Opinião
Um grupo de
partidos identificados como “esquerda” deliberou compor com Rodrigo Maia (DEM)
e aderir à candidatura de quem vier a ser o seu preposto para a presidência da Câmara
dos Deputados.
Opinião
Um grupo de
partidos identificados como “esquerda” deliberou compor com Rodrigo Maia (DEM)
e aderir à candidatura de quem vier a ser o seu preposto para a presidência da Câmara
dos Deputados.
Leituras para distrair
Muitos dos bairros da cidade de São Gonçalo (RJ), na década de 60 do século XX, identificavam-se a partir de suas “praças” que eram núcleos em torno dos quais e em cujas proximidades concentrava-se um comércio que atendia à população local.
A geografia da cidade podia ser esboçada assinalando-se as tais praças e suas interligações. Algumas próximas entre si, umas mais dinâmicas que outras, cada uma com histórias e tipos caricatos próprios. Na época, sob o aspecto da movimentação comercial, os bairros Zé Garoto, Rodo e Alcântara e suas respectivas praças já se destacavam entre os demais.
O nome estranho, bairro do “Rodo”, devia-se ao fato de ser o ponto final de uma das linhas de bondes da cidade que, ao chegarem à praça, “rodavam” percorrendo um círculo formado pelos trilhos e retornavam aos pontos de origens das linhas. No Rodo, uma figura bem popular era um colega, um pouco mais velho que eu, cujo apelido era “Arroto”. Ele respondia ao apelido sem qualquer contestação ou constrangimentos. Também seus familiares o tratavam assim: “Fulano Arroto” (seu nome eu omitirei).
Arroto ganhou o apelido porque conseguia eructar com uma facilidade enorme. De forma impressionante, ele modulava o arroto pronunciando palavras e até frases enquanto arrotava. As pessoas pediam e ele se exibia com seus arrotos altos e prolongados. Inacreditáveis.
O assunto pode ser um tanto escatológico, até grosseiro, mas o melhor sinônimo que encontrei para o verbo arrotar foi o tal de eructar que usei no parágrafo anterior. Mas, enfim, Arroto era um fenômeno. Fazia jus ao apelido e orgulhava-se disso.
Certa vez, era proximidade do Natal quando o comercio do Rodo promoveu uma carreata festiva. Tinha bandinha, buzinaço, balões de ar, etc. Os carros tinham decorações natalinas diversas e patrocinadas pelas lojas que promoviam a carreata. Em um dos carros desfilava um Papai Noel que acenava e mandava beijos para o povo e para a criançada que respondia das calçadas com palmas.
As lojas de comercio intercalavam com residências, e o público era também grupos de conhecidos ou vizinhos, além dos passantes. Pessoas que estavam em casa e vinham aos portões para ver a carreata. Nada a ver com canários atuais, lá se vão mais de 50 anos.
Estávamos em uma das esquinas, em grupo, e a carreata desfilava lentamente enquanto a garotada gritava: Papai Noel! ... Papai Noel! ... Papai Noel! Uma alegria só.
Quando o carro do Papai Noel passou em frente à nossa galera o velhinho fez o tradicional aceno de saudação, mas complementou com um gesto especial que era bem familiar para todos nós. Papai Noel estufou o peito, tamborilou a barriga com uma das mãos, altura do estômago, e emitiu um sonoro e prolongado arroto que sobressaiu de todas as outras manifestações.
Dizem que ele falou “Feliz Natal”.
Mas, o susto e a gargalhada geral seguida ao susto não permitiu a confirmação.
O fato é que o Papai Noel repetiu o aceno carinhoso de saudação e prosseguiu em
carreata que dispersaria mais adiante.
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Opinião
Quem ler o
editorial da Folha de São Paulo de ontem, 13/12/2020, domingo, mas sem saber a origem,
poderá achar que está lendo uma irada publicação esquerdista. Veja extratos do
editorial fazendo referências aos atributos e qualificações do presidente Bozo:
“estupidez
assassina” ... “irresponsabilidade
delinquente” ... “molecagens com a vacina” ...
