sexta-feira, 27 de julho de 2018

Coxinhas de merda!



Opinião

Os apoiadores do golpe contra a presidenta Dilma têm divulgado propaganda das ações eleitorais do Partido dos Trabalhadores – PT, partido da ex-presidenta, visando o processo eleitoral de 2018. Os golpistas alardeiam as contradições das alianças eleitorais do PT, alianças com partidos que não só apoiaram como promoveram o golpe. A mensagem implícita é que as ações do PT, por serem conflitantes com a denúncia do golpe, legitimariam esse último e ratificariam o ato golpista. O golpe teria sido apenas um lance, uma jogada, dentro das regras da disputa de poder. Afinal, somos todos iguais, é o que tenta afirmar a mensagem coxinha.


Coxinha é coxinha, não há porque contestar a sua natureza, embora ele próprio sempre tente disfarçá-la. Talvez por conta de algum mecanismo psicológico, não me cabe diagnosticar. O fato é que nem o próprio coxinha assume ou suporta o seu jeito de ser. Quanto ao PT, cabe a ele a responsabilidade por suas escolhas e pelo tratamento das suas contradições. Se o PT faz alianças eleitorais justamente com aqueles que atuaram como exterminadores das esperanças de milhões de brasileiros que apostaram na reeleição de Dilma como símbolo de um governo dos trabalhadores, caberá a ele justificar.

É obvio que também faço juízo das ações do PT, mas em momento nenhum essas reflexões atenuam ou desculpam a ação golpista e coxinha que determinou a derrubada da ex-presidenta e que, de roldão – POR EFEITO DE UM OPORTUNISMO JUDICIAL – levou o ex-presidente Lula à condição de prisioneiro político.

O fato concreto é que o golpe foi dado e vem sendo consumado. E não é um golpezinho de republiqueta sul americana, é bem mais do que isso. Trata-se de uma ação articulada para suprimir qualquer alternativa de organização social menos excludente (longe, ainda muito longe de uma alternativa socialista). O golpe, em andamento, visa excluir qualquer embrião de uma organização política pautada pela solidariedade social justamente no país e no ambiente onde há uma possibilidade real disso ocorrer.  A entrega do patrimônio público nacional, a supressão das conquistas das relações de trabalho, as tentativas de retrocessos nas regras das relações sociais, a desarticulação total das estruturas para a formação de uma riqueza social nacional não são fatos isolados nem oportunistas. Atendem a um projeto que, em síntese, é o projeto de imperialismo do capital. 

Então, não me venham com essa conversa que as ações do PT justificam o golpe. Coxinhas! Vendilhões! Cagam-se de medo de apostar na distribuição da riqueza e sequer suportam a sua própria maneira de ser. Covardes! Alianças petistas é o escambau! São desculpas para disfarçar suas escolhas de merda.



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domingo, 1 de julho de 2018

Plunct Plact Zum – onde vai dar essa coisa?


Opinião

Assisti a uma palestra muito legal, cujo tema abordava as riquezas e possibilidades das “línguas portuguesas” do Brasil, a língua como patrimônio, instrumento de expressão literária e individual, as questões das chamadas normas cultas versus a língua viva, além de outros aspectos [1].

Alguém da plateia comentou sobre um fato da atualidade, quando simplificações são largamente utilizadas nas trocas de mensagens via internet, e levantou a questão sobre qual seria da influência dessas práticas em nossa na língua e particularmente na literatura. A pergunta estimulou e desencadeou outras interessantes observações. Pensando sobre o assunto e como prática para organizar o pensamento, registrei algumas das minhas reflexões sobre a questão.

O impacto da internet e dos dispositivos eletrônicos na comunicação escrita é enorme, e uma questão recorrente é tentar avaliar qual será o efeito desse impacto sobre uma sociedade que já é carente em sua formação educacional até em termos de alfabetização. Sem exageros, um contingente grande de pessoas que teria dificuldade em escrever a palavra “você” com os instrumentos tradicionais de grafia já troca mensagens através de seus celulares representando a palavra por “vc” sem maiores considerações.

