domingo, 31 de maio de 2020

Em gaiola de porcos não se espera ver pássaros


Opinião


Conjecturo sobre a nossa situação política. Construímos caminhos por onde prosseguirão  pessoas que são nossas queridas. Gerações mais jovens, além de outras que estão por vir. Sequer estaremos com elas que deverão, a seu modo, construir seus atalhos e caminhos. Mas nem por isso deveríamos “deixar pra lá”.

Resgatei imagens do Amilton Krenak (link abaixo) - liderança indígena que hoje é uma referência política e que têm um papel importante na história do nosso país. Muitos da minha geração se emocionaram com a apresentação do Krenak em uma das audiências para a elaboração da Constituição de 1988. 

Divulgada até pela Globo, a apresentação do Krenak, em setembro de 1987, impactou decisões e contribuiu para o reconhecimento de direitos das nações indígenas, determinando compromissos para os atuais e futuros habitantes desse país que, afinal, resulta de uma ocupação violenta e do extermínio de povos que eram seus habitantes originais.

Hoje, mais de 30 anos após a apresentação de Krenak, a sociedade brasileira levou ao poder, como ministro da Educação, um infeliz que vomita e extravasa a sua discriminação preconceituosa, afirmando que “odeia o termo povos indígenas”.

Krenak foi questionado sobre a fala do ministro, e respondeu:

“ Não somos a humanidade que pensamos, não há uma qualidade “humana”. Se ela existisse, não estaríamos discutindo. Perturbou-me que alguém como essa figura tenha sido escolhida como ministro da Educação. Isso foi uma surpresa, mas dado que isso aconteceu ...”
“Nessa gaiola de porcos eu não esperava nenhum pássaro”

Busquei na internet e vi que a pústula, atual ocupante do Ministério a Educação, tinha cerca de 16 anos de idade quando Krenak, também jovem, ainda com seus 34 anos, impactou o Brasil discorrendo sobre os seus ancestrais e as pessoas de sua origem.

Naquela ocasião Krenak não reivindicou um direito de posse absoluta. Argumentou que suas reivindicações apoiavam-se nas relações dos povos indígenas com a natureza que os cercava. Sua apresentação na constituinte foi emocionante. Mas, vale a pena abster-se da dramatização que ele representou e concentrar-se no seu discurso.

Eu não cobraria de um adolescente de 16 anos a compreensão e  significado do conteúdo da defesa do Krenak na Constituinte. Contudo, independentemente de minha vontade, aquele jovem de 1987 hoje se aproxima dos 50 anos de idade e  assumiu uma  postura canalha com a qual não há como contemporizar.

A pústula adolescente em 1987 transformou-se nesse tumor horrível que infecta toda a sociedade. Contamina todos nós. Precisaria ser lancetado. Expurgado. Ele faz mal e nos putrefaz – mesmo os que não votamos nos fascistas e que não contribuímos para a formação dessa excrescência.

De qualquer forma, estamos falando de política, de escolhas. Não existem deuses nem certezas absolutas. Valores, interesses e intenções são distintos. Acho que vale buscar conhecer melhor e lembrar Krenak – e continuar firme em nossas lutas. Faria bem se essa merda fedorenta e insalubre que ocupa a posição de ministro da Educação fosse desfeita em descarga sanitária. Decomposta, filtrada pela natureza. Talvez, em situação futura, até possa voltar estrumando possibilidades saudáveis de vida. Por ora, é lixo.

Trecho do documentário “Índio Cidadão” – acesso em 31/05/2020 em <https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q>

Live promovida pela editora Companhia das Letras em 24/05/2020 - Mesa 6: Sonhos para adiar o fim do mundo, com Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro – Acesso em 31/05/2020 em <https://www.youtube.com/watch?v=95tOtpk4Bnw>

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sábado, 23 de maio de 2020

O carteiro, o poeta e o cú


Opinião


Ardiente Paciencia é o título original de uma novela do autor chileno Antonio Skármeta que se tornou um sucesso internacional quando foi adaptada para o filme “O carteiro e o poeta”, uma ficção baseada na relação entre Pablo Neruda e um carteiro, quando o poeta estava exilado em uma ilha na Itália.

Parte do filme se circunscreve ao desejo do carteiro conquistar uma amada e que não compreendia porque ele (carteiro) se apaixonava pelas descrições de Neruda. Descrições que eram distantes da sua realidade concreta, mas que, ainda assim, o emocionava e ele conseguia compreender os seus significados. Neruda conversa e fala ao carteiro sobre as metáforas poéticas. O filme é lindo, vale a pena ver e rever.

Na sexta-feira última, divulgou-se por decisão do STF o vídeo da uma tal reunião do Bozo com os seus ministros, na qual ele chutou o pau da barraca e, junto com a barraca, o seu ministro mais importante, o juiz de primeiro piso já revelado como um pilantra pelos áudios da agência de notícias Intercept.

Sim, mas até aqui, onde o cú se relaciona com as calças?

Amigos, sei perfeitamente que a quarentena que já caminha para a setentena está insuportável. Mas, após ver o vídeo da tal reunião, conclamo: Aguentem firme! A batalha é bem mais cruel nas linhas de frente, onde está o Bozo, representante eleito da nação, e a trupe que ele montou como seu corpo ministerial.