“cego por ambição política” ... “sabotador de primeira hora das medidas
sanitárias” ... “principal responsável por esse conjunto de desgraças” ... “esbulha
a confiança dos brasileiros” ... “com ajuda do fantoche apalermado posto no Ministério
da Saúde” ... “abarrotou a diretoria da Anvisa com serviçais do obscurantismo”
...” não faltarão meios para obrigar Bolsonaro e seu círculo de patifes” .
Quem diria?
Essa é a “opinião” de um grupo político
(o jornal é instrumento) golpista de 64 e que teve participação ativa, se não
tiver sido também propositiva, no golpe de 2016. Esse editorial evidencia que o
golpe explode em contradições internas e, consequentemente, em disputa de poder.
O ataque ao governo miliciano é parte dessa disputa, mas também faz parte do projeto
garantir a exclusão de Lula do cenário de disputas eleitorais.
Há tese que
para as eleições presidenciais de 2022 busca-se a criação de um Biden
tupiniquim suportado por uma frente ampla que reuniria golpistas e aproveitadores,
além de equivocados esquerdistas que
nela embarcarem. Estou entre os que acham essa tese consistente e, em minha
opinião, o voto de muitos militantes da esquerda em um representante do DEM para prefeitura do Rio de
Janeiro no segundo turno, em 2020, foi manifestação desse equívoco.
O discurso
de “qualquer coisa, menos o Bozo” é
tão apolítico quanto “qualquer coisa,
menos o PT”. Afinal, qualquer coisa é qualquer coisa e esculachar o Bozo está
longe de ser exemplo de madurez política. A própria direita o faz, sem dó nem
piedade, se isso for conveniente.
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Leituras para distrair
Recebi imagens de uma animação com luzes adornando a Torre Eiffel (Paris). Um show de um evento em 2019 celebrando 130 anos do monumento. O show desenvolve-se o som de músicas diversas que se relacionam não apenas com a história da torre, de Paris ou da França, mas de todo mundo ocidental.
O vídeo está sendo divulgado com uma mensagem fake. Como se fosse a Torre Eiffel reabrindo com homenagem às vítimas da Covid-19. Sacanagem!
Sempre que revejo, minha atenção se prende ao trecho que faz referência ao período da guerra contra o nazismo, quando se ouve a canção “Lili Marlene” (minuto 5:20 do vídeo). Execute-se os primeiros acordes e todos a reconhecerão, mesmo os mais jovens da atual geração. Gosto muito do simbolismo dessa canção. Trata-se de uma canção romântica que foi adotada pelos soldados alemães na segunda guerra, especialmente pelo grupo de tropas que avançou na invasão e ocupação da França.
"Das Mädchen unter der Laterne" (A garota sob a lanterna), título original da canção, tornou-se famosa como "Lili Marleen" e curioso é que o alto comando político alemão (Goebbels) chegou a proibir a sua divulgação, uma manifestação que fugia ao seu controle, mas voltou atrás e inclusive passou estimular a divulgação pelas rádios.
Mais curioso ainda – e me encanta - é que Lili Marlene provocou um impacto emocional tão forte que as forças aliadas também se apropriaram da canção, fizeram versão em inglês e endossaram o seu cântico. Lili Marlene viralizou.
Lili Marlene traz consigo muito mais que essas notas para distrair. Há centenas de versões da canção, há documentários, livros e filmes sobre suas origens e sobre os personagens da canção. Também sobre a sua exploração comercial e interesses, desde a época da guerra.
