Leituras para distrair
Coisas lindas. O samba do Salgueiro 2019 e um texto sobre a
letra do samba, elaborado pelo professor Luis Antonio Simas. Quanta beleza
compõe a nossa cultura.
Não se trata de opção religiosa ou de fé. Cada um que tenha, ou
não, aquela que lhe aprouver. Trata-se de identificar o sublime que existe em
nossa formação miscigenada, em nossas origens, cuja história e relatos alguns
aprendizes de fascistas tentam abafar.
Mas, não tem jeito! É uma beleza que escorre por entre as frestas
de censuras desses filhos das putas. Beleza que explode nas manifestações
populares e se esparrama permitindo tomarmos consciência de quem somos. O verdadeiro
processo de aprendizado, segundo Paulo Freire. Uma beleza que, cantando, responde um melodioso “não!” aos racismos e às discriminações
preconceituosas que impregnam a nossa sociedade.
O texto do Simas (que copiei sem autorização e sem qualquer
constrangimento) pode ser lido abaixo. Uma aula, como sempre. Também incluí um
link para acesso ao samba do Salgueiro. Entre os comentários do youtube há um
que gostei muito “Foram fazer um samba enredo e fizeram um hino”.
Mas, eu também aproveitei a deixa para divulgar um vídeo interessantíssimo e
digno de elogios e admiração. Trata-se de uma co-produção da Globo e de um
canal de televisão Francês, ainda nos anos 70 do século 20, cujo título é “O
Poder do Machado de Xangô”.
Elaborado sob a orientação do antropólogo Pierre Verger, o vídeo
do Globo Reporter – Pesquisa é um exemplo
de reportagem completamente distante das atuais produções globais. Pelos
creditos não consegui identificar o autor do texto, mas é impecável e merece
ser divulgado. Especialmente as narrativas de introdução e a narrativa final.
Fica a sugestão para quem desejar.
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O texto do Simas - (Copiado sem autorização do Facebook do Luis Antonio Simas – link abaixo)
Luiz Antonio Simas - 2
de fevereiro às 18:03 ·
Atendendo a um pedido e sendo
simples, escrevi sobre o sambão do Salgueiro para quem não tem iniciação nos
ritos dos candomblés e umbandas e quer sacar melhor a letra macumbada
Simbora:
"Vai trovejar!
Abram caminhos pro grande Obá"
- O samba começa com a evocação a um
elemento da natureza ligado a Xangô e Iansã: o trovão. Obá é o rei ou
governante entre os iorubás. Não confundir com a orixá Obá, que aparecerá no
samba.
"É força, é poder, o Aláfin de
Oyó Oba Ko so! Ao Rei Maior!"
- Alafin é um título dos obás,
governantes do reino iorubá de Oyó. A tradição diz que o Xangô histórico foi o
quarto alafin de Oyó, filho de Oranian e Torosi.
Oba Ko so - significa em português
algo como "o rei não se enforcou" ou "o chefe não morreu" e
se refere ao mito em que Xangô teria se enforcado por conta de uma vergonha que
passou em Oyó. Resumo rapidamente: ao ganhar o poder de lançar fogo pela boca
(o nascimento dos raios), Xangô não teve cuidados e, deslumbrado com o poder
obtido, incendiou sem querer o próprio palácio. Envergonhado, foi para a
floresta e se enforcou. Os partidários de Xangô, todavia, começaram a dizer que
ele não tinha se enforcado, mas virado um poderoso orixá, encantado no fogo,
deixando na terra um grande buraco. Obá ko so é uma expressão presente em um
canto muito popular na cerimônia da "Fogueira de Xangô", uma das mais
fortes do candomblé. O rei está vivo! O Rei não se enforcou!, diz o Salgueiro.
"É pedra quando a justiça pesa
O Alujá carrega a fúria do
tambor""
- Referência a Xangô como um orixá da
justiça, característica muito marcante do orixá no Brasil, e que tem a pedra
(sobretudo a pedra de raio) como um de seus elementos.- o alujá é o toque
clássico de Xangô nos candomblés. Em português, "alujá" significa
algo como orifício ou perfuração. Provavelmente, como Verger chegou a anotar, o
nome tem relação com o mito de que Xangô, ao virar um orixá, deixou um buraco
na terra ao se encantar no fogo. O alujá é um toque rápido e triunfal, evocando
os poderes do orixá que dança com a força e a beleza das grandes labaredas.
"No vento, a sedução (Oyá) O
verdadeiro amor (Oraiêiêô) E no sacrifício de Obà (Obà Xi Obà) Lá vem
Salgueiro!"
Referência ao mito das três mulheres
de Xangô. Iansã - a senhora dos ventos - era a paixão manifesta no desejo da
carne. Oxum (aqui citada pela sua saudação: oraieiêô) é a esposa sensual, devotada
e ciumenta (os ciumes de Xangô também são terríveis). E Obá foi aquela que, se
sentindo a menos amada, perguntou a Oxum o que ela tinha feito para ter o amor
do rei. Oxum mentiu para Obá. Cobriu a orelha com um lenço e disse que Xangô a
amava porque ela tinha oferecido a ele sua própria orelha, dentro de uma gamela
- Xangô só come em gamelas de madeira, nunca em louças - com amalá-ilá (a
comida predileta de Xangô, feita com quiabo). Obá cortou a orelha, acreditando
em Oxum, e ofereceu a Xangô. Horrorizado, Xangô expulsou Obá de seu reino. Aqui
eu fiz a seguinte leitura: o samba diz que "no sacrifício de Obá / lá vem
Salgueiro". Será uma possível referência ao sacrifício amoroso de colocar
um carnaval na rua?
