sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O Bacalhau do Andarilho

 Leituras para distrair

Daqui a alguns dias faremos um encontro para conversas na casa de um amigo. O prato principal será bacalhau, e tendo em vista  o hábito  do dono da casa de vaguear durante a pandemia quando deveria sossegar o rabo em casa, para sacaneá-lo, batizamos o evento de Bacalhau do Andarilho.

A aproximação do nosso Bacalhau do Andarilho trouxe algumas lembranças sobre as quais já conversei com alguns, mas que resolvi registrar, apenas como exercício.

Tomo como referência a minha família de infância: um casal e três filhos homens, sustentada por um operário metalúrgico. Assalariado e sem qualificações especiais além da sua experiência. Só após 10 anos de casamento conseguiu alugar uma casa para a família. Até então, morava em uma "casa de fundos" , propriedade de parentes próximos, sem compromisso de aluguel. Essas informações visam apenas formar o contexto sócio econômico.

Para aquela família, e naquela época, o bacalhau era acessível, logo não devia ser tão caro. E não eram imitações. Era comum achar nos armazéns, para usos diversos, as caixas de armazenamento dos peixes importados, todas com aquelas palavras estrangeiras estranhas e incompreensíveis.

O bacalhau, pelo menos em nosso campo de relações, embora frequente nas mesas, não era idolatrado como alimentação especial. O consumo era maior nas festas religiosas da semana santa quando era "proibido" o consumo da carne bovina. Naturalmente estou relatando memórias de uma experiência particular, não tenho como comprovar e generalizar essas afirmações. São memórias com a intenção exclusiva de estimular lembranças de cada um e conversas entre nós.

As carnes bovinas, essas sim, eram a essência da dieta. Carnes de primeira e de segunda. Ainda hoje não sei identificá-las para exemplificar. O que recordo é que o consumo dos chamados bifes era um hábito comum, mas nas famílias maiores não dava pra fazer um bife para cada um. Não haveria carne que bastasse. Muito menos contemplando as preferências do privilegiado: bem passado, mal passado, ao ponto, etc. As soluções em quase todas as famílias eram a carne moída e os ensopadinhos.

A carne picada em pequenos pedaços rendia. Cozida com batatas, chuchus, cenouras e similares, compunha o que os paulistas chamam de "mistura", o complemento proteico do prato. Brilhante solução!

A carne moída, até então, era assada ou cozida e, após, passada na maquina de moer (conheço alguém que tem uma coleção delas). Só no final da minha infância, em Saigon, os açougues se equiparam com máquinas elétricas para vender diretamente a carne moída crua.

Os almoços de domingo eram especiais. Galinha e maionese determinavam a especialidade das refeições. A galinha era um frango criado no quintal ou comprado vivo no aviário.

Nas proximidades da nossa casa o principal aviário era de "seu Abdala", e o atendimento feito por seu filho "Pedrinho" um rapazola mais velho que eu (ainda criança) e adorado pelas senhoras freguesas locais. Lá comprávamos eventualmente os frangos vivos ou, frequentemente, ovos em dúzias inteiras ou meias, cada um deles inspecionados por Pedrinho.

Havia uma caixa com uma lâmpada incandescente interna e um orifício. Pedrinho aproximava o ovo (da galinha)  do orifício, examinava o seu interior contra a luz para ver se estava fertilizado. Estando ok, embalava a quantidade desejada em jornal. Hoje aprendi na internet que o Pedrinho fazia uma "ovoscopia" e quem quiser pode aprender os segredos do processo no youtube.

Os frangos, coitados, tinham um destino triste (não mudou). Passavam alguns dias ainda vivos no quintal, presos por uma das pernas. Eram executados por minha mãe num ato de degola. Uma das nossas tarefas era recolher folhas de alfavaca, que florescia em quantidade nos canteiros do nosso pequeno quintal, e que servia para o tempero das carnes. Após a degola e o colhimento do sangue, o frango era banhado em água fervente, depenado e cortado para o cozimento de suas partes.

Em nossa casa, pés e cabeça eram dispensados – ninguém consumia canja. Quanto aos miúdos, eu não tenho lembrança, nem todos eram consumidos. Sob o meu olhar atual, acho até que era um luxo. Nossa mesa era basicamente de coxas (não havia o termo sobrecoxas), peito, pescoço e asas. O cú do frango, alguns chamam de "sobre", não era valorizado em nossa mesa e hábitos.

O que chamávamos de maionese, e que compunha o prato especial do domingo, era uma salada de verduras, batatas, chuchus e cenouras cujo molho era feito de gemas de ovos cozidos amassados com garfo e inundados com azeite (que assim como o bacalhau não era uma excentricidade culinária). Bem parecido com um salpicão.