Contudo,
para mim o fato importante é que Lili Marlene se transformou na representação simbólica
de um ideal comum de trabalhadores transformados em soldados e usados como
buchas dos canhões nas disputas capitalistas: o desejo de retornar aos seus lares. Hoje ela
é executada em uma festa na capital francesa. Faz bem ao coração comunista. ###
NOTA
Links com interpretações da fabulosa Marlene Dietrich, a letra original em alemão e uma versão em inglês e link da festa em Paris. Os links foram acessados em 07/12/2020.
https://www.youtube.com/watch?v=YjXC4N1HXf0
https://www.youtube.com/watch?v=hZAV4hsP5WU
https://www.youtube.com/watch?v=_JiWv6xj5GM&feature=emb_logo
Leituras para distrair
Novembro
sempre é especial, para mim é mês de reverência a quem designei como o meu herói
nacional: João Cândido Felisberto, o
líder da Revolta da Chibata.
https://www.youtube.com/watch?v=8gExCiAZQ-0
NOTAS
[1]
O link do vídeo foi acessado em 20/11/2020.
[2]
Outros textos do Blog do jorsan fazem referências a algumas das citações do vídeo. Basta acessar o blog do jorsan e pesquisar digitando palavras pertinentes, por exemplo: morel, edmar, dragão, cândido, chibata, revolta etc.
Opinião
Redigido em 08/11/2020
A vitória
de Biden, talvez mais do que outros eventos da conjuntura, exige uma análise
dialética. A lógica formal, instrumento útil em muitas situações, não consegue dar conta
desse fato que explode em contradições.
A derrota
do Donald, ainda está longe, muito, muito longe de representar uma derrota do
que há de pior do imperialismo mundial capitaneado pelo imperialismo americano.
Ao mesmo tempo significa, de fato, a derrota de um dos pilares de sustentação
do nosso governo Pateta e, talvez, a derrota dos piores valores socioculturais
da sociedade americana. Fato positivo.
Contudo, a candidatura
(e vitória) Biden foi promovida, apoiada, divulgada e sustentada pelo que há mais
opressor do domínio capitalista mundial, desde o seu nascimento como candidato,
uma vitória da ala mais à direita do
partido Democrata.
Em torno da
candidatura Biden estão os representantes principais do poderio
econômico-financeiro e bélico dos EUA, incluindo conglomerados de imprensa e as
gigantes empresas de redes sociais da
internet.
Praticamente
todos os setores que promoveram a política internacional dos EUA como xerife do
mundo nas últimas décadas, incluindo a promoção de golpes, guerras, derrubadas
de governos e invasões de países aglutinam-se em torno da candidatura Biden e direcionarão
suas políticas de governo. Os Bush, Obama, FBI, CIA, Pentágono – todo mundo lá.
Trump foi, e
o trumpismo é um câncer político. Célula desordenada e descontrolada gerada
dentro do próprio sistema que, felizmente, parece estar numa enorme crise
política que seria muito bom se fosse aprofundada. Nosso papel deveria ser divulgar
e apregoar essa crise americana, uma secessão política dentro do núcleo do
capitalismo, como oportunidade de avanço político.
Em vez
disso, estamos apregoando a vitória do Biden como uma vitória da democracia.
Nada mais equivocado. Teve gente que bateu palmas quando as redes de imprensa
em conluio cassaram as denúncias de suposta fraude feitas pelo Trump. Acredito
que o Trump estava armando, mas quem deu à imprensa o direito daquele tipo de
intervenção? E se fosse o Biden? Isso é democracia?
Valorizar a
vitória do Biden sobre o Trump como uma vitória do bem sobre o mal, nos termos
em que está ocorrendo, é contribuir para a reorganização do sistema e do regime de composição de forças
que tem mantido o mundo ocidental, particularmente o latino-americano, sob opressão permanente.
A derrota
do Trump foi um fato positivo e a vitória do Biden é uma merda! Vamos encarar
essa contradição de frente. Formalmente parece um beco sem saída, mas
dialeticamente a saída é pela superação da contradição e isso teria chances de
ocorrer com um agravamento dos conflitos
no núcleo capitalista que precisaria ser estimulado e promovido.
Os arremedos de contestações recentes aqui, na
America Latina, são superimportantes, mas não contarão com qualquer condescendência
do governo Biden que não passe pela submissão às suas imposições.
