Opinião
Finda a votação preliminar no Senado e afastada a presidenta
por decisão de maioria expressiva, parece que são poucas as chances de uma
alteração nos resultados quando o mérito do impeachment for votado. Sem dúvida
um golpe para quase todos nós.
Tomara, sinceramente, que eu esteja enganado, mas
coerente com as motivações que nos fizeram engajar na campanha contra o golpe,
suponho que viveremos um tsunami de ações conservadoras ou retrógradas em
relação aos avanços socioeconômicos das populações mais necessitadas e avanços
sociopolíticos da população em geral. Tudo isso associado a uma tentativa de demolição
dos simbolismos remanescentes de um governo popular. Nessa linha possivelmente
aparecerão denúncias mais expressivas sobre as mazelas dos governos petistas,
agora vistas “por dentro”, além de um avanço sobre o seu representante maior,
Lula. Quem sabe, a sua prisão ou cassação de direitos que permitissem o seu
retorno nas eleições de 2018.
Mas, essas são apenas especulações de militante,
resultado de conversas aqui e acolá. É difícil fazer projeções especialmente na
dinâmica com que as coisas acontecem por aqui. E não nos esqueçamos do fator
natureza. Não quero “matar” ninguém, ou melhor, não alguns, mas às vezes
tratamos os personagens como supernaturais e, no caso, Lula e Dilma, não nos
esqueçamos, são ambos acometidos de doenças graves, embora controladas, doenças
com patologias extremamente sensíveis às perturbações emocionais (que não
faltaram nos últimos meses). Qualquer um de nós sabe disso por experiência de
vida.
Precisamos, então, conversar sobre as próximas
batalhas. Mas, não é o caso de baixar a cabeça e investir cega e furiosamente
sem nem saber exatamente contra o quê ou quem. Este tipo de comportamento não
adiantará muito.
Os golpistas levaram o poder real, mas não ganharam o
discurso político, ainda que os meios de comunicação tentem fazê-lo a todo
custo. O movimento em torno da bandeira “não vai ter golpe” teve um resultado importante
e positivo.
Na medida em que o alvo direto dos golpistas foi
roubar o voto do cidadão apontando para a demissão da Dilma, e tendo ela a
história política que tem, foi possível uma aglutinação de forças que não
tiveram constrangimentos em abraçar a palavra de ordem “não vai ter golpe”,
independentemente das cagadas e contradições do governo petista. E, sem ter
como evitar o trocadilho, os golpistas acusaram o golpe. Não foi por outro
motivo que os discursos oposicionistas mais serenos no Senado tentaram
argumentar para destruir a tese do golpe. Um fato singular foi o tumulto
provocado no Senado Federal brasileiro pelo pronunciamento do argentino, Nobel
da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, ao mencionar a
palavra “golpe”.
O espetáculo circense dos deputados na votação do dia
17 de abril de 2016, as ações de Eduardo Cunha e de Michel Temer, o surto
enraivecido do juiz Moro, o apoio contra o golpe recebido de uma expressiva
parcela de personagens reconhecidos com integrantes de uma intelligentzia cultural nacional, além das mobilizações de alguns
setores organizados, superaram faltas importantes, por exemplo, o movimento
sindical, e permitiram um clima de enfrentamento com cabeça erguida até mesmo
diante das derrotas nas votações.
Um clima que gerou as imagens simbolicamente importantes da saída da
presidenta do palácio do Planalto, sem constrangimentos e resguardada pelos
seus apoiadores na população. Imagens que certamente circularam o mundo e que
são importantes para a continuidade dos enfrentamentos ainda que não se tenha
conseguido barrar o golpe.
Manter a aglutinação dos grupos e movimentos em torno de bandeiras que
foram levantadas como ameaçadas de extinção no caso do impeachment parece ser
uma possibilidade na qual deveríamos investir.
