sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nada a ver com Pixinguinha

 Leituras para distrair

O atendente serve a cachaça usando um dosador, mas deixa que o líquido transborde por alguns segundos, o volume servido é maior que a dosagem prescrita. Em outras situações o próprio copo faz o papel de dosador, não há como transbordar, então o atendente serve uma porção bem menor que o volume do copo, espera que o cliente beba, e reinicia o enchimento do copo desconsiderando a porção servida inicialmente. Há casos de inversão no procedimento, o copo é cheio totalmente, o cliente beberica uma pequena porção e o atendente volta a servir, completando o volume que foi consumido.

São práticas comuns no serviço de alguns destilados, particularmente no serviço da cachaça, meu interesse, e tais práticas que são costumeiras na região do Rio de Janeiro recebem o nome de CHORO.

Em alguns estabelecimentos isso não é possível porque sobre a garrafa é aplicada uma fita que marca as dosagens pela altura do líquido o que impede o procedimento. Mas, isso é típico no serviço do uísque, não é muito comum no caso da cachaça. Ao contrário, é mais comum que o atendente, quando o copo permite, sirva doses generosas a seu próprio arbítrio. A meu juízo isso  é um sinal que fala mais sobre a desqualificação da bebida pelo próprio atendente do que sobre a sua generosidade para com o cliente.

Já vi essas práticas em outras regiões, até  fora do país, e não sei afirmar se o choro é uma prática generalizada, nem conheço outros termos. Mas, o meu universo são os botecos que frequento, e entre uma dose e outra eu relaxo imaginando sobre qual terá sido a origem da prática do choro e porque “choro”?

Naturalmente estou falando de divagações alcoólicas, nada a ver com análises antropológicas, mas lembro que certas teses apontam práticas e hábitos culturais como decorrentes de necessidades de organização social que foram sedimentadas pelo tempo. Sob essa óptica, quais teriam sido as raízes e motivações da prática e designação do “choro”?

O termo decorreria da relação de sinônimos entre os verbos chorar e apelar? Chorar por mais bebida? Sempre achei essa interpretação muito óbvia, mas, ainda assim, compartilho minhas especulações e paro por aqui, sem choro. ### (Jorge Santos – Rio, 25/04/2024)

terça-feira, 23 de abril de 2024

Santo Amâncio

 Leituras para distrair

Rolava uma história em minha família cuja memória sempre tentei recompor. O meu nome, desde que nascido menino, estava decidido por uma determinação do meu pai e seria o nome do santo do dia. Se fosse menina, a história era outra.

Hoje existe o Google, mas durante quase todo o século passado a referência eram os calendários católicos com os nomes dos canonizados pela igreja em cada dia do ano. Suponho que nas coincidências a escolha deveria ser da editora que publicava os calendários cujo nome popular era "folhinhas", e o santo da folhinha  no dia 8 de abril era (ainda é) um tal de Santo Amâncio. Logo estava determinado o meu nome que não contava com a aprovação da minha mãe.

Nunca resgatei os fatos completos, foi história aprendida ouvindo a repetição de conversas e brincadeiras de família.  Uma versão é que se tratava de uma sacanagem (o termo atual é trollagem) do meu pai para com a minha mãe que nunca aceitou o nome do santo da folhinha. Enfim, constava que o meu pai saiu para registrar um Amâncio e retornou do cartório com a certidão de registro de Jorge, uma decisão que contou com a aprovação da família e que não teve nada de surpreendente considerando que se tratava de um filho de macumbeiro nascido em abril.

Em minha experiência Jorge sempre foi uma espécie de nome protetor, embora muito comum em minha geração. Um nome que ainda carrega consigo um imaginário religioso muito considerado e respeitado. Por aqui, na região sudeste, o mito de São Jorge é fortíssimo,  o mito antes da santidade na medida em que ele é sincrético das mitologias católica, umbandista e macumbeiras em geral, além de outras que inundam esse nosso país de tradições culturais tão diversas. Os xarás dos meus tempos usufruíram desse fato peculiar, uma proteção pelo nome. Jorge nunca foi nome para se brincar.

Ateu, não tenho fé religiosa, mas gosto de me sentir devoto dessa imensa legião que reza e bate tambor para festejar o seu protetor, como diz a canção. Hoje acordei com a salva de fogos às 5 horas da manhã. Coisa boa. Salve Jorge!

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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Mais do que Abril, precisamos um ano vermelho

 Opinião

O governo atual decorreu de um acordão e está em disputa (embora essa visão não seja consensual). Ocorre que as batalhas dessa disputa estão ocorrendo em espaços onde os trabalhadores e as organizações sociais não participam, e como as nossas representações parlamentares não são suficientes para os enfrentamentos, tomamos uma sova.

Além do mais, as representações da direita que não têm qualquer projeto para melhorias das condições sociais dão provas cabais que estão dispostas a levar o país  ao limite da degradação em todos os aspectos, haja vista as últimas deliberações no legislativo para solapar os poderes executivo e judiciário.

Trazer o enfrentamento para o campo de lutas que foi conquistado com a eleição do governo Lula é um imperativo lógico, e é nesse contexto que se insere a importância e a necessidade das greves e as ocupações no campo, notadamente a atual greve dos servidores – professores – federais e as ocupações do MST que nesse ano completa os 40 anos de lutas dos Sem Terra e que celebra no dia 17 de abril os 28 anos dos assassinatos de Eldorado do Carajás.

O deslocamento da luta para os espaços dos trabalhadores ocorrerá conforme a intensidade dessas mobilizações e o apoio que elas receberem de outras categorias e grupos sociais. Obviamente a clareza da questão não significa a simplicidade da resposta, mas caberá ao governo, forçado pelas mobilizações, convocar os seus contadores, abrir as planilhas e determinar as movimentações orçamentárias: qual recurso sairá de onde e para onde.

Sem provocar isso, valerá o que está ocorrendo até o momento. Lá, no espaço onde não participam os trabalhadores, a premissa tem sido a exclusão de qualquer alternativa que valorize as necessidades sociais e que não priorize os ganhos das corporações capitalistas. É essa regra que precisamos mudar, e ela só mudará com mobilizações, greves e ocupações. Não há outros caminhos.