Para alguns essa questão é irrelevante porque não seria uma novidade. Argumentam que as transformações nas grafias de “você” para “vc”, típicas das postagens eletrônicas, são equivalentes às mudanças que ao longo do tempo ocorreram na expressão “vossa mercê”, que se transformou sucessivamente em vossemecê, vosmecê,  até o atual ”você”.  Assim, a transformação de “você” para “vc” não deveria gerar preocupações.

Para mim a equivalência vale como exemplo, mas exige um pequeno aditamento sob pena de estarmos simplificando o fenômeno. A transformação de “vossa mercê” em “você” foi uma mudança de linguagem, da fala, enquanto escrever “vc” no lugar de “você” é uma mudança da grafia, da representação simbólica da palavra, logo uma mudança de natureza diferente. Feito esse reparo, também concordo que a importância maior é se a comunicação desejada ocorreu sem erros de interpretações decorrentes da grafia utilizada.

Estamos em um período de intensas modificações nas formas de nossa comunicação. Transformações na linguagem, ou seja, na estrutura do discurso; transformações na representação simbólica, ou seja, na forma da escrita, além de uma transformação nos canais de comunicação, ou seja, nos recursos e instrumentos utilizados para a comunicação.

Estas transformações interagem. A disponibilidade de um canal de transmissão e recepção que permite a comunicação quase instantânea dispensa parte dos esforços na construção formal das mensagens. Isso porque a formalidade é um recurso que busca garantir a compreensão da escrita substituindo a redundância que é típica da fala. Na medida em que, atualmente, a velocidade de transmissão é muito alta, quase instantânea, se houver dúvidas podemos simplesmente repetir as mensagens fazendo as correções necessárias e, consequentemente, podemos usar códigos de linguagem que sejam mais simples.

Uma característica da fala é a redundância, a repetição da mensagem até o entendimento. É assim que conversamos em nosso dia a dia. Daí parecer estranho quando lemos a transcrição de uma conversa. As legendas das gravações telefônicas, que hoje são tão comuns serem exibidas na TV, são um bom exemplo. Os diálogos que lemos transcritos na tela da TV – monossílabos, grunhidos, repetições, gírias, são bem diferentes daqueles que encontramos na literatura principalmente, mas também no cinema ou no teatro.

Às vezes, tanto na literatura, como no cinema ou teatro, o autor intencionalmente busca reproduzir um diálogo real, porém na maioria das situações, diferentemente das conversas cotidianas, os diálogos são sentenças estruturadas que visam garantir a compreensão da mensagem do autor pelo leitor ou espectador.

Também quando trocamos mensagens escritas, sem o recurso da redundância que usamos na conversa direta, tradicionalmente o fazemos construindo mensagens estruturadas, valorizando a sintaxe e a semântica, sempre buscando garantir o registro correto da informação que será enviada, em princípio, sem outra oportunidade de correção.

Os dispositivos móveis e a internet impactaram esse processo. O meu interlocutor está “ali”, à distância de um clique, e não só receberá a mensagem quase imediatamente como terá a possibilidade de me questionar sobre o entendimento. E eu poderei repetir, poderei ser redundante, se necessário, com uma velocidade tal que será como se estivéssemos conversando diretamente. Então, eu simplifico a forma do discurso (sintaxe) e a descrição do conteúdo (semântica). Simplifico até a representação simbólica (grafia). “Blz. espero vc aki kasa. abç”.

Se não bastasse isso, esse mundo novo de recursos também mistura a mensagem escrita com a iconográfica através da inserção dos “emoticons” que são modernos ideogramas e que traduzem mensagens inteiras. Carinhas, coraçõezinhos, mãozinhas, além de outras imagens misturam-se com as letras do alfabeto representando agrado, desagrado, tristeza, raiva, aplausos etc.

Se formos rigorosos, concluiremos que é um engano dizer que na internet passamos a escrever como falamos, porque ninguém fala por ideogramas representando as carinhas dos “emoticons”, embora a mímica faça parte da nossa comunicação pessoal. Estamos, na realidade, criando uma nova forma ou um novo conjunto de recursos de comunicação.

