domingo, 20 de dezembro de 2020

Eleição Câmara dos Deputados

 Opinião

Um grupo de partidos identificados como “esquerda” deliberou compor com Rodrigo Maia (DEM) e aderir à candidatura de quem vier a ser o seu preposto para a presidência da Câmara dos Deputados.

 A justificativa é recorrente: “qualquer coisa menos o Bozo”. O partido PSOL ainda não aderiu e anunciará a sua decisão na segunda-feira próxima, 21/12/2020.

 Trata-se de uma adesão escrota que só permite caracterizar como farinha de mesmo saco essas figuras e grupos ainda identificados como esquerda.

 Esses chamados partidos de esquerda, em vez de estabelecerem um marco de referência política através de uma candidatura própria, optaram por se embolar com a direita, tudo junto e misturado, e assinaram um documento onde  “justificam” sua posição. Destaco alguns trechos da carta:

 “razão principal ... nos  tornamos (a Câmara dos Deputados) a fortaleza da democracia no Brasil; o território da liberdade; exemplo de respeito e empatia com milhões de cidadãos brasileiros.”

 “Este grupo que hoje se apresenta ... nos fortalecemos nas divergências, no respeito, na civilidade e nas regras do jogo democrático.”

 “Esta é a eleição entre ser livre ou subserviente"

 “A Câmara vai escolher se  ...  e será livre para defender e aprofundar a nossa democracia, preservando nosso compromisso com o desenvolvimento do país.

 Pasmem! Os chamados partidos de esquerda, avacalhados no golpe que iniciou em 2016 e que ainda não terminou,  estão se referindo à Câmara dos Deputados.

 “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.”

 Esse último destaque não é da carta assinada pelos partidos. Foi assim que Orwell concluiu a redação do seu best seller internacional “Animal Farm” (A fazenda dos bichos). Qualquer semelhança NÃO  será coincidência.     ####

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Papai Noel! ... Papai Noel!

Leituras para distrair 

Muitos dos bairros da cidade de São Gonçalo (RJ), na década de 60 do século XX, identificavam-se a partir de suas “praças” que eram núcleos em torno dos quais e em cujas proximidades concentrava-se um comércio que atendia à população local. 

A geografia da cidade podia ser esboçada assinalando-se as tais praças e suas interligações. Algumas próximas entre si, umas mais dinâmicas que outras, cada uma com histórias e tipos caricatos próprios. Na época, sob o aspecto da movimentação comercial, os bairros Zé Garoto, Rodo e Alcântara e suas respectivas praças já se destacavam entre os demais. 

O nome estranho, bairro do “Rodo”, devia-se ao fato de ser o ponto final de uma das linhas de  bondes da cidade que, ao chegarem à praça, “rodavam” percorrendo um círculo formado pelos trilhos e retornavam aos pontos de origens das linhas. No Rodo, uma figura bem popular  era um colega, um pouco mais velho que eu,  cujo apelido era “Arroto”. Ele respondia ao apelido sem qualquer contestação ou constrangimentos. Também seus familiares o tratavam assim: “Fulano Arroto” (seu nome eu omitirei). 

Arroto ganhou o apelido porque conseguia eructar com uma facilidade enorme. De forma impressionante, ele modulava o arroto pronunciando palavras e até frases enquanto arrotava. As pessoas pediam e ele se exibia com seus arrotos altos e prolongados. Inacreditáveis. 

O assunto pode ser um tanto escatológico, até grosseiro, mas o melhor sinônimo que encontrei para o verbo arrotar foi o tal de eructar que usei no parágrafo anterior. Mas, enfim, Arroto era um fenômeno. Fazia jus ao apelido e orgulhava-se disso. 

Certa vez, era proximidade do Natal quando o comercio do Rodo promoveu uma carreata festiva. Tinha bandinha, buzinaço,  balões de ar, etc. Os carros tinham decorações natalinas diversas e patrocinadas pelas lojas que promoviam a carreata. Em um dos carros desfilava um Papai Noel  que acenava e mandava beijos para o povo e para a criançada que respondia das calçadas com palmas. 

As lojas de comercio intercalavam com residências, e o público era também grupos de conhecidos ou vizinhos, além dos passantes. Pessoas que estavam em casa e vinham aos portões para ver a carreata. Nada a ver com canários atuais, lá se vão mais de 50 anos. 

Estávamos em uma das esquinas, em grupo, e a carreata desfilava lentamente enquanto a garotada gritava: Papai Noel! ... Papai Noel! ...  Papai Noel! Uma alegria só.

Quando o carro do Papai Noel passou em frente à nossa galera o velhinho fez o tradicional aceno de saudação, mas complementou com um gesto especial que era bem familiar para todos nós. Papai Noel estufou o peito, tamborilou a barriga com uma das mãos, altura do estômago, e emitiu um sonoro e prolongado arroto que sobressaiu de todas as outras manifestações. 

Dizem que ele falou “Feliz Natal”. Mas, o susto e a gargalhada geral seguida ao susto não permitiu a confirmação. O fato é que o Papai Noel repetiu o aceno carinhoso de saudação e prosseguiu em carreata que dispersaria mais adiante.

 Sim, o sacana do Papai Noel não era outro além do Arroto, fantasiado e desfilando para a loja que patrocinava o carro. Fazia um “bico” para garantir o seu Natal. O desfile entrou para o folclore da esquina, e a história contada e repetida pelos que estavam lá e pelos que só tomaram conhecimento.