É bem verdade que há o chamado _pensamento mágico:_ o míssil já foi lançado, velocidade e direção já estão determinadas, e fechamos os olhos e cruzamos os dedos na expectativa de estarmos contribuindo para que ele acerte ou erre o alvo. Não acho que seja uma boa opção.#####

terça-feira, 16 de abril de 2024

Ponta cabeça ou de cabeça pra baixo?

 Leituras para distrair

 

A partir de 16/04/2024 um mapa-múndi produzido pelo IBGE que tem o Brasil no centro do mundo estará disponível para venda. O IBGE decidiu comercializar essa versão de mapa que inclui os países que compõem o G20 além de algumas informações básicas sobre o Brasil.

Eu achei essa iniciativa legal, mas parte da direita está subindo nas tamancas. Um articulista do site Metrópoles escreveu assim:

É um amontoado de asneiras, mas elas expressam o pensamento entre mágico infantil, claudicante e desonesto do PT e do restante da esquerda brasileira.

Há críticas especificas ao mapa. O tradicional teria duas vantagens: põe as coordenadas 0,0 no centro e não divide continente. O mapa do IBGE corta a Ásia e a Oceania.

Eu gostei da ideia e já tinha simpatia por aquele mapa que inverte as regiões Norte – Sul. O mundo de “ponta-cabeça” (uma expressão paulista), no Rio seria “de cabeça para baixo”. O fato é que num mundo onde acostumamos a acordar querendo saber as últimas notícias sobre as últimas guerras ou qual o último flagelo do nosso país, todo o resto parece ser insignificante. Isso é horrível!

Aprender que a representação cartográfica é uma convenção e que não é determinada por lógica, mas uma relação política, é uma lição importante. Aliás, Greenwich que convencionalmente separa o mundo em oriente e ocidente resultou de uma disputa, até pelo nome, e o símbolo da ONU é um mapa visto do topo (norte).

Há algum tempo presenteei meus netos com globos terrestres de última versão geopolítica. Para estimular o interesse elaborei questões que eles deveriam responder em nossos encontros. É impressionante o número de possibilidades que esse exercício abre.  Meus netinhos responderam carinhosamente, por consideração ao vovô  - que aporrinha cobrando a ocupação do tempo deles com “essas coisas”.

Mas, um deles (são três) ganhou um outro globo terrestre, modernoso, com processador e memória digitais, iluminado e com uma caneta touch screen que, apontada sobre o país no mapa do globo, responde a número enorme de questões – geralmente demográficas, e até toca o hino do país. Novos tempos!. Estou pensando sobre como abordar com eles o assunto das guerras, não bastasse a morte do Ziraldo ###

 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Um alerta dos mestres

 Opinião

 

O que o proletariado conquistava era o terreno para lutar pela sua emancipação revolucionária, mas não, de modo algum, a própria emancipação “

 A assertiva acima está em “ A luta de classes na França de 1848 a 1850 “ (Karl Marx). Ela foi resgatada pelo professor Florestan Fernandes em um texto de 1987 a propósito das conquistas dos operários do ABC e de seus sindicatos na década de 80 do século XX ( Nós e o Marxismo - Ed. Expressão Popular, 2009).

 O professor Florestan complementou: 

Ao enfrentar a ditadura e desobedece-la , o proletariado vergou o arco do despotismo burguês ... e não conquistou outra coisa além do espaço político que abocanhou para lutar como classe plenamente constituída, que exige sua autonomia como e enquanto classe e a liberdade para travar tal luta em todas as direções necessárias “

 Passado tanto tempo, desde Marx e Florestan, impressiona a atualidade dessas observações que são um alerta  quando avaliamos o cenário político recente. As eleições dos governos de liderança petista foram conquistas de espaços de lutas, mas não resumem as lutas em si. Já afirmei outras vezes e reitero que no período pós-eleitoral, equivocadamente, deixamos de atuar como lutadores e passamos a atuar como zeladores do campo que conquistamos.

 Enquanto o neoliberalismo, até mesmo incorporando sem constrangimentos a sua face de extrema direita, avança conseguindo que seus valores atravessem todas as camadas sociais, há uma espécie de trava nas lideranças progressistas que não apontam para suas bases  diretrizes políticas de mobilizações. É o que está ocorrendo no governo atual. Em vez de prosseguir com as lutas no espaço que conquistamos, estamos arrumando a cama para a burguesia capitalista e suas representações políticas deitarem.

 Não deveria ser assim porque  quando as diretrizes políticas são claras, as bases progressistas respondem ocupando os espaços de luta, buscando e fazendo os embates. Vale dizer que muitas dessas bases que têm apoiado os governos Lula nem são petistas.

 Todas as vezes que as lideranças olharam para as bases e acreditaram nelas , elas se mobilizaram e responderam, de formas diversas, mas não fugiram aos enfrentamentos. Até deficiências de comunicação institucionais do governo, do PT e outras são superadas. As bases fazem interpretações, criam mecanismos de comunicação, furam bolhas digitais e combatem.

 Sem contar as eleições petistas anteriores (um histórico a parte), foi assim na mobilização pela liberdade de Lula, na mobilização contra o golpe que derrubou a Dilma, na cobrança dos responsáveis pelos crimes contra Marielle e Anderson,  na sustentação do acordão de 2022,  no caso do questionamento à política de juros do Banco Central, no caso Israel/Palestina, além de outras situações que alguém certamente poderá exemplificar.

 Sim, as frentes de batalha são várias, não há que desqualificar uma diante da outra nem ignorar que há protagonistas e papeis diversos, mas é fundamental ressaltar que tem sido a mobilização permanente das bases que tem sustentado politicamente essas lutas e que tal mobilização decorre quando as bases identificam as diretrizes apontadas com clareza e comprometimento pelas lideranças. Não sendo assim, a pena é um movimento errático e amorfo – o que está ocorrendo.

 Com essa visão não há como deixar de cobrar um governo completamente absorvido nos conchavos parlamentares e que se apresenta mudo para as suas bases. Conquistamos o campo, prossigamos com as lutas! ###


quinta-feira, 11 de abril de 2024

Tamancas e chiliques

 Opinião

 

Quando se cobra do governo o avanço de políticas progressistas que conflitam com o status quo, não faz muito sentido aceitar que ele não pode agir assim devido a sua fragilidade, que não é composto exclusivamente de forças da esquerda, correlação de forças no parlamento, e justificativas desse tipo.