Interessante, para mim, é que a sobremesa não fazia parte do nosso ritual alimentar, embora a minha mãe fosse uma doceira de mão cheia.

Foram domingos fartos, felizmente. Em alguns deles o protagonismo principal era o da carne assada (carne de segunda, especial para assar) e, algumas vezes, o bacalhau. Só vim a conhecer e desfrutar do "churrasco" já na vida adulta.

Um tempo bom. Pobreza sem miséria. Claro que a última existia, mas ainda era distante de um bairro de operários assalariados e empregados. É possível uma vida digna e sem luxos.

 

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sábado, 20 de novembro de 2021

Zumbi - mais vivo do que nunca

 Opinião

 

Sabemos que a história não é uma coisa sem vida, inerte, de relatos acabados e imutáveis. Ao contrário, ela é viva, tem movimento permanente e as narrativas dos fatos e suas interpretações são disputadas pelas gerações.

No Brasil, infelizmente, a historiografia oficial ainda prevalece como o relato das classes dominantes desde a nossa fundação como nação. Não é de espantar o "esquecimento" de trajetórias negras e de muitas outras.

 Mas, há exceções importantes. E a mais significativa é exatamente a que se comemora hoje, o dia da Consciência Negra, 20 de novembro. Uma celebração que avançou como fruto das lutas empreendidas pelos chamados movimentos negros, e que se impôs ao marco oficial do 13 de Maio da lei Áurea. Deixou de ser uma celebração alternativa, e hoje é uma celebração nacional, impregnada de significados políticos que atrelam a data comemorativa às lutas e memórias populares, completamente aderentes à realidade social.

Infelizmente, isso ainda não ocorreu com outros episódios históricos. A Inconfidência Mineira, a Independência, a Proclamação da República, assim como os seus protagonistas, ainda são celebrações impostas pela história oficial, mas sem qualquer relação com a população em geral que as tem apenas como datas simbólicas aprendidas no ensino escolar.

Fatos históricos importantes, como a Revolta da Chibata e seus protagonistas, João Cândido Felisberto exemplo de verdadeiros heróis, ainda hoje são explicitamente censurados, ao mesmo tempo em que se têm notícias das tentativas de enfiar goela abaixo dos brasileiros, como se fosse data a comemorar, a celebração de eventos vergonhosos como o golpe de 64.

Tomara que o desenvolvimento sociopolítico brasileiro permita o resgate de uma história que trace os caminhos das lutas sociais na formação do nosso país, de seus líderes e de seus simbolismos. Mas, antes de tudo, é necessário que essa situação não seja encarada como uma lástima e, sim, como um estímulo e obstáculo a superar.


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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

O touro de Wall Street e o gado brasileiro

 Opinião



Copiado da web - em 16/11/2021 - autoria: - https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/



Estátua de um touro em frente a sede da Bolsa de Valores em São Paulo. Inaugurada em 16/11/2021, é inspirada no “touro de Wall Street”,  em Nova York, EUA, que representa o mercado de ações americano


Ariano Suassuna ironizava que a estátua da Liberdade instalada num shopping na Barra da Tijuca, RJ, era uma dos maiores monumentos à imbecilidade humana. Hoje ele teria outros exemplos. O complexo de vira-latas e a alma de colonizado são aspectos determinantes na subjetividade de alguns grupos humanos, se é que devem ser chamados assim.

A estupidez, uma vez instalada, gruda feito craca nos cascos das embarcações.. Quem conheceu as antigas barcas Rio – Niterói saberá o que estou falando. A única parte dos cascos livres daqueles mariscos eram as que ficavam na direção dos banheiros, sujeitas ao fluxo contínuo de mijos dos usuários. Haja mijo pra limpar essa craca social.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Nocivos i mortais

Opinião

Até onde sei, a Academia Brasileira de Letras - ABL é uma entidade privada com mecanismos próprios de funcionamento e sustentação econômica. Não me surpreenderá se existirem exemplos onde a entidade tenha usufruído de recursos públicos, mas isso não retirará o seu status de entidade privada. Não sendo uma seita secreta em seus rituais, e com a importância pública que adquiriu ao longo da sua história, é natural que a ABL seja constrangida a responder por suas determinações. Mas, será apenas um constrangimento político porque está resguardada a sua autonomia de vestir quem quiser com os seus fardões.

Tem menor importância o debate sobre as indicações de membros ABL, destaque para as mais recentes: Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Mais valeria o debate e mesmo um feroz alarido e banzé sobre as perniciosas e peçonhentas nomeações de autoridades para as áreas de Educação e Cultura, estas, sim, com obrigações e compromissos públicos. Nomeações que seguem a risca os propósitos mortais do governo Bozo de destruição do país em todas as dimensões. Nesse cenário, as discussões em torno dos imortais da ABL são um debate quase infantil. F(ar)d(e)m-se!

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