quinta-feira, 5 de abril de 2018

É dois!

Leituras para distrair



Por favor, salada de atum! Fiz o pedido em um Bob’s no centro do Rio. Recebi um ticket com uma senha e esperei por um tempo que não terminava, embora fossem poucos os que aguardavam antes de mim. A demora me irritou. Expliquei para a atendente o que eu desejava - memória da juventude – pão de forma superficialmente torrado e apenas a pasta de atum. A explicação foi necessária porque, na versão atual, eu receberia algo impregnado de alfaces, tomates e outros estranhos e coloridos adereços que descaracterizaram completamente o tradicional e simples sanduiche que tentei reviver. O meu pedido precisou ser especificado “só na pasta” explicou-me a moça, com o desdém de quem estivesse tratando com um imbecil.

Em outros tempos o atendente gritaria o pedido para a cozinha, e a reação dos sanduicheiros poderia ser monitorada o que permitiria avaliar a demora no atendimento. Agora o cliente recebe uma senha, monitora um painel eletrônico e a ignorância é total – o sistema está rodando – a alternativa é aguardar distraindo-se com alguma atividade ou pensamentos.  

Assim, enquanto aguardava lembrei histórias que determinaram esse registro. Quando rapaz, morando e trabalhando em São Gonçalo (RJ), tinha o privilegio de almoçar em casa. Porém, outros colegas trabalhavam no Rio e, quando não consumiam marmitas, faziam as refeições em restaurantes que eram típicos do centro da cidade. Bancos giratórios organizados em torno de um balcão que formava uma ilha na qual ficavam os atendentes que anotavam pedidos e comandavam a cozinha. O serviço era padrão: podia-se pedir um prato principal e mais dois ou três acompanhamentos, a escolher.

Dois amigos queridos e sacanas eram empregados em uma mesma distribuidora de petróleo, e companheiros diários de almoço. Estudávamos juntos, os três, e à noite, quando nos encontrávamos, sempre havia histórias para narrar. Um dos amigos era desatento ao extremo e, invariavelmente, ficava em dúvida na hora de escolher a composição do seu prato. Quem já precisou fazer refeições diárias na rua sabe bem o que é isso. Tem horas que as comidas ficam todas iguais. Nosso amigo desatento elaborava o seu pedido enquanto pedia: purê, batata frita e ... ele sempre hesitava. A atendente experiente e sarcástica, melhor dizendo, uma boa filha da puta, interrompia complementando o pedido em voz alta: já sei, salada de batatas! Os demais clientes riam sacaneando o indeciso e suposto devorador de batatas colocado na berlinda pela atendente, até que um conjunto de impropérios encerrava a cena.

Outras vezes havia oportunidade de uma forra. Os dois sacanas escolhiam o mesmo prato, mas não pediam juntos. Um deles pedia e o outro aguardava alguns segundos para repetir o pedido. Eficiente, a atendente logo gritava para a cozinha comandando o primeiro pedido, então ouvia o segundo pedido feito com retardo e berrava complementando o pedido anterior: É dois! O erro crasso na concordância de número ecoava pelo restaurante provocando risadas e funcionava como uma vingança, politicamente incorreta em todos os sentidos, mas prazerosa.

Pensei nessa bobagem e sorri internamente enquanto a minha salada de atum não aparecia. Reclamei em voz alta. A eletrônica retirou o charme e a eficácia do atendimento no Bob’s. Conseguiram estragar o serviço do Bob’s assim como fizeram com o serviço do Correios! O desapontamento foi maior quando provei o “só na pasta”, uma coisa branca com sabor de atum, mas bem distante do meu desejo. Valeu porque o resgate dessa lembrança boa me fez bem.
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