gemas de ovos cozidos amassados com garfo e inundados com azeite (que assim como o bacalhau não era uma excentricidade culinária). Bem parecido com um salpicão.

Interessante, para mim, é que a sobremesa não fazia parte do nosso ritual alimentar, embora a minha mãe fosse uma doceira de mão cheia.

Foram domingos fartos, felizmente. Em alguns deles o protagonismo principal era o da carne assada (carne de segunda, especial para assar) e, algumas vezes, o bacalhau. Só vim a conhecer e desfrutar do "churrasco" já na vida adulta.

Um tempo bom. Pobreza sem miséria. Claro que a última existia, mas ainda era distante de um bairro de operários assalariados e empregados. É possível uma vida digna e sem luxos.

 

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sábado, 20 de novembro de 2021

Zumbi - mais vivo do que nunca

 Opinião

 

Sabemos que a história não é uma coisa sem vida, inerte, de relatos acabados e imutáveis. Ao contrário, ela é viva, tem movimento permanente e as narrativas dos fatos e suas interpretações são disputadas pelas gerações.

No Brasil, infelizmente, a historiografia oficial ainda prevalece como o relato das classes dominantes desde a nossa fundação como nação. Não é de espantar o "esquecimento" de trajetórias negras e de muitas outras.

 Mas, há exceções importantes. E a mais significativa é exatamente a que se comemora hoje, o dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Uma celebração que avançou como fruto das lutas empreendidas pelos chamados movimentos negros, e que se impôs ao marco oficial do 13 de Maio da lei Áurea. Deixou de ser uma celebração alternativa, e hoje é uma celebração nacional, impregnada de significados políticos que atrelam a data comemorativa às lutas e memórias populares, completamente aderentes à realidade social.

Infelizmente, isso ainda não ocorreu com outros episódios históricos. A Inconfidência Mineira, a Independência, a Proclamação da República, assim como os seus protagonistas, ainda são celebrações impostas pela história oficial, mas sem qualquer relação com a população em geral que as tem apenas como datas simbólicas aprendidas no ensino escolar.

Fatos históricos importantes, como a Revolta da Chibata e seus protagonistas, João Cândido Felisberto exemplo de verdadeiros heróis, ainda hoje são explicitamente censurados, ao mesmo tempo em que se têm notícias das tentativas de enfiar goela abaixo dos brasileiros, como se fosse data a comemorar, a celebração de eventos vergonhosos como o golpe de 64.

Tomara que o desenvolvimento sociopolítico brasileiro permita o resgate de uma história que trace os caminhos das lutas sociais na formação do nosso país, de seus líderes e de seus simbolismos. Mas, antes de tudo, é necessário que essa situação não seja encarada como uma lástima e, sim, como um estímulo e obstáculo a superar.


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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

O touro de Wall Street e o gado brasileiro

 Opinião



Copiado da web - em 16/11/2021 - autoria: - https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/



Estátua de um touro em frente a sede da Bolsa de Valores em São Paulo. Inaugurada em 16/11/2021, é inspirada no “touro de Wall Street”,  em Nova York, EUA, que representa o mercado de ações americano


Ariano Suassuna ironizava que a estátua da Liberdade instalada num shopping na Barra da Tijuca, RJ, era uma dos maiores monumentos à imbecilidade humana. Hoje ele teria outros exemplos. O complexo de vira-latas e a alma de colonizado são aspectos determinantes na subjetividade de alguns grupos humanos, se é que devem ser chamados assim.

A estupidez, uma vez instalada, gruda feito craca nos cascos das embarcações.. Quem conheceu as antigas barcas Rio – Niterói saberá o que estou falando. A única parte dos cascos livres daqueles mariscos eram as que ficavam na direção dos banheiros, sujeitas ao fluxo contínuo de mijos dos usuários. Haja mijo pra limpar essa craca social.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Nocivos i mortais

Opinião

Até onde sei, a Academia Brasileira de Letras - ABL é uma entidade privada com mecanismos próprios de funcionamento e sustentação econômica. Não me surpreenderá se existirem exemplos onde a entidade tenha usufruído de recursos públicos, mas isso não retirará o seu status de entidade privada. Não sendo uma seita secreta em seus rituais, e com a importância pública que adquiriu ao longo da sua história, é natural que a ABL seja constrangida a responder por suas determinações. Mas, será apenas um constrangimento político porque está resguardada a sua autonomia de vestir quem quiser com os seus fardões.

