segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Um preto velho em Jerusalém

Leituras para distrair

Recebi um pedido para identificar um vídeo com o trecho de uma peça musical onde um personagem questiona a autoridade religiosa de outro, um “preto velho”, para falar de Jesus. A defesa do intimado é uma mensagem de sincretismo religioso e filosófico linda na apresentação e no conteúdo.  A busca se transformou em um presente, tipo um saquinho de doces de Cosme e Damião que as crianças revolvem descobrindo guloseimas. Achei coisas bonitas que tentei organizar para compartilhar com quem quiser. Adianto que não se trata de proselitismo religioso, mas um convite para um passeio pelo belo.

O vídeo é trecho da ópera Alabê de Jerusalém do compositor musical Altay Veloso, e o trecho que recebi para identificar chama-se “A defesa de Alabê(https://www.youtube.com/watch?v=RvlQV2Qjpjs ).

A ópera foi composta a partir de um livro do mesmo autor intitulado “Ogundana: o Alabê de Jerusalém “ (Ed. Avatar – 2007). Trata-se de uma narrativa da vida de Jesus Cristo  do ponto de vista de um negro africano contemporâneo de Jesus. A ópera foi encenada em 2007 no Teatro Municipal, no Rio, e há um DVD sobre sua gravação que conta com a participação de feras do mundo artístico nacional: Bibi Ferreira, Lucinha Lins, Elba Ramalho, Alcione, Lenine, Jorge Vercillo, Fafá de Belém, Ivan Lins, Leny Andrade, Emilio Santiago entre outros. Tão belo, ou mais, que o video em pauta, é um extrato da ópera cantado pelo seu autor em uma apresentação no programa Sr. Brasil, do Rolando Boldrim, e que inclui um diálogo entre a mãe de Jesus e a mãe de Judas. Não posso afirmar sobre a ópera, mas garanto que a apresentação do Altay no programa Sr. Brasil é de mexer com a emoção das pessoas, não importa a religiosidade  (https://www.youtube.com/watch?v=fk8O3ufSHgE).

A história do roteiro e da elaboração da ópera está narrada pelo próprio Altay Veloso em uma entrevista ao Jô Soares – a entrevista é grande, mas vale a pena aturar a chatice do Jô e assistir a narrativa  do Altay que inclui curiosidades e flashes interessantes (https://globoplay.globo.com/v/1979063/).

Em 2016 a escola de samba Viradouro, de Niterói, desfilou no grupo de acesso com o enredoO Alabê de Jerusalém: A Saga de Ogundana”. Não tenho saco para assistir desfiles de escolas de samba, mas a Viradouro fez um vídeo que não é sobre o desfile em si, mas sobre o enredo. Um vídeo que permite apreciar a beleza do samba, música e letra, com o qual a escola  desfilou e arrancou um terceiro lugar (https://www.youtube.com/watch?v=QTRy_-nMrk4). Os autores acertaram em cheio  ao fazerem um samba com a mensagem de valor político contemporâneo e que endosso completamente. 

Oh! Meu Brasil / Cuidado com a intolerância / Tu és a pátria da esperança / À luz do Cruzeiro do Sul / Um país que tem coroa assim tão forte / Não pode abusar da sorte / Que lhe dedicou Olorum.

Guardarei o Alabê, acho super legal quando a arte consegue resgatar a essência e simbolismos dos mitos religiosos despindo-os de características impróprias que geralmente são agregadas e impostas por autoridades eclesiásticas visando domínio e poder sobre os crentes. O romancista Jose Saramago fez isso em seu “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (Ed. Companhia das Letras – 1991). Uma narrativa de beleza incomparável que lhe custou a censura da igreja católica e saída de Portugal para viver nas ilhas Canárias.  Guardo-o com cuidados em minha estante, assim como guardo, também carinhosamente, o  LP em vinil da maravilhosa ópera Jesus Cristo Superstar que trata com uma humanidade delicada as supostas angústias de Judas. A cópia vinil que ganhei e guardo é do álbum original, onde o personagem Jesus é cantado por Ian Gillan vocalista da banda Deep Purple com a memorável interpretação de Gethsemane – I Only Want To Say (https://www.youtube.com/watch?v=gq09Q1UGUl0). Nesses tempos de Rock in Rio, é rock de pura qualidade.

Terminando, manifesto o meu bairrismo. Altay Veloso também é nascido e criado em São Gonçalo, RJ, cidade que completou 127 anos de emancipação política em 22/09/2017.          

Nota: os links foram acessados em 25/09/2017         

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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

O muralha e a canalha

Opinião

Não gosto de futebol, embora carregue o meu quinhão da herança cultural de ter nascido no país que foi reconhecido internacionalmente pelo talento dos atletas e pelos resultados das seleções de clubes e das seleções nacionais nas competições desse esporte. Não torço por clube, não tenho saco para assistir jogos, nem mesmo da seleção brasileira, só participo de conversas para sacanear aficionados torcedores e nunca sei qual a competição do momento.

Aponto esse distanciamento para valorizar a minha indignação ao ver uma matéria estampada na primeira página do jornal carioca Extra, na edição de hoje, 01/09/2017. Em parte superior, com o título de “Comunicado” e a foto de um jogador, em duas colunas de sete linhas, o jornal informa aos seus leitores que, a partir de hoje, não mais publicará a palavra Muralha associada ao nome do goleiro do Flamengo, esse é o apelido do jogador, considerando as suas falhas recentes na atividade de goleiro. Verifiquei que o jogador, Alex Roberto Santana Rafael, o Muralha, tem sido o pivô de acirradas discussões em torno de sua contratação pelo Flamengo.

Não tenho qualquer simpatia pelo Flamengo, muito menos pelo Muralha cuja existência só tomei conhecimento hoje. Contudo, acho um absurdo a mobilização do jornal atacando a figura de um profissional que exerce a sua função, não importa o juízo que se faça dela. Se o jogador é bom ou mau goleiro, se o Flamengo fez ou não um bom negócio, se ele atende ou não às expectativas da torcida do clube, nada disso justifica uma empresa – o grupo Globo de jornalismo – expor e atacar individualmente o jogador como o fez com a matéria de hoje. É uma ação escrota, canalha, covarde e medíocre.

As relações no futebol são estabelecidas por interesses de empresas e de empresários. Não sei se é o caso, mas pode ser que os interesses de empresas e empresários associados ao clube de futebol e ao jornal estejam em conflito, contudo nada disso justifica o linchamento que o jornal está promovendo. Outro jornal, não sei o nome, publica a foto de um frango depenado com a cabeça do jogador, associando a imagem ao gol que ele tomou na última partida. É uma caricatura feia e ridícula, mas está publicada como matéria em jornal que trata cotidianamente dessa forma os assuntos do futebol. Não é novidade. É ofensiva, mas não é uma campanha direcionada. Trata-se de um deboche que instiga as torcidas e promove a venda do jornal. A matéria do jornal Extra, ao contrário, é especial, publicada como se fosse anúncio de matéria paga ou obrigatória. Por interesse ou falta de colhões dos editores do jornal, ela não ataca o clube nem outros empresários, o profissional que engoliu o frango é quem está pagando o pato. Uma covardia.

Com todas as distorções que se conhece no futebol, talvez uma das atividades mais honestas seja aquela realizada pelo jogador em campo nos minutos de duração da partida, fazendo ou tomando dribles, fazendo ou tomando gols. Não há como ignorar a matéria do Extra – até no relato do desempenho de um jogador de futebol essa “grande” mídia brasileira consegue se revelar como um lixo.

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