Opinião
Há uma
distinção entre as questões: o que se espera e o que se deseja do governo
Lula. Elas se relacionam, mas são
distintas. O eleitor cuja motivação foi além da vontade de escorraçar a
extrema-direita do governo talvez esteja refletindo sobre elas, e será bem
fácil cair na armadilha de confundi-las.
A
expectativa em relação ao governo resultará de análises de vários fatores: das
condições que determinaram a formação da frente ampla que foi vitoriosa; dos
grupos e forças políticas que compuseram a frente e de seus interesses; do
resultado eleitoral específico e como um todo; do quadro socioeconômico do país;
do desmonte do Estado realizado pela extrema-direita derrotada; da fome e miséria que assola mais de 30
milhões de brasileiros; além do quadro socioeconômico e sociopolítico
internacional que está distante de ser um mar de rosas.
Cada
um desses aspectos é um mundo de possibilidades analíticas, congruentes ou
conflitantes, que até serão simplificadas pelo pragmatismo imposto pela realidade.
Contudo, ainda assim, esse é um campo onde os conflitos decorrem de divergências
de opiniões e não, necessariamente, de disputas.
Outra questão
é o que se deseja do governo, e isso vai além dos princípios comuns que
determinaram as alianças entre grupos distintos que se identificam exatamente
por desejos distintos. Daí, pode ser até que ocorram convergências de
propósitos, mas o natural e legítimo é que esses grupos disputem o governo que
elegeram em aliança.
Mesmo
que as circunstâncias que envolverem o governo em determinada situação política
possam estar dentro de certas expectativas, cada grupo trabalhará (ou deveria)
para que as respostas ou iniciativas governamentais apontem na direção de suas
metas políticas. Esse é essencialmente um campo de disputas, e é aqui a porca
torce o rabo e histórias se repetem.
Apesar
da correção política do discurso de Lula que não existem dois brasis e da sua
convocação para a união social, a realidade não é assim. Existem vários brasis,
e os trabalhadores, as categorias, os grupos sociais buscarão se organizar e
lutar embalados pelas palavras de ordens que sintetizam as suas reivindicações.
Um
governo para todos não fará o país caminhar na direção da redução das
desigualdades sociais, muito menos faze-lo saltar o enorme fosso de atraso e
discriminação em que chafurdaram a nossa sociedade. Lula sabe disso, certamente
bem melhor do que muitos de nós.
As possíveis
alternativas na tentativa de correção da enorme deformidade na distribuição de nossas
riquezas, que levou a miséria e que tornou famintos 30 milhões de brasileiros,
certamente conflitarão com os desejos dos grupos que apoiaram a derrota da
extrema-direita, mas que acumularam suas fortunas beneficiando-se justamente
dessas distorções.
Lula
já declarou explicitamente que seu governo não será um governo do PT, nem
poderia. Não acho que será simples para o Partido dos Trabalhadores tratar as
contradições que emergirão dessa situação, mas não sendo petista não me cabe
discutir os encaminhamentos partidários. Cabe-me, isso sim, embora possa
esperar que o governo Lula seja assim ou assado, empurrá-lo para que aponte
suas baterias na direção das metas políticas que nunca saíram do meu cardápio
de desejos.
Revogação
das reformas trabalhista e previdenciária; reforma agrária; redução de jornada
de trabalho sem redução de salários; Fim da destruição ambiental; demarcação
das terras indígenas; Educação, saúde, moradia e serviços públicos para todos;
revisão de privatizações e do pagamento da dívida ao sistema financeiro;
investigação e punição dos fascistas que destruíram o estado nacional e
assassinaram lideranças de trabalhadores.
Eu
estou no campo dos que desejam um governo que seja, antes de tudo,
instrumento de avanço e progresso social, e entre os que acreditam que o principal,
se não for único, suporte político com o qual o governo poderá contar será a
mobilização social cuja chama deve ser mantida acesa.
Desde
já, estou no lado oposto daqueles que acham que as mobilizações de
reivindicações perturbam a governabilidade e, especialmente, repudio o discurso
conservador, fácil, leviano, malicioso e recorrente que acusa os reivindicantes
de estarem fazendo o jogo da direita e do fascismo. ##### (escrito em: 07/11/2022)