sábado, 30 de março de 2013

Sobre o filme Argo. Argh!!

Leituras para distrair


Durante o governo do presidente Carter, dos EUA, no episódio da invasão da embaixada americana no Irã, nos anos 1979/1980, logo após a deposição do Xá Rezha Pahlevi na revolução que levou o Aiatolá Khomeini ao poder, seis americanos refugiaram-se na embaixada canadense, sem o conhecimento dos iranianos que mantiveram cerca de 60 reféns na embaixada americana invadida.

A Central de Inteligência Americana – CIA elaborou e realizou um plano de resgate dos seis americanos simulando uma produção canadense de um filme de ficção científica que seria chamado Argo e rodado no Irã, um campo de pouso de naves extraterrestres do filme.

Para tal, a CIA montou uma produtora, elaborou roteiro, script etc. Simulou uma visita de locação das cenas para filmagens, obteve autorização dos iranianos e um dos seus agentes fazendo-se de membro da equipe de produção, foi ao Irã levando falsos documentos para viabilizar a fuga dos abrigados na embaixada canadense como se estes fossem os demais membros da equipe de filmagem.

A fuga foi um sucesso. Os canadenses assumiram a responsabilidade pelo ato e omitiram o papel da CIA para não prejudicar a vida dos reféns mantidos na embaixada americana e que permaneceram lá por mais de um ano.  Anos mais tarde, a história real veio a público revelando o papel da CIA, dos resgatados etc.

Este é o roteiro do filme – Argo - ganhador do prêmio Oscar 2013. Um grupo aprisionado em algum lugar hostil aos EUA, em circunstâncias que tornam quase impossível a sua libertação, é resgatado por um mocinho ou uma equipe de heróis a partir de uma ação corajosa e um plano ousado de fuga.  Quantas vezes já se produziu um filme assim?  Para mim é um filmeco, com um roteiro batido e rebatido. Não comento os demais aspectos que caracterizam as obras de cinema porque estes eu não saberia julgar. Não entendo da arte, nem valorizo. Os filmes me ganham pelo roteiro e, declaro, não sou muito exigente. Gosto de filmes de aventuras, sem pretensões, e Argo é filminho tipo Rambo, sem a tradicional violência explícita do personagem baixinho e machão de uma série que já deve estar no Rambo XXXVII.

Mas, essa preliminar é apenas para abordar ou manifestar o meu assombro com o que chamo de “cinema americano” sem maior rigor na definição. Refiro-me ao produto divulgado internacionalmente, produzido em estúdios possivelmente hollywoodianos e que mantém a indústria multimilionária do cinema.

O meu espanto e, até, admiração é a capacidade do cinema americano produzir aventuras, proezas e heróis também americanos, a partir de situações onde a participação Estados Unidos foi em realidade a mais escabrosa e indecente. É muita cara de pau!

Não estou falando de um falseamento da realidade ou mistificação de fatos. Não tenho a expectativa que uma obra comercial americana se transforme em um instrumento de resgate histórico ou um documentário que contradiga ou conteste as referências políticas daquela sociedade, embora isso possa ocorrer em circunstâncias especiais.  Também não me surpreendo com a existência de filmes que enalteçam a CIA, outros aparelhos ou instituições que caracterizem a sociedade americana. Refiro-me a um processo ou mecanismo que se transformou em uma habilidade, quase uma excelência. A capacitação do cinema americano em apresentar roteiros com um descaramento e desconsideração crítica que parece ultrapassar a ideologia e que nem mesmo se preocupa em ocultar os fatos.

O próprio filme relata, embora este não seja o foco, o papel dos EUA nos acontecimento do Irã, no golpe que levou o Xá ao poder, e na sustentação e apoio à sua ditadura torturadora e corrupta. O filme não omite o empenho americano em salvar a pele do Xá quando este foi derrubado. Fala sobre a fortuna em ouro levada pelo Xá quando este fugiu do Irã. O filme fala sobre a população com história de familiares perseguidos, torturados e mortos pelo aparelho de estado iraniano apoiado pelos americanos.  Fala sobre o motivo da revolta, invasão da embaixada e sobre captura de reféns americanos com o propósito de forçar os EUA a extraditarem o Xá para ser julgado. Enfim, tudo isto está lá, no filme.