E no Brasil,
não tenhamos dúvidas, se Trump não avançou sobre a America Latina, Biden não
deixará passar essa oportunidade, especialmente porque as iniciativas foram do
nosso próprio governo Pateta e das forças armadas vassalas nacionais. Arreganharam
as portas para o uso militar do território e fronteiras brasileiras para os
interesses imperialistas contra nossos vizinhos.
Isso não é
uma teoria da conspiração, mas porque são fatos concretos, e essa é a história
política do Biden e das forças que o apoiam. Essa é a denúncia que precisaria
ser feita ao mesmo tempo em que se falar da derrota de Trump. Essa é a
contradição.
O conjunto
político Biden/Trump foi participante e promotor ativo do golpe de 2016 que
gerou o câncer Bozo. Assim – aderindo a opinião de outros analistas – concordo que
a burguesia nacional está a busca de um Biden tupiniquim para 2022. Assim como
nos EUA o câncer Donald, aqui o câncer Pateta tem atrapalhado a dinâmica de
desenvolvimento do sistema que o criou. Os avanços contra as proteções sociais
não foram suficientes, as privatizações estão mal das pernas.
O aplauso das classes dominantes nacionais para a vitória Baiden nada tem a ver com democracia. Ela busca um substituto do Pateta extraído do próprio grupo que promoveu o golpe de 2016. Um candidato de consenso e ungido até pela esquerda. Nem sequer Lula e PT estarão dentro dessas confabulações, muito menos qualquer representação popular efetivamente transformadora e de esquerda.
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Opinião
Redigido em 07/11/2020
Na
conjuntura política específica, a
derrota do Donald nos EUA foi importante porque coloca na sequência de tiros
o Pateta, aqui, no Brasil. Porém, daí a festejar o resultado como vitória da
democracia e apontar as tentativas de golpe nas eleições americanas como uma
novidade que ameaça o conceito universal de democracia será um equívoco. Uma
armadilha na qual a militância de esquerda brasileira não deveria cair.
Pode até ser
que muitos desavisados só agora tenham compreendido que a democracia liberal como
um todo, entre elas a norte-americana, é uma grande farsa. Uma fantasia que a
disputa pelo poder rasgou feito roupa de bailarina em briga de puteiro ou
carnaval de rua – tudo ficou à mostra.
Contudo, para
a militância de esquerda latino-americana que pensa e reflete sobre as relações
políticas não há novidade, embora possa existir alguma surpresa pelo fato dos
litigantes terem deixado portas e janelas abertas permitindo que os tapas e
xingamentos viessem a público. Descuido ou subestimação? Monarcas e senhores
feudais não faziam questão de privacidade quando discutiam entre si planos de
seus interesses. Os serviçais eram considerados seres inferiores – sem olhos
nem ouvidos – estavam ali, à disposição, para servir aos seus desejos e
necessidades.
A tentativa
de golpe praticada por um dos lados nas eleições americanas – ainda está em
andamento – poderá até ser frustrada lá,
nos EUA, mas, aqui, no Brasil e em diversos países da America Latina, elas
deram certo. E foram bancadas pelos
dirigentes do império norte-americano, justamente por essa democracia fajuta e
escrota de Democratas e Republicanos.
Biden e
Trump são farinhas de mesmo saco. A imprensa (incluindo agências internacionais
importantes), que é um dos instrumentos dessa farsa, se desdobrará em análises
para tapar buracos e discorrer sobre a grandeza das instituições democráticas
americanas, mas isso será conversa para boi dormir.
É possível
que essa conversa até emprenhe o ouvido de muitos eleitores cariocas, essa
sociedade de “espertos” e “malandros” que tem dado sucessivas provas de sua
esperteza e malandragem através das figuras que têm levado ao poder nas
prefeituras da capital e governos do estado.
Se o golpe
de Trump não der certo nos EUA agora, aqui ele já funcionou antes – golpe de
estado, contra o resultado das eleições – as mesmas acusações que fazem ao
Donald e que tiveram como consequência a eleição fraudada do Pateta.
