sábado, 28 de agosto de 2021

Na varanda do Tião

 

Leituras para distrair

 

Fizemos um encontro no sítio do meu compadre. Fazíamos sempre, e os presentes geralmente eram os mesmos, eventualmente alguns convidados novatos. Até onde lembro era um feriadão de semana santa, e algum dos presentes montou uma barraca de acampamento em frente à casa do caseiro que era a única infraestrutura do sítio além dos banheiros – a casa do Tião.  A que seria “a casa do sitio” ainda estava em construção.

 A casa do Tião tinha uma varandinha, um pequenino espaço coberto que nos abrigava quando havia chuva e onde, amontoados, em pé, bebíamos nossas cervejas e cachaças jogando conversas fora e nos divertindo. 

Aquele foi um dia de muita chuva. Tempestade. Encolhemo-nos na varandinha, a criançada ocupou a casa do Tião, e a natureza começou a se exibir despejando água, raios e trovões. Indiferentes bebíamos todas. Foda-se a natureza, estávamos abrigados. 

Então aconteceu um estalo próximo, um estrondo que cada um dos presentes narrará de um jeito. Sabíamos que o evento tinha ocorrido por alí. Um porra de raio atingiu e destruiu uma árvore lateral à casa e que serviu de para-raios. A tal árvore e seus pedaços só não caiu sobre a casa porque ficou sustentada pelas adjacentes. 

Como todo raio que se preze, o sacana induziu concentração de cargas elétricas em seu entorno com descargas subsequentes. Por sorte as descargas não tiveram intensidades suficientes para uma tragédia, mas foi um pega pra capar. 

Na saleta onde estavam as crianças foi um desespero. Sem luz natural devido à tempestade e sem luz artificial, o ambiente estava escuro. Faíscas brilhantes das descargas elétricas apareciam junto ao solo como se estivessem varrendo o ambiente e fazendo barulho. Um “trac trac” que surgia do nada e atravessava a pequenina sala, enquanto os adultos mandavam as crianças encolherem as pernas nos locais em que estavam. Choro e histeria total. 

Na varandinha, onde estavam os machões beberrões, saltitávamos descalços ou em sandálias de borracha, uma dança ridícula e improvisada, enquanto as faíscas pipocavam de uma parede a outra. Foi tudo muito rápido e apavorante. Como acalmar as crianças se estávamos todos cagados de medo? 

Passado o sufoco, todos ríamos nervosos e cada um de nós queria contar a sua experiência, como tínhamos vivido aqueles momentos. 

A tempestade reduziu e a deliberação consensual foi recolher tudo debandar de volta para nossas casas. Foi o que fizemos. Empacotamos tudo, coisas e crianças, e às pressas deixamos o sítio. A história parecia terminada, mas não foi assim.

 

No caminho de volta, uma das passagens sobre um curso de água estava completamente inundada e com forte corrente. Paramos em fila, 3 ou 4 carros, e avaliamos que a passagem era inviável. Tentar seria um risco que o juízo não recomendava. A tempestade e o susto da tarde fizeram desaparecer o efeito do álcool. Seria uma travessia noturna, sem qualquer visão, sobre uma ponte que sequer víamos. O que havia era apenas um fluxo caudaloso que tomou conta da passagem. 

O bom senso determinou que voltássemos deixando a “fuga” para o dia seguinte.  Voltamos à casa do sítio ainda em construção e, já acalmada a tempestade, organizamos o descanso das crianças e prosseguimos na bebericagem. Afinal ninguém é de ferro. Ai aconteceu o inusitado.

 

Estávamos bebericando e comentando as aventuras quando um farol iluminou a entrada do sítio anunciando a chegada de um carro. Era a minha comadre que até então não estava conosco, mas a sua chegada estava descartada, não só pela chuva, mas porque ela precisaria vir pelo mesmo caminho que pouco antes achamos impossível ultrapassar. 

A comadre chegou. Sedenta por uma cerveja gelada e sem compreender a nossa surpresa. Perguntamos a ela, insistentemente, sobre a tal passagem que achamos intransponível. Ela não entendia o nosso espanto, disse que teve algumas dificuldades devido à chuva e emburacou o carro sem medo através do tal curso d'água, na ânsia de chegar logo até nós e participar do encontro. 

Insistimos nos questionamentos, mas ela sequer notou a dificuldade, o perigo e o risco que correu ao atravessar a passagem. Foi uma gargalhada geral. Um segundo milagre. 

Nervosos ou dormentes com a cervejada, não importa, prosseguimos através da madrugada. Naturalmente o desejo da fuga desapareceu. O amanhecer foi para reconhecimento dos estragos e as reflexões sobre o que poderia ter sido uma tarde fúnebre, mas que acabou sendo mais um evento de alegria. A história ficou em nossa memória, cada um com suas lembranças e versão.

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Tião figura querida. Sanfoneiro autodidata, tinha uma sanfona de 8 baixos. Fizemos vaquinha e o presenteamos com um acordeão de 64 baixos que ele logo dominou. Cantamos e dançamos ao som da sua sanfona. Uma canção gravada pelo Jackson do Pandeiro tinha letra adaptada pelo próprio Tião:

Mané Gardino diz que era mentira minha; que a mulher que ele tinha não dançava com ninguém; eu disse a ele, cumpadre não se arrepare, cê vai ver como ela mexe quando tá no xenhenhém”. 

 



Em tempo: Não existia lei seca para os motoristas, e a nossa inexperiência se confundia com irresponsabilidade. Essa narrativa não faria sentido hoje.


terça-feira, 17 de agosto de 2021

Comi, bebi, nada mais a fazer aqui!

 Opinião

As imagens da retirada americana do Afeganistão, nos últimos dias 15 e 16 de agosto de 2021, para os da minha geração, parecem um remake das cenas da retirada de Saigon em 1975. Impactantes,  angustiantes e nada esclarecedoras sobre a realidade dos acontecimentos. Ao contrário, provocam uma enorme quantidade de informações atravessadas que não são falsas, mas são caricatas e escondem personagens e suas responsabilidades no caos reportado.

 O imperialismo capitalista se revela por inteiro. Usou o Afeganistão como mote para fazer presença militar na região e desempenhar a farsa que destruiu o Iraque. As populações locais foram simplesmente desconsideradas. Ficaram ao sabor das milícias que se constituíram ao longo de décadas de luta contra invasores, antes soviéticos e depois americanos. 

No pós-segunda guerra Japão, Alemanha e outros países centrais receberam grana e reconstruíram estados. No Afeganistão foi diferente Foram chupados enquanto serviam e deixados de lado quando o objetivo passou a ser o Iraque. O Taleban é uma merda, mas não é uma merda oportunista. Não nasceu ontem e nem floresceu como um estranho à cultura local. Não é por outra razão que ele se apossou imediatamente do país. A regra do imperialismo capitalista é uma só: Fodam-se os afegãos!   

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