Existem discordâncias, naturalmente, se estas bandeiras faziam
efetivamente parte dos projetos do governo Dilma e do PT. Para o PSTU, por
exemplo, as medidas que possivelmente serão praticadas por Temer foram, a
rigor, gestadas no próprio governo Dilma. De minha parte não acho que esta seja
uma questão fundamental, nem me disponho a debatê-las em ambientes que não seja
no próprio PSTU que tem, ao meu juízo, uma leitura errada sobre o caráter do
golpe.
Identificando-me como alguém externo ao partido dos Trabalhadores, também
não valorizo cobrar autocríticas por suas mazelas partidárias, não importa o peso
que tenham tido para a situação chegar ao ponto em que chegou. Em minha opinião
os petistas deveriam fazê-lo, mas este é um problema do PT.
O tempo providenciará as discussões necessárias, e os enfrentamentos
recentes tem sido um exemplo claro de que nada melhor do que a luta para
realizar as filtragens que unem as ideias convergentes e que permitem separar
joio e trigo.
Bem mais importante para mim é o entendimento que, independentemente destas
interpretações, está mais que comprovado
que há bandeiras aglutinadoras e que há grupos
dispostos a levá-las em frente. É nesta direção que deveríamos e que me
disponho a caminhar, e com esta visão, acho importante considerar, neste
momento, pelo menos dois aspectos que usarei como referência em minhas ações.
Primeiramente, seria importante que o PT e os seus militantes não
cometessem o equívoco de avaliar esta conjunção de militância como um endosso
de suas ações e de seus governos. Muito menos se identificarem como
patronos dessa ainda insipiente, mas valiosa
união.
Há, sim, um espaço de luta comum, mas não se interprete este fato como
um retorno de ovelhas desgarradas ao rebanho militante petista. A aglutinação
tem sido, e será, contra o golpe e em favor de avanços nas conquistas sociais.
Não é uma defesa ou endosso do governo e práticas petistas
A comunhão mostrou com clareza quais são os pontos comuns e que é
possível lutar por eles, mesmo enfrentando a contradição de lutar ao lado de
partidários de governos e governantes cujas práticas tem estado supostamente distantes
das bandeiras defendidas. Constatamos, mais uma vez, que a luta nos ensina a superar tais
contradições na medida em que na militância ainda nos identificamos companheiros
com um ideal político comum. Será um engano prejudicial se o PT não interpretar
assim.
Outro aspecto que destaco é uma expectativa (minha, pelo menos) que a
experiência tenha sido o suficiente para que as instâncias e lideranças
partidárias petistas se voltem efetivamente para o lado onde está a sua
militância e outros companheiros unidos na luta contra o golpe, ou seja, nas
ruas, nas manifestações, em torno de palavras de ordem que contestam o status
quo político e que avançam nas conquistas sociais.
Tomara que os líderes e instancias formais partidárias não se voltem
para o outro lado, exclusivamente para o
covil parlamentar com a expectativa que lá é o campo em que a batalha deve ser
realizada.
Obviamente há uma ação a realizar no Senado, mas, lá não é a nossa arena
de combate. Tomara que as direções, parlamentares e instâncias partidárias não
se voltem para as confabulações, para os “acertos”, para os conchavos e para a
promessa de troca de favores em busca de
votos para evitar que se consolide a maioria de 2/3 nas votações de mérito no
Senado. Será uma boa oportunidade para o PT fazer valer a sua Resolução
Política de 19/04/2016:
“... Fazendo autocrítica na prática, o Partido dos
Trabalhadores tem reaprendido, nesta jornada, antiga lição que remete à
fundação de nosso partido: o principal instrumento político da esquerda é a
mobilização social, pela qual a classe trabalhadora toma em suas mãos a direção
da sociedade e do Estado”.
Mas, se a opção for seguirem esse caminho, se já chegaram naquela
situação da novela de Orwell e se sintam bem numa fazenda de bichos onde já não
se distingue gente e porco, então não haverá o que fazermos juntos.
Prosseguiremos nós.
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