O
espetáculo televisivo em torno das eleições americanas, não nos enganemos, é de
briga de milícias. Disputa de banqueiros e chefes de quadrilhas por pontos de
jogo, de prostituição, de distribuição de drogas e de domínio de tráfico. Não
em um país nem uma comunidade das
grandes cidades latino-americanas. Mas, em âmbito internacional.
Se para muitos a tentativa de golpe nos EUA está sendo vista como novidade, aqui deveríamos saber a lição de cor e salteada (ou assaltada). E as bajulações e manifestações de um grande número dos principais comentaristas das redes de TV tem sido nojentas. Só não são menores que as lambidas da família Bozo no saco do Trump, nem a vassalagem inadmissível das forças armadas brasileiras que concordaram com a entrega de Alcântara e o uso das nossas fronteiras para as ações estadunidenses (Biden ou Trump) contra a Venezuela e outros propósitos.
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Leituras para distrair
Durante parte da minha infância os dias de Finados tiveram um significado especial – nada religioso. Morávamos em rua vizinha ao cemitério e o terreno da casa era limitado lateralmente por vizinhos vivos e os fundos por outros que já não respondiam por si. O muro de fundos do nosso quintal era comum com o cemitério.
O muro não passava de 2,30 metros, se muito. Uma pequena escada que construímos ficava permanentemente encostada no mesmo para acesso rápido ao topo. Rente ao muro, ainda do nosso lado, havia um mamoeiro, uma goiabeira de pequeno porte e uma groselheira, essa de porte razoável. A goiabeira era nosso acesso preferencial dispensando a escada. Do outro lado, colados ao muro, existiam túmulos acima do solo e a descida ou subida prescindia de escada. No máximo um apoio nas cruzes e capelinhas das sepulturas para impulsionar a subida.
As casas vizinhas tinham características similares, mas não tinham crianças, e a nossa era uma casa de molecada, embora casa e terreno fossem diminutos. Casa alugada para operários como o meu pai. Contudo, o cemitério funcionava como extensão do nosso quintal. Curiosamente, hoje o Aterro do Flamengo é o meu quintal, extensão frontal da minha moradia. Quando criança, o cemitério de São Gonçalo teve esse papel.
Uma cafifa torada (uma pipa solta porque foi cortada por cruzamento de linhas) ou um balão caindo sempre tinham o enorme campo do cemitério como destino provável. Era cena comum um bando de moleques, minha tribo, adentrarem correndo pelo nosso quintal, pulando o muro, sem pedir licença e sem encontrar objeções, atrás de uma cafifa ou balão. Além dos sustos, a preocupação da minha mãe era ninguém se machucar na correria. Fazia parte das nossas vidas.
Nas noites de meio de ano ficávamos empoleirados no muro, que era nosso e do cemitério, um posto estratégico, em vigília para identificar algum vulto de balão apagado que apontasse cair entre as tumbas. Uma cumplicidade silenciosa porque sabíamos que outros grupos também espreitavam em outros locais.
Pode parecer uma situação assustadora e mórbida, mas praticamente ninguém pensava em “assombração”, salvo para sacanear algum eventual moleque novato. Todos sabíamos que havia uma pedinte de esmolas que passava o dia na calçada principal do cemitério e que, à noite, abrigava-se entre as tumbas. Ela fazia parte da comunidade e seu apelido era Arraia Mijona. Embora todos soubéssemos que ela morava no cemitério, tínhamos um enorme cagaço de encontrá-la durante a noite, por mais que estivéssemos prevenidos. Esse era um medo comum.
Os dias de Finados eram especiais porque era dia de ganhar dinheiro. Acordávamos cedo. Dia de trabalhar oferecendo serviços gerais aos visitantes. Limpeza de sepulturas. Algumas mais ricas, com acabamento em mármore ou azulejos, precisavam de uma faxina geral – gorjeta boa. Outras, mais modestas, eram elevadas, mas precisavam de uma carpina das tiriricas que cresciam sobre a terra. Não eram comuns as atuais coberturas com placas de cimento. Sem outros acabamentos além das capelinhas nas cabeceiras que pediam uma pintura de cal (caiação).