Essas transformações não aparecem à toa. Entre outros fenômenos, ocorre que a mesma funcionalidade de velocidade que está colocada à nossa disposição exige, em contrapartida, que simplifiquemos as mensagens sob o risco até de perdermos a oportunidade de transmissão. Muitas vezes chegamos a receber respostas antes mesmo de terminarmos a transmissão completa da mensagem.

E a literatura, como fica?

Eu não seria capaz de formular uma definição sobre o significado da expressão “literatura”. Suponho que os dicionários de filosofia, assim como os textos dos pesquisadores e estudiosos do assunto devem estar repletos de conceitos e definições. Fico com a minha compreensão, nos limites da sua estreiteza, que a literatura é uma forma de arte através da qual o homem registra, reproduz ou idealiza histórias, fatos e emoções em um espaço e tempo que podem ser conjunturais, históricos, reais ou imaginados.

A arte da literatura se expressa tradicionalmente pela representação escrita das palavras e pelos mecanismos e recursos colocados à disposição para essa forma de comunicação. Esse recurso já foi a grafia manual, já foi a grafia mecânica, e hoje conta com modernos dispositivos eletrônicos com “touch screen” e outros que chegam até a identificar e completar a palavra que se deseja escrever.


Só para registro, desde 2010, quase a totalidade dos estados americanos aboliu a obrigação de ensino da escrita a mão, com a recomendação para as escolas do foco em outras habilidades, como a digitação de textos em teclados. Aboliu a obrigação, não aboliu o ensino. Hoje, no Brasil, já são várias as escolas que priorizam o ensino da escrita a mão e da leitura em letra de forma, colocando em segunda prioridade o aprendizado da letra cursiva (escrita manuscrita em que as letras são arredondadas e ligadas umas às outras pelas pontas).

Sem fazer juízo dessas escolhas, o fato é que elas se impõem, e a literatura permanecerá, inclusive fazendo uso dessas transformações em forma e conteúdo, porque possivelmente o homem continuará a recorrer a ela como instrumento para identificar a si e às suas relações com o mundo que nunca parou de ser um mundo novo.

A questão mais importante, a meu ver, é se utilizaremos essas transformações como agentes de integração ou como reforço da exclusão já existente, na medida em que as possibilidades se apresentam para ambas as direções. Essa igualdade de possibilidades talvez seja a grande novidade e que não deveríamos deixar escapar porque não foi sempre assim.

Historicamente os elementos de transformação sempre estiveram mais à disposição de um projeto de exclusão do que de integração. Certamente a exclusão resultou de escolhas, mas escolhas que foram facilitadas por uma situação real de natureza econômica. Hoje já não é tanto assim porque, mesmo considerando as carências econômicas da nossa sociedade, há possibilidades reais dos  recursos estarem disponíveis em par de igualdades para ambas as saídas. A necessidade de escolher permanece.        #####

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Tem que ser selado, registrado, carimbado
Avaliado, rotulado se quiser voar!
Se quiser voar
Pra Lua: a taxa é alta,
Pro Sol: identidade
Mas já pro seu foguete viajar pelo universo
É preciso meu carimbo dando o sim,
Sim, sim, sim.
O seu Plunct Plact Zum
Não vai a lugar nenhum!
               
                     (Carimbador maluco – Raul Seixas)




 [1]
A palestra foi um evento da 51ª JORNADA REPUBLICANA, realizada no Museu da República, RJ, em 28/06/2018, organizado por Maria Helena Versiani e Alejandra Saladino.
O tema “Falar direito ou direito à fala?” foi desenvolvido com a participação dos palestrantes: Écio Salles (doutor em Comunicação pela ECO-UFRJ, escritor, pesquisador e um dos criadores e organizadores da FLUP – a Festa Literária das Periferias), Francisco César Manhães Monteiro  (doutorando na UFRJ, tradutor e professor, além de escritor e poeta) e Suzana Vargas (mestre em teoria literária pela UFRJ e pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional, especialista em leitura e autora de literatura infantil e juvenil).