Opinião
O cenário caricato em que ocorreram
as votações no último domingo, dia 17/04, na Câmara dos Deputados, visando o
impedimento da presidenta eleita foi constrangedor, embora não tenha sido
surpreendente. Mais importante do que as grotescas manifestações de votos foi a
oportunidade dos deputados se revelarem para a sociedade. Cada um dos 511
deputados apresentou a sua cara e o seu rótulo. Confiantes em uma maioria de
votos avaliada a priori e protegidos pelo sorriso cúmplice e irônico do
presidente da Câmara dos Deputados, que atuou como para-raios da corja atraindo
para si quase todos os xingamentos, que variaram de canalha, gangster, ladrão,
chefe de quadrilha, imoral, entre outros, os golpistas sentiram-se relaxados e
à vontade para expressar sem constrangimentos o seu ódio de classe, suas
manifestações fascistas e os seus efetivos compromissos. Queiramos, ou não, ali
estava a representação política da nossa sociedade. Não viu e não vê quem não
quis ou não quer.
Embora esperado, o resultado não
deixou de provocar uma sensação ruim de perda e de decepção. Perda
porque, concretizando-se o impedimento, certamente retrocederemos nos mínimos,
mas tão significativos avanços alcançados nos últimos governos. Não valorizo os
exemplos aqui porque, afinal, a discussão sobre eles tem sido feita desde as
eleições presidenciais e, em última análise, foram eles que determinaram a
vitória eleitoral da presidenta, resultado inaceitável pelos derrotados que
promovem o golpe.
Mas, a perda maior vem junto com a
decepção de constatar, entre as relações próximas, a existência de pessoas que
apoiam o golpe sem qualquer constrangimento em se identificar com aqueles que,
votando em seus nomes, protagonizaram a farsa do dia 17/04/2016.
Os votos golpistas homenagearam os
militares de 64, o governo foi acusado de estimular as crianças a mudarem de
sexo, alguns bradaram gritos de caça aos comunistas, outros apontaram os
programas sociais do governo como uma ofensa à dignidade dos nordestinos. Houve
até homenagem explícita ao ex-militar condenado como torturador, o cel.
Brilhante Ustra, citado na declaração de voto como “o terror da Dilma” (O
deputado que prestou a homenagem recebeu uma cusparada quando merecia ganhar uma porrada bem dada e no meio dos cornos). E tudo isto aconteceu sob o
aplauso e outras manifestações de júbilo não apenas no plenário, mas também na
assistência, entre os coxinhas do "sim".
Apoiadores do golpe argumentam que
combatem a corrupção, que nunca houve corrupção igual, que o governo está
tomado por uma quadrilha etc., mas não se sentem incomodados em comungar suas
ações e pensamentos lado a lado com fascistas, torturadores, criminosos,
reacionários e corruptos efetivamente comprovados. Alguns dizem que até
votaram na presidenta e que foram traídos em seus votos. De uma forma geral,
quase todos se ofendem por serem identificados como fascistas e coisa e tal.
Mas, estavam todos lá, juntos. Comemorando o golpe. Tenho até me esforçado para
distingui-los e tentado não generalizar minhas avaliações, mas sem muito
sucesso. Curiosamente, o registro que melhor traduz o meu sentimento sobre esta
questão é justamente o parágrafo final de um clássico da propaganda anticomunista
dos anos 50:
“... Doze vozes gritavam, cheias de ódio, e eram
todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos
porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem
para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível
distinguir quem era homem, quem era porco” (Orwell, George. A
revolução dos bichos. Ed. O Globo: RJ; Folha de São Paulo: SP).
De minha parte, estou seguro em
minhas afirmações e escolhas, e muito à vontade entre os que têm estado ao meu
lado, até mesmo considerando alguns que votaram em meu nome, contra o
impeachment, e com os quais não tenho qualquer sintonia política. Se havia alguma dúvida
inconsciente, ela foi expurgada com aquele desfile hipócrita que pareceu uma
versão de TFP ecumênica reunindo autodenominados católicos e evangélicos em nome de deus e em
defesa da tradição, família e propriedade. Talvez aquele desfile tenha sido tal
“legião” que seria enviada por “deus”, conforme o anúncio da moça, autora do requerimento
de impedimento, durante uma sessão de endemoninhamento na faculdade de direito da USP, sob o aplauso de ilustres
doutores.
Enfim, o resultado até aqui indica
que ainda há muito que fazer para avançar, mas acho que estou no caminho certo. Cada vez
mais vermelho, comunista e ateu. E sinto um orgulho enorme disto!