Não há fato novo nesse conflito que não existisse desde as eleições, e foi em favor dessas propostas e contra aquelas de naturezas reacionárias ou conservadoras que a esquerda trabalhou para impor a candidatura Lula. Mais do que isso, apesar do acordão de frente ampla, foi com a cara e a propaganda desses propósitos que o governo se apresentou vitorioso publicamente, e um dos principais simbolismos disso foi a cerimônia de posse do presidente.

É desagradável assumir, mas o resultado do governo Lula até agora tem sido uma sequência de concessões a grupos de poder que passa longe de alguma possibilidade de transformação socioeconômica e sociopolítica. A continuar assim, sem uma convocação aos seus apoiadores para tais transformações, os méritos da atual legislação não passarão de serviços prestados à direita, serviços de um competente gerente organizador da casa que foi deixada esmerdalhada pelo governo anterior. A direita possivelmente até estará agradecida porque essa prática a libera para trabalhar ideológica e diuturnamente para retomar completamente para si esse mesmo governo.

Ora, se não foi para se fazer esse combate, então qual terá sido a finalidade da batalha da eleição? As justificativas tem sido sempre as mesmas: fragilidade do governo e governabilidade. Santa paciência! Chegamos ao cúmulo do recente encagaçamento do governo a propósito dos atos oficiais de celebrações dos 60 anos do malfadado golpe de 64, ou seja, estamos andando para trás!

Não temos uma bandeira de luta, uma consigna sequer que represente a direção política em que apostamos e que possa nos agregar em campanhas populares de defesa e promoção de um governo progressista. Quem souber aponte.

Descriminalização do Aborto, Desapropriação e Ocupação de Latifúndios, Taxação de Fortunas, Redefinição de Forças Armadas e Policiais, Recuperação dos Direitos Trabalhistas, Resgatar Estatais, Enquadrar o Agronegócio – nem uma proposta sequer. Se essas são radicais, extremistas, então quais outras? O governo está mudo, não propõe! Não fala com a galera que batalhou para sua eleição.

As representações da esquerda no governo não têm pautas mínimas setoriais para convocar a militância, e os ministérios que deveriam ser as referências de um governo progressista estão todos com suas violas enfiadas em sacos na medida em que foram desautorizados pelo presidente, e pelo andar da carruagem a situação ficará pior com os conchavos eleitorais que estão se formando para as eleições municipais.

É obvio que Lula não tem que fazer um governo mágico e mudar o país, não é isso que se cobra dele. Ele deve ser cobrado, sim, a realizar o seu papel de liderança, a única com autoridade para convocar a militância. É esse o papel que ele está deixando de lado.

Subir nas tamancas e dar chiliques quando se faz qualquer tipo de cobrança ao sapo barbudo como se isso fosse a profanação de uma divindade é um direito de quem o faz, mas seria bem mais proveitoso se houvesse contra argumentos apontando alternativas de encaminhamentos em vez da repetição do enfadonho e equivocado mantra da proteção da governabilidade.  Enquanto isso a direita avança.

Um som de trovão

Opinião

Um dos magos da ficção, Ray Bradbury (Fahrenheit 451) escreveu em 1952  “Um som de trovão”, um conto onde um personagem viaja ao passado e sem atender aos cuidados obrigatórios da viagem pisa por descuido em uma borboleta provocando uma intervenção na história. Ao retornar ao seu tempo ele encontra um outro mundo em decorrência da intervenção que provocou, incluindo a chegada ao poder de um líder fascista.

Dez anos após o conto de Bradbury, cientistas da meteorologia estudando as consequências ao longo do tempo de micro alterações em variáveis dos sistemas que estudavam fizeram simulações que deram origem a chamada Teoria do Caos. Chamaram de efeito Borboleta às consequências dessas micro variações constatando que variações iniciais, por menores que sejam, podem gerar enormes mudanças ao longo do tempo e tornar impossíveis as previsões de suas consequências e provocando os chamados estados caóticos.

Oxalá o efeito Lula Cagão não se transforme num efeito Borboleta. O ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e da Cidadania) teve que enfiar a viola no saco e cancelar atividades que vinham sendo programadas há meses. Se quiser cantar que o faça em outro lugar. Desejo que ele próprio não seja rifado junto com suas programações, afinal, após essa cagada no pau do sapo barbudo será bem complicado o ministro prosseguir nos enfrentamentos que vem tendo sem o risco de ser questionado em nome do dito presidencial.

Todo o governo precisará se comportar como um grupo marciano colonizador que baixou aqui sem passado e sem história. Menções ao histórico da ditadura talvez tenham que ser contidas ou, quem sabe, receber endosso presidencial. Sensibiliza ou não os milicos? Atentado do Riocentro; assassinato de Herzog; assassinato de Manoel Fiel Filho; massacre de Volta Redonda;  bomba na ABI. Segundo Lula, não dá para prosseguir remoendo. Só faltou dizer: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?

Será que voltarão a mexer com o monumento do João Cândido? Tomara  que seja um exagero, afinal, segundo um amigo e militante querido,  a manifestação de Lula, golpeou o ânimo da direita.  

(Rio, 29/03/2024) 

quinta-feira, 28 de março de 2024

Será algum tipo de virose?

 

Opinião

 

Lula empurrou o país na direção do atraso com suas deliberações e declarações em 2024 sobre a memória do golpe de 64. Toffoli também fez assim em 2018, mas Lula não precisava fazer isso, poderia até passar panos quentes como ele bem sabe fazer. Não responderia como revolucionário ao apelo de parte da militância, mas também não se exporia a ser chamado de cagão, um adjetivo em moda nesses dias de desfile de milicos golpistas.

Entretanto, Lula  optou por capturar o adjetivo para a sua carreira, e fez exatamente assim quando seria uma oportunidade de resgatar a memória de lutas de uma sociedade que se debate contra o autoritarismo desde a sua infância política – Lula se mostrou um cagão.

A opção de Lula não nega a sua história de lutas políticas, mas ela não precisava ter esse capítulo. Também não faz dele um traidor da sua classe, contudo acrescenta uma ressalva à sua história. Lula é indiscutivelmente um líder popular que declara um limite para as suas convocações de liderança. Quando confrontado os seus objetivos – no caso de personalidades como Lula não há como falar de objetivos pessoais – enfim, quando confrontados seus objetivos frente ao domínio autoritário imposto pelas forças armadas golpistas e fascistas de 64 e mantenedoras de seus propósitos até hoje, após o 8 de janeiro de 2023, o Lula que se apresenta até aqui é o Lula cagão. Não contemos com ele. Uma pena!