"Mora na pedreira, é a lei na
Terra Vem de Aruanda pra vencer a guerra Eis o justiceiro da Nação Nagô Samba
corre gira, gira pra Xangô"
Aqui já temos uma transição. É Xangô
saindo da África e chegando ao Brasil. A pedreira é, especialmente na diáspora,
considerada um elemento do orixá, detalhe presente com muita força na umbanda.
O trecho também fala da Aruanda, uma espécie de lugar espiritual de onde vinham
e para onde retornariam os espíritos ancestrais. Há quem diga que a Aruanda
faria referência ao porto de Luanda, em Angola. De toda forma, a Aruanda é um
lugar encantado de origem e retorno muito mais presente nos mitos da umbanda do
que nos do candomblé. A gira é a sessão das umbandas e encantarias. Defendo que
a palavra seja uma corruptela de canjira. A canjira e o nome dado ao conjunto
de danças rituais, realizadas em um grande círculo, nos terreiros muxicongos,
angolo-congoleses, e nas casas de umbanda e quimbanda, unindo o conjunto de
toques, transes e mandingas
"Rito sagrado, ariaxé
Na igreja ou no candomblé
A benção, meu Orixá!
É água pra benzer, fogueira pra
queimar
Com seu oxê, chama pra
purificar"
- O ariaxé é o local do terreiro onde
estão enterrados os diversos fundamentos secretos da casa. Há quem se refira
também a ariaxé para designar o local onde são preparados os banhos com as
folhas sagradas dos orixás ou mesmo o quarto de recolhimento de noviças que
estão fazendo a iniciação.
- "Na igreja" pode ser
referência ao sincretismo ou a um antigo rito de alguns velhos terreiros de
candomblé, hoje praticamente extinto: as iaôs, no processo final de iniciação,
costumavam percorrer até sete igrejas.
- O oxé é a grande ferramenta de
Xangô; um machado de dois gumes
"Bahia, meus olhos ainda estão
brilhando
Hoje marejados de saudade
Incorporados de felicidade
Fogo no gongá, salve o meu protetor
Canta pra saudar, Obanixé kaô!
Machado desce e o terreiro treme
Ojuobá! Quem não deve não teme!"
- A evocação ao estado da Bahia é
certamente referência ao enredo de 1969 do Salgueiro: Bahia de todos os deuses.
Naquele carnaval, pela primeira vez, o falecido professor Júlio Machado
desfilou como destaque com a fantasia de Xangô do Salgueiro.
- O gongá é uma espécie de altar nas
umbandas, onde ficam as imagens das entidades. Nas umbandas, aliás, Xangô
costuma ser sincretizado principalmente com São Pedro, São João ou São
Jerônimo.
- Obanixé Kawó kabiyèsílé é a grande
saudação de Xangô. Algo no sentido de "saúdem o rei que está na terra/na
casa".
- Ojuobá é um título de alta
dignidade no candomblé, dado a pessoas notáveis e de grande sabedoria na casa
de Xangô. Literalmente: os olhos do rei.
"Olori xango eieô
Olori xango eieô
Kabesilé, meu padroeiro
Traz a vitória pro meu
Salgueiro."
O refrão! Aqui o bicho pega e o
babado é forte. Orunmilá, o orixá da sabedoria oracular e sabedor dos destinos,
diz que existem três espiritualidades importantíssimas relacionadas com Olori,
que adquirimos antes mesmo do nosso nascimento: Aiama é a espiritualidade que
escolhemos no Orum, aos pés de Olofin antes da grande e misteriosa descida para
a vida terrena. Orunmilá testemunhou essa escolha.
Ainda no Orum, escolhemos também
Akulela; um conjunto de atributos, virtudes, qualidades, defeitos, que
carregaremos pela vida. Potencializar os irês (coisas boas) e afastar nossas
tendências negativas ao longo da vida é processo que inclui autoconhecimento,
boa conduta, consulta ao oráculo e ebó.
E a terceira? Me parece que aí entra
o sentido do samba do Salgueiro. É Akuleba, a manifestação em nós das
características de um orixá; aquelas que adquirimos na grande viagem que
fazemos do Orum (o invisível) ao Ayê (essa vida na terra) nos ventres das
poderosas mães.
Conclusão: Olori Xangô é uma
fortíssima evocação da espiritualidade de Xangô presente em cada um de seus
filhos. No caso do refrão, o grande filho me parece ser o próprio Salgueiro.
Esse samba, do Marcelo Motta, Fred
Camacho e parceiros, é quente!
Acessado em08/02/2019
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O samba do Salgueiro
Acessado em08/02/2019
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O poder do Machado de
Xangô - Globo
Reporter. Completo
Acessado em08/02/2019
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Copiei de um quadrinho que tenho em casa |
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