Deduz-se ao assistir o vídeo que, duro mesmo, deve estar sendo para o ex-capitão boquirroto. Em  meio à calamidade de uma pandemia internacional, ele se mostra transtornado porque acha que querem estourar com as suas hemorroidas e, provavelmente, também as hemorroidas ministeriais devido à relações de compromissos que ele declara durante a reunião

“Eles querem a nossa hemorroida, a nossa liberdade” – é a fala do Bozo

Você que está ai, em seu isolado conforto seria capaz de imaginar essa ameaça? Faço essa interrogação porque, adianto,  eu sucumbiria diante de tal ameaça.

Um bozominion apressado levará os dedos ao ânus, fará uma redução (reposição na posição anatômica correta de um órgão - hérnia, invaginação) da sua própria veia que poderá estar evaginando (protusão de um órgão ou de parte de um órgão para fora da sua localização normal) e gritará por seu mito, ao mesmo tempo em que tentará reposicionar suas hemorroidas: “Ele está falando metaforicamente, simbolicamente”.

Imaginei Pablo Neruda tentando ensinar ao carteiro Mássimo essa metáfora.

Companheiro, busque todos os autores literários, os romancistas ou poetas. Busque em outras artes: teatro, cinema, dança. Busque na escultura, na arquitetura, na pintura. Busque na música essa arte que nos é tão próxima.

Qual artista foi capaz de construir essa imagem poética, essa expressão metafórica, essa representação simbólica da liberdade: as hemorroidas.

De fato, esse presidente é um mito, um cú!

NOTA:
Trecho de reunião ministerial de 22/04/2020 - Acessado em 23/05/20220
 em <https://vimeo.com/421714691>

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domingo, 10 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (52)


Opinião


Um Dia das Mães bem estranho. É certo que há bastante tempo eu acho Dia das Mães um troço bem avacalhado e sem significado para mim, mesmo quando ainda tinha a minha. A data tem origens controversas, mas hoje não passa de um artifício comercial com recordes de vendas nos dias que antecedem. De qualquer forma, hoje não poderia deixar de estar estranho, é o primeiro Dia das Mães em meio a pandemia do coronavírus. Tomara que seja o único.

Como as famílias estão, em grande número, praticando o isolamento social, muitas mães que já são avós possivelmente estarão isoladas, sem a companhias dos filhos e netos. Certamente isso é motivo de uma tristeza não superada pelas vídeo chamadas via celular. O lado positivo é que muitas mamães não estarão sofrendo maus tratos em restaurantes. Geralmente uma porção de filhos resolve “compensar” suas mães no “seu” dia e, em vez de preparar, eles próprios, alguma recepção confortável para a mamãezinha, levam-nas para almoçar fora.  O que se vê nas ruas da cidade são filas enormes nas portas de restaurantes e churrascarias, cheias de velhinhas esperando a liberação de alguma mesa onde, apertadinhas e desconfortáveis, serão maltratadas pelos garçons atrapalhados no atendimento da casa lotada e prestando um péssimo serviço.

Aqui, no Rio, o Zeca Pagodinho montou uma apresentação ao vivo com acompanhamento musical e transmitida pelo youtube. Não faço ideia do local físico – acho que nem foi divulgado – mas ele esteve lá, numa belíssima apresentação. Os músicos afastados entre si e o único público, ao que pareceu, foram moradores da vizinhança que puderam assistir pelas janelas. Estava lá, afastado do Zeca e conduzindo musicalmente o show o maravilhoso Paulão 7 Cordas, um dos grandes artistas musicais do nosso país.

Essas tais de “lives” (hoje estão programadas várias) passaram a fazer parte das nossas vidas isoladas, e as cenas do show do Zeca, em que pese a beleza do show, foram de um significado que nada tem de belo. Não sabemos como será a vida após o coronavírus, mas se a impossibilidade de proximidade e de contatos, como as cenas que temos assistido, se tornarem uma prática obrigatória, arrisco dizer que nosso futuro estará fudido. Os seres humanos, pelo menos essa espécie que conhecemos, não suportarão. Naturalmente a adaptação ocorrerá, mas os adaptados formarão quase uma outra espécie. O coronavírus terá sido o marco da nossa transformação.

Usarei esse Dia das Mães como uma referência simbólica do término de uma prática que iniciei junto com o isolamento social: escrever diariamente nesta serie “A vida em tempos de coronavírus”. Hoje interromperei a sequência. Sem motivo especial, apenas para dedicar o tempo a outras tarefas sem o compromisso comigo mesmo de alguma redação diária. Sempre usei o blog como um caderno de anotações e continuarei usando, mas sem a rotina diária a qual me obriguei no começo do isolamento.  

Nas datas de Dia das Mães e Dia dos Pais, há algum tempo, com alguns amigos celebramos o dia dos “sem mães” ou “sem pais” bebericando juntos umas cachaças e provando uns tira-gostos. Hoje a celebração será isolada, típica da vida em tempos de coronavírus.

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sábado, 9 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (51)


Opinião


O dia lá fora está lindo – hoje, sim, um sábado carioca. Com um dia bonito desses é dificílimo para qualquer um ir embora do Rio, incluindo esse sacana desse coronavírus. Como não se maravilhar e se deixar ficar?

São tempos difíceis, mas eu estaria sendo hipócrita se me incluísse entre os que amargam as penúrias desse tempo. Estou no grupo dos privilegiados, felizmente. Minhas angústias são por solidariedade. Então, não haverá muito o que inventar hoje. Sentar e descansar porque é sábado, comer feijão com arroz  (arroz de carreteiro que já estou preparando) porque nessa conjuntura sou  efetivamente um príncipe, dançar e gargalhar ouvindo Aldir Blanc e, mas tarde , bebericar umas em um encontro de bar virtual com amigos.