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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Qualquer coisa é qualquer coisa

 Opinião

Quem ler o editorial da Folha de São Paulo de ontem, 13/12/2020, domingo, mas sem saber a origem, poderá achar que está lendo uma irada publicação esquerdista. Veja extratos do editorial fazendo referências aos atributos e qualificações do presidente Bozo:

“estupidez assassina” ...  “irresponsabilidade delinquente” ... “molecagens com a vacina” ...  “cego por ambição política” ... “sabotador de primeira hora das medidas sanitárias” ... “principal responsável por esse conjunto de desgraças” ... “esbulha a confiança dos brasileiros” ... “com ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério da Saúde” ... “abarrotou a diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo” ...” não faltarão meios para obrigar Bolsonaro e seu círculo de patifes” .

Quem diria? Essa é a “opinião”  de um grupo político (o jornal é instrumento) golpista de 64 e que teve participação ativa, se não tiver sido também propositiva, no golpe de 2016. Esse editorial evidencia que o golpe explode em contradições internas e, consequentemente, em disputa de poder. O ataque ao governo miliciano é parte dessa disputa, mas também faz parte do projeto garantir a exclusão de Lula do cenário de disputas eleitorais.

Há tese que para as eleições presidenciais de 2022 busca-se a criação de um Biden tupiniquim suportado por uma frente ampla que reuniria golpistas e aproveitadores, além de equivocados  esquerdistas que nela embarcarem. Estou entre os que acham essa tese consistente e, em minha opinião, o voto de muitos militantes da esquerda em um  representante do DEM para prefeitura do Rio de Janeiro no segundo turno, em 2020, foi manifestação desse equívoco.

O discurso de “qualquer coisa, menos o Bozo” é tão apolítico quanto “qualquer coisa, menos o PT”. Afinal, qualquer coisa é qualquer coisa e esculachar o Bozo está longe de ser exemplo de madurez política. A própria direita o faz, sem dó nem piedade, se isso for conveniente.

 

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A garota sob a lanterna

 Leituras para distrair

Recebi imagens de uma animação com luzes adornando a Torre Eiffel (Paris). Um show de um evento em 2019 celebrando 130 anos do monumento. O show desenvolve-se  o som de músicas diversas que se relacionam não apenas com a história da torre, de Paris ou da França, mas de todo mundo ocidental.

O vídeo está sendo divulgado com uma mensagem fake. Como se fosse a Torre Eiffel reabrindo com homenagem às vítimas da Covid-19. Sacanagem! 

Sempre que revejo, minha atenção se prende ao trecho que faz referência ao período da guerra contra o nazismo, quando se  ouve a canção “Lili Marlene” (minuto 5:20 do vídeo). Execute-se os primeiros acordes e todos a reconhecerão, mesmo os mais jovens da atual geração. Gosto muito do simbolismo dessa canção. Trata-se de uma canção romântica que foi adotada pelos soldados alemães na segunda guerra, especialmente pelo grupo de tropas que avançou na invasão e ocupação da França. 

"Das Mädchen unter der Laterne" (A garota sob a lanterna), título original da canção, tornou-se famosa como "Lili Marleen" e curioso é que o alto comando político alemão (Goebbels) chegou a proibir a sua divulgação, uma manifestação que fugia ao seu controle, mas voltou atrás e inclusive passou estimular a divulgação pelas rádios. 

Mais curioso ainda – e me encanta - é que Lili Marlene provocou um impacto emocional tão forte que as forças aliadas também se apropriaram da canção, fizeram versão em inglês e endossaram o seu cântico. Lili Marlene viralizou. 

Lili Marlene traz consigo muito mais que essas notas para distrair. Há centenas de versões da canção, há documentários, livros e filmes sobre suas origens e sobre os personagens da canção. Também sobre a sua exploração comercial e interesses, desde a época da guerra. 

Contudo, para mim o fato importante é que Lili Marlene se transformou na representação simbólica de um ideal comum de trabalhadores transformados em soldados e usados como buchas dos canhões nas disputas capitalistas:  o desejo de retornar aos seus lares. Hoje ela é executada em uma festa na capital francesa. Faz bem ao coração comunista.      ###

 

NOTA

Links com interpretações da fabulosa Marlene Dietrich, a letra original em alemão e uma versão em inglês e link da festa em Paris. Os links foram acessados em 07/12/2020. 

https://www.youtube.com/watch?v=YjXC4N1HXf0 

https://www.youtube.com/watch?v=hZAV4hsP5WU 

https://www.youtube.com/watch?v=_JiWv6xj5GM&feature=emb_logo

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dragões e Jacarés

 Leituras para distrair

Novembro sempre é especial, para mim é mês de reverência a quem designei como o meu herói nacional: João Cândido Felisberto, o líder da Revolta da Chibata.

 Foi pensando no João Cândido e passeando pelo youtube que encontrei uma publicação recente do professor Eduardo Bueno, historiador que dispensa apresentações. O título: As verdades e mentiras do Brasil.

 Recomendo que assistam. Sei que a concorrência é grande, especialmente nesses tempos de pandemia quando todo mundo envia alguma coisa para o outro assistir, ouvir ou ler, naturalmente sempre recomendando como interessante ou importante.

 Mas, é assim mesmo. É como se estivéssemos imersos numa biblioteca ou enciclopédia. Quase tudo ao alcance de um clique, coisas boas, outras ruins, outras maravilhosas e muitas imprestáveis. Cabe a cada um de nós a tarefa de definir um filtro e escolher o que buscar.

 O vídeo do Eduardo Bueno trata de fatos recentes ocorridos em 1941 e relativamente desconhecidos  da nossa história. Quem não assistir perderá uma oportunidade de saber coisas importantes sobre esse nosso país.

