quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O trem não pode atropelar o marinheiro.

Leituras para distrair

Uma das estações do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), a da Praça Quinze, centro do Rio de Janeiro, está sendo instalada bem ao lado do monumento ao João Cândido – o “almirante negro”, meu herói preferido. Outro dia passei pelo canteiro de obras e fui verificar o monumento. Estava desconfiado, incomodado, achando que iriam retirá-lo de lá, e ainda não estou certo se isso não irá acontecer.

O monumento está no local, mas o seu pedestal foi danificado  em diversos pontos e, também, a mão da estátua está danificada  e precisando de reparos (imagens abaixo). Não posso afirmar, mas acho que os danos decorreram das obras de revitalização do local. Certamente poderiam ter sido evitados, mas considerando as precariedades das nossas obras públicas não achei um absurdo, desde que, naturalmente, recuperem o estrago. As obras ainda não terminaram, e se o monumento não for recuperado, mesmo sem grande chance de sucesso, pretendo tentar identificar o órgão responsável e solicitar a recuperação. Manter a estátua do João Cândido conservada e, ali, onde ela está, é importante.

O monumento foi instalado num cantinho sem muito charme, quase espremido entre a antiga estação de aerobarcos e o prédio da Capitania dos Portos. Porém, apesar de escondido, acho que ali é um bom lugar, naquele cantinho da baía ele tem significado especial, pertinho das “pedras pintadas do cais”. Ocorre que as obras recentes transformaram o cantinho em um ponto nobre, e não surpreenderá se algum gaiato implicar com a presença do monumento naquele local. Especialmente nestes tempos de exacerbação de preconceitos, dado que foi o governo Lula quem anistiou o João Cândido em 2008, fato registrado no monumento.

Mais um novembro chegou e, com ele, as homenagens  a Zumbi dos Palmares pela passagem do dia 20, dia consciência negra. Mas, também a semana de 22 a 26 de novembro está associada a um dos mais importantes e significativos eventos da nossa história política, a Revolta da Chibata. Seria bom que a história e luta dos marinheiros, mais do que a mitificação da figura do João Cândido, fosse expressivamente resgatada nas comemorações e celebrações de novembro.

Aos eventuais leitores, como parte dessa celebração, convido para uma leitura (re-) de duas postagens que fiz nesse blog, ambas em 2013:  Um tal João Cândido Felisberto  (novembro 2013)  e  Chico da Matilde  (dezembro 2013). Tomara que gostem. 



Imagem publicada sem autorização – copiada de: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcc_10UAmmtPrAXcVNfoGD-LbmMQEQFnM_j7W2yZ8FIpKeMoBbrLpEEh20-5XurS9Ynpg1OHeITcPBhQCJ6q1e1zaqdnuYuvmI93QJq6zB0OMWtzXPIRLoThdTxxGyWtwk8DvC3VGw5PrM/s640/jo%25C3%25A3o+candido+1.jpg






Imagem publicada sem autorização – copiada de: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f3/Chibata.jpg/800px-Chibata.jpg

domingo, 20 de novembro de 2016

Take this Waltz


Leituras para distrair

Desculpem-me a ignorância artística, mas eu nunca soube praticamente nada sobre o Leonard Cohen, mesmo depois que passei a olhar com maior cuidado esses assuntos para poder conversá-los com amigos. O fato é que o cara morreu em 07 de novembro, último, e todos os jornais anunciaram fazendo resenhas etc. Acho que por aqui a morte dele foi mais anunciada do que sua obra.

A minha ignorância só não era total porque em 08 de abril de 1988 eu ganhei uma querida lembrança, um vinil gravado em 1986, celebrando 50 anos da morte de Garcia Lorca. Este sim, um artista de quem procurei saber muito. O vinil tem uma apresentação do Ian Gibson, autor da biografia do Lorca, publicada pela Editora Globo, que também recebi de presente em 1990. 

O título do LP é "Poets in New York" repetindo o título de um dos livros do poeta publicado pós-morte. São 14 artistas internacionais interpretando, em seus idiomas natais, canções que são poemas musicados do Lorca ou com letras baseadas em seus poemas. Para mim é uma joia, mas a minha opinião é suspeita, não é isenta.

Entre os artistas que participaram da gravação estão o Chico Buarque e o Fagner. Eles cantam uma música chamada A Aurora, um poema do Lorca traduzido pelo Ferreira Gullar.

No mesmo disco (justificativa dessas notas) há uma gravação do Leonard Cohen interpretando Take this Waltz uma letra que ele mesmo compôs/traduziu a partir do poema de Lorca. Sempre foi a faixa que mais gostei e fiquei impressionado especialmente com o grave da sua voz.