Entre os compromissos prazerosos gravarei um vídeo pra minha netinha linda que aniversariará na próxima semana e terá que se contentar com uma festinha virtual. Nunca imaginei isso em minhas projeções futurísticas, mas o século XXI está aí, desse jeito. Esse é o século das nossas crianças.

O governador do Estado, aquele que gosta de passear de helicóptero atirando sobre as comunidades como se fosse uma prática de tiro ao alvo, resolveu não decretar o tranca-rua estadual . Deixou sob a responsabilidade das prefeituras. O prefeito do Rio, onde moro, não adotou a medida em toda a cidade, mas o prefeito da minha cidade de origem – São Gonçalo – determinou o tranca-rua no município durante cinco dias, sujeito à prorrogação. 

A partir da próxima segunda-feira (11) até a sexta-feira (15), a ordem é haver isolamento social rígido, com fechamento total de todos os estabelecimentos não essenciais e proibição de permanência da população  em vias e locais públicos durante esse período.

São Gonçalo é a cidade mais populosa do Rio de Janeiro depois da capital, e no Brasil é a 16ª. cidade em população, incluindo as capitais. Tem cerca de um milhão e cem mil habitantes, mas é uma cidade pobre. O PIB per capita da cidade é aproximadamente R$ 16.500,00 bem menor que suas primas ricas e vizinhas: Maricá e Niterói

O PIB per capita  de Niterói é aproximadamente R$ 55.000,00 e o  de Maricá é aproximadamente R$ 75.000,00. O PIB per capita de Maricá é 1,36 vezes maior que o de Niterói e 4,5 vezes o de São Gonçalo. E o PIB per capita de Niterói é 3,3 vezes o de São Gonçalo.

Essa "pobreza" gonçalense se reflete naturalmente nos recursos para o enfrentamento da pandemia. Embora eu ache que a decisão do prefeito tenha sido uma boa medida, que torço para dar certo, suponho que será bem difícil a imposição efetiva do tranca-rua se não houver uma adesão em massa e consciente da população.

No mais, tentarei passar bem o dia para não atrapalhar o sábado.

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sexta-feira, 8 de maio de 2020

A morte em tempos de coronavírus (50)


Opinião


Um companheiro antigo, foi trabalhador da Embratel, militante político e sindical de primeira linha, costumava brincar que a sociedade é como uma  mulher maravilhosa que se apresenta para nós nua  e com olhar cativante, incluindo o irradiado por aquele olho vesgo no meio da testa. Com seios à mostra, sedutores e desejados, todos os três, desfila com graciosidade sem depender nada de sua perna atrofiada. Com um gestual engraçadíssimo e uma narrativa que infelizmente eu não consigo reproduzir, ele prosseguia descrevendo uma figura completamente deformada, embora singular e  até bela nas particularidades de algumas de suas  partes.

Lembro da brincadeira desse companheiro sempre que me deparo com certas situações que  - para mim – são inesperadas e que me surpreendem porque estão bem além das que eram as minhas expectativas. Isso aconteceu hoje, ao ver as notícias que viralizaram na web sobre a entrevista, na TV CNN, da namoradinha do Brasil, levada ao cargo de Secretária Especial da Cultura no Ministério do Turismo do governo Bozo.

Seria ignorância minha surpreender-me com esse ou aquele fulano mostrando-se colado ao governo fascista. Afinal, o governo foi eleito e alguém terá que ter votado nele, embora ele mesmo diga que, apesar da sua vitória, o processo eleitoral foi fraudulento. Também não me surpreende que parte das pessoas tenham efetivamente valores fascistas. É verdade que uma parte expressiva de eleitores foi manipulada por lideranças religiosas evangélicas e, também, que no Brasil existe uma máquina eleitoral, super eficiente, manobrada pelo capital privado que sustenta o loteamento do país em verdadeiros currais eleitorais.

Sei que o voto obtido como produto dessa estrutura de domínio do processo eleitoral não tem qualquer relação com ideologia ou compromisso com valores fascistas. Mas, também é verdade que uma boa parte dos apoiadores da trupe Bozo são pessoas que tem acesso à informação e que fizeram a adesão por escolha sustentada por seus valores - a namoradinha do Brasil está nesse grupo. Em princípio, não deveria surpreender-nos assisti-la declarar os seus valores políticos.

Mas, a entrevista da namoradinha foi bem além das expectativas. Foi um espetáculo de reacionarismo, fascismo, idiotice e cretinice, pra Damares nenhuma colocar defeito. A moça constrangeu o entrevistador cantarolando “Pra frente Brasil!”, o jingle da TV Globo na Copa de 1970 que acabou se transformando num hino de memória da ditadura. Sorrindo e rebolando na cadeira, gesticulava e perguntava se “não era bom quando a gente cantarolava isso”. 

Cara a cara com a entrevistada, o sujeito, sem sem graça, e que pela jovem aparência nem devia ser nascido na época da canção inesquecível da namoradinha, comentou que as questões tinham a ver com as mortes na ditadura (militar) e ela replicou perguntando: “por que as pessoas se espantavam – na humanidade não se para de morrer – sempre houve tortura”.

Em estúdio distante, os repórteres colocaram um vídeo de outra artista, a Maite Proença, gravado no dia anterior e especialmente para a entrevista. A Maite Proença criticou o silêncio da secretária sobre as mortes recentes de artistas que são verdadeiros ícones da área. A namoradinha surtou. Empombou com os repórteres. Disse que aquele não era o combinado. Disse que estavam desenterrando vídeos, desenterrando mortos, que os repórteres estavam carregando um cemitério nas costas e que deviam estar cansados por isso. Os repórteres ainda replicaram que não estavam desenterrando, ao contrário o país estava enterrando centenas de pessoas em decorrência da pandemia do coronavírus. Foi um desbunde geral e a produção do programa encerrou a entrevista. Acredite quem quiser! A gravação da entrevista está acessível na web.