Tem menor importância o debate sobre as indicações de membros ABL, destaque para as mais recentes: Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Mais valeria o debate e mesmo um feroz alarido e banzé sobre as perniciosas e peçonhentas nomeações de autoridades para as áreas de Educação e Cultura, estas, sim, com obrigações e compromissos públicos. Nomeações que seguem a risca os propósitos mortais do governo Bozo de destruição do país em todas as dimensões. Nesse cenário, as discussões em torno dos imortais da ABL são um debate quase infantil. F(ar)d(e)m-se!

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sábado, 28 de agosto de 2021

Na varanda do Tião

 

Leituras para distrair

 

Fizemos um encontro no sítio do meu compadre. Fazíamos sempre, e os presentes geralmente eram os mesmos, eventualmente alguns convidados novatos. Até onde lembro era um feriadão de semana santa, e algum dos presentes montou uma barraca de acampamento em frente à casa do caseiro que era a única infraestrutura do sítio além dos banheiros – a casa do Tião.  A que seria “a casa do sitio” ainda estava em construção.

 A casa do Tião tinha uma varandinha, um pequenino espaço coberto que nos abrigava quando havia chuva e onde, amontoados, em pé, bebíamos nossas cervejas e cachaças jogando conversas fora e nos divertindo. 

Aquele foi um dia de muita chuva. Tempestade. Encolhemo-nos na varandinha, a criançada ocupou a casa do Tião, e a natureza começou a se exibir despejando água, raios e trovões. Indiferentes bebíamos todas. Foda-se a natureza, estávamos abrigados. 

Então aconteceu um estalo próximo, um estrondo que cada um dos presentes narrará de um jeito. Sabíamos que o evento tinha ocorrido por alí. Um porra de raio atingiu e destruiu uma árvore lateral à casa e que serviu de para-raios. A tal árvore e seus pedaços só não caiu sobre a casa porque ficou sustentada pelas adjacentes. 

Como todo raio que se preze, o sacana induziu concentração de cargas elétricas em seu entorno com descargas subsequentes. Por sorte as descargas não tiveram intensidades suficientes para uma tragédia, mas foi um pega pra capar. 

Na saleta onde estavam as crianças foi um desespero. Sem luz natural devido à tempestade e sem luz artificial, o ambiente estava escuro. Faíscas brilhantes das descargas elétricas apareciam junto ao solo como se estivessem varrendo o ambiente e fazendo barulho. Um “trac trac” que surgia do nada e atravessava a pequenina sala, enquanto os adultos mandavam as crianças encolherem as pernas nos locais em que estavam. Choro e histeria total. 

Na varandinha, onde estavam os machões beberrões, saltitávamos descalços ou em sandálias de borracha, uma dança ridícula e improvisada, enquanto as faíscas pipocavam de uma parede a outra. Foi tudo muito rápido e apavorante. Como acalmar as crianças se estávamos todos cagados de medo? 

Passado o sufoco, todos ríamos nervosos e cada um de nós queria contar a sua experiência, como tínhamos vivido aqueles momentos. 

A tempestade reduziu e a deliberação consensual foi recolher tudo debandar de volta para nossas casas. Foi o que fizemos. Empacotamos tudo, coisas e crianças, e às pressas deixamos o sítio. A história parecia terminada, mas não foi assim.

 

No caminho de volta, uma das passagens sobre um curso de água estava completamente inundada e com forte corrente. Paramos em fila, 3 ou 4 carros, e avaliamos que a passagem era inviável. Tentar seria um risco que o juízo não recomendava. A tempestade e o susto da tarde fizeram desaparecer o efeito do álcool. Seria uma travessia noturna, sem qualquer visão, sobre uma ponte que sequer víamos. O que havia era apenas um fluxo caudaloso que tomou conta da passagem. 

O bom senso determinou que voltássemos deixando a “fuga” para o dia seguinte.  Voltamos à casa do sítio ainda em construção e, já acalmada a tempestade, organizamos o descanso das crianças e prosseguimos na bebericagem. Afinal ninguém é de ferro. Ai aconteceu o inusitado.

