terça-feira, 19 de abril de 2016

Golpe de sujos

Opinião 


O cenário caricato em que ocorreram as votações no último domingo, dia 17/04, na Câmara dos Deputados, visando o impedimento da presidenta eleita foi constrangedor, embora não tenha sido surpreendente. Mais importante do que as grotescas manifestações de votos foi a oportunidade dos deputados se revelarem para a sociedade. Cada um dos 511 deputados apresentou a sua cara e o seu rótulo. Confiantes em uma maioria de votos avaliada a priori e protegidos pelo sorriso cúmplice e irônico do presidente da Câmara dos Deputados, que atuou como para-raios da corja atraindo para si quase todos os xingamentos, que variaram de canalha, gangster, ladrão, chefe de quadrilha, imoral, entre outros, os golpistas sentiram-se relaxados e à vontade para expressar sem constrangimentos o seu ódio de classe, suas manifestações fascistas e os seus efetivos compromissos. Queiramos, ou não, ali estava a representação política da nossa sociedade. Não viu e não vê quem não quis ou não quer.

Embora esperado, o resultado não deixou de provocar uma sensação ruim de perda e de decepção.  Perda porque, concretizando-se o impedimento, certamente retrocederemos nos mínimos, mas tão significativos avanços alcançados nos últimos governos. Não valorizo os exemplos aqui porque, afinal, a discussão sobre eles tem sido feita desde as eleições presidenciais e, em última análise, foram eles que determinaram a vitória eleitoral da presidenta, resultado inaceitável pelos derrotados que promovem o golpe.

Mas, a perda maior vem junto com a decepção de constatar, entre as relações próximas, a existência de pessoas que apoiam o golpe sem qualquer constrangimento em se identificar com aqueles que, votando em seus nomes, protagonizaram a farsa do dia 17/04/2016.

Os votos golpistas homenagearam os militares de 64, o governo foi acusado de estimular as crianças a mudarem de sexo, alguns bradaram gritos de caça aos comunistas, outros apontaram os programas sociais do governo como uma ofensa à dignidade dos nordestinos. Houve até homenagem explícita ao ex-militar condenado como torturador, o cel. Brilhante Ustra, citado na declaração de voto como “o terror da Dilma” (O deputado que prestou a homenagem recebeu uma cusparada quando merecia ganhar uma porrada bem dada e no meio dos cornos). E tudo isto aconteceu sob o aplauso e outras manifestações de júbilo não apenas no plenário, mas também na assistência, entre os coxinhas do "sim".

Apoiadores do golpe argumentam que combatem a corrupção, que nunca houve corrupção igual, que o governo está tomado por uma quadrilha etc., mas não se sentem incomodados em comungar suas ações e pensamentos lado a lado com fascistas, torturadores, criminosos, reacionários e corruptos efetivamente comprovados. Alguns dizem que até votaram na presidenta e que foram traídos em seus votos. De uma forma geral, quase todos se ofendem por serem identificados como fascistas e coisa e tal. Mas, estavam todos lá, juntos. Comemorando o golpe. Tenho até me esforçado para distingui-los e tentado não generalizar minhas avaliações, mas sem muito sucesso. Curiosamente, o registro que melhor traduz o meu sentimento sobre esta questão é justamente o parágrafo final de um clássico da propaganda anticomunista dos anos 50:

“... Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco” (Orwell, George. A revolução dos bichos. Ed. O Globo: RJ; Folha de São Paulo: SP).

De minha parte, estou seguro em minhas afirmações e escolhas, e muito à vontade entre os que têm estado ao meu lado, até mesmo considerando alguns que votaram em meu nome, contra o impeachment, e com os quais não tenho qualquer sintonia política. Se havia alguma dúvida inconsciente, ela foi expurgada com aquele desfile hipócrita que pareceu uma versão de TFP ecumênica reunindo autodenominados católicos e evangélicos em nome de deus e em defesa da tradição, família e propriedade. Talvez aquele desfile tenha sido tal “legião” que seria enviada por “deus”, conforme o anúncio da moça, autora do requerimento de impedimento, durante uma sessão de endemoninhamento na faculdade de direito da USP, sob o aplauso de ilustres doutores.


Enfim, o resultado até aqui indica que ainda há muito que fazer para avançar, mas acho que estou no caminho certo. Cada vez mais vermelho, comunista e ateu. E sinto um orgulho enorme disto!