Mas, não ficou por aí. Um general de pijamas, o mesmo que em 2018 fez ameaças à nação em vésperas de julgamento do Lula, fez questão de emitir nota dizendo: “ fiquei encantado com a Regina pela demonstração de humanismo, grandeza, perspicácia, inteligência, humildade, segurança, doçura e autoconfiança que nos transmitiu

Cara! Eu fico estarrecido, e me acho um merda em minha capacidade de avaliações de situações e de possibilidades, quando vejo uma figura como essa, a namoradinha do Brasil,  desabrochando politicamente.

Claro que a mediocridade não tem limites, sei plenamente disso, mas burramente eu imaginava que o governo Bozo já havia esgotado as possibilidades de novas figuras para os seus quadros que fossem a um só tempo “notáveis” e caricatamente escrotas. Aí aparece essa coisa, essa namoradinha, desse jeito, sem nenhuma necessidade de explicação ou adjetivação. Puta que pariu! Acho que estou encarando aquele olho vesgo que o meu amigo descrevia.
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quinta-feira, 7 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (49)


Opinião


Hoje o dia não amanheceu carioca. Algum implicante diria que ele está meio paulista, mas seria apenas implicância, dessa típica de vizinhos que sempre trocaram farpas sem assumirem a admiração de um pelo outro.

Mas, paulista, ou qualquer coisa, o certo é que a cara desse dia não está nada carioca. Pode ser até que, considerando o fato de estarmos em isolamento social e que as coisas estão todas andando numa velocidade meio barrichello, quem sabe, o dia resolveu despertar mais tarde. Porém, já passou a metade dele e ainda está escuro, triste, chuvoso e desanimado. Parece que está esperando o que vem sendo anunciado pra hoje: o tal do  lockdown – já batizado pelos cariocas como o “tranca – rua”.

Desde ontem as notícias dão conta que uma decisão governamental ocorreria hoje, com a deliberação de um lockdown em todo o estado, incluindo a capital. Algumas regiões já estão com determinações de lockdown parcial, mas agora seria “à vera”.

A coisa tá feia! Tem encaminhamentos feitos pelo Ministério Público para esse tipo de decisão e pareceres da Fundação Oswaldo Cruz para que a medida seja adotada. Há uma quantidade enorme de casos de contaminação e óbitos na cidade, tem a velocidade das contaminações, tem a não adesão de parte significativa da população ao isolamento social e, especialmente, tem as condições e capacidade de atendimentos da rede de saúde. 

A rede pública já está com esperas de internações em UTI ultrapassando a casa do milhar e a rede privada com cerca de 90% da sua capacidade de atendimento comprometida. Em suma, estamos no limiar do colapso da rede de saúde como um todo ou até já entramos nele. Tudo leva à necessidade do tranca-rua. Pode ser até que a decisão seja anunciada enquanto elaboro esse texto.

As notícias que tenho acompanhado de outros locais informam que, na sequência do colapso assumido do sistema de saúde, outras situações se caracterizam, como a derrubada de pedras enfileiradas de um dominó. O sistema funerário é um deles. Há outros cujas restrições ainda não se fizeram sentir devido a esse isolamento social meia bomba que, entre outras dificuldades, vem sendo sabotado numa atitude genocida do governo federal. A determinação oficial do tranca-rua e o endurecimento dos controles teria consequência sobre tais sistemas que ainda funcionam oficiosamente.

Particularmente acho que é necessário esse tranca-rua. Assumo que o meu “acho” é quase leviano, mas essa não é a intenção. Uma das nossas fragilidades é justamente não contarmos com informações que permitam a qualquer cidadão a formação de uma massa crítica e emissão de uma opinião mais consistente, até para auxiliar as autoridades em suas decisões. Então, o jeito é fechar exclusivamente com a opinião de especialistas confiáveis, como é o caso dos profissionais da Fundação Oswaldo Cruz, e apoiar esse tranca-rua sem outras considerações.

Também vale esclarecer que me refiro a “esse” tranca-rua porque a entrada em cena do “outro”, aquele com letras maiúsculas, além de ser fundamental, não depende de decisão de governador.  Certamente ele já deve estar por aí, há bastante tempo, trabalhando e esforçando-se para atender às solicitações da galera que a ele já recorreu.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que talvez seja preciso atender a esse tranca-rua social, é fundamental não assumirmos o lockdown individual, dos sentidos e das emoções. Particularmente não me sinto ameaçado por essa possibilidade, felizmente, mas seria estupidez não considerá-la. Essa não pode acontecer. Tudo que vi mostra que essa contaminação não é muito diferente do coronavírus, não vemos chegar e quando percebemos já estamos contaminados.

Pensando assim, precisamos assumir essa atitude de resistência e enfrentamento como referência. Quem não o fez, sugiro adotá-la. Nem que seja por curiosidade. Talvez não seja uma razão nobre, mas sempre será um motivo e o importante é não esmorecer. Pode até ser um motivo mórbido, mas quero saber onde essa merda toda vai dar - e também quero ver muitos, muitos  e mais, mais, mais  dias cariocas.