 

Estávamos bebericando e comentando as aventuras quando um farol iluminou a entrada do sítio anunciando a chegada de um carro. Era a minha comadre que até então não estava conosco, mas a sua chegada estava descartada, não só pela chuva, mas porque ela precisaria vir pelo mesmo caminho que pouco antes achamos impossível ultrapassar. 

A comadre chegou. Sedenta por uma cerveja gelada e sem compreender a nossa surpresa. Perguntamos a ela, insistentemente, sobre a tal passagem que achamos intransponível. Ela não entendia o nosso espanto, disse que teve algumas dificuldades devido à chuva e emburacou o carro sem medo através do tal curso d'água, na ânsia de chegar logo até nós e participar do encontro. 

Insistimos nos questionamentos, mas ela sequer notou a dificuldade, o perigo e o risco que correu ao atravessar a passagem. Foi uma gargalhada geral. Um segundo milagre. 

Nervosos ou dormentes com a cervejada, não importa, prosseguimos através da madrugada. Naturalmente o desejo da fuga desapareceu. O amanhecer foi para reconhecimento dos estragos e as reflexões sobre o que poderia ter sido uma tarde fúnebre, mas que acabou sendo mais um evento de alegria. A história ficou em nossa memória, cada um com suas lembranças e versão.

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Tião figura querida. Sanfoneiro autodidata, tinha uma sanfona de 8 baixos. Fizemos vaquinha e o presenteamos com um acordeão de 64 baixos que ele logo dominou. Cantamos e dançamos ao som da sua sanfona. Uma canção gravada pelo Jackson do Pandeiro tinha letra adaptada pelo próprio Tião:

Mané Gardino diz que era mentira minha; que a mulher que ele tinha não dançava com ninguém; eu disse a ele, cumpadre não se arrepare, cê vai ver como ela mexe quando tá no xenhenhém”. 

 



Em tempo: Não existia lei seca para os motoristas, e a nossa inexperiência se confundia com irresponsabilidade. Essa narrativa não faria sentido hoje.


terça-feira, 17 de agosto de 2021

Comi, bebi, nada mais a fazer aqui!

 Opinião

As imagens da retirada americana do Afeganistão, nos últimos dias 15 e 16 de agosto de 2021, para os da minha geração, parecem um remake das cenas da retirada de Saigon em 1975. Impactantes,  angustiantes e nada esclarecedoras sobre a realidade dos acontecimentos. Ao contrário, provocam uma enorme quantidade de informações atravessadas que não são falsas, mas são caricatas e escondem personagens e suas responsabilidades no caos reportado.

 O imperialismo capitalista se revela por inteiro. Usou o Afeganistão como mote para fazer presença militar na região e desempenhar a farsa que destruiu o Iraque. As populações locais foram simplesmente desconsideradas. Ficaram ao sabor das milícias que se constituíram ao longo de décadas de luta contra invasores, antes soviéticos e depois americanos. 

No pós-segunda guerra Japão, Alemanha e outros países centrais receberam grana e reconstruíram estados. No Afeganistão foi diferente Foram chupados enquanto serviam e deixados de lado quando o objetivo passou a ser o Iraque. O Taleban é uma merda, mas não é uma merda oportunista. Não nasceu ontem e nem floresceu como um estranho à cultura local. Não é por outra razão que ele se apossou imediatamente do país. A regra do imperialismo capitalista é uma só: Fodam-se os afegãos!   

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domingo, 25 de julho de 2021

Lugares

Opinião

Faz tempo que a militância de esquerda se apropriou da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Foram anos de manifestações que fizeram do trecho “Candelária – Cinelândia” o eixo principal de concentração das manifestações populares reivindicando transformações necessárias para um país melhor. 

A Avenida Rio Branco, uma herança do início do século 20 acabou. Ainda existe, mas acabou. As recentes obras (2016), para melhor ou pior, deformaram a Avenida Rio Branco da nossa geração. O Passeio Público até mudou de nome. Virou Boulevard Luiz Severiano Ribeiro, embora pouca gente saiba disso e embora vá continuar sendo chamado de “Cinelândia” ou “calçadão em frente ao Amarelinho”. 