 Caberia perguntar: qual país?  Respondo copiando as observações do próprio Eduardo Bueno “... um país em construção, com obras atrasadas e superfaturadas, e onde cabe a nós mantê-las no andamento certo e construir uma nação digna, uma nação de dragões e jacarés que singram os mares em nome da decência e liberdade.”


https://www.youtube.com/watch?v=8gExCiAZQ-0

 

NOTAS

[1]

O link do vídeo foi acessado em 20/11/2020.

[2]

Outros textos do Blog do jorsan fazem referências a algumas das citações do vídeo. Basta acessar o blog do jorsan  e pesquisar digitando palavras pertinentes, por exemplo: morel, edmar, dragão, cândido, chibata, revolta etc.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Intercorrências na Disney (2)

Opinião

 Redigido em 08/11/2020

A vitória de Biden, talvez mais do que outros eventos da conjuntura, exige uma análise dialética. A lógica formal, instrumento útil  em muitas situações, não consegue dar conta desse fato que explode em contradições.

 

A derrota do Donald, ainda está longe, muito, muito longe de representar uma derrota do que há de pior do imperialismo mundial capitaneado pelo imperialismo americano. Ao mesmo tempo significa, de fato, a derrota de um dos pilares de sustentação do nosso governo Pateta e, talvez, a derrota dos piores valores socioculturais da sociedade americana. Fato positivo.

 

Contudo, a candidatura (e vitória) Biden foi promovida, apoiada, divulgada e sustentada pelo que há mais opressor do domínio capitalista mundial, desde o seu nascimento como candidato, uma vitória da ala mais à direita  do partido Democrata.

 

Em torno da candidatura Biden estão os representantes principais do poderio econômico-financeiro e bélico dos EUA, incluindo conglomerados de imprensa e as gigantes  empresas de redes sociais da internet.

 

Praticamente todos os setores que promoveram a política internacional dos EUA como xerife do mundo nas últimas décadas, incluindo a promoção de golpes, guerras, derrubadas de governos e invasões de países aglutinam-se em torno da candidatura Biden e direcionarão suas políticas de governo. Os Bush, Obama, FBI, CIA, Pentágono – todo mundo lá.

 

Trump foi, e o trumpismo é um câncer político. Célula desordenada e descontrolada gerada dentro do próprio sistema que, felizmente, parece estar numa enorme crise política que seria muito bom se fosse aprofundada. Nosso papel deveria ser divulgar e apregoar essa crise americana, uma secessão política dentro do núcleo do capitalismo, como oportunidade de avanço político.

 

Em vez disso, estamos apregoando a vitória do Biden como uma vitória da democracia. Nada mais equivocado. Teve gente que bateu palmas quando as redes de imprensa em conluio cassaram as denúncias de suposta fraude feitas pelo Trump. Acredito que o Trump estava armando, mas quem deu à imprensa o direito daquele tipo de intervenção? E se fosse o Biden? Isso é democracia?

 

Valorizar a vitória do Biden sobre o Trump como uma vitória do bem sobre o mal, nos termos em que está ocorrendo, é contribuir para a reorganização do  sistema e do regime de composição de forças que tem mantido o mundo ocidental, particularmente o latino-americano,  sob opressão permanente.

 

A derrota do Trump foi um fato positivo e a vitória do Biden é uma merda! Vamos encarar essa contradição de frente. Formalmente parece um beco sem saída, mas dialeticamente a saída é pela superação da contradição e isso teria chances de ocorrer com  um agravamento dos conflitos no núcleo capitalista que precisaria ser estimulado e promovido.

 

Os  arremedos de contestações recentes aqui, na America Latina, são superimportantes, mas não contarão com qualquer condescendência do governo Biden que não passe pela submissão às suas imposições.

 

E no Brasil, não tenhamos dúvidas, se Trump não avançou sobre a America Latina, Biden não deixará passar essa oportunidade, especialmente porque as iniciativas foram do nosso próprio governo Pateta e das forças armadas vassalas nacionais. Arreganharam as portas para o uso militar do território e fronteiras brasileiras para os interesses imperialistas contra nossos vizinhos.

 

Isso não é uma teoria da conspiração, mas porque são fatos concretos, e essa é a história política do Biden e das forças que o apoiam. Essa é a denúncia que precisaria ser feita ao mesmo tempo em que se falar da derrota de Trump. Essa é a contradição.

 

O conjunto político Biden/Trump foi participante e promotor ativo do golpe de 2016 que gerou o câncer Bozo. Assim – aderindo a opinião de outros analistas – concordo que a burguesia nacional está a busca de um Biden tupiniquim para 2022. Assim como nos EUA o câncer Donald, aqui o câncer Pateta tem atrapalhado a dinâmica de desenvolvimento do sistema que o criou. Os avanços contra as proteções sociais não foram suficientes, as privatizações estão mal das pernas.

 

O aplauso das classes dominantes nacionais para a vitória Baiden nada tem a ver com democracia. Ela busca um substituto do Pateta extraído do próprio grupo que promoveu o golpe de 2016. Um candidato de consenso e ungido até pela esquerda. Nem sequer Lula e PT estarão dentro dessas confabulações, muito menos qualquer representação popular efetivamente transformadora e de esquerda. 

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Intercorrências na Disney

Opinião

Redigido em 07/11/2020

Na conjuntura política específica, a  derrota do Donald nos EUA foi importante porque coloca na sequência de tiros o Pateta, aqui, no Brasil. Porém, daí a festejar o resultado como vitória da democracia e apontar as tentativas de golpe nas eleições americanas como uma novidade que ameaça o conceito universal de democracia será um equívoco. Uma armadilha na qual a militância de esquerda brasileira não deveria cair.