O Brasil tem uma história singular no continente. A reação social pós - ditadura não se deu nos moldes dos nossos vizinhos que aos seus respectivos custos e jeitos defenestraram seus períodos históricos ditatoriais. Vai lá e vem cá, parecia que buscávamos a nossa forma de também fazê-lo, de exorcizar esses nossos demônios, e sempre pareceu que isso passaria pelo Lula. Do seu jeito, naturalmente, mas passaria por ele.

Após 60 anos daquela nojeira de 1964; após conseguirmos um revés que derrotou eleitoralmente um líder fascista de enorme apoio popular;  elegemos um presidente que resgatou sua autoridade política graças a uma massa de apoio militante que se manteve mobilizada durante os 580 dias de sua prisão; superamos uma tentativa de golpe pós-eleição e temos uma estrutura ministerial que inclui uma cadeira de  Direitos Humanos e da Cidadania ocupada por um quadro como o ministro Silvio Almeida. As décadas sempre são datas especiais. Essa seria uma boa hora de mais um avanço no enfrentamento dessa questão. Mas, não foi! Outra vez a história está sendo sufocada.

Em suas palavras, Lula diz que “não pode ficar se remoendo... uma história que a gente ainda nem tem todas as informações porque ainda há gente desaparecida”. Que “vai tentar tocar esse país para frente”. Essa foi direção apontada por Lula,  *Triste Lula. Cagão!*

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Pronto, falou e disse!

 Opinião

 

Estou longe de condenar as palavras do sapo barbudo a propósito do genocídio realizado pelo governo israelense na faixa de Gaza e, mais longe ainda de condenar a comparação dos atos do fascista Netanyahu com os do Hitler. Não achei inoportunas nem inadequadas, ao contrário, achei que acertaram o alvo em cheio e cumpriram o seu papel de fazer coro sem disfarces contra a matança de mulheres e crianças praticada pelo governo israelense naquela região  e que ainda  prossegue.

A tentativa do extermínio dos judeus pelos nazistas não deverá ser apagada da história, não só pelo que ela representou para toda a humanidade, mas também pelas iniciativas do povo judeu, talvez único grupo cultural que tem superado as divisões políticas do capitalismo, que trabalha e trabalhará para a conservação dessa memória trágica que é elemento relevante na história da manutenção da sua cultura.

Contudo, tragédias não deixam de ser tragédias pela contabilidade de mortos e não têm tempo de validade. Elas não recebem medalhas de “or concur” e ninguém têm certificado de propriedade ou de exclusividade de narrativas. Assim, quando um fascista que governa um dos principais poderios bélicos do mundo aponta esses recursos para o extermínio de dezenas de milhares de mulheres e crianças indefesas, ele não só deve, mas precisa ser denunciado, apontado como criminoso que é, e comparado com os similares de sua  espécie, no caso em pauta, com o líder nazista Hitler.

É claro que Lula poderia ter lançado mão de outras comparações com exemplos da história passada ou contemporânea, até mesmo situações vividas na própria história brasileira. Poderia ter exemplificado com Ruanda, com a Síria, com o Congo, com o Sudão, com os Xpquistão da vida, com Eldorado dos Carajás, com a escravização dos africanos, com a casa do cacete. Porém , Lula não estava diante de uma banca universitária apresentando um trabalho documental histórico e formal sobre os genocídios na memória da humanidade.

Lula estava denunciando os assassinatos que estão sendo praticados por Netanyahu, filmados e com imagens exibidas nos horários nobres dos telejornais e nos lares do mundo inteiro, no interregno entre partidas de futebol, shows de variedades e, quem sabe, até entre as putarias que dominam as disputas do poder político mundial. O sapo barbudo sacou e atirou. Fez o que deveria, e acertou. Usou o exemplo mais simples, mais próximo, não precisou desenhar.

Quem ficar nesse ti ti ti apontando inconveniências das declarações de Lula, mesmo com argumentos condescendentes, mas ressalvando que tais declarações desviaram o foco das atenções estará equivocado, batendo palmas pra maluco dançar! Quem está desviando o foco é quem reluta em assumir e denunciar que estamos diante de um genocídio consentido.

Quem achar que Lula poderia ter utilizado outros exemplos, então que os use, que lance mão deles e que os acrescente às denúncias contra o atual governo fascista israelense. Façamos isso, sem desculpas nem invenções.

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Luís Inácio falou!

 Opinião

 

O governo de Israel usa o holocausto como um tapume para disfarçar o genocídio do povo palestino. Qualquer menção às misérias sofridas pelos judeus durante o nazismo vis-à-vis as que estão sendo praticadas por Netanyahu em Gaza neste momento é oportunisticamente apontada como antissemitismo e desrespeitosa  aos judeus.

As declarações de Lula foram um chute nesse tapume escroto desvelando um canteiro de obras que, afinal, nem é novidade para o mundo. Mas, a contundência das suas declarações revigorou um debate amortecido pelos protocolos diplomáticos e alinhamentos políticos, o debate sobre o governo israelense como ele é em sua essência: uma liderança  política ameaçada de ser presa em seu próprio país que não titubeia em escudar-se no assassinato de uma população civil indefesa, notadamente de mulheres e crianças.

Os brasileiros, judeus e não judeus, podem concordar ou discordar das declarações de Lula em forma ou conteúdo, *mas aqueles que fizerem dessa discordância um pretexto para se alinhar em apoio aos grupos fascistas e de extrema-direita que ainda se organizam no Brasil e que atuam para sabotar o futuro do país* estarão, antes de tudo, dizendo sobre si mesmos e seus verdadeiros valores – saindo de trás dos seus tapumes individuais.

Por mim, gostaria que não existissem, mas dado que estão por aí, prefiro que façam assim, que se revelem. São oportunidades para tornar a nossa sociedade mais transparente em sua composição e em seus valores humanos e políticos.

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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Se Lula viesse aqui

 Opinião

 

As declarações de Lula no exterior sobre a questão de Gaza, sem os filtros da diplomacia formal, são uma exposição política ousada e acertada. Poderiam ser uma cagada não fosse Lula o declarante (apesar de seus eventuais deslizes) e se não fossem consistentes conforme atestam inúmeros analistas de referências internacionais.