Mas, tudo indica que uma nova passarela de manifestações vem se formando, o trecho Zumbi – Candelária. Sem paralelepípedos sangrando os pés, uma mocidade disposta e embalada pelas palavras de ordem que sintetizam as reivindicações está construindo um novo marco político na cidade. Desta vez mais próximo da população, na medida em que passa pela estação Central do Brasil. Ironicamente também passa em frente ao Palácio Duque de Caxias, quartel-general do atual Comando Militar do Leste, antigo Ministério da Guerra. 

Alguns de nós já tivemos a oportunidade de desfilar nessa passarela cantando a evolução da liberdade. Não em ofegante epidemia, versos do Chico, mas na luta contra esse governo fascista e genocida que agravou os danos da pandemia aproximando-nos da casa de 550 mil mortos. Famintos de uma vida melhor cantamos e gritamos: “Fora Bozo!” E nos enchemos de esperanças porque esse é um atributo do pensamento revolucionário. A direita é conservadora, distópica e apodrecida. 

Hoje, 24/07/2021 estivemos lá. Ao lado de Zumbi e passando por um Marcilio Dias que olha para Zumbi, parecendo perdido, quem sabe ainda tentando compreender sobre os descompassos dessa nação a quem entregou a vida. Menino marinheiro negro e bucha de canhão das oligarquias. 

Seguimos, então, para a Candelária. Lá, atrás da igreja, na Praça XV, outro marinheiro negro demarca a passarela de lutas. João Cândido está lá. Parece dizer para nós: Não aceitem a chibata! Revoltem-se! 

Ter que passar por isso a essa altura da vida!” Esse é um comentário frequente entre os companheiros de militância com minha idade. Um desabafo que se justifica. Mas, olhamos para o lado e vemos uma molecada saltitando e protestando. Comprovando que “a luta continua!” é bem mais que um refrão de agitação e passeata. Sinto-me feliz por ainda ter energia para ver de perto e cantar juntos esse samba popular: Fora Bozo genocida! ###


domingo, 27 de junho de 2021

Festa boa, tinha Zé Magro e Galdino

 

Leituras para distrair

Santo Antonio, São João e São Pedro são as três referências de festas juninas, mas para mim e outros próximos, na juventude,  o ciclo encerrava com a celebração de Santana. Reverenciada em 26 de julho, a avó do Cristo era a patrona de uma festa que se realizava em Monjolos, um bairro de São Gonçalo – RJ que, naquela época, era afastado dos centros urbanos da cidade.

 A festa de Munjolos (o nome correto do distrito é Monjolos, mas ninguém pronunciava assim) sempre era programada para a última semana ou último fim de semana do mês de julho. Não sei como é hoje, mas para nós, nos anos 60  do século 20, era o gran finale dos festejos juninos.

 Frequentei a festa desde menino, levado por um colega que se tornou o meu grande amigo, parceiro e compadre. Companheiro de histórias  que não cabem aqui, infelizmente falecido. A família do meu compadre era oriunda da região. Família grande, eram proprietários e herdeiros de vários sítios que em outros tempos constituíam laranjais, uma cultura natural naquela parte do RJ, limite com o município de Itaboraí.

 Um comentário de passagem: o extrativismo de laranja na região foi predatório. Sem projetos de agricultura permanente e renovada, esgotadas as capacidades de produção das terras,  os laranjais foram transformados em loteamentos pelas últimas gerações de proprietários.

 O pai do meu compadre, que também foi outro inesquecível e querido amigo, serviu como combatente da FEB na Itália, e a família comprometeu-se com a construção de uma igreja no bairro como contrapartida pelo seu retorno  que foi visto como uma graça religiosa. Isso motivou atividades para angariar fundos e tocar a construção da capela que se situava na pracinha central do bairro. As festas anuais eram umas dessas atividades.

 Munjolos não era mais do que a pequena praça com um coreto e a igreja. Um pouco distante da praça, talvez um quilômetro, havia outro núcleo devido a um campo de futebol e barracas que atendiam à galera nos dias de jogos.