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quarta-feira, 6 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (48)


Opinião


ATO I (ÚNICO)

OS PERSONAGENS ESTÃO SENTADOS EM TORNO DE UMA MESA GRANDE, BEM AFASTADOS ENTRE SI E USAM MÁSCARAS. A DECORAÇÃO SUGERE UMA SALA DE CAFÉ OU DESCANSO DE ALGUM AMBIENTE DE TRABALHO. A ILUMINAÇÃO DETERMINA O UNIVERSO QUE SE LIMITA A TRÊS PERSONAGENS.  NO INÍCIO, A ILUMINAÇÃO PROJETA O FOCO NO PERSONAGEM 1.  NA SEQUÊNCIA A ILUMINAÇÃO É MODIFICADA COM O FOCO REALÇANDO A INTERVENÇÃO DE CADA INTERLOCUTOR. 


PERSONA 1 - A TV tá foda! Aliás, os jornais também. As cenas são indecentes, indecorosas. Até um  insulto, difícil de acreditar. Daquelas de tirar as crianças da sala. Uma verdadeira agressão à família.

PERSONA 2 - Concordo! Na TV é erotismo puro, nem é erotismo, é pornografia. Nos anos 60 isso só acontecia no Carnaval. Agora é direto. A garotada masculina adolescente também curtia o erotismo, mas era furtivamente. Quem tinha televisão até tinha a possibilidade – bem pequena – de assistir alguma cena dos bailes carnavalescos transmitidos durante a madrugada. Um beijo tipo chupão, uma fantasia feminina mais ousada, uma carícia íntima que não ia além das vizinhanças da intimidade propriamente dita. Mas, não era assim, na cara!

PERSONA 3 - O período pós-carnaval até era mais generoso de imagens, mas eram estáticas e, geralmente, em preto e branco sobre papel. As fotos produzidas em cores só apareciam nas revistas Manchete e O Cruzeiro e as imagens especiais eram aquelas  as que retratavam o nu feminino nos bailes.


ILUMINAÇÃO BREVE SOBRE O PERSONAGEM 1


PERSONA 1 – Mas ... (É ATROPELADO PELO PERSONAGEM 2 E GESTICULA COMO SE TIVESSE A INTENÇÃO DE CONTINUAR)

PERSONA 2 -  As imagens especiais mesmo ficavam por conta de uma espécie de imprensa marrom que publicava fotos de bailes. Só fotos de sacanagem. As fotos ainda eram em preto e branco e muitas das imagens apresentadas como originais pareciam poses especiais para as fotos. Mas, era legal. Naturais, ou não, as revistas com as imagens circulavam entre os meninos. Era época de punhetas!

PERSONA 3 -  Tem razão ... mas hoje vem tudo no zap. Quase em tempo real. Tem casal trepando na rua, em pleno desfile do bloco. Vi uma publicação de um cara beijando uma xereca no gramado de um jardim, ao lado de diversas pessoas, inclusive crianças carregadas ao colo.

PERSONA 2 - E nas escolas de samba? Cara, tem passista mostrando em selfie o detalhe do pino que a penetra e que sustenta o tapa xoxota. As imagens mais bizarras possíveis. Uso a palavra “bizarras” porque outras como eróticas, sensuais, pornográficas nem se aplicam.

PERSONA 1 – Pessoal, mas eu queria ... 


OS DEMAIS CAGAM E ANDAM PARA ELE – A CONVERSA ENGATOU. 


PERSONA 3 - Eu não sou moralista. Não tenho qualquer restrição de natureza moral ou pudica, nem sobre os atos nem sobre a circulação das imagens. Também não estranho as transformações, evoluções ou involuções, como queiram. Agora ... vamos concordar. Mudamos irreversivelmente de patamar.


PERSONAGEM 1 BATE NA MESA E AUMENTA O VOLUME DA VOZ -  DEMONSTRANDO IRRITAÇÃO

PERSONA 1 –  Caralho  pessoal! Eu to falando da porra do coronavírus, da situação do país e principalmente da situação do Amazonas, de Manaus, onde o caos é total e já entraram em colapso o sistema de saúde e o sistema funerário! A quantidade de mortos explodiu, a taxa de mortalidade é a maior do Brasil, As mortes são tantas que os corpos estão sendo enterrados em valas coletivas com até três camadas de defuntos em caixões empilhados, uns sobre os outros. Tem mais de 1000 agentes de saúde fudidos. Tá faltando  tudo. Essa situação é indecente!

PERSONA 2 – Pô! Você falou em coisa indecente e indecorosa, eu pensei logo em putaria. Nem tava ligado nesse negocio de Amazonas e essas coisas.

PERSONA 1 – Você quer putaria e sacanagem maior do que essa? O Amazonas , historicamente dominado por próceres da ditadura, tem sido um antro de domínio da trupe Bozo, tanto no poder civil como no poder militar da região. O comandante militar da zona franca defende fim do isolamento  e fez coro com o Bozo mandando a moçada ir para a rua.  Esses caras são genocidas. Os repórteres da Folha de São Paulo noticiam que tem cidade do Amazonas que parece ter mais tráfego que Nova Yoork ou São Paulo.

PERSONA 2 – Aí já tamo misturando o assunto de vírus com política.

PERSONA 1 –  Misturando?  Política é o caralho! Em casa, ouçam o podcast  da Folha de São Paulo sobre a situação do Amazonas. Ninguém vai dizer aqui que a Folha é suspeita de comunismo e essas babaquices. No Amazonas a trupe Bozo sempre contou com uma um apresentador de TV  (Siqueira Junior) que é um desses amigos da família Bozo. O cara fez propaganda para a eleição do Bozo e foi um arauto de convocação da moçada para as ruas.. Felizmente ele pegou o coronavírus e agora está dando uma de arrependido e fazendo um “mea culpa” fajuto. Prefeito de Manaus e governador do Estado foram suportes do Bozo. Agora estão brigando e a população é quem está se fudendo!

