Opinião
Os termos direita e esquerda políticas são quase
universais e as suas origens bastante conhecidas. Também não é novidade que não
são definições técnicas, ao contrário são expressões que ao longo do tempo suscitaram
variações de abordagens. Talvez frequentem mais os dicionários histórico-políticos
do que os filosóficos. Assim, ao ler recentemente
a coluna de um jornalista, filósofo, afirmando que as definições de esquerda e
direita têm sido “castigadas pela
história” [1]
considerei uma mensagem que não contém, a rigor, muita informação, servindo
mais como desvalorização dos termos em favor das convicções do colunista.
Na coluna citada, o jornalista aborda a busca de
alternativas para os termos esquerda e direita, fato que também não é novo, e
expressa a sua preferência pelas formulações de um terceiro autor que teria sugerido
a concepção de seis dimensões ideológicas formando um chamado “mapa ético” no qual a “esquerda” seria
uma representação enfática
(grifo meu) de duas dimensões - a proteção e a justiça - enquanto a “direita” seria uma mistura homogênea (grifo meu) das seis
dimensões propostas - proteção, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade. Até onde entendi,
o tal mapa ético seria uma espécie de cesta de valores, mas não consegui inferir se
esta distribuição de produtos nas duas cestas reflete a opinião do colunista ou do autor citado por ele. Também não consumi tempo pesquisando.
Minha primeira reação após a leitura foi desdém. Achei pueril
imaginar que proteção, justiça,
liberdade, lealdade, autoridade e santidade, no contexto da conjuntura
política, possam ser mais assertivos que direita ou esquerda. Recebi o texto
como sugestão de leitura e cheguei a pensar com os meus botões “Porra! Valorizar
isso?” Mas, foi apenas um espirro emocional. O amigo que me enviou o texto filtrou
e achou um mote interessante para conversas, aliás, foi assim que ele o
apresentou. E fazendo releituras verifiquei que a minha primeira impressão foi
injusta com o colunista porque ele mesmo concorda que a abordagem binária facilita
a identificação de aliados e inimigos, embora declare que acha a abordagem precária
e que passa a impressão de carregar um conteúdo profundo quando, em sua
opinião, é cada vez menor.
Quando fiz comentário desvalorizando o tema, o meu amigo replicou
indagando, então, sobre qual seria o meu mapa ético, numa provocação que não
aceitei. Quem quiser consumir tempo elaborando o que prefiro chamar de um jacá
de virtudes em vez de mapa ético,
que se dê ao trabalho de fazê-lo. Preferi não desviar minha atenção porque, na
situação atual, acho quase um exercício de besteirol, uma brincadeira de
almanaque. Porém, não apenas isso. Verifico que proposições como a do colunista
aparecem sempre quando estão em discussão questões explicitamente conflitantes
e claramente consoantes com as “desgastadas” bandeiras da esquerda e da direita
política. E mais, sempre surgem de alas
de pensamentos identificados com os da direita política que se constrange em
explicitar suas posições e, não querendo fazê-lo, buscam dispersar e desviar a
discussão para a sexualidade dos anjos. Em termos mais simples: quem tem dúvida
sobre esquerda e direita políticas, via de regra, é o cara de direita. Esse comportamento
não é muito diferente daqueles que inconformados com a implantação das cotas
raciais no sistema de ensino nacional apregoavam a tese que as pessoas sequer
saberiam responder com convicção se eram negras ou brancas.
Em momento nenhum eu desconsidero as indagações filosóficas
sobre qualquer assunto, até mesmo sobre o sexo dos anjos. Não tenho capacitação para
tal, e seria uma pretensão arrogante se tentasse fazê-lo. Mas, priorizo abordar
a realidade da conjuntura que vivemos e busco fazer tal abordagem sob uma
óptica de classe. Hoje, as questões políticas que considero mais importantes
não só para o nosso cotidiano, mas também para o nosso futuro e das nossas
gerações imediatas, estão materializadas sob a forma projetos políticos de uma
classe minoritária dominante que, vivendo uma crise do modo de produção, busca
sustento e recuperação aumentando a exploração de uma classe majoritária de
trabalhadores. Esse processo se faz pelo encaminhamento de projetos de reformas
na legislação, usando os seus representantes nos três poderes da república, e
se traduzem especificamente pela tentativa de desqualificar a organização dos
trabalhadores, além destruir conquistas acumuladas com muita luta pelos mesmos.
Nesse momento, enquanto rabisco esse texto, no senado
federal estão tentando aprovar projeto que acaba com a carteira assinada, décimo
terceiro salário, férias, FGTS, licença maternidade, jornada de trabalho,
representação sindical. Estão tentando aprovar o trabalho intermitente, o trabalho
temporário e o fim do trabalhador celetista em favor do autônomo com
terceirização indiscriminada. Sem contar as tentativas que estão sendo
realizadas para destruir a previdência social.
Eu não concordo com essas propostas. Por minha vontade, e
pela qual me empenho no limite das minhas possibilidades, estabeleceríamos uma
nova ordem política; implantaríamos um maior controle público do estado através
de conselhos populares e da prática de consultas públicas; realizaríamos uma apropriação
dos ganhos de produtividade com redução das jornadas de trabalho e aumento de
salários; a tributação das grandes fortunas, dos lucros, dos ganhos de capitais
e das altas rendas; daríamos prioridade para os projetos de evidentes
benefícios públicos; suspenderíamos os pagamentos até uma auditagem das dívidas
ora assumidas como dívidas públicas nacionais e internacionais, entre outras
medidas.
Essas são as questões reais e concretas que estão em
disputa e, a meu juízo é entre elas que devemos e precisamos escolher, tanto
como objetivo a alcançar, como meta imediata de lutas, demonstrando, então, o
que somos e o que queremos. É assim que eu vou enchendo o meu jacá! Não de
virtudes, mas de escolhas. E poderemos, a qualquer momento, a título de troca
de conhecimentos, uns sobre os outros, esparramar no chão os conteúdos dos nossos
jacás, avaliando se as escolhas que fizemos são de direita ou de esquerda. Duvido
que haja dúvidas na classificação, assim como ninguém tem dúvida em responder
se é negro ou branco numa discussão sobre cotas raciais para o sistema de
ensino.
[1]
O que é ser de esquerda? HÉLIO
SCHWARTSMAN - Folha de São Paulo 05/07/2017 – Disponível em http://m.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2017/07/1898551-o-que-e-ser-de-esquerda.shtml
- Acesso em 11/07/2017
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