 No entorno da praça da igreja havia um pequeno comercio: armazém, padaria, armarinho, barbearia, farmácia , uns botecos etc. No mais, eram residências, e as casas que não eram de familiares do meu compadre eram de conhecidos e vizinhos  de relações muito próximas.

 A festa tinha procissão e missa. Tinha os que caminhavam ao lado da santa; tinha os que ficavam mais próximos do padre; tinha a turma que carregava o andor com a imagem; os grupos de tradicionais carolas entre outros. Enfim, havia um ritual que atendia às relações sociais locais.

 O amanhecer era marcado por salvas de fogos de artifícios: foguetes e fura-balões – começava a festa. A agitação das montagens das barracas já iniciadas na semana anterior compunham o clima de festa.

 As barracas eram típicas de festas juninas: jogos, doces, salgados, bebidas. A “Barraca da Santa” era uma especial. Em local privilegiado e pré-estabelecido, a arrecadação com a venda dos seus produtos, contribuições da comunidade, era revertida para o projeto da igreja.

 Em algum momento da noite ocorria o ponto alto da festa – um leilão. Era o  quando os representantes dos poderes locais, geralmente aglutinados em torno da Barraca da Santa, faziam as suas doações e exercitavam as suas relações arrematando as prendas leiloadas e, às vezes, devolvendo para que fossem leiloadas outra vez. As prendas muito valorizadas eram os leitões e cabritos assados. Até onde lembro, o leilão era a atividade que demarcava o encerramento oficial da festa que, na prática, prosseguia até o início da madrugada.

 O dia se construía em torno dessas atividades. Para mim era um clima gostoso que foi assumindo aspectos  diversos na medida em que as nossas vidas também mudavam. Conversas, brincadeiras, paqueras, encontros, novas relações, aprendizados, frustrações e alegrias marcaram uma época importante para alguns de nós. Cada uma dessas emoções foi vivida como experiências distintas num período que foi desde que éramos ainda crianças até uma idade onde alguns já éramos casados e até com filhos.

 Na festa tinha o churrasquinho de gato do Galdino – inesquecível para mim. Era o ambulante mais simples de todos. Um pequeno fogareiro e os espetinhos. Galdino servia os espetinhos de carne cuja origem era mote das conversas, mas cujo aroma era sedutor. Era inconcebível passar a festa sem consumir pelo menos um daqueles churrasquinhos.

 As ilações sobre a origem do churrasco do Galdino eram justificadas porque o consumo de caça era comum naquela época e região, e o gato não era considerado uma “vaca sagrada”. O Zé Magro, caseiro de um dos sítios, alimentava-se exclusivamente dos animais que caçava.

 A casa dos avós paternos do meu compadre era a nossa base. De lá saímos muitas vezes para dias e momentos felizes dos quais ficaram generosas lembranças de fatos e personagens. Salvo uma ou outra encrenca, sem consequências, o ambiente era tranquilo e sem violências. Naturalmente isso mudou e acabou.

 Nunca mais voltei. Suponho que o Munjolos de minhas lembranças deixou de existir. Nem mesmo sei qual o nome oficial da igreja. Não pesquisei. A rua lateral à igreja, onde fazíamos a nossa base, hoje tem o nome do pai do meu compadre: Rua Expedicionário Jaime Porto – Monjolos – São Gonçalo – RJ.


A melhor imagem que consegui (via web). A igreja e o coreto da pracinha - copiei em 27/06/2021



 

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domingo, 20 de junho de 2021

Aniversário do Hercílio

Leituras para distrair

Nas religiões de origem africanas, e também em outras que nem sei exemplificar, há um ritual comum: o banho de descarrego.

 Com  águas puras ou misturadas com sais ou ervas, o banho de descarrego é um ritual que limpa. Descarrega as chamadas “energias” negativas do indivíduo. Limpa o sujeito. Prepara-o para novas adversidades.

 Em minha casa, na infância, ele era feito em uma bacia. Sem compreender direito o que estava ocorrendo, em pé, na bacia, pelados, éramos banhados com uma cuia utilizada para despejar sobre nós a água  que escorria na própria bacia.