Porém, ainda assim, sinto-me parvo, imbecil, ao ver que os caras tem o descaramento de contar a história sob uma ótica e com símbolos que invertem completamente os papéis. Barbas opulentas, vozes exaltadas, grosseria no trato com as pessoas, sugerem um povo iraniano de insanos e radicais fanáticos contrastados com americanos dóceis, gentis e, por uma empatia induzida pelo filme, inocentes.

Os agentes da CIA, por sua vez,  são personagens comprometidos em salvar o modo americano de vida ao mesmo tempo em que “humanamente” tratam os seus problemas pessoais e familiares. O filme tem até a tradicional cena de euforia do pessoal que participa nos bastidores da missão, dando suporte e na monitoração dos acontecimentos. Mostra uma retaguarda tensa e ansiosa com o desfecho que, quando ocorre, provoca lágrimas, abraços efusivos, cumprimentos e aqueles olhares cúmplices e comprometidos entre os que estão em pontos distantes dentro do mesmo ambiente.  Caralho!  Acho que literalmente todo o mundo já assistiu filmes com estas cenas.

O que chama a minha atenção, que me apalerma, não é o fato de serem peças medíocres ou de valorização de uma ação política com da qual discordo. Fico perplexo com o cinismo desavergonhado e com o investimento num descaramento cujos resultados positivos para os objetivos propostos não se pode negar.

Felizmente não precisei aturar o cheiro insuportável de pipoca nem a visão daquelas pessoas com caras retardadas deslocando-se na sala de cinema e tropeçando ao olhar para cima tentando identificar os acompanhantes, carregando os enormes baldes de pipoca e copos de coca – cola cujos restos e respingos garantirão a frequência e aumento da quantidade das baratas que habitam as salas de projeções (as notícias informam que a sobrevivência dos bichinhos já está assegurada pela natureza até mesmo no caso de explosões nucleares).

Assisti ao filme no ambiente higiênico e confortável da minha casa, numa sessão de TeleCine, e confesso sem constrangimentos: em vários momentos me vi torcendo pelos mocinhos da CIA, contra os bandidos da gangue do Aiatolá. Mas, não sinto culpa. Isto já aconteceu em filmes sobre o resgate de reféns na A. Latina, no Vietnã e até mais recentes, no Iraque e Afeganistão. No filme não tem problema. Desejo que eles se fodam na realidade.

Cachaça e cachaçólogos

Leituras para distrair



Volta e meia recebo  cópias de um texto descrevendo o que teria sido a origem da cachaça ou da pinga. O texto fala da condensação de vapores que pingavam nas costas dos escravos que trabalhavam nos engenhos e blá, blá, blá, uma história que se junta às demais lendas da internet. Entretanto,  valorizo a consideração de colegas que se lembram de mim e até dedicam tempo no repasse da informação, perguntam se eu já conhecia etc.

São gestos de consideração que agradeço e, com esse entendimento, tento retribuir enviando os registros de uma discussão (nada cordial) ocorrida a partir de um artigo sobre a Cachaça publicado pela Revista de História da Biblioteca Nacional.

Um leitor do artigo, o jornalista Marcelo Câmara, contestou e questionou alguns pontos do mesmo e enviou carta à revista. Três meses após o envio da carta a revista publicou o que seria uma reprodução parcial da carta junto com uma réplica dos autores do artigo: Luciano Figueiredo e Marcelo Scarrone.

Entendendo que a réplica continha tentava  desqualificá-lo frente ao status de “historiadores” dos autores do artigo, o jornalista Marcelo Câmara encaminhou uma tréplica que não foi publicada pela revista.

O assunto não é recente, data de 2008. E os textos eu copiei do site Amigos da Cachaça cujo acesso eu recomendo. O último texto inclui uma “abertura” que também foi copiada do site.

O site faz (ou fez) uma defesa dos posicionamentos do jornalista Marcelo Câmara que é um estudioso do assunto, um cachaçólogo, que eu já conhecia por artigos e livros. Uma particularidade deste jornalista é a sua opinião sobre as cachaças fabricadas em Paraty, no Rio de Janeiro, bem como a sua preferência pela pinga Coqueiro, aliás, uma preferência que compartilho.

De qualquer forma,  ganharam os demais leitores que já tiveram ou que vierem a ter a oportunidade de ler os textos – uma saudável distração que eu recomendo aos que apreciam a “marvada” seja em seus aspectos culturais ou organolépticos.