sábado, 19 de março de 2016

Os amigos e os cajus

Leituras para distrair
Recebi a foto de um kit, que o remetente ironicamente identificou como “kit Jorge”, contendo uma lata de pinga Pitú e alguns cajus. Gostei da brincadeira e fiz alguns comentários.

Eu não pratico tanto, mas gosto de um caju amigo. Uma peça carnuda de caju cortada em filés sobre uma tábua de madeira, uma boa pinga, e o momento máximo: mastigar um filé de caju e, em seguida, degustar a pinga. Uma delícia! Ainda que possa ser um atentado contra a saúde.

Conheço pessoas que invertem o ritual. Primeiro a pinga e, depois, o caju como um tira-gosto. Não é o meu caso, mas é besteira discutir este detalhe. Vale o prazer. 

Não é um ritual para se praticar sozinho. Eu e um antigo companheiro, cujo contato perdi, praticávamos o caju amigo em uma pequena propriedade que tive e que chamávamos de “sitio”.

O caju amigo me traz duas lembranças especiais. Uma delas, como não deixaria de ser, é gonçalense. Ainda estávamos no colegial, lá em São Gonçalo, quando íamos ao bar do Adelino, na Vila (Zé Garoto), e bebíamos um caju amigo, eu e o meu querido e falecido compadre. Lá o caju não era servido em filés, era espremido em um copo do mesmo tipo onde era servida a pinga. Copo simples, de fundo alto, antes era chamado copo de cachaceiro, hoje é chamado de shot. Ali, em pé, no balcão, bebíamos em dois goles. Meu compadre bebia primeiro a cachaça, eu bebia primeiro o caju, a pinga ia em seguida. Hoje o Adelino seria preso por vender bebida alcoólica a menores. As conversas, as piadas, as expressões e comentários eram sempre os mesmos. Tudo fazia parte do ritual. Um dos tantos rituais que consagraram uma amizade que só me trouxe felicidade.

Outra lembrança é de uma tarde em um local distante, uma quase esquecida estação da Embratel, em Boa Vista, Roraima, ou Macapá, Amapá. A memória é falha, e nunca mais voltei lá. Era uma estação dos antigos sistemas de tropodifusão com suas antenas lindas, erguidas como enormes muralhas de metal no espaço e que pareciam peças de ficção científica. Poucos profissionais de telecomunicações tiveram a oportunidade de conhecer aqueles equipamentos que eram a alternativa de comunicações na amazônia antes do advento do satélite.

O terreno lateral ao da estação continha vários cajueiros e uma mangueira enorme com uma sombra magnífica. Grande o suficiente para abrigar uma birosca e alguns bancos de madeira. Nada em volta, só mato e a casa do caseiro da estação. Não sei de onde saía a clientela da birosca. Terminamos o trabalho e fui levado para conhecer a birosca e o caju amigo. Uma pinga deliciosa e os tamanhos dos cajus eram impressionantes, pelo menos para mim.  Tudo se ajustava naquela tarde, parecia um momento ensaiado. Estávamos eu, um companheiro da engenharia de Belém, outro colega do Rio e o pessoal da estação local. O resto não preciso relatar, nem conseguiria. Basta fechar os olhos e deixar a imaginação fluir deliciosa como flui um caju amigo.

Sobre o kit para caju amigo, eu já o vi no supermercado próximo ao Largo do Machado, aqui, no Rio. Achei interessante, embora eu não goste muito do sabor da Pitú, uma pinga pernambucana reconhecida internacionalmente. Não sei se existe alguma Pitú especial. A comercial eu não gosto. Porém, gosto não se discute, mais vale um gosto do que dez vinténs, como dizia a minha avó Olga.
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Nota: este registro foi elaborado em novembro de 2015 



quarta-feira, 16 de março de 2016

Uma Klan tropicalizada


Opinião

Recebi de um amigo as imagens abaixo. Elas resgatam a similaridade das manifestações que se desdobraram na ditadura de 1964 com as manifestações do último dia 13 de março de 2016. Fiz alguns comentários que compartilhei entre amigos e familiares e reproduzi aqui para registrar a minha opinião. 