E para piorar o quadro, Manaus é uma das principais entradas para a região indígena que está completamente desprotegida, sem recursos materiais e nem mesmo os os anticorpos naturais da população branca – ou seja – nós. No estado do Amazonas só tem UTI em Manaus. Deslocar alguém do interior para um hospital com UTI é como levar um doente de Porto alegra para Belo Horizonte. 

PERSONA 3 – Então também dei mole. Quando  você falou indecência, falta de decoro e essas coisas eu pensei logo em sacanagem. Nem tava ligado  nesse negocio de índio e de floresta. Pô! Dá um tempo. Vou trabalhar

PERSONA 2 - É melhor mesmo. O pessoal já  ta avisando pra gente não aglomerar nem conversar muito, nem essas coisas.Vamos parar por aqui.

PERSONAGENS 2 E 3 SE RETIRAM – ILUMINAÇÃO SOBRE PERSONAGEM 1 QUE FAZ EXPRESSÃO DE CANSAÇO. E DE QUEM ESTÁ PUTO DA VIDA. VOLTA PARA SUA MESA E POR MÍMICA DÁ A ENTENDER QUE AINDA NÃO NÃO DESISTIU. FIM DESSE ATO.

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terça-feira, 5 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (47)


Opinião


O uso da metáfora do “Ovo da Serpente”, tem sido  recorrente nas análises políticas sobre os dias que vivemos. Embora seja de origem mais remota, as referências atuais copiam o uso feito em um clássico do cinema do século XX, de mesmo nome, uma produção sueca de 1977, sob a direção e roteiro de Ingmar Bergman.

Nos minutos finais do filme, um dos personagens usa a metáfora referindo-se à  simbologia maléfica da serpente abrigada ainda em seu ovo que teria (nunca vi) a característica biológica de ser envolto em fina membrana que permite transparecer o seu conteúdo. O roteirista buscou representar as circunstâncias políticas da Alemanha nos anos 20 e 30 do século passado, referindo-se não apenas ao monstro que sairia do ovo, mas também à possibilidade – ignorada – das pessoas anteverem o produto daquela gestação. Boa coisa não sairia dali. Saiu o nazismo.

No Brasil, muitos analistas têm, justificadamente, feito uso da metáfora ao tratar do governo Bozo, mas é impressionante a recusa da sociedade em aceitá-la. Pior, ainda, muitas lideranças políticas também se recusam. Estamos vendo o que está sendo gestado – transparente, como um ovo da serpente  – mas recusamo-nos a aceitar.

Com ovo ou sem ovo, essa gestação iniciou já nas mobilizações de 2013 com o despertar da direita fascista associada ao capital privado e à lideranças evangélicas resultando nas candidaturas e eleições da trupe Bozo.

O que estamos vivenciando é apenas parte da serpente que ainda está em formação e se fortalecendo dentro do ovo. Mas, podemos vê-la. A truculência das intervenções do ex-capitão boquirroto; o desrespeito no tratamento de grupos marginalizados socialmente; as mensagens gestuais de violência e de recurso às armas; as ameaças diretas de ação violenta contra adversários políticos; o elogio à tortura e aos torturadores da ditadura militar; as mensagens de estímulo à violência repassada aos seus apoiadores em atos públicos; as referências diretas aos seus poderes praticamente desqualificando os demais poderes da república; a prática genocida de levar a população a desrespeitar o isolamento social de proteção contra o coronavírus; os discursos em frente a sedes militares endossando  manifestações de apologia ao golpe; as iniciativas de transformação da policia federal em uma policia política; o envolvimento familiar com milicianos e outros criminosos – enfim, uma lista longa e quase interminável de ações e atitudes permitem identificar as características de um ser maléfico e deformado que está sendo gestado, mas ainda por brotar.

Seus prosélitos sequer escondem propósitos. Fazem carreatas pedindo a implantação de um regime militar, além de publicações sem quaisquer constrangimentos tentando intimidar a sociedade. Afirmam que contam ao seu lado com as forças de segurança pública, as policias militares e as policias civis. Ameaçam a hierarquia militar dizendo que as bases estão com o capitão boquirroto e que o resto não importa - o monstro virá. Mais transparente do que isso, impossível. Essa gestação precisa ser interrompida, abortada. 

Na atual conjuntura, só poucos grupos sociais tem organização mínima para provocar esse aborto. Talvez apenas os trabalhadores urbanos organizados em sindicatos e os trabalhadores rurais organizados em seus movimentos de ocupação de terras. Quem sabe, também os estudantes. O restante da sociedade ainda desorganizada será convocada e poderá  aderir ao processo.

Porém, esse embate não se realizará enquanto as lideranças dos partidos que se relacionam com esses movimentos e as próprias lideranças dos movimentos não explicitarem o que está ocorrendo e as suas respectivas posições. A gestação prosseguirá enquanto ignorarem o ovo da serpente, como estão fazendo, e ficarem nessa política aguinha de batata e de conciliação,  como ocorreu no último 1º. de maio. Uma vergonha. Apostam em futuras eleições  e num processo de troca de poder sem rupturas, quando o ex-capitão boquirroto não cansa de repetir que apesar da sua vitória o processo eleitoral foi uma fraude em favor dos seus adversários.