Nesses tempos de web, assumindo o que dizia querido amigo: “levem-me tudo, menos o youtube”, eu busquei as gravações do Chico/Fagner e do Cohen.

Da capa do vinil eu fiz um quadro que está na minha sala. São poucos os meus pertences dos quais eu goste tanto. Passo por ele todos os dias. Lembro do Lorca, do Chico do Cohen, mas especialmente de quem me presenteou. E lembrando tantos outros amigos queridos eu compartilho.










sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Não confundir ingênuos com traidores

Leituras para distrair

Um grande amigo mandou-me de presente um texto para leitura. Partilhamos as mesmas aspirações sobre as questões sociais, estivemos juntos em várias empreitadas defendendo nossas ideias, desenvolvemos uma forte amizade pessoal e, naturalmente, aprendemos a trocar impressões e reflexões, especialmente quando o horizonte fica com um aspecto de tempo ruim, quando é difícil  identificar o melhor caminho a seguir. 

O texto chegou em boa hora. O autor é um poeta argentino chamado Alejandro Pablo Rubino, pelo menos até onde pesquisei. Digo isso porque este texto também foi divulgado como da autoria de outro poeta argentino, mais conhecido, chamado Paco Urondo. Acho que é uma dessas confusões típicas da internet.
Recebi o texto em português, mas sem o registro do tradutor. Achei uma boa tradução, embora eu mesmo tenha trocado uma ou outra palavra caracterizando a minha versão. Mas, o texto original está em seguida para quem se interessar.
Vale o conteúdo. Gostei muito. O título é “Instruções para enganar o mau tempo” . O autor usou a expressão “capear el mal tiempo”. O termo espanhol “capear” se refere ao movimento que os toureiros fazem com a capa para ludibriar, enganar ou distrair os touros em suas pelejas. Acho que diversos companheiros com quem tenho trocado conversas também gostarão de ler. Então resolvi registrá-lo no blog.

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Instruções para enganar o mau tempo
Autor: Alejandro Pablo Robino

Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo. 
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha. 
Defenda-se. 
Contra a estética, ética. 
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal fudida.
Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Ao seu lado diga bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu quando o solicitem de cima.
Atire com o que tiver, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas serão sempre nossos. E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha. 
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros. 
Cuidemos das crianças que eles quererão amoldar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores. E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói nesses filhos da puta.

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Instrucciones para capear el mal tiempo
Autor: Alejandro Pablo Robino

En primer lugar, no se desespere y en caso de zafarrancho 
no siga las reglas que el huracán querrá imponerle. Refúgiese en la casa 
y asegure los postigos una vez que todos los suyos estén a salvo.
Comparta el mate y la charla con los compañeros, 
los besos furtivos y las noches clandestinas, con quien le asegure ternura.
No deje que la estupidez se imponga. Defiéndase. A la estética, ética.
Esté siempre atento. No les bastará empobrecerlo 
y lo querrán someter con su propia tristeza. 
Ríase estentóreamente. Mófese: la derecha está mal cogida.
Será imprescindible cenar juntos cada día hasta que la tormenta pase.
Son cosas simples, sencillas, pero no por ello, menos eficaces.
Diga hacia el costado buen día, por favor y gracias. Y la concha de tu madre
cuando lo soliciten desde arriba. Tírele con lo que tenga, pero nunca solo.
Ellos saben cómo emboscarlo en la desprevenida soledad de una tarde.
Recuerde que los artistas serán siempre nuestros. Y el olvido 
será feroz con la comparsa de impostores que los acompaña.
Todo va a estar bien si me hace caso. Sobreviviremos nuevamente, 
estamos curtidos. Cuidemos a los pibes que querrán podarlos.
Solo es menester bien pertrecharse y no escatimarnos amabilidades.
Deberemos dejar a mano los poemas indispensables, el vino tinto y la guitarra.
Sonreírles a nuestros viejos como vacuna contra la angustia diaria.
Ser piadosos con los amigos. No confundir a los ingenuos con los traidores.
Y aún con estos, tener el perdón fácil para cuando vuelvan con las ilusiones forreadas.
Aquí nadie sobra. Y eso sí, ser perseverantes y tenaces, escribir religiosamente 
todos los días, todas las tardes, todas las noches. Aún sostenidos en terquedades
si la fe se desmorona. En eso, no habrá tregua para nadie.
La poesía les duele a estos hijos de puta.

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