 

 Depois de três meses de bombardeio continuado da Faixa de Gaza pelas tropas de Israel, os números redondos são assustadores: 24.210 palestinos mortos, sete mil desparecidos, 60 mil feridos ou mutilados, e cerca de 1,5 milhão de desabrigados, sendo 80% dos mortos e feridos, mulheres e crianças.” (extrato de artigo do prof. Jose Luis Fiori – UFRJ)

 

As declarações de Lula promovem um mal-estar geral nos núcleos domésticos de alinhamento político acrítico com o imperialismo  americano, mal-estar que ressoa através das críticas aos pronunciamentos do sapo barbudo, seja por análises de comentaristas ou pelas construções das redações de notícias sobre o fato.

Lula precisaria fazer uma viagem dessas ao Brasil, ser instigado com perguntas sobre a situação econômico-politica nacional e, então, rebater de bate-pronto, apontando a necessidade de  transformações e de engajamento popular, certamente causando mal-estar da corja que domina grande parte do poder por aqui.

Em vez disso, o presidente deixa vigorar a ilusão que transformações serão possíveis bastando mudanças na administração do atual estado das coisas e com as suas inegáveis habilidades de negociações, de acordos eleitorais ou compra de apoio parlamentar. Ele até discursa, mas não ousa ultrapassar a linha vermelha. Parece que na política interna o governo teme ser convocado para  repreensões. ###

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

O bug do ano 2000

Leituras para distrair

 

Na virada do século 20 para 21, o mundo já estava inundado de sistemas computadorizados de diversas gerações. Os sistemas modernos estavam preparados para a virada do século, porém sistemas antigos ainda tratavam as informações de ano com apenas dois dígitos indicando a década do século 20. Por exemplo, o ano 1998 era registrado como 98. Então, como seriam no século 21? Um registro 12/02/24 seria lido como referente ao ano 2024 ou 1924?

Alguém acertadamente levantou uma lebre:

Pode dar merda! Os sistemas vão ficar malucos. Não dá para fazer uma revisão geral. Preparem-se!

Esse possível problema ficou conhecido como  “Bug do ano 2000” ou “Bug do milênio”. E, de fato, o mundo inteiro buscou providências (ver link para matéria do Fantástico/Globo no final do texto).

Numa operadora de telecomunicações  que tinha uma rede enorme, moderna e sofisticada essas preocupações tomaram conta do corpo técnico. Como os sistemas se comportariam? Quais estavam preparados ou não para o possível bug do ano 2000?

A empresa tomou diversas providências e essa era preocupação especial do centro que funcionava 24 horas por 7 dias e que realizava o controle à distância dos equipamentos das diversas redes. O nome genérico e internacionalmente conhecido para esses tipos de centros é NOC (sigla em inglês para Centro de Operações de Redes).

Contudo, o diretor da área, encagaçado total, atropelou as equipes de profissionais e determinou um plantão geral, convocando todo o quadro gerencial para estar presente no NOC durante a virada do ano, embora muitos dos convocados nem tivessem relação com o assunto.

Ainda por conta do cagaço, o diretor determinou que praticamente todo o corpo técnico fosse equipado com celulares (celulares de 24 anos atrás) e ficasse de sobreaviso, isto é, aguardando um chamado para o trabalho a qualquer momento, e ainda com a  orientação de fazerem comunicados de hora em hora com o NOC, sujeitos a punições quem assim não fizesse.

Adiantando: Deu meia-noite, o século virou e nada de especial aconteceu no mundo, salvo uma ou outra correção necessária e nada incomum. O tal bug do milênio não apareceu, mas, as histórias ficaram.

A noite e madrugada no NOC foi uma festa. Houve serviço de alimentação – ceia – para todos os presentes. Uma porrada de gente esbarrando-se sem acomodações e sem o que fazer. Nem teriam o que fazer mesmo que algo acontecesse. Todos querendo ir para suas casas.

Os plantonistas usuais do NOC poderiam ter passado uma noite normal, ainda que fosse uma noite de atenção especial, porém passaram toda a madrugada atendendo as notificações de presença dos companheiros  espalhados pelo mundo e obedientes de suas funções, quase todos já modulados por boas doses de comemorações:

Alô! Aqui tudo bem! Noite linda! E o bug, apareceu? Quá, quá, quá ... ligarei daqui a pouco!

O importuno da noite nada teve a ver com o bug do milênio, mas com o cumprimento daquele comando equivocado de alguém que presunçosamente achou que responderia melhor que o quadro de profissionais reconhecidamente experientes.

Os chamados das ruas prosseguiram na madrugada, sempre com sons de festas ao fundo, e eram cada vez mais “alegres” na medida em que as horas passavam e todos já sabiam que o bug do milênio pipocou. Os plantonistas do NOC já atendiam rindo e depois relataram os diálogos. A história virou um meme, além de outras que aquela noite proporcionou. ###


Matéria do Fantástico sobre o Bug do Milênio - Acesso em 14/02/2024

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Carnaval 2024 - Terça feira

 Leituras para distrair

Hoje, terça-feira, último dia do Carnaval 2024. É dia de enfiar o pé na jaca porque a partir de amanhã inicia-se o jejum da Quaresma, daí o nome Terça Feira Gorda como aprendi em criança. Mentira! Festa das máscaras, fantasias e dos disfarces do que se é, o carnaval é  também é um fingimento de si mesmo. Finge que é uma festa de três dias quando na prática estende-se por quase todo o mês. Nenhum folião irá para a rua hoje pensando que o carnaval acabou. Nem mesmo se ele olhar da minha janela e ver um lindo e tranquilo dia de sol sem nenhum resquício de festa. Na minha janela o carnaval aconteceu apenas no sábado. Contudo, à tarde, é costume sair daqui o bloco da igreja evangélica que existe no térreo. Trata-se de um bloco super equipado e animado com carro de som, ritmistas, fantasias e samba enredo. Durante a concentração o bloco enche de gente toda a extensão do quarteirão chegando a quase impedir a minha saída do prédio. Sempre fico atento porque no mesmo horário eu saio de casa para o meu único gesto carnavalesco: ir beber umas cervejas e cachaças durante o desfile do bloco Largo do Machado, mas não Largo do Copo. Depois seguirei para o meu jejum de 40 dias e até mudarei de calçada se aparecer uma flor. ###


