Opinião
Vivemos em uma ordem política que
foi construída apoiando-se basicamente em um determinado modo de produção e de
distribuição da riqueza. Uma ordem que é praticamente indiferente às nossas
relações culturais, salvo alguma influência da religião que, apesar de sua
importância, é apenas parte dos vários elementos que caracteriza a nossa
cultura ou qualquer outra.
Eu não concordo com essa ordem
política porque ela conflita com os meus valores de relações humanas. Acho uma
ordem política covarde e desigual. Ela privilegia uma minoria que se sustenta
na exploração e na exclusão da quase totalidade da população. Além disso, é uma
ordem política sem qualquer projeto de melhoria desse quadro, ao contrário,
aponta para um agravamento do mesmo num processo de crescente exclusão.
Tento me incluir entre os que buscam
mudar essa ordem política em todos os seus aspectos, mas acho que, prioritariamente,
precisamos alterar as regras de produção e de distribuição da riqueza. Somos
uma nação detentora de uma riqueza enorme que nos coloca entre as grandes
economias do mundo, contudo apesar dessa riqueza ser produzida por todos os
trabalhadores, ela está concentrada em um grupelho. Numa população de 210 milhões de habitantes, as seis pessoas mais ricas concentram, juntas, a mesma riqueza que os 100 milhões mais
pobres [1].
Para
mudar esse quadro precisamos chacoalhar as nossas relações sociais. Não tem
outro jeito! Mas, existem pessoas que não sentem ou que suportam a pressão dessa
injustiça social , e temem que a chacoalhada necessária afete as posições em
que estão. Elas não discordam de mudanças, desde que tudo continue como está.
Parte
dessas pessoas age assim porque pensa no esforço que fizeram para chegar onde
estão. Outras acham que estão no limiar de conquistar uma vaguinha na sombra, e
há aqueles que acreditam que há vaguinhas nessa sombra para todos. Outras
pessoas, apesar de completamente sem esperanças, imaginam que nada é tão ruim
que não possa piorar. Finalmente, há o grupelho que está se dando bem,
consciente da situação e sabedor, com clareza, que a chacoalhada necessária não
será um bom negócio para ele. O fato é
que, ao final das contas, os desejos de todas essas pessoas convergem para a
conservação do status quo, isto é, são conservadores.
Mas, a
situação não encerra aí. Essas pessoas estendem o seu conservadorismo para
todos os demais aspectos da sua vida além do socioeconômico. Esse
conservadorismo é tão abrangente que qualquer proposta de mudança, aqui ou
acolá, mesmo aquelas que decorrem do desenvolvimento do aprendizado humano e
social são rejeitadas. Educação, comportamento, usos, costumes, expressões
artísticas, religiosidade, quaisquer que sejam as áreas, as mudanças são tidas
como perturbações indesejáveis. Sofrem reações sem sequer serem consideradas. Se essas pessoas vislumbrarem a possibilidade de
alguma contrariedade aos interesses que lutam por preservar, até mesmo a
democracia é vítima da reação sofrendo golpes parlamentares, atropelamentos
jurídicos ou preterida em favor de ideias de conteúdos fascistas. Então, trata-se de um conservadorismo
reacionário.
O conservadorismo
reacionário criou regras que o justificam. Os seus adeptos usam essas
regras ou ideias como se elas fossem verdades absolutas dissociadas das suas escolhas e descoladas da
realidade, ou seja, fazem disso uma ideologia. Nessa ideologia, qualquer coisa
que signifique alterar a ordem política é simplificada como “coisa de comunista”. Os que tentam mudar são
comunistas. O comunismo deve ser combatido, não importa qualquer informação
sobre que o que vem a ser esse tal de “comunismo”. Faz lembrar o sucesso da
Rita Lee nos anos 70 “... ele quer
modificar o mundo. Esse tal de Roque Enrow” [2].
O
grupelho faz essa simplificação por
malícia, mas a maioria o faz por uma ignorância
decorrente dos cabrestos e antolhos em que eles próprios se deixaram prender, o
que não isenta ninguém da responsabilidade de suas escolhas, naturalmente.
Assim,
considerando as questões e disputas políticas que nos envolvem e aquelas
pessoas das quais tenho discordado, não acho sinceramente que todos sejam adeptos
do capitalismo ou que antagonizem de fato as minhas opções comunistas. Não acredito
que rejeitem a possibilidade de um mundo melhor ou que queiram piorá-lo. Acho, sim, que são espontaneamente conservadores reacionários. Perigosos
como suas escolhas têm demonstrado. Precisam ser combatidos.
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[1]
Seis brasileiros concentram a mesma
riqueza que a metade da população mais pobre – Jornal El País – 25/09/2017 –
Matéria sobre a concentração de riqueza no Brasil baseada em estudo realizado
pela Oxfam – Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.html>
Acessado em 04/11/2018.
Oxfam (Oxford Committee for Famine
Relief ) International - Confederação de organizações reconhecida
internacionalmente - atua em mais de 90 países.https://www.oxfam.org.br/
Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária
- com Base nos Declarantes do Imposto de Renda no Brasil 2007—2013.
Realizado pela Oxfam e Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC – Brasília
– 2016 – Disponível emhttps://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/livreto_injustica_tributaria_pt_v2_web_-final.pdf .
Acessado em 30/01/2019.
[2]
Esse tal de Roque Enrow – Compositores Rita Lee e Paulo Coelho - Álbum "Fruto
Proibido" - 1975. Disponível em https://www.letras.mus.br/rita-lee/48508/ –
Acessado em 30/01/2019