Parece que a história se repete como farsa. Farsa no sentido de burlesco, de caricatura sem compromisso, como disse o velho Karl no “18 de Brumário”1. E ainda recorrendo ao "velho": os homens fazem a sua própria história, mas não fazem segundo a sua livre vontade porque eles não determinam as circunstâncias. Elas lhe são dadas, transmitidas. 

Eu não saberia reproduzir com exatidão sem recorrer à estante de livros e copiar o texto, mas este não é o caso. A ideia está correta.

E as circunstâncias estão aí, impondo-nos escolhas que possivelmente teremos que fazer ainda que não queiramos. No caso, acho que cada um de nós precisará escolher um lado. 

Isto não seria um problema porque, afinal, política é isto: escolha. Contudo, tomara que eu esteja errado, as coisas caminham de uma forma em que não haverá vários os lados, mas talvez apenas dois. Nem mesmo a abstenção será uma alternativa em si própria.

Minha escolha já fiz. Não farei parte dessa massa que incorpora e que caminha lado a lado de uma elite minoritária brancosa e fascista cujo projeto estratégico (e escroto) é a consolidação de uma sociedade excludente e desigual disfarçado de um discurso de combate à corrupção.

Sei que os manifestantes não são todos fascistas, que alguns querem efetivamente um país melhor etc. Mas, o fato é que estão juntos e fortalecendo os fascistas, exploradores, vendilhões das riquezas nacionais, além de outros atributos.

Então, Fodam-se! Se a distinção é necessária, eles que a façam. Até lá, considero que todos formam um bando de Filhos das Putas.

De meu lado, arco com o ônus de ser identificado com grupos e práticas políticas que abomino e com os quais já me incompatibilizei há muito tempo. Não será simples, mas é a parte que me caberá neste latifúndio. Sempre fiz isto e continuarei fazendo.

Como já disse, tomara que eu esteja errado e não precise realizar escolhas em conjunto tão restrito de alternativas. Especialmente porque a consequência imediata possivelmente será a perda ou afastamento de relações afetivas queridas.

Mas, se for necessário, assim será. Não sinto vergonha, não disfarço os meus projetos, nem me mobilizo pelas chamadas à luta convocadas pelos jornais da Globo.

Em hipótese nenhuma me confundirei com esta burguesia coxinha e babaca que sente vergonha de ser brasileira, que abomina a miscigenação característica da nossa sociedade, que odeia o pobre em vez de odiar a pobreza. Esta versão verde-amarela de Ku Klux Klan. Aliás, como o meu amigo bem observou, nada tão simbólico como estarem quase todos vestindo camisa da insuspeita CBF.
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1.
O 18 de Brumário de Luis Bonaparte é considerado um dos textos mais importantes de Karl Marx onde ele relata e analisa um golpe de Estado ocorrido na França em dezembro de 1851 comandado por Luís Bonaparte que havia sido eleito presidente três anos antes e impôs uma ditadura declarando-se imperador Napoleão II. Luís Bonaparte era sobrinho do Napoleão Bonaparte que todos conhecem (aquele da mão enfiada no casaco), também ditador, e que havia se coroado como imperador da França em 1804.
Em 1789, na Revolução Francesa, os revolucionários mudaram o calendário alterando a quantidade de dias da semana, a quantidade de semanas dos meses, os nomes dos meses etc. Essa mudança durou até o ano de 1805. Quando Napoleão Bonaparte (o da mão no casaco)  foi coroado era o dia 18 do mês de Brumário pelo calendário revolucionário. O livro de Marx tem um título que ironiza a situação. O golpe de Luís Bonaparte foi dado no aniversário da coroação do seu tio, assim teria sido o 18 de Brumário do sobrinho, 47 anos após o golpe do tio.
A primeira publicação do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, escrito por Marx, foi em 1852. Atribui-se a sua relevância ao fato de ser um exemplo concreto de um método de análise que hoje se denomina análise marxista.

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