 O banho de descarrego não é uma novidade nas praticas religiosas, cada uma delas, ao seu modo e com suas peculiaridades, tem o seu banho. Na macumba (muitos religiosos umbandistas e similares não gostam que se refira à religião por esse termo) é assim. O banho descarrega e alivia. Daí o seu nome.

 Os maravilhosos sambistas  Arlindo Cruz, Sombrinha e Sereno compuseram um hino que diz assim:

 Vovó Maria me ensinou que é muito bom, muito legal tomar um banho de ervas, tomar um banho de sal. Uns tomam banho de lua, uns tomam banho de sol, uns tomam banho de chuva, lá no no fundo do quintal ... Mas pra se ter a certeza que banho só traz axé, seja banho de cheiro, banho de arruda, banho de guiné ... o mais importante é a fé. Se você é de rodar ou se é de bater tambor, faça o favor, tome um banho de Abo.  

 Na língua yorubá, o banho de ervas é um banho de Abo.

 Foi a sensação que tive hoje, 19/06/2021, após a manifestação contra o Bozo genocida. Um banho de Abo. No último dia 29 de maio  eu estava prejudicado. A porra da Covid me pegou no dia 27, mesmo protegido (suponho) pelas duas doses de coronavacs que já havia tomado, e não pude comparecer. Mas, hoje eu fui. Que coisa boa!

 Concentrei no monumento Zumbi,  "fim" da passeata que descia a Presidente  Vargas desde a Praça Onze  até não sei onde. Talvez Candelária. Quando caminhei, antes da passeata iniciar,  já tinha gente até a altura do Campo de Santana. A passeata saiu às 12 horas e ainda estava chegando gente.

 Eu dispersei na altura da Uruguaiana - não sei dizer sobre o movimento dali para frente. Vi poucos velhinhos. Muitos jovens, não necessariamente garotos. Entre 30 e 40 anos. Foi um banho que lavou um pouco a alma. Impressionante como a máquina reclama. Estou bem acostumado a caminhar e ainda assim achei cansativa. Melhor idade é o caralho! Velhice é foda! Segui ao lado da galera do PSTU e configurei-me no modo COVID: junto sem estar misturado.

 Ainda trouxe para casa raiva e ódio por esse governo escroto, mas os penduricalhos, aqueles que nos  fazem mal e trazem tristeza e depressão ficaram por lá. Junto com aquela meninada que sassaricava e batia tambores. Que apostava a vida naquela mobilização.

 Que bom que me transformei nessa coisa, nesse militante inconformado. Tomara que eu continue assim. Hoje, estranhamente, sou mais emotivo. As tantas passeatas, caminhadas e agitações que participei não me fizeram indiferente, tipo: de já vu. Acho bom que seja assim.

 Uma moleca em pernas de pau, ao meu lado, consegue fazer trejeitos que eu não faria nem se assistido por um treinador pessoal. Precisamos de outras manifestações como essa. O Bozo e seus seguidores cairão se forem derrotados nas ruas. Não chorei, mas a voz embargou quando ouvi as repetidissimas palavras de ordem. A máscara permitiu confortavelmente os disfarces.

 Fora Bozo! Fora filho da puta! Não importa se “... _você é de angola é de ketu ou de nagô. Faça o favor, tome um banho de Abô_...” Faremos um mundo melhor.

 Foi um bom jeito de celebrar o aniversário do meu companheiro Hercílio que vive lá em Recife.

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sábado, 19 de junho de 2021

É um beco, mas tem saída

 

Opinião


A expressão “ socialismo”, quando não é execrada sem qualquer consideração, provoca discussões recorrentes e pertinentes que mostram o exercício do pensar:   E a social democracia? O que a experiência nos ensina? E os modelos socialistas: URSS, leste europeu, Cuba, China, Coreia que destino tiveram? E os modelos escandinavos?

 

A resposta é imediata: nenhuma experiência  que tenha como objetivo  aumentar a quantidade de pessoas que melhorarão suas qualidades de vida deve ser desconsiderada.  Não buscamos uma fantasia, mas uma transformação concreta e positiva das condições e relações sociais.

