sábado, 14 de maio de 2016

Impedimento foi do mandato, a luta continua!

Opinião

Finda a votação preliminar no Senado e afastada a presidenta por decisão de maioria expressiva, parece que são poucas as chances de uma alteração nos resultados quando o mérito do impeachment for votado. Sem dúvida um golpe para quase todos nós.
Tomara, sinceramente, que eu esteja enganado, mas coerente com as motivações que nos fizeram engajar na campanha contra o golpe, suponho que viveremos um tsunami de ações conservadoras ou retrógradas em relação aos avanços socioeconômicos das populações mais necessitadas e avanços sociopolíticos da população em geral. Tudo isso associado a uma tentativa de demolição dos simbolismos remanescentes de um governo popular. Nessa linha possivelmente aparecerão denúncias mais expressivas sobre as mazelas dos governos petistas, agora vistas “por dentro”, além de um avanço sobre o seu representante maior, Lula. Quem sabe, a sua prisão ou cassação de direitos que permitissem o seu retorno nas eleições de 2018.
Mas, essas são apenas especulações de militante, resultado de conversas aqui e acolá. É difícil fazer projeções especialmente na dinâmica com que as coisas acontecem por aqui. E não nos esqueçamos do fator natureza. Não quero “matar” ninguém, ou melhor, não alguns, mas às vezes tratamos os personagens como supernaturais e, no caso, Lula e Dilma, não nos esqueçamos, são ambos acometidos de doenças graves, embora controladas, doenças com patologias extremamente sensíveis às perturbações emocionais (que não faltaram nos últimos meses). Qualquer um de nós sabe disso por experiência de vida.
Precisamos, então, conversar sobre as próximas batalhas. Mas, não é o caso de baixar a cabeça e investir cega e furiosamente sem nem saber exatamente contra o quê ou quem. Este tipo de comportamento não adiantará muito.
Os golpistas levaram o poder real, mas não ganharam o discurso político, ainda que os meios de comunicação tentem fazê-lo a todo custo. O movimento em torno da bandeira “não vai ter golpe” teve um resultado importante e positivo.
Na medida em que o alvo direto dos golpistas foi roubar o voto do cidadão apontando para a demissão da Dilma, e tendo ela a história política que tem, foi possível uma aglutinação de forças que não tiveram constrangimentos em abraçar a palavra de ordem “não vai ter golpe”, independentemente das cagadas e contradições do governo petista. E, sem ter como evitar o trocadilho, os golpistas acusaram o golpe. Não foi por outro motivo que os discursos oposicionistas mais serenos no Senado tentaram argumentar para destruir a tese do golpe. Um fato singular foi o tumulto provocado no Senado Federal brasileiro pelo pronunciamento do argentino, Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, ao mencionar a palavra “golpe”.
O espetáculo circense dos deputados na votação do dia 17 de abril de 2016, as ações de Eduardo Cunha e de Michel Temer, o surto enraivecido do juiz Moro, o apoio contra o golpe recebido de uma expressiva parcela de personagens reconhecidos com integrantes de uma intelligentzia cultural nacional, além das mobilizações de alguns setores organizados, superaram faltas importantes, por exemplo, o movimento sindical, e permitiram um clima de enfrentamento com cabeça erguida até mesmo diante das derrotas nas votações.
Um clima que gerou as imagens simbolicamente importantes da saída da presidenta do palácio do Planalto, sem constrangimentos e resguardada pelos seus apoiadores na população. Imagens que certamente circularam o mundo e que são importantes para a continuidade dos enfrentamentos ainda que não se tenha conseguido barrar o golpe.
Manter a aglutinação dos grupos e movimentos em torno de bandeiras que foram levantadas como ameaçadas de extinção no caso do impeachment parece ser uma possibilidade na qual deveríamos investir.
Existem discordâncias, naturalmente, se estas bandeiras faziam efetivamente parte dos projetos do governo Dilma e do PT. Para o PSTU, por exemplo, as medidas que possivelmente serão praticadas por Temer foram, a rigor, gestadas no próprio governo Dilma. De minha parte não acho que esta seja uma questão fundamental, nem me disponho a debatê-las em ambientes que não seja no próprio PSTU que tem, ao meu juízo, uma leitura errada sobre o caráter do golpe.