 

Pode até ser que muitos desavisados só agora tenham compreendido que a democracia liberal como um todo, entre elas a norte-americana, é uma grande farsa. Uma fantasia que a disputa pelo poder rasgou feito roupa de bailarina em briga de puteiro ou carnaval de rua – tudo ficou à mostra.

 

Contudo, para a militância de esquerda latino-americana que pensa e reflete sobre as relações políticas não há novidade, embora possa existir alguma surpresa pelo fato dos litigantes terem deixado portas e janelas abertas permitindo que os tapas e xingamentos viessem a público. Descuido ou subestimação? Monarcas e senhores feudais não faziam questão de privacidade quando discutiam entre si planos de seus interesses. Os serviçais eram considerados seres inferiores – sem olhos nem ouvidos – estavam ali, à disposição, para servir aos seus desejos e necessidades.

 

A tentativa de golpe praticada por um dos lados nas eleições americanas – ainda está em andamento –  poderá até ser frustrada lá, nos EUA, mas, aqui, no Brasil e em diversos países da America Latina, elas deram certo. E foram  bancadas pelos dirigentes do império norte-americano, justamente por essa democracia fajuta e escrota de Democratas e Republicanos.

 

Biden e Trump são farinhas de mesmo saco. A imprensa (incluindo agências internacionais importantes), que é um dos instrumentos dessa farsa, se desdobrará em análises para tapar buracos e discorrer sobre a grandeza das instituições democráticas americanas, mas isso será conversa para boi dormir.

 

É possível que essa conversa até emprenhe o ouvido de muitos eleitores cariocas, essa sociedade de “espertos” e “malandros” que tem dado sucessivas provas de sua esperteza e malandragem através das figuras que têm levado ao poder nas prefeituras da capital e governos do estado.

 

Se o golpe de Trump não der certo nos EUA agora, aqui ele já funcionou antes – golpe de estado, contra o resultado das eleições – as mesmas acusações que fazem ao Donald e que tiveram como consequência a eleição fraudada do Pateta.

 

O espetáculo televisivo em torno das eleições americanas, não nos enganemos, é de briga de milícias. Disputa de banqueiros e chefes de quadrilhas por pontos de jogo, de prostituição, de distribuição de drogas e de domínio de tráfico. Não em um país nem  uma comunidade das grandes cidades latino-americanas. Mas, em âmbito internacional.

 

Se para muitos a tentativa de golpe nos EUA está sendo vista como novidade, aqui deveríamos saber a lição de cor e salteada (ou assaltada). E as  bajulações e manifestações de um grande número dos principais comentaristas das redes de TV tem sido nojentas. Só não são menores que  as lambidas da família Bozo no saco do Trump, nem a vassalagem inadmissível das forças armadas brasileiras que concordaram com a entrega de Alcântara e o uso das nossas fronteiras para as ações estadunidenses (Biden ou Trump)  contra a Venezuela e outros propósitos.  

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terça-feira, 3 de novembro de 2020

Dia de visitas e muito trabalho

 Leituras para distrair


Durante parte da minha infância os dias de Finados tiveram um significado especial – nada religioso. Morávamos em rua vizinha ao cemitério e o terreno da casa era limitado lateralmente por vizinhos vivos e os fundos por outros que já não respondiam por si. O muro de fundos do nosso quintal era comum com o cemitério. 

O muro não passava de 2,30 metros, se muito. Uma pequena escada que construímos ficava permanentemente encostada no mesmo para acesso rápido ao topo. Rente ao muro, ainda do nosso lado, havia um mamoeiro, uma goiabeira de pequeno porte e uma groselheira, essa de porte razoável. A goiabeira era nosso acesso preferencial dispensando a escada. Do outro lado, colados ao muro, existiam túmulos acima do solo e a descida ou subida prescindia de escada. No máximo um apoio nas cruzes e capelinhas das sepulturas para impulsionar a subida. 

As casas vizinhas tinham características similares, mas não tinham crianças,  e a nossa era uma casa de molecada, embora casa e terreno fossem diminutos. Casa alugada para operários como o meu pai. Contudo, o cemitério funcionava como extensão do nosso quintal. Curiosamente, hoje o Aterro do Flamengo é o meu quintal, extensão frontal da minha moradia. Quando criança, o cemitério de São Gonçalo teve esse papel. 

Uma cafifa torada (uma  pipa solta porque foi  cortada por cruzamento de linhas) ou um balão caindo sempre tinham o enorme campo do cemitério como destino provável. Era cena comum um bando de moleques, minha tribo, adentrarem correndo pelo nosso quintal,  pulando o muro, sem pedir licença e sem encontrar  objeções, atrás de uma cafifa ou balão. Além dos sustos, a preocupação da minha mãe era ninguém se machucar na correria. Fazia parte das nossas vidas. 

Nas noites de meio de ano ficávamos empoleirados no muro, que era nosso e do cemitério, um posto estratégico, em vigília para identificar algum vulto de balão apagado que apontasse cair  entre as tumbas. Uma cumplicidade silenciosa porque sabíamos que outros grupos também espreitavam em outros locais. 

