quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Bicho feroz ou fera ferida?

Opinião

Ao endossar a prisão do deputado federal que fez ameaças ao STF, os partidos e outras organizações da esquerda política afiaram o cutelo de uma guilhotina que mais adiante poderá ameaçar os seus próprios pescoços e cabeças.

É fato que as práticas e antecedentes do deputado são reconhecidamente canalhas e bastantes para se desejar o seu afastamento da Câmara dos Deputados ou de qualquer convívio social. Mas, a decisão do STF foi um ato autoritário, uma retaliação contra um representante que tem mandato popular com imunidade constitucional para a expressão de opinião, mesmo que tenham sido medíocres, estúpidas e absurdas como foram.

 Tolerar esse autoritarismo e, mais do que isso, endossá-lo é um equívoco. A decisão do STF, mesmo ratificada pela Câmara, está muito distante de alguma coisa parecida com defesa da democracia. Ao contrário, significou a imposição do Estado sobre a sociedade, uma inversão de valores que significa, na prática, uma relação ditatorial. E as vítimas futuras desse equívoco, não tenhamos dúvidas, serão os movimentos, organizações, simpatizantes e militantes da esquerda política.

 Sem fato específico que caracterizasse a verborreia do deputado como uma ameaça concreta de perigo iminente para a sociedade, a decisão do STF só desvelou ainda mais o casuísmo daquela corte. Infelizmente os partidos e parlamentares de esquerda embarcaram na canoa furada como se estivessem defendendo a nossa alegada democracia. Bobinhos! Renderam honras ao mesmo STF golpista de 2016 e colaboracionista da fraude eleitoral de 2018 que cassou a candidatura Lula e levou ao poder o governo Bozo que dispensa qualificações.

 Em 2018, um general golpista mandou recado para o STF – com cópia para quem quisesse ler - dizendo que a corte sofreria intervenção caso fosse concedido habeas corpus ao Lula. O esquema que praticou o golpe de 2016 não permitiria a candidatura de Lula em 2018. O STF nem precisou se considerar intimidado, cumpriu o papel que lhe cabia na armação. Enfiou o rabo entre as pernas, chupou a cana e fez cara de que estava doce. Lula se fudeu.

 Agora, em 2021, o mesmo general golpista em entrevistas registradas em livro ratificou as ameaças que fez. Para que não ficassem dúvidas, esclareceu que não se tratou de iniciativa pessoal, mas da quadrilha de forças armadas cobrando submissão das forças desarmadas. Só faltou desenhar.

 Outra vez o STF, que sabe o seu papel e posição nessa peça teatral, fez cara de paisagem – tudo normal, salvo uma nota tímida de um ministro que imediatamente foi ironizada pelo general. A propósito da pressão, disse o ministro “Anoto ser intolerável e inaceitável”, o general zombeteiramente comentou: “três anos depois?” Fez lembrar uma piada mundana onde alguém, de forma supostamente indignada, reclama de assedio: “Você tem 24 horas para tirar a mão da minha bunda”. O deputado merdinha, por sua vez, ao contrário do STF, não chegou a aprender o seu lugar, não decorou o seu papel. Achou que estava com a bola toda. Perdeu!

Os partidos e organizações de esquerda também parecem não ter aprendido o jogo ou esqueceram ou parece terem aberto mãos dos seus papeis. Em nome da defesa da democracia saíram em “apoio ao STF”, essa “coisa” que se transformou em um Estado dentro do Estado. Elevaram ao status de importante questão institucional a chicana que foi utilizada para colocar o deputado em cana. Amanhã serão as organizações da esquerda que estarão aí, obrigadas a prestar contas de suas opiniões sob ameaça de prisão.

O deputado merdinha e marombadinho continua no xilindró. Dizem que com mordomias, mas está lá. Os registros do seu depoimento em audiência de custódia mostraram que já não é bicho feroz, pareceu mais fera ferida. A valentia acabou. A cidade do Rio de Janeiro conhece bem esse tipo de figura. O falecido sambista “Bezerra da Silva” registrou em gravação inesquecível o samba de “Claudio Inspiração” e “Tonho Magrinho”. Ele cantava assim:

 Você com revólver na mão é um bicho feroz, feroz

Sem ele, anda rebolando e até muda de voz

 

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