O país está sendo corroído, assolado por uma pandemia biológica e uma pandemia econômica e política. Um monstro já está atuando, mas outro pior, a verdadeira serpente, ainda está para sair do ovo.


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segunda-feira, 4 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (46)


Opinião


Hoje o coronavírus levou um dos maiores compositores da minha geração. Um amigo mandou mensagem pra mim “ É, esta manhã caiu como um viaduto!”.

Ao lado de Paulo Cesar Pinheiro e Chico Buarque de Holanda, Aldir Blanc, falecido hoje, completava um trio de gigantes da poesia musical. Sua obra será eternizada. As gerações mais novas que não sabem quem foi o Aldir também o admirarão logo que ouvirem suas canções e souberem que ele é o autor.

Para alguns de nós ficará a lembrança feliz de ter compartilhado com ele o mesmo tempo, a mesma época.

Resposta ao Tempo (Aldir Blanc e Cristovão Bastos)

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Pra ter argumento

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há folhas no meu coração
É o tempo

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Pra tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer

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NOTA
Essa poesia/canção é da autoria do Aldir com o Cristovão Bastos e já teve várias interpretações lindas. A que mais gosto é a da Nana Caymmi. Mas, ela pode ser ouvida numa interpretação emocionante do próprio Aldir, no link que acessei em 04/05/2020 <https://youtu.be/fgHfzDgOwtY>

domingo, 3 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (45)


Opinião


Tenho acompanhado as avaliações de progressão das contaminações do coronavírus feitas pelos estudos na universidade de Singapura já citados em outras publicações nesse blog. As predições para o Brasil foram atualizadas e pioraram em relação às anteriores (ver figura abaixo). Piorar significa um aumento na estimativa da quantidade máxima de contaminações (pico) e um deslocamento para mais tarde da estimativa de data para inversão da tendência de crescimento da quantidade de casos, mas sem um correspondente achatamento da curva de contaminações.

Vale resgatar, em que pese seja óbvio, que as curvas e estudos de predições de evolução das pandemias baseiam-se nos fatos  ocorridos, mesmo que sejam subnotificações. As curvas são formas de representar tendências, mas não são as curvas que determinam as ocorrências dos eventos e o desenrolar do processo. O que determina o processo são fatos e as providências que são adotadas em relação a eles. Se providências adequadas não forem adotadas, pode-se ficar num processo eterno de ajustes de curvas sem nunca chegar ao pico e à consequente inversão da tendência que é o primeiro objetivo desejado.

Os dados diários, independentemente dos estudos de Singapura, mostram uma redução da aceleração da velocidade de contaminação no Brasil e isso é bom, mas redução da aceleração não quer dizer redução da velocidade.  A aceleração, ou seja, a taxa de crescimento diário de contaminações pode aumentar se, em vez de um controle efetivo, a sociedade resolver chutar o pau da barraca e abandonar os esforços que vêm sendo realizados até aqui.

Há um vídeo muito interessante e didático que mostra a desaceleração das contaminações no Brasil como resultado do isolamento social (ver link abaixo). O vídeo é bem cuidadoso e sem presunções, feito por um analista, Mauricio Feo, o mesmo que fez outra apresentação sobre a evolução viral usando um exemplo com o crescimento das plantas chamadas "vitória-régia" e que foi amplamente divulgado pela web e até na TV.

Posso estar enganado, mas acho que estamos em uma fase em que o cumprimento das restrições deveria ser rigoroso numa tentativa de garantirmos uma inversão na tendência de crescimento das contaminações. Porém, é importante registrar, ainda que as estimativas de reversão e controle da pandemia estejam corretas – o que é uma visão otimista -  ainda assim, teremos um preço altíssimo a pagar em quantidade de contaminações e óbitos.

Infelizmente, na linha da política genocida do ex-capitão boquirroto, vemos um afoitamento de diversas autoridades públicas fazendo de tudo para escancarar as porteiras das restrições e do isolamento social. Pior do que isso, apontando irresponsavelmente para a sociedade um cenário de retorno à uma normalidade que não mais existirá. O descompromisso é total.

Sem dúvidas, o assunto da redução do isolamento social precisa ser tratado, mas tratado como um planejamento sobre como fazer o relaxamento das restrições quando chegar a hora. Porém, os caras alinhados com a trupe Bozo estão simplesmente querendo deixar a boiada passar e foda-se o que acontecer. Corremos o risco de sermos apontados não como vítimas da pandemia, mas como irradiadores de contaminações.

No contraponto das iniciativas do governo fascista, o combate à pandemia conta com a subversão de algumas outras autoridades, incluindo governos estaduais. Não embarcaram na canoa da trupe Bozo, mas não nos iludamos, não estamos diante de nenhuma  revolução, essas contraposições têm um limite e se desenvolvem num cenário de crise política de consequências difíceis de avaliar nesse momento.

Precisamos botar essa canalhada para fora. Para a saúde da sociedade brasileira, erradicar a contaminação viral da trupe Bozo é tão importante quanto o combate ao coronavírus.

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NOTAS

Referências para os estudos de Singapura - Atualizados diariamente 
Data-Driven Innovation Lab (http://ddi.sutd.edu.sg)



“A quarentena pode estar salvando o Brasil. Entenda o porquê” – Vídeo do Mauricio Feo citado no texto. Acessado em 03/05/2020 em <https://www.youtube.com/watch?time_continue=13&v=cyEGb1Osu0k>

sábado, 2 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (44)


Opinião


Em decorrência da morte de Tancredo Neves, presidente eleito pelo colégio eleitoral após a frustrada campanha das “Diretas Já”, assumiu o governo Jose Sarney. E junto com Sarney, o país ganhou de brinde Toninho Malvadeza (Antonio Carlos Magalhães - ACM) como ministro das Comunicações, golpista e afilhado querido dos ditadores militares de 1964.