Pode parecer uma situação assustadora e mórbida, mas praticamente ninguém pensava em “assombração”, salvo para sacanear algum eventual moleque novato. Todos sabíamos que havia uma pedinte de esmolas que passava o dia na calçada principal do cemitério e que, à noite, abrigava-se entre as tumbas. Ela fazia parte da comunidade e seu apelido era Arraia Mijona. Embora todos soubéssemos que ela morava no cemitério, tínhamos um enorme cagaço de encontrá-la durante a noite, por mais que estivéssemos prevenidos. Esse era um medo comum. 

Os dias de Finados eram especiais porque era dia de ganhar dinheiro. Acordávamos cedo. Dia de trabalhar oferecendo serviços gerais aos visitantes. Limpeza de sepulturas. Algumas mais ricas, com acabamento em mármore ou azulejos,  precisavam de uma faxina geral – gorjeta boa. Outras, mais modestas, eram elevadas, mas precisavam de uma carpina das tiriricas que cresciam sobre a terra. Não eram comuns as atuais coberturas com placas de cimento.  Sem outros acabamentos além das capelinhas nas cabeceiras que pediam uma pintura de cal (caiação). 

As sepulturas  mais pobres e distantes e feitas diretamente no solo pediam a formação de um montículo de terra reconstruindo o suposto limite do enterramento. Em muitas o serviço era simplesmente fornecer água para encher as jarras de flores que eram renovadas ou uma limpeza na placa de identificação. Passávamos o dia caminhando equipados de vassourinha, pá de pedreiro, lata de água, regadores e outros apetrechos  oferecendo nossos serviços e recebendo as gratificações correspondentes. 

Hoje seríamos empreendedores. Alguns já contavam com networking de anos anteriores, outros iniciantes. Abordávamos os clientes com um elevator pitch e num sepulcro grande com target além das possibilidades individuais, então trabalhávamos em coworking. 

A nossa casa e quintal era um posto de suporte privilegiado para as nossas atividades. Um diferencial que  também  era aproveitado por colegas mais próximos. Meu irmão não tinha ainda idade para se lançar na busca de clientes e trabalhava no muro vendendo refrescos ou repondo baldes de água para a galera que trabalhava “na pista”. Porém, sorte dele,  havia uma sepultura bem próxima ao nosso muro – sepultura de luxo, construída em mármore - cujo responsável se tornou um cliente cativo do meu irmão e que garantia o faturamento dele, adicional à venda dos refrescos, inclusive em datas diferentes do dia de Finados.

O dia era intenso de atividades e nem mesmo queríamos parar para as refeições. As oportunidades precisavam ser aproveitadas. À noite era a hora de conferir o faturamento e de contar histórias, os casos, a concorrência, as chances aproveitadas e as perdidas. Isso e aquilo. Era um monte de sensações, recordações  que  me acompanharam pela vida. Volta e meia alguma me surpreende. Um susto, tipo uma aparição da Arraia Mijona – mas um susto amigo que sempre remete para uma lembrança boa e feliz. Sorte minha!   #####

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Mata ou engorda, mas é bom! Um dilema

Opinião


Nesse mês de setembro de 2020 estreou na Netflix um documentário intitulado “O dilema das redes” que trata dos impactos (negativos) do estado atual de uso das redes sociais de comunicação e informação e da exploração comercial por suas administrações.  O documentário tem sido bastante divulgado com as observações de quem o assistiu, e essas notas são os registros das minhas observações. Trata-se de assunto que tenho interesse especial e até já tratei aqui, no blog.

 O documentário é muito legal. Conteúdo e forma. O assunto é apresentado com uma qualidade de produção que seduz o espectador e o faz mergulhar num mundo de especulação e de imaginação.

 O próprio documentário resgata um aforismo do Arthur C. Clarke (autor de 2001 – Uma odisseia no espaço): “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia".

 Esse aspecto, além de incitar nossa especulação e imaginação, também nos posiciona como objetos de um mundo fantástico que parece estar fora da compreensão do nosso senso comum e da nossa capacidade de intervenção.

 Deixa-nos com a sensação que a única alternativa para fugir de seus prejuízos seria não usufruir das funcionalidades oferecidas.  Esse seria o dilema. Os comentários dos  que assistem ao vídeo revelam bastante essa avaliação: Impressionante! Assustador! Estonteante etc.

 De fato, são situações desafiadoras. Mas, nem por isso devemos alocá-las em planos metafísicos, olímpicos, inalcançáveis para nós e sujeitos apenas à intervenção de deuses sem compromissos com os mortais. Daí, para quem assistiu e se impressionou com o documentário da Netflix, eu sugiro avançar um pouco e assistir à  apresentação do professor Marcos Dantas que teve o título “Economia política da internet”. Link abaixo.

 Aviso, desde já: a apresentação está longe de ter a qualidade de produção do documentário. Contudo, o conteúdo compensa e talvez até  supere o do documentário. Marcos Dantas identifica as redes sociais, que ele chama de sócio-digitais, à luz da Teoria do Valor  segundo as categorias marxistas.

 Ele faz uma breve introdução sobre o modelo marxista de transformação e de circulação de capital em suas formas dinheiro e mercadoria para, em seguida, abordar a questão das redes digitais e das apropriações do trabalho humano associadas ao mundo que vivemos.

A apresentação é uma aula. Um grande mérito do Dantas é trazer as questões para mais próximo de nós e, melhor do que isso, desvelar a sua essência. Ele desfaz a mágica mostrando o que tem no fundo da cartola, atrás das cortinas, dentro do baú: o modo de produção capitalista, suas categorias, a prática de uma relação social determinada pela troca de mercadorias e a apropriação de trabalho alheio, pelo capital,  na forma identificada como mais valor.

