domingo, 23 de outubro de 2022

Uma loirinha enforcada

 Leituras para distrair

 

O cervejeiro carioca típico gosta da bebida geladíssima, nem importa muito qual seja. Uma lagger de baixa graduação alcoólica, desde que não seja aguada, serve. Eu chamo de “cerveja de praia”. O atributo principal não é a composição, mas a temperatura da ceva. Cu de foca! Aquela que for assim será bem recebida.

Não sou cervejeiro, mas presto atenção, até porque o boteco é um fascínio, e algo que me intriga nas andanças que faço é a falta de um substituto, além da ignorância sobre as antigas salmouras.

Quando criança, criança mesmo, não jovem adolescente, as padarias e botequins faziam picolés. O mercado do picolé ainda não era dominado pelas multinacionais, e as geladeiras das padarias e botequins tinham os mecanismos para congelar rapidamente aquelas pastas e líquidos resultantes de receitas caseiras. Tinham as salmouras que eram compartimentos com água em alta concentração salina e que giravam cumprindo a função manter pela geladeira um fluxo de água resfriada abaixo do ponto de congelamento – parte do processo de fabricação e armazenamento dos picolés.

Quando faltavam cervejas geladas para o atendimento aos fregueses mais exigentes, era frequente a prática de amarrar um barbante no gargalo da garrafa de cerveja e mergulhá-la na salmoura. Em poucos minutos a ceva estava lá, geladinha para ser consumida.

Não era qualquer boteco que fazia isso, nem qualquer freguês recebia essa deferência. A imersão na salmoura perturbava outras atividades do estabelecimento e, geralmente, apenas clientes frequentes contavam com esse tipo de cortesia do proprietário ou responsável.

As geladeiras atuais, em sua maioria mantidas pelo próprio fornecedor de bebidas, permitem a oferta quase permanente de cervejas bem geladas, embora faça parte do ritual carioca sempre reclamar que a cerveja está quente. Mas, desconheço alternativa para o resfriamento rápido se, porventura, a geladinha desejada não estiver disponível. Desconheço, não quer dizer que não exista. Tenho perguntado por aí sobre a alternativa para a salmoura e a garrafa enforcada pelo barbantinho, os atendentes mais novos sequer ouviram falar sobre isso.

Até então não recebi resposta que valesse considerar. Agarro-me ao prazer de lembrar daquelas garrafas imersas nas salmouras dos picolés para o resfriamento, parte do ritual de lamber uma ceva. Antigos tempos, quando ao se pedir uma cerveja havia a opção de casco claro ou escuro.

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