A ida de ACM para o ministério das Comunicações, como não poderia deixar de ser,  foi um desastre para o setor e especialmente para os seus trabalhadores. Contudo, esse também foi um período especial na organização dos trabalhadores de telecomunicações. Representando os trabalhadores em nossas associações de empregados, sindicatos e federação de sindicatos, costumávamos afirmar para a categoria: é melhor que o ministro mais fdp tenha sido designado para o nosso setor, porque aqui estão os trabalhadores com maior disposição e espírito de luta para enfrentá-lo.

Não foi fácil, o sacana do ACM foi ministro durante todo o governo Sarney, de 1985 a 1990, mas durante todo esse período ele foi enfrentado com vigor pelos trabalhadores do então sistema Telebrás e da empresa de correios a ECT que pagaram alto preço nesses enfrentamentos, com trabalhadores punidos e demitidos.

Essa lembrança vem a título de comparação com uma situação inversa e atual. Há 35 anos, o pior dos ministros de Sarney encontrou a categoria mais competente para enfrentá-lo. Agora, a pandemia coronavírus, um dos grandes desastres da humanidade, assola o nosso país justamente quando ele está submetido ao mais incompetente governo da nossa história e, pelos fatos que temos notícias, possivelmente o mais incompetente entre os governos das demais nações que enfrentam a pandemia. Puta que pariu! É muito azar!

Para piorar a situação, não se trata apenas de um governo incompetente. Trata-se de um governo que contribui para o avanço da pandemia em vez do seu enfrentamento. E, não bastasse isso, um governo que aglutina em torno de si uma multidão de desesperados que já estão até apontados como sérios casos clínicos de distúrbios de comportamento. Distúrbios que, bem ou mal, estavam embotados, reprimidos, mas  cujos gatilhos emocionais foram disparados nessa conjunção corona-bozo, e que não serão revertidos facilmente porque não há um gatilho de reversão. Esse será um sério problema para a geração atual que sobreviver à pandemia e, também, para as gerações de brasileiros que sucederem a atual.

Felizmente, no próprio vazio incompetente do governo Bozo surgem iniciativas aqui e acolá. Conforme já comentei em outras oportunidades, a camada de profissionais que está envolvida diretamente com o assunto dá mostras expressivas que não se confunde com o extrato superior ocupado pelas designações do ex-capitão boquirroto,

Nas cidades do Brasil, como em outras cidades do mundo, os profissionais da área de saúde estão sendo reverenciados por suas ações e dedicações, embora aqui ainda enfrentem as limitações dos recursos para trabalharem e agressões fascistas quando reivindicam esses recursos. Foi o que ocorreu na manhã do dia 1º. de maio em Brasília (ver link abaixo).

Outras iniciativas vêm de governos estaduais que não embarcaram na caravana da morte do governo Bozo. Um grupo de nove estados da região nordeste formou o chamado Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (C4NE), um grupo de profissionais que trabalham sob a coordenação do neurocientista Miguel Nicolelis, uma referência mundial em sua área,  e do físico Sergio Rezende, ex-ministro de Ciências e Tecnologia do governo Lula. O comitê tem como função básica assessorar um colegiado de governadores chamado Consórcio Nordeste no tratamento do assunto coronavírus.

Já são vários os produtos do trabalho do grupo. Dia desses, por sua sugestão, os governadores criaram as chamadas Brigada Emergencial de Saúde do Nordeste que fazem parte de uma estratégia de ir até os locais de manifestação do vírus tentando antecipar-se à necessidade de deslocamento de contaminados até os hospitais. O comitê científico criou um site com informações, ferramentas de acompanhamento das contaminações, relatórios de acompanhamento dos seus trabalhos e resultados, além de diversas outras informações. Poderá ser acessado pelo link abaixo.

O comitê científico não fará milagres, mas é o tipo de ação que poderia estar sendo desenvolvida em âmbito nacional e sob uma coordenação integrada como uma política de Estado no combate à pandemia. Certamente demandaria versões específicas, talvez para  as grandes cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo. Mas, poderíamos estar juntos tentando e participando desse combate em vez de estar fazendo esse papel que assusta o mundo e que certamente nos trará muita vergonha em tempos futuros, além das vítimas diretas da pandemia.

Infelizmente, porém, diferentemente de ACM que encontrou uma categoria do tipo osso duro de roer, o coronavírus encontrou no Brasil aqui mais do que um  hospedeiro ideal, encontrou um vírus companheiro. Essa pústula levada ao poder pela ignorância política manipulada por grandes corporações do capital e associadas à corporações religiosas. Mas, nóis enfrenta!

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NOTAS

Profissionais de saúde são atacados por apoiadores do Bozo em 1º de maio 2020, em Brasília – vídeo capturado em 02/05/2020 em <https://www.youtube.com/watch?time_continue=2&v=VEHFy9xCRFo&feature=emb_logo>

'Profissionais no mundo são aplaudidos, e no Brasil a gente apanha', diz enfermeira agredida em ato no DF – vídeo capturado em 02/05/2020 em <https://g1.globo.com/df/video/video-mostra-confusao-com-manifestante-vestido-de-verde-e-amarelo-8524290.ghtml>

Site do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (C4NE) – Acessado em 02/05/2020 em <https://www.comitecientifico-ne.com.br/c4ne>