 Antes de uma fantasia, o que existe são os aspectos conflitantes da dimensão socioeconômica, numa proporção que desequilibra as identidades naturais da dimensão sociocultural. E as alternativas de solução estarão sem qualquer duvida na dimensão sociopolítica. Contudo, ressalte-se, são soluções ao nosso alcance, ao alcance de nossas escolhas. Não decorrem de um mundo fantasioso, virtual ou coisa que o valha.

Recorrendo às imagens do Dantas: se a internet é uma cidade, um mundo, então ela precisa ter regras como qualquer cidade no mundo. E se as tecnologias estão determinando serviços que se tornaram essenciais, que não podem sequer ser interrompidos sob pena de um caos social, então esses serviços devem ser considerados essenciais e sujeitos a regulamentações.

 A eletricidade, lembra ele, também não era essencial nos seus primórdios, porém hoje é um serviço de natureza pública controlado e regulamentado pela sociedade com formas distintas de exploração.

Por último, para quem não conhece, os atributos curriculares do Marcos Dantas fazem parte da apresentação. Ressalte-se, também, que no documentário da Netflix há dois ou três depoimentos da professora Shoshana Zuboff  (Harvard Business School), pesquisadora que popularizou o termo “Capitalismo de Vigilância“, título de um excelente documentário do youtube, quase integralmente com ela.

 No mais, seria conversar sobre o gênio Karl Marx, mas a conversa seria outra.    ###

 

NOTA

SÁBADO DE FORMAÇÃO ( Economia política da internet, com Marcos Dantas) – Acesso em 21/09/2020 em <https://www.youtube.com/watch?v=3Jn2GDi6lKg&t=3013s>


terça-feira, 8 de setembro de 2020

Fogueira do século XXI


Leituras para distrair


Somos assim. Uma sociedade cujos troncos fundamentais de criação e desenvolvimento foram: uma diversidade de povos nativos invadidos em seus espaços de vida, hábitos e costumes; um contingente europeu oriundo do projeto colonizador do império português, e uma enorme população trazida escravizada do continente africano seguindo a lógica mercantil da colonização.

O grupo europeu, tipicamente branco em suas características étnicas, impôs-se pela força como poder socioeconômico e sociopolítico. Mas, o mesmo não aconteceu  na dimensão sociocultural. Os nativos, que passaram a ser chamados de indígenas, assim como os escravizados, que passaram a ser genericamente referidos como negros, eram grupamentos sociais que traziam consigo histórias e culturas distintas, riquíssimas em seus conteúdos, além de seculares, com enraizamentos profundos e suficientes para não desaparecerem.

Esses grupos aglutinaram-se formando uma sociedade miscigenada que veio a ser predominante, mas completamente impregnada  e marcada pelas raízes culturais dos negros e indígenas, apesar das agressões que esses dois grupos sofreram em seus processos históricos. Entre essas marcas congênitas e determinantes das sociedades negra e indígena herdamos: a oralidade. É um fato. Carregamos a oralidade como um traço fortíssimo, resultado e descendência direta das sociedades que nos deram origem, sociedades sem representação escrita de seus conhecimentos e culturas. Sociedades ágrafas.

Seguindo a sua lógica, o poder colonial fez valer no plano institucional os seus valores culturais, positivos em inúmeros aspectos, diga-se de passagem, mas também impôs, na medida em que conseguiu, a negação dos nossos valores culturais de origens indígenas e africanas. Uma perda para nós.

Ocorre que a cultura se impõe como prática social. Ela não é determinada por leis e decretos. Daí que, felizmente, mesmo de forma inconsciente, fizemos da oralidade um dos aspectos característicos de nossa identificação cultural. Os registros literários nunca foram a forma original de guardar nossas histórias, nossas relações interpessoais ou relações com o mundo. Nem as nossas impressões, fantasias  e experiências com esse mesmo mundo. Obviamente incorporamos os registros literários como prática, aliás importantíssima, mas tal prática veio bem tarde em nossa formação.

A nossa praia sempre foi outra. Praticamos a transmissão de conhecimentos pela fala, pelo contar de histórias, pelas narrativas dos causos. Pela repetição dos aforismos populares, pelo gosto das conversas nas esquinas, tanto entre os moleques nas ruas como entre as gerações que se tornam maduras. As histórias e ensinamentos propagados pelas conversas nos espaços comunitários ou familiares. Pelos papos, pelo anedotário. Pelas conversas nas esquinas e nessa instituição nacional: os botecos. Ignorar ou desvalorizar isso é não perceber o Brasil em sua inteireza.

É com essa percepção e sentimento que tenho acompanhado com imenso prazer e interesse, entre as incontáveis “laives” que impregnaram as redes sociais informáticas nesses tempos de pandemia, a “Tendinha do Coletivo Sindicato do Samba”.

A iniciativa vem sendo desenvolvida com a participação permanente dos artistas: Paulão 7 Cordas, Marquinho China e Marquinhos Diniz, além do jornalista e produtor cultural Camilo Árabe que opera como um mediador e coordenador da Tendinha. Até onde identifiquei, teria estreado em 29/05/2020.

A apresentação se desenrola sem muitos recursos de produção, mas suficiente. O ambiente é de uma conversa na cozinha, na área dos fundos, no quintal ou num balcão de uma Tendinha. O tema, claro,  é o Samba.

Os seus protagonistas dispensam apresentações. Abordam suas experiências que não são poucas conversando entre si e resgatando músicas, comentando e trocando histórias sobre o samba e seus personagens. São parceiros trocando histórias e aventuras curiosas e interessantes para quem gosta de samba ou quiser saber sobre ele. Nem sei se pararam para pensar na importância do trabalho que estão realizando.

