terça-feira, 17 de março de 2015

15 de março 2015. Ovo da serpente ou rabo de jacaré?

Opinião

Dificilmente se poderá dizer que as manifestações do último dia 15 de março de 2015 não foram manifestações da direita política brasileira, por mais que alguns manifestantes e apoiadores reajam a esta classificação disfarçando-se em movimentos que tentam qualificar como “apartidários”.  Trata-se de uma parcela da sociedade descontente com a existência de um governo que traz consigo, congênitos,  cacoetes e compromissos públicos defesa dos pobres e trabalhadores, ainda que não os cumpra como deveria. Para a direita, a possibilidade desta transformação (que implica necessariamente em distribuição da riqueza) está no governo e pode ser vista crescendo. É como se o governo Dilma fosse, para a direita reacionária, a sua versão de ovo da serpente. A direita dá mais crédito a uma possível metamorfose das políticas de governo do que os próprios partidos de esquerda que também fazem oposição, mas justamente cobrando esta transformação. Com esta visão, a direita quer extirpar o governo, não importa se ele resulta da vontade da maioria.

Demonstração cabal deste fato foi o contraste entre as reações de repulsa e ódio contra os provocadores que, indevidamente, insistiram em exibir a cor vermelha nas manifestações e a tolerância para com as evocações de volta à ditadura e ao intervencionismo militar com a deposição da presidenta eleita. As apologias da violência contra comunistas e petistas, as incitações de violência contra o MST, as divulgações de mensagens e símbolos nazistas, entre outros, estavam lá, confortavelmente exibidas ao lado dos democráticos e “apartidários” manifestantes. As TVs até tentaram minimizar a ocorrência dessas manifestações, mas não conseguiram justamente porque foram muitas, e a realidade irrefutável é que elas foram acolhidas pelo “movimento”.

A nossa sociedade não vivenciou guerras, não enfrentamos catástrofes ambientais e nos formamos com uma enorme diversidade de costumes, mas sempre em torno de uma integração cultural desde o norte até o sul do país. As nossas verdadeiras revoltas políticas, apesar de terem tido caráter popular, sequer chegaram a ser caracterizadas como revoluções. Foram reprimidas e dizimadas com tamanha força e violência que sequer ficaram resquícios suficientes para nos dividir, como sociedade, em grupos de opções políticas. Assim, depois do maior período de democracia formal da história republicana, nossas últimas e significativas experiências políticas foram disputas eleitorais. Disputas que atingiram um acirrado enfrentamento nas últimas eleições e que geraram conflitos que estamos vivenciando como uma novidade. Mas, queiramos, ou não, a realidade é que há divisões enormes de pensamentos entre nós (brasileiros) que, de uma forma ou de outra, precisam aflorar, se mostrar.

Estes conflitos estão repercutindo em nossos ambientes de coexistência. Entre os colegas de trabalho, nos ambientes escolares, entre familiares, amigos, vizinhos ou companheiros de bar. E possivelmente nos agrupamentos religiosos onde a instituição religiosa não constitui, ela própria, uma organização de caráter partidário oficioso.  Não tenho expectativas que tenhamos maturidade para tratar tais questões. Elas são emergentes, e esperar a maturidade seria uma contradição. Tomara, sim, que estes grupos tenham desenvolvido valores comuns consistentes que sirvam de sustentação e coesão social durante o tempo que precisarmos para amadurecer e avançar em nossas disputas, sem precisar chegar a um esfacelamento completo das nossas relações. Mas, não tenhamos dúvidas, vivemos um momento de apartação decorrente das nossas escolhas políticas, e os movimentos de 15 de março, último, e outros que estão sendo anunciados são expressões da direita tradicional retrógrada e reacionária, embora alguns manifestantes permaneçam enrustidos.

O falecido Leonel Brizola, em suas tiradas irônicas e cáusticas, dizia nestas situações: “tem olho de jacaré, boca de jacaré, balança o rabo igual a jacaré ... e você quer me convencer que não é jacaré?"

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