 

É certo que o olhar sobre as condições de vida de alguns países, notadamente  os escandinavos e nórdicos, além de outros da Europa central, desperta em nós, sofridos brasileiros, o desejo de vivenciar aquelas experiências e devemos buscá-las. Mas, não nos iludamos. Essas supostas alternativas são sociedades que vivem nos marcos  capitalistas, com os valores e determinações desse modo de produção. Na prática, isso significa: não tem para todo mundo!

 

Se, num passe de mágica, os países da Europa e das Américas passassem a ser administrados por governos com as mesmas referências políticas dos invejados  países escandinavos e nórdicos, ou das “avançadas” democracias europeias, ainda assim, a natureza simplesmente não resistiria. É desanimador,  mas o capitalismo já provocou esse estrago.  Nesse suposto cenário não teríamos mais do que uma centena de anos de indispensáveis recursos naturais para a nossa espécie. O capitalismo é assim, consome e destrói até  nossa possibilidade de existência.

 

Não se trata de buscar um capitalismo bem administrado, mas de superá-lo.

 

Naturalmente em nossas formulações sempre buscamos colocar um pé no futuro, mas, conscientes que não devemos distrair a atenção do pé que continua no presente, em nossa realidade cotidiana de necessidades e de luta por essas necessidades. E esse presente é um campo de disputas onde extratos da classe dominante – capitalista -  buscam conservar seus privilégios, ainda que eles próprios estejam sujeitos a um futuro sem futuro.

 

Forma-se, nesse presente, a concentração de grupos capitalistas. Alguns se organizam transnacionalmente apresentando-se como corporações apátridas, e outros aglutinam seus domínios sob bandeiras estatais e até confundem-se com governos. Não é sem razão que alguns têm dúvidas se a China é capitalista.

 

O fato é que já não conseguimos distinguir as corporações exclusivamente privadas daquelas que se elidem sob a bandeira de estados-nações. Uns e outros traçam seus planos: ora como estratégias empresariais, ora como intervenções geopolíticas estatais. Concorrem entre si, mas sempre determinados pela lógica de circulação do capital em suas várias formas e em sua verdade inexorável: o capital é valor que se valoriza, mas a única mercadoria que efetivamente produz valor é a força de trabalho humano.

 

O capitalismo é o grande inimigo a ser enfrentado e vencido. Por isso o socialismo. Trata-se de um beco, mas tem saída. Embora saibamos que será foda ultrapassá-la. 

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Como sairei daqui?

 

Opinião

Não há saída fora do socialismo! Busquem onde quiserem. Aliás, é bom que se faça porque isso significa pensar. Sair da imobilidade que se satisfaz com a burrice compartilhada.

 

Mas, não haverá saída sem a superação do capitalismo e, salvo apresentem outra, a saída como superação do capitalismo é o *socialismo*.

 

Não há mapas, nem se chegaremos lá por GPS. Chegaremos construindo trilhas, derrubando e destruindo esse espinheiro agressivo e fedorento que enreda, cerca e constrange a sociedade. Que se fecha sobre si próprio tornando a vida não apenas dolorosa, sofrida e fedida, mas impossível e sem futuro.

 

Esse espinheiro sem saída que constrange trabalhadores e também capitalistas é um monstro que adquiriu vida própria e afastada da condição humana: chama-se capitalismo.

 

Vamos, sim, distribuir riquezas acumuladas pela exploração do trabalho alheio, vamos modificar o processo de acumulação, vamos intervir nos ciclos de rotação do capital, vamos cutucá-lo em todas as suas formas. Mas, isso não bastará.

 

Ainda que avancemos nos mecanismos que determinam uma concentração absurda de poder e riqueza contraposta ao aumento cada vez maior da miséria e exclusão, ainda assim, estaremos sem saída enquanto nos organizarmos como uma sociedade que vive em torno da mercadoria.

 

Tudo é mercadoria. Quem não tem alguma mercadoria, qualquer que ela seja, para imolar no altar do deus mercado está excluído. Não participa da sociedade. É isso que precisamos mudar, sob pena de destruirmos as nossas próprias condições de sobrevivência no planeta.

 

Candidaturas ou candidatos, plataformas ou programas, líderes ou arranjos políticos, mobilizações, greves ou agitações, nada merecerá apoio ou suporte se não tiver como referência: _a construção do socialismo com a consequente destruição do capitalismo, e a realização dessa transformação através de mobilizações sociais diretas visando a derrubada das discriminações decorrentes dos antagonismos de classes_.