Geralmente recebem convidados - ícones do samba – monumentos vivos dessa manifestação popular tão importante, marca indelével do nosso país e, particularmente, do Rio de Janeiro. Cantam e contam sobre suas obras e suas histórias. Em grande parte figuras simples e modestas, muitos ainda gatinhando no aprendizado de usos desses recursos de internet que se tornaram imperativos nos dias atuais. Mas, antes de tudo e principalmente: gigantes virtuoses em sua arte.

Tomara que o programa continue – se não continuar, já deu sua contribuição que não pode ser ignorada. Eu e alguns amigos – à distancia – fazemos um coro de assistência e audição. Em torno de um terminal de vídeo. Fogueira do século XXI. Cantarolamos e rimos em nossas casas. Trocamos comentários. Molhamos nossos cantarolares e sorrisos com umas cervejas e, certamente, com uma deliciosa cachaça. A Tendinha segue. Eu paro por aqui, lembrando Martinho da Vila:

“Os meninos à volta da fogueira. Vão aprender coisas de sonho e de verdade. Vão perceber como se ganha uma bandeira. E vão saber o que custou a liberdade. Palavras são palavras não são trovas. Palavras deste tempo sempre novo. Lá os meninos aprenderam coisas novas. E até já dizem que as estrelas são do povo” (À  volta da fogueira - Martinho da Vila, Rui Mingas e Manoel Rui)

Acho muito difícil que alguém que se embale nesse tipo de sonho faça opção pelo fascismo como forma de sociedade ou de liderança política.


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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

E agora, meu chapa?


Opinião


Seu Bozo acabou. O fascismo em que você votou tá aí, mais cagado do que pau de galinheiro. Milícia, queima de arquivos, rachadinhas, empregado dando grana  pra patroa sem ninguém saber a razão, loja de chocolate suspeita de lavagem de grana, fake news,  contas falsas nas redes sociais, atitude genocida frente à pandemia, destruição das leis trabalhistas, fim das aposentadorias, destruição ambiental, ameaças de golpe, o sistema de saúde acéfalo, o ex-piloto do sistema educacional fugiu para o exterior, tentativa de compra de popularidade com abono social, troca de nomes de programas sociais de governos anteriores, cooptação da moçada verde-oliva com cabides de emprego em massa, tentativa de formação de uma milícia nacional com as polícias estaduais e seleção por espionagens criminosas dos policiais que se manifestam como antifascistas. *Obrigado, Centrão!*  Deve gritar todos os dias ao acordar, afinal está se segurando nesse pau melado de lixo e de corrupção. O país apresentado ao mundo como uma caricatura grotesca e medíocre, uma subcolônia do imperialismo americano.

O juiz de primeiro piso – em cuja defesa você saiu em passeatas e manifestações – vem  sendo desmascarado como corruptor da justiça que deveria servir e na qual se apoiou para seus golpes e chantagens eleitorais. Suas sentenças viciadas estão sendo anuladas, uma atrás da outra. Foi descartado  pelo patrão como inservível.  A vassalagem de virar mundos e fundos para retirar Lula da disputa presidencial e a montagem do circo para divulgar a falsa delação do Palocci  em vésperas da eleição não foi suficiente para lhe garantir os cargos prometidos. Desmoralizado está aí, sem escada e com a brocha na mão. Nem mesmo a Vênus Platinada, o instrumento principal e mais eficaz do golpe que derrubou uma presidenta eleita e que se desdobrou nessa podridão de governo,  quer saber de nada com ele.

E o moço do Power Point? Está fugindo com o rabo entre as pernas, com as calças borradas devido ao medo de ser penalizado. Inventou mentiras, tramoias, articulou ações com agências federais do governo americano. Em cumplicidade com o juiz de primeiro piso fez de tudo para fuder a Petrobrás. Comprometer o patrimônio público transformando a empresa de vítima em ré obrigada a pagamentos de multas em ações ajuizadas no exterior. Um acordo lesa-pátria com as autoridades americanas para a repartição do dinheiro das multas provenientes do golpe: R$ 3 bilhões  para os acionistas americanos e R$ 2,5 bilhões para criar um fundo a ser gerido pelos “patriotas” da Vaza-Jato – golpe frustrado - além de outras centenas de milhões de reais para isso e aquilo. A república de Curitiba que fez ironia com a morte da mulher e do neto de Lula agora usa um suposto problema familiar para tentar proteger seu xerife de meia-tigela.

*José (Carlos Drumond de Andrade)*
 ...
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Novas eleições estão aí – vereador e prefeito não mudarão a situação crítica do nosso país. Nem a pracinha bonita da cidade, nem mesmo o prometido posto de saúde, o hospital ou a escola mudarão porra nenhuma, se você continuar bancando o babaca, ignorando o seu papel e servindo de bucha pra essa gente.

Acorda meu chapa! Se o seu candidato a vereador ou prefeito não estiver gritando forte e antes de tudo: *Fora Bozo! Fora Bozo!* Você estará novamente entrando em uma furada!
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terça-feira, 18 de agosto de 2020

Tão terrível quanto

Opinião

Acesso em 18/08/2020



Um covarde estuprou e engravidou uma menina de 10 anos. Um hospital universitário (Cassiano Antonio Morais – Vitórias, ES) recusou-se a realizar o aborto com uma desculpa burocrática, apesar da determinação legal. Uma fascista divulgou informações sobre a menina excitando mobilizações contra a realização do aborto. O presidente da CNBB, D. Walmor de Oliveira, diante de todas essas circunstâncias, diz que o aborto da menina é um crime "crime hediondo" e que a "violência do aborto não se explica” – Você saberia distinguir o que é mais hediondo?