Carnaval - 13/02/2024 - 11:20:00


segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Carnaval 2024 - Segunda feira

 Leituras para distrair

Hoje, segunda-feira de Carnaval 2024, já são 14:55 horas e o carnaval não aconteceu sob a minha janela. Momo só passou por aqui no sábado, ontem e hoje faltou ao serviço. O dia compõe um cenário lindo e silencioso. Prefiro assim. Caminhei pela vizinhança, rua do Catete até o Largo do Machado, muita gente para os diversos lados.  Todos parecem ir em direção aos seus respectivos carnavais. As fantasias repetem a mesmice dos outros anos. As meninas buscando a nudez completa, os meninos com trajes femininos e as crianças travestidas de super-heróis. Cá pra nós, eu não acho estranho que as meninas aproveitem a ocasião para avançar sobre a quase permanente censura de uma sociedade ainda machista e patriarcal, mas nunca compreenderei essa compulsão dos meninos vestirem-se como mulheres. Não tenho qualquer tipo de crítica, apenas não compreendo e nem faço esforço para tal. Dado o adiantado da hora, acho que Momo se passar por aqui será em direção a outro ponto. Sei que amanhã ele certamente virá, será o dia de sair o bloco da igreja evangélica que fica no térreo do meu prédio, mas isso registrarei depois.




 

 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Outro dia 8 – agora fevereiro 2024

 

Opinião

 

Novidade mesmo nos eventos de 8 de fevereiro foram as apreensões do passaporte do ex-presidente, a prisão de um coronel e um major do Exército, além de outro coronel que ainda não foi preso por estar no exterior,  e as ações de busca, apreensão e ações cautelares contra três generais do Exército e um almirante da Marinha. Afinal, praticamente toda essa corja já se mostrou explicitamente golpista em outras oportunidades.

Os investigadores parecem querer isolar o ex-presidente antes de uma ação de maior porte contra ele, talvez sua prisão, certamente já existem provas para tal. Mas, também salta aos olhos o cagaço em se avançar sobre o campo militar - esse grupo armado que traz em sua gênese o golpismo e a presunção de ser  casta superior da sociedade.

São eventos para comemorar, mas será otimismo infantil ignorar o consistente apoio popular aos golpistas já manifesto em diversos eventos promovidos pela extrema-direita, com ápice no 8 de janeiro de 2023 quando o gado fascista se autoimolou. Quem achar que as revelações de 8 de fevereiro último provocarão um choque de assombro no comportamento dessa galera estará bastante enganado.

O pau no cu da militância de esquerda é que a tal “democracia” está em um nível de abstração diferente e distante do mundo real da população e de suas necessidades. Grande quantidade dos habitantes no mundo real sequer sabe se democracia é coisa de comer, de beber ou de passar no cabelo. Afinal, o tal estado democrático de direitos não paga dívidas, não abriga da chuva, não toma conta das crianças enquanto se trabalha e nem compra nem manda trazer a felicidade. E a esquerda, infelizmente, ainda não conseguiu demonstrar o vínculo entre a democracia e as necessidades sociais com a clareza necessária para um engajamento popular. Falha nossa!

Na pratica, findo o Carnaval, a pergunta que precisa ser respondida é: em que medida os eventos de 8 de fevereiro afetarão efetivamente a vida dos tantos que estão fudidos, catando emprego e tendo que caçar um leão por dia? Ou a vida daqueles que até têm emprego, mas com um salário de merda e praticamente escravizados em seus compromissos e necessidades? E na vida de outros que com suas famílias passam sufoco sob  jugos criminosos em alguma região, quando não estão numa fila implorando por um atendimento de saúde?

Assim, o mote para as conversas de militância precisa partir das necessidades e as desigualdades antes mesmo da defesa desse ilustre  e estranho desconhecido “estado democrático de direito”, tão estranho quanto foi o tal de Roque Enrow  para o pai lírico da Rita Lee.

Fome, miséria, insegurança, desemprego, arrisco dizer - desconhecidos por parte importante da militância - precisamos partir  desses elementos comuns e óbvios da realidade social e apontar, tentando convencer outros, que os ataques à tal democracia são uma prática da classe dominante para manter o quadro de exploração. Essa é a tarefa principal da militância da esquerda. Não é mole, mas ninguém disse que seria. ###

 

Carnaval 2024 - Domingo

 

Leituras para distrair

 

Hoje, domingo de Carnaval 2024, são 10:45 horas, e o rei Momo ainda não se fez presente no Aterro, salvo por baixíssimos sons de fundo insuficientes para atravessar a barreira da minha janela. O silêncio acompanha uma belíssima manhã de sol, as pistas interditadas como sempre estão nos domingos e feriados, e a área de praia com bem pouca gente. A galera pode estar em outro local, preparando-se para a tarde do domingo e a noite das escolas de samba ou, quem sabe, ainda se recuperando de ontem. Aliás, ontem, no final da tarde e até o início da noite, o Carnaval rolou outra vez por aqui repetindo a animação que foi pela manhã. Para mim está ótimo. Tomara que essa aparente tranquilidade reflita a realidade e que essa beleza de dia seja o cenário para todos os foliões onde quer que estejam.




 

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Carnaval 2024 - Sábado

Leituras para distrair

 

O som do Carnaval no Aterro invade a minha sala, apesar do janelão de vidro duplo. Uma multidão cantando e uma banda de altíssima qualidade, recheada de instrumentos de sopro e um repertório variadíssimo de bom gosto e popular porque permanentemente acompanhado pelo coro de vozes. Um "barulho" de fundo que reflete uma animação saudável e até agradável. Uma festa. Dá vontade de descer, atravessar a rua e acompanhar. Sentimento que, felizmente, acaba antes que a decisão seja tomada, logo ao me aproximar da janela  e perceber o maçarico solar e o calor infernal. Um alerta. Desejando que a galera se divirta muito, eu volto para minhas leituras e para os eventuais vídeos selecionados que posso assistir na TV, acomodado em meu refrescante ar condicionado. Atualmente eu ouço o Carnaval. No limite, observo com binóculo. ###


 


 

 

 

 


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Uma Atlântida carioca

 

Leituras para distrair

 

Conheci uma figura que dizia existir sob a baía de Guanabara uma população alienígena, e que havia alguns portais de passagem entre o nosso mundo, terrestre, e o alienígena, subaquático. Quando soube da história eu tomei como piada. Não a tese de um mundo submarino, mas o fato de haver alguém que descaradamente propagava aquela história, até que eu conheci o sujeito.

