Crônicas de militante
A ideia era ousada: içar uma
faixa na Av. Pres. Vargas, no cruzamento com a Av. Passos, no Rio de Janeiro,
na largura de cerca de 14 metros, de um lado a outro de uma das pistas centrais
e numa altura de cerca de 17 metros das luminárias da avenida. Na faixa, letras enormes, pintadas em
vermelho, formavam a palavra LULA ao lado de um aparelho telefônico. Para
garantir leveza e baixa resistência ao vento, o material usado foi isopor
montado em uma rede de pescar. A construção foi no quintal de um companheiro e os
construtores foram os militantes e familiares, incluindo crianças. Nosso
objetivo era o comício em 10 de novembro de 1989, encerramento da campanha do
primeiro turno da primeira eleição direta para presidente após o término da
ditadura, e a categoria havia autorizado a participação das entidades.
A dificuldade estava na
instalação. Sem outro recurso, dispúnhamos apenas de um longo fio de nylon que
já havíamos estendido, em um evento anterior, desde uma sala no 17º. andar de
um prédio na esquina até o topo de uma das luminárias. O projeto de içamento da
faixa era uma obra de engenharia que se confundia com uma obra de arte. Um
conjunto infindável e emaranhado de laços e nós entre cordões e pontos da faixa
que deveriam ser passados, trespassados, puxados, repuxados, esticados,
suspensos e ajeitados numa sequência rigorosa, cujo produto final, como num ato
de ilusionismo, seria a faixa içada e esticada como queríamos. E essa mágica
precisava ser realizada durante a madrugada do dia do comício, com trânsito mínimo,
e pelos militantes que pudessem colaborar.
Foi grande a decepção dos
colegas que sabiam do projeto e não viram a faixa quando chegaram pela manhã
para trabalhar na Embratel. Ocorre que subestimamos as dificuldades e não
conseguimos. Entre tantos problemas, um cordão de nylon que estava impregnado
com cola e estendido na rua não pode ser recolhido a tempo ficando colado nos
pneus de um maldito caminhão que passou. O conjunto foi arrastado danificando
parte da faixa e embolando as linhas – um fracasso que nos fez desmontar o
circo e abortar a operação. Fomos embora para um resto de madrugada de insônia
e autocríticas. Mas, também de humor, porque um de nós que era um projetistas da teia de aranha que viabilizaria a suspensão da faixa, sofria de uma surdez
avançada que ele recusava tratar. Assim, apontamos a sua responsabilidade dizendo
que a faixa foi arrastada porque ele não ouviu os insistentes gritos de alerta
sobre a vinda do tal caminhão. Claro que ele não foi o responsável, mas o nosso
bom humor e camaradagem permitia e não poderíamos deixar passar esta oportunidade.
Mas, a manhã seguinte, dia
do comício, foi recompensadora. O estímulo dos companheiros que chegaram venceu
o desânimo pelo fracasso na madrugada, e decidimos que a faixa seria reparada e
que subiria, ainda durante o dia, visto que o expediente da tarde seria
liberado e a avenida interditada para o comício. Formamos, então, uma operação
de guerra, com militantes passando fios para lá e para cá, no meio da avenida, e
sem que ninguém entendesse o que estava ocorrendo. Os militantes sabiam que se
tratava de uma faixa, mas só uns poucos sabiam ou queriam compreender aquele
complexo esquema de laços e nós. A garra e a confiança bastavam. Puxavam daqui
e esticavam acolá, conforme fossem as instruções. Sem celular, as instruções
eram dadas como comandos, aos gritos e por sinais, em meio a uma multidão que
já se deslocava para o comício e alguns curiosos que assistiam. E a faixa subiu
linda, ainda dia claro, sob aplausos e abraços. Resistiu bravamente ao vento
durante todo o comício e podia ser vista desde a Candelária. A sua foto é uma
grata lembrança.
O comício teve a presença
estimada de mais de cem mil pessoas, e no segundo turno as forças de esquerda
agregaram-se num embate (que foi perdido) contra o Collor, representante da
direita. Mas, a partir daqui já é História do Brasil.
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