 

Sem esses elementos as supostas lutas políticas serão quimeras, fantasias. Promessas de mudanças para que tudo fique como está. Aguinha de batata! 


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quinta-feira, 10 de junho de 2021

Dogs de Berlim e viralatas tupiniquins

Opinião

O advento da Netflix deu uma sacudidela no mercado de entretenimento cinematográfico, e um dos muitos efeitos secundários desse fato tem sido a divulgação de aspectos sobre as relações sociais contemporâneas  na Europa central que são interessantes porque vão além do modelo dominante pasteurizado pela cinematografia tradicional americana. 

As produções nada têm de revolucionárias em termos artísticos, adiante-se. Operam com tradicionais clichês da produção capitalista de bens e serviços: arte é mercadoria. 

Ocorre que as oportunidades de outras fontes e de outros focos de ambientação das produções permite a nós, no Brasil, vermos uma Europa até aqui desconhecida, distinta dos tradicionais postais e, surpreendentemente , bem  parecida com  o nosso dia a dia. Quem diria! 

Observo, e convido outros que o façam, que as ambientações e quotidianos sobre os quais os autores desenvolvem suas novelas ou series de costumes, apesar das características especiais: outro continente, outras culturas, outras situações socioeconômicas,  não diferem, em essência,  praticamente nada do que ocorre hoje, junho de 2021, nas grandes cidades brasileira, notadamente Rio e São Paulo. 

Alguém apressadamente poderá replicar que a escala é outra, mas a tréplica também é imediata: como medir? 

Quem quiser pode buscar na TV. As exibições são temporárias, mas  se repetem. Arte e refinamento não são suas especialidades. Como as novelas nacionais, repetem dramas mixurucas e sem criatividades. Mas, também como aquelas novelas, retratam em panos de fundo a realidade de modos e costumes locais. 

Uma dessas produções, que parece ainda estar em cartaz, tem o título: Cães de Berlim. Revela assustadoramente para os desavisados que em uma das mais modernas cidades do mundo, no século XXI,  há espaços com obstáculos físicos que são verdadeiras fronteiras entre o público e o privado. Territórios proibidos ao trânsito pedestre ou automotivo, incluindo a polícia. Bairros inteiros onde a polícia sabe que não tem jurisdição e nem pode realizar intervenções. Onde a lei e determinada pela gang ou milícia local. Soa familiar? 

Apartação social; a formação de guetos; discriminações xenófobas, de costumes, de religião, de raça e origens; a formação de poderes locais; limitação do poder do estado com territórios e fronteiras limites de poder; a exploração da miséria e necessidades humanas; o tráfico e a escravização de seres humanos; a promiscuidade entre os poderes informais e o político institucional sustentada pela corrupção – tá tudo lá, naquela europinha clean, objeto do encanto, desejo e dos uivos lamentosos dos capturados pelo complexo de viralatas. Alguns que até acreditam que esse é um mal de raiz tupiniquim,  deformação congênita irreversível que só se resolveria se a nossa sociedade fosse apagada da história para outro recomeço. 

Claro que é mais difícil para nós. Além do peso da nossa própria história e experiências políticas, sofremos carências econômicas que não se comparam, sem contar a situação política contemporânea nacional e internacional que subsume nossos destinos a outros contextos. Mas, também não avançaremos enquanto cultivarmos esse complexo babaquinha de incivilizados. Sentindo-nos menores porque por aqui um calhorda corrupto está no parlamento, na presidência ou  designado para uma embaixada no exterior, enquanto embasbacados vemos – na corte - ministros ou ministras, todos com carinhas responsáveis, indo trabalhar de ônibus ou de bicicleta, ou que são encontrados nas filas da padaria ou dos caixas eletrônicos, como “ gente comum ”. 

Ministros rosadinhos, administradores de países e cidades europeias ou nórdicas. Envoltas numa natureza bem cuidada e de beleza indescritível, sob as quais abrigam as imundícies de moderníssimas fábricas de psicotrópicos industriais, as maiores do mundo, que abarrotam o mercado internacional pervertendo crianças, jovens, adultos, idosos.


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