Não foi  um conhecimento ocasional, brincalhão. Não ocorreu em um boteco, bebendo umas cachaças, nem em conversas fiadas de esquinas. Longe disso. Foi em um  grupo de trabalhos de engenharia que coordenei com profissionais de diferentes empresas, todos reconhecidamente competentes entre os seus pares.

Alguns já se conheciam, eram colegas de trabalho, outros começavam a se conhecer. Achei que era sacanagem, que eram conversas de aproximação e coisas do tipo. Cuidadoso, antes de outra reação, procurei saber mais sobre o novo colega e se, de fato, tratava-se apenas de uma brincadeira entre trabalhadores. Não era assim. O sujeito era bem conhecido em seu local de trabalho,  ele e suas teses. Eu era um dos mais novos a ter contato com ele que, conforme fiquei sabendo, tinha até um histórico importante de trabalhos profissionais.

Sempre cuidadoso, busquei me aproximar e a recepção foi amigável e tranquila. Não havia segredos entre ele e seus companheiros de empresa. Todos conheciam suas histórias, e ele estava acostumado com a perplexidade dos novos ouvintes e até com a gozação de alguns dos seus colegas quando tratavam do assunto.

Fiz o que pude para viabilizar uma aventura pelo tal portal, mas minha viagem nunca ocorreu. Devo dizer em defesa do então colega que todos os impedimentos foram circunstanciais, e nenhum decorreu de objeções dele em comprovar suas histórias. Ele sempre esteve disposto a me levar para conhecer o tal mundo desde que atendidas algumas obrigações, que eu nunca soube exatamente quais eram, para a realização da passagem.

A vida profissional nos separou. O sujeito trabalhava em outra empresa e não sei qual fim levou, possivelmente estará aposentado, se ainda estiver vivo. Hoje, vejo a baía de Guanabara da qual tenho visão privilegiada (não tinha na ocasião) e imagino se a população da Atlântida carioca, que perdi a oportunidade de conhecer, continua por lá. Pensei nisso durante a queima de fogos na última virada de ano: Icaraí, Flamengo, Copacabana, suponho que deve ter sido uma aporrinhação para os extraterrenos.

As vezes penso se deveria ter dedicado mais atenção para desvendar aquela história do meu colega maluquinho, mas sempre será uma lembrança boa. Gosto disso,  ainda mais quando penso que a história nasceu de um sujeito que o senso comum costuma rotular como “normal”. Trabalhador, responsável, formação técnica profissional, emprego formal etc. Não tenho autorização nem lembrança para publicar nomes, mas foram várias as testemunhas que viveram essa história comigo e que entrou para o meu acervo de histórias para distrair.

Lembro de outra, essa mais conhecida, que está até no Google. Entre os tantos profissionais normais com quem trabalhei,  cruzei com um que criava Sacis, e que chegou mesmo a formar uma Associação de Criadores. Que tal?

 

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quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Sem resposta, nem proposta

 

Opinião

 

Recebi mensagem reproduzindo notícia de um jornal local com a manchete:

Nova Operação estoura Cracolândia em frente ao Palácio do Catete

A notícia se referia a um  ajuntamento, ainda pequeno, embora permanente e crescente de indigentes que ocupam o corredor entre o muro do Museu da República e  as construções do elevador e de ventilação do Metro Catete, aqui, na cidade do Rio de Janeiro, e onde consomem o crack que é um derivado da cocaína. Segundo a notícia, houve operação anterior, 9 meses antes, e sobre a ação na quarta feira última, 09 de janeiro de 2024, o jornal disse:

Os 11 cracudos abordados possuíam antecedentes criminais, como roubo, furto, Lei Maria da Penha, entre outros. Um deles, possuía oito passagens pela polícia... “

Em conversa com pessoa amiga comentamos sobre como responder a esse tipo de  desafio social partindo da premissa que agir contra o aumento de moradores de rua viciados em crack e que formam as apelidadas cracolândias, com todas as suas características e consequências, não pode ser simplesmente tirá-los da nossa frente ou matá-los.

De minha parte, assumo que não tenho resposta nem proposta para esse enfrentamento. Nem  mesmo se eu tivesse poderes econômico e político absolutos eu não saberia como tratar tal problema, esse tipo de vício e viciados.

Conheço algumas iniciativas beneméritas, mas que são de caracteres praticamente individuais, de pessoas que dedicam suas vidas aos cuidados desses necessitados. Mas, eu não estou entre essas pessoas e a sociedade não é povoada de padres lancellottis. Também não acho que esse seja o tipo de política pública que possa responder a esse problema social.

Faço o exercício de tentar, mas não consigo imaginar uma sociedade de seres que se autodiagnostiquem como sadios  e que se organizem em um ambiente de aceitação e convivência em espaços comuns com outros também humanos, mas que por circunstâncias infelizes e diversas foram transformados em mortos-vivos. Uso a voz passiva porque acredito que ninguém terá mergulhado nessa situação por vontade consciente .

Imagino iniciativas de repressão ao tráfico e comercio de drogas que contribuam para mitigar as taxas de aparecimento de novos viciados, assim como imagino ações de natureza sanitária que possam auxiliar os indigentes, mas o vício sempre existirá e sou completamente ignorante sobre o assunto. Nem mesmo sei de iniciativas aqui ou acolá que possam ser tomadas como exemplos a seguir ou tentar. Apego-me à expectativa de que elas existam e a minha contribuição possível será conhece-las e, conforme o caso, adotá-las como bandeira assumindo a luta por elas.

 

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Pobres que apavoram

 

Opinião

 

Brincando recentemente com a lembrança do romance “1984” de George Orwell, registrei alguns termos que chamei de Novilíngua 2023.  Uma brincadeira para ajudar a pensar a vida e o mundo contemporâneo. Narrativa; Arcabouço; Estrutural; Ancestralidade,  foram alguns deles.