A CNBB não ficou por aí. Abaixo um  trecho do artigo de um bispo de Rio Grande (RS):

 “A violência do estupro e do abuso sexual é infame e horrenda, mas a violência do aborto provocado em um ser inocente e sem defesa é tão terrível quanto. Ambos são crimes” [1]

[1]
Extrato de nota da CNBB com o título: POR QUE NÃO VIVER? – Assinada por Dom Ricardo Hoepers - Presidente da Comissão Vida e Família CNBB – Rio Grande (RS) - Copiado de <https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/bispo-de-sao-mateus-e-cnbb-se-posicionam-contra-aborto-feito-em-menina-0820> Acesso em em 18/08/2020.




domingo, 16 de agosto de 2020

Quarenta e sete por cento


Opinião


Qualquer que seja o rumo da guerra, uma coisa é certa: o ex-capitão Bozo ganhou a importante batalha sobre o juízo da sua ação no combate à pandemia. Caminhamos para 110 mil mortos nos próximos dias e com expectativas trágicas para os meses seguintes,  mas essa quantidade enorme de mortos parece não afetar nossa sociedade.

A tragédia só impressiona a visão que inclui o óbito de alguém próximo ou querido. No mais, nossa sociedade reage como se estivesse cagando e andando para o que significa essa multidão de cadáveres. A morte por coronavírus no Brasil está completamente banalizada e a propagação do vírus continua sem qualquer ação consistente de controle e sem sinal de reversão. A fábrica de mortos mantém  sua produtividade de 1000 (mil) mortos por dia.

As mortes já não espantam. Não surpreendem. Não chocam. Nem são notícias que mereçam destaques, salvo quando associadas a algum outro fato que “adicione valor  ao evento. Um nome conhecido, uma situação inusitada, um fato pitoresco ou de morbidez acentuada. De resto é complacência total. Ou seria cumplicidade?

O ex-capitão Bozo conseguiu. É importante admitir. Emplacou seu discurso e comportamento. Seu rebanho arrastou consigo a sociedade, mesmo que muitos possivelmente não quisessem acompanhar a boiada, mas se deslocam no mesmo sentido, talvez  para evitar o atropelamento. Assim, validam o discurso do Bozo.  Vejamos as pesquisas. Que pessoas são essas que isentam completamente os responsáveis por essa prática genocida adotada em relação à pandemia no Brasil?

Mergulho em Hannah Arendt. Afinal, essas pessoas que apoiam e isentam o Bozo não são especialmente malignas, malévolas. São pessoas comuns, normais. Assustadoramente normais, como disse Arendt referindo-se ao perfil dos carrascos nazistas. Uma normalidade mais apavorante do que suas próprias atrocidades,  dizia ela, porque aponta  um tipo humano criminoso que comete seus crimes sem, nem mesmo, saber ou sentir que está agindo errado. A filósofa alemã pagou preço alto por essas suas observações.

São pessoas que abrem  mão da sua capacidade de pensar e distinguir o bem do mal. Abrem mão da sua humanidade. E o mal,  disse  Arendt, é como um fungo que se alastra e provoca uma espécie de colapso moral na sociedade. Afeta inclusive as vítimas. Impede a capacidade de pensar.

Aqui, no Brasil, vamos para as ruas, abrimos as escolas, enchemos os ambientes públicos, mas  não nos sentimos responsáveis. Cumprimos ordens. Hannah Arendt chamou isso de *a banalidade do mal*.

Minhas observações podem ser repetições toscas de outras verdadeiramente  importantes e mais consistentes que já trouxeram a memória de Hannah Arendt para a análise dos tempos atuais. Mas, é o jeito que consigo fazer. Precisamos desse  exercício porque também nós estamos no limiar dessa banalidade.

Enfrentamos a falta total de expectativas de um encaminhamento sadio. Não é possível deixar que a pandemia siga esse caminho, devorando vidas indefesas até que aconteça um imaginado e esperançoso equilíbrio por saturação de oportunidades de contaminação.

Parcela significativa da sociedade ainda não está infectada pelo coronavírus, mas está doente. Está infectada pelo fungo de um mal que embota a sua capacidade de pensar e reagir. Vê com uma naturalidade apática o extermínio de membros de populações em comunidades carentes, entre elas as comunidades indígenas. Absurdo!

Essa parcela de sociedade banaliza a quantidade de mortes e contaminações. Adota sem rebeldia as decisões de governantes genocidas. Decisões sem qualquer sustentação que não seja atender o interesse de grupos de poderes políticos e econômicos.

Estamos apenas cumprindo ordens, não somos responsáveis? Foi assim que a sociedade alemã, contaminada pelo fungo do mal, banalizou as patrulhas oficiais e milícias que aprisionavam  cidadãos judeus e os encaminhava para o holocausto. Tudo dentro da lei e da normalidade.

Não nos iludamos. Estamos em meio a uma pandemia e um golpe político. Um golpe de estado que ainda não acabou. A pretensão e crendice eleitoral que abre mão de qualquer prática dos valores esquerdistas e que  evita tratar qualquer  tema  que ponha em risco o sonho de uma solução via vitória eleitoral é um suicídio.  #####

NOTA
Citado no texto:
Arendt, Hannah - Eichmann em Jerusalém, um relato sobre a banalidade do mal – Ed. Cia. das Letras, São Paulo, 1999
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