Identificando-me como alguém externo ao partido dos Trabalhadores, também não valorizo cobrar autocríticas por suas mazelas partidárias, não importa o peso que tenham tido para a situação chegar ao ponto em que chegou. Em minha opinião os petistas deveriam fazê-lo, mas este é um problema do PT.
O tempo providenciará as discussões necessárias, e os enfrentamentos recentes tem sido um exemplo claro de que nada melhor do que a luta para realizar as filtragens que unem as ideias convergentes e que permitem separar joio e trigo.
Bem mais importante para mim é o entendimento que, independentemente destas interpretações, está  mais que comprovado que há  bandeiras aglutinadoras e que há grupos dispostos a levá-las em frente. É nesta direção que deveríamos e que me disponho a caminhar, e com esta visão, acho importante considerar, neste momento, pelo menos dois aspectos que usarei como referência em minhas ações.
Primeiramente, seria importante que o PT e os seus militantes não cometessem o equívoco de avaliar esta conjunção de militância como um endosso de suas ações e de seus governos. Muito menos se identificarem como patronos  dessa ainda insipiente, mas valiosa união.
Há, sim, um espaço de luta comum, mas não se interprete este fato como um retorno de ovelhas desgarradas ao rebanho militante petista. A aglutinação tem sido, e será, contra o golpe e em favor de avanços nas conquistas sociais. Não é uma defesa ou endosso do governo e práticas petistas
A comunhão mostrou com clareza quais são os pontos comuns e que é possível lutar por eles, mesmo enfrentando a contradição de lutar ao lado de partidários de governos e governantes cujas práticas tem estado supostamente distantes das bandeiras defendidas. Constatamos, mais uma vez,  que a luta nos ensina a superar tais contradições na medida em que na militância ainda nos identificamos companheiros com um ideal político comum. Será um engano prejudicial se o PT não interpretar assim.
Outro aspecto que destaco é uma expectativa (minha, pelo menos) que a experiência tenha sido o suficiente para que as instâncias e lideranças partidárias petistas se voltem efetivamente para o lado onde está a sua militância e outros companheiros unidos na luta contra o golpe, ou seja, nas ruas, nas manifestações, em torno de palavras de ordem que contestam o status quo político e que avançam nas conquistas sociais.
Tomara que os líderes e instancias formais partidárias não se voltem para o outro lado,  exclusivamente para o covil parlamentar com a expectativa que lá é o campo em que a batalha deve ser realizada.
Obviamente há uma ação a realizar no Senado, mas, lá não é a nossa arena de combate. Tomara que as direções, parlamentares e instâncias partidárias não se voltem para as confabulações, para os “acertos”, para os conchavos e para a promessa de troca de favores em  busca de votos para evitar que se consolide a maioria de 2/3 nas votações de mérito no Senado. Será uma boa oportunidade para o PT fazer valer a sua Resolução Política de 19/04/2016:
“... Fazendo autocrítica na prática, o Partido dos Trabalhadores tem reaprendido, nesta jornada, antiga lição que remete à fundação de nosso partido: o principal instrumento político da esquerda é a mobilização social, pela qual a classe trabalhadora toma em suas mãos a direção da sociedade e do Estado”.
Tomara que estejam saturados de traições e de engodos. Saturados de se emporcalharem no ambiente fétido das barganhas parlamentares. Isto, naturalmente, partindo do princípio que este ambiente lhes é hostil e que não estejam irremediavelmente, eles próprios, insensíveis ao cheiro de povo.
Mas, se a opção for seguirem esse caminho, se já chegaram naquela situação da novela de Orwell e se sintam bem numa fazenda de bichos onde já não se distingue gente e porco, então não haverá o que fazermos juntos. Prosseguiremos nós.


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