Ainda no finalzinho do ano, dei de cara com o termo Aporofobia que tem sido divulgado pelo padre católico Júlio Lancellotti  praticante de ações sociais com moradores de rua na cidade de São Paulo (SP). Sem entrar nas raízes etimológicas do vocábulo, vale o significado nos termos em que tem sido divulgado pelo padre Júlio:

Aporofobia significa rejeição ou aversão aos pobres

Não se trata de uma aversão à pobreza, mas aos pobres, e o padre Julio, em suas ações para mitigar as situações de miséria dos moradores de rua, também tem denunciado veementemente a Aporofobia.

As pregações do padre têm tido repercussões, ao ponto da Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo, em dezembro último, num ato de escrotice extrema, ter aprovado um pedido de comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar organizações não governamentais (ONGs) que atuam na região da Cracolândia, mas cujo objetivo principal  – não é novidade – é constranger a atuação do padre Julio Lancellotti

O padre Julio parece estar cagando para a possível CPI. Já declarou que nem trabalha em ONG, que faz  trabalho da Arquidiocese, a Pastoral do Povo da Rua de São Paulo. A Arquidiocese,  por sua vez, já se manifestou oficialmente criticando a iniciativa do pedido de CPI.

Um termo, um vocábulo, não aparece na língua vindo do nada, ele é praticado enquanto faz sentido na sociedade onde circula. Não é um fato novo  a existência entre nós de pessoas que manifestam sua aversão aos pobres sem demonstrar aversão a pobreza. É tão comum que até se faz caricaturas disso.

Um personagem de sucesso na TV , Caco Antibes, fazia a caricatura da Aporofobia - “ Tenho horror a pobre!“ - era o bordão do personagem interpretado pelo ator Miguel Falabella. E em minha infância, ainda na era do rádio e antes da TV, o programa "Balança, mas não cai!" divertia as pessoas com a dupla caricata: Primo Rico e Primo Pobre interpretada pelos atores Paulo Gracindo e Brandão Filho, respectivamente.

A sociedade tem instituído alguns constrangimentos às piadas de humor com homossexuais,  negros, gordos e carecas,  que antes eram caricaturas comuns no anedotário  público, e hoje são politicamente incorretas. Porém, ainda não há constrangimentos para as exposições caricatas da Aporofobia.

Muitos implicam com o chamado politicamente incorreto. Não me excluo. Busco me corrigir, mas não é uma reação espontânea, é elaborada. Acredito que o incômodo desaparecerá com o fim da minha geração, as que virão reagirão melhor. Mas, o fato é que o constrangimento representa um estado de amadurecimento cívico e social. Sabemos a origem das proibições, e a contrapartida é que elas carregam consigo uma vontade de desmontar visões preconceituosas e, consequentemente, discriminatórias.

Enquanto isso segue a realidade social com seus conflitos e, felizmente, existem padres Julios para pregar a distinção entre pobres e pobreza, adentrando em espaços onde a militância tradicional nem mesmo se atreve, e fazendo suas mensagens ressoarem com tal potência que chega a abalar e apavorar canalhas com armaduras de mandatos parlamentares que além de aporófobos são padrejuliófobos.

Em tempo: continuarei registrando termos da Novilíngua, agora 2024.

 

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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O fim da vida, sem direito a Bis

Opinião

 

Nas primeiras linhas, do primeiro capítulo, da primeira seção do primeiro volume da sua obra O Capital, há mais de um século e meio, Karl Marx escreveu assim:

“A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias”, e a mercadoria individual como sua forma elementar” 

O sacana do Marx compreendeu, definiu e ensinou sobre o núcleo do modo de produção em que ele vivia: o modo capitalista ou capitalismo. Surpreendentemente para muitos em suas primeiras leituras, o tal núcleo não é o trabalho, nem o homem, nem a exploração, muito menos a revolução. O núcleo é a mercadoria.

No capitalismo tudo é tomado como mercadoria, se não for, não tem vez no sistema. Quem tiver alguma  mercadoria pode ir ao mercado e tentar trocá-la por outras que poderá consumir para sua sobrevivência. Quem não tiver está fora. É descartável.

E prosseguiu Marx:

“A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer. A natureza dessas necessidades – se, por exemplo, elas provêm do estômago ou da imaginação – não altera em nada a questão. Tampouco se trata aqui de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, isto é, como objeto de fruição, ou indiretamente, como meio de produção”

(Nota: Essas traduções foram copiadas das edições de O Capital da Editora. Boitempo) 

O velho Mouro viu muito além do seu tempo. Mas, não cometamos o equívoco de imaginar que ele profetizou ou idealizou os dias de hoje. Não!  Ele não era mágico e nem fazer idealizações era a sua praia. Materialista, ele  pensava no mundo a partir das suas experiências e das realidades que conhecia e, ainda assim, ele viu o coração do sistema – a mercadoria. Aliás, esse é o título do Capítulo 1 de O Capital. Ovo em pé. Depois que alguém mostra a solução ela parece óbvia.

Hoje os jornais informam que o  estádio de futebol Morumbi será, a partir de janeiro de 2024 e durante os próximos três anos chamado de MorumBis – uma referência à marca de chocolate Bis. Um negócio de 75 milhões de reais. Alguém vendeu e outro alguém comprou o nome do estádio!

O tipo do negócio chama-se “naming rights” e a mercadoria é o “nome” do estádio. A mercadoria atende às necessidades humanas. Se elas provêm do estômago ou da imaginação – não altera em nada a questão. Essa assertiva foi estabelecida pelo Mouro há mais de 150 anos.

São muitos os exemplos de “naming rights”. Negociações similares já foram feitas pelos clubes Palmeiras e Corinthians. Em 2021 os jornais anunciaram uma crise no Metro RJ que vendeu o nome da estação Botafogo que passou a se chamar: Botafogo/Coca Cola.

Muitos comentarão com indiferença que capitalismo é isso mesmo, vida que segue, mas sem compreender ou considerar a abrangência desse modo de produção que entende tudo como potencial mercadoria.

Marx foi além. Apontou que o futuro do capitalismo é a extinção da nossa espécie, na medida em que até mesmo a natureza que viabiliza a vida humana no planeta será consumida como “mercadoria”. E tem gente que acha que a bandeira de fim do capitalismo é coisa de comunista e de sonhador inconsequente.

Superar o capitalismo é imperativo se o ser humano não quiser ser o seu próprio algoz. Tarefa de quem ainda está ou estiver por aqui. Que venha 2024!

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