As sepulturas mais pobres e distantes e feitas diretamente no solo pediam a formação de um montículo de terra reconstruindo o suposto limite do enterramento. Em muitas o serviço era simplesmente fornecer água para encher as jarras de flores que eram renovadas ou uma limpeza na placa de identificação. Passávamos o dia caminhando equipados de vassourinha, pá de pedreiro, lata de água, regadores e outros apetrechos oferecendo nossos serviços e recebendo as gratificações correspondentes.
Hoje seríamos empreendedores. Alguns já contavam com networking de anos anteriores, outros iniciantes. Abordávamos os clientes com um elevator pitch e num sepulcro grande com target além das possibilidades individuais, então trabalhávamos em coworking.
A nossa casa e quintal era um posto de suporte privilegiado para as nossas atividades. Um diferencial que também era aproveitado por colegas mais próximos. Meu irmão não tinha ainda idade para se lançar na busca de clientes e trabalhava no muro vendendo refrescos ou repondo baldes de água para a galera que trabalhava “na pista”. Porém, sorte dele, havia uma sepultura bem próxima ao nosso muro – sepultura de luxo, construída em mármore - cujo responsável se tornou um cliente cativo do meu irmão e que garantia o faturamento dele, adicional à venda dos refrescos, inclusive em datas diferentes do dia de Finados.
O dia era
intenso de atividades e nem mesmo queríamos parar para as refeições. As
oportunidades precisavam ser aproveitadas. À noite era a hora de conferir o
faturamento e de contar histórias, os casos, a concorrência, as chances
aproveitadas e as perdidas. Isso e aquilo. Era um monte de sensações,
recordações que me acompanharam pela vida. Volta e meia alguma
me surpreende. Um susto, tipo uma aparição da Arraia Mijona – mas um susto
amigo que sempre remete para uma lembrança boa e feliz. Sorte minha! #####
Nesse mês
de setembro de 2020 estreou na Netflix um documentário intitulado “O
dilema das redes” que trata dos impactos (negativos) do estado atual de
uso das redes sociais de comunicação e informação e da exploração comercial por
suas administrações. O documentário tem
sido bastante divulgado com as observações de quem o assistiu, e essas notas
são os registros das minhas observações. Trata-se de assunto que tenho
interesse especial e até já tratei aqui, no blog.
A apresentação é uma aula. Um grande mérito do Dantas é trazer as questões para mais próximo de nós e, melhor do que isso, desvelar a sua essência. Ele desfaz a mágica mostrando o que tem no fundo da cartola, atrás das cortinas, dentro do baú: o modo de produção capitalista, suas categorias, a prática de uma relação social determinada pela troca de mercadorias e a apropriação de trabalho alheio, pelo capital, na forma identificada como mais valor.
Recorrendo às imagens do Dantas: se a internet é uma cidade, um mundo, então ela precisa ter regras como qualquer cidade no mundo. E se as tecnologias estão determinando serviços que se tornaram essenciais, que não podem sequer ser interrompidos sob pena de um caos social, então esses serviços devem ser considerados essenciais e sujeitos a regulamentações.
Por último, para quem não conhece, os atributos curriculares do Marcos Dantas fazem parte da apresentação. Ressalte-se, também, que no documentário da Netflix há dois ou três depoimentos da professora Shoshana Zuboff (Harvard Business School), pesquisadora que popularizou o termo “Capitalismo de Vigilância“, título de um excelente documentário do youtube, quase integralmente com ela.
NOTA
SÁBADO DE
FORMAÇÃO ( Economia política da internet, com Marcos Dantas) – Acesso em
21/09/2020 em <https://www.youtube.com/watch?v=3Jn2GDi6lKg&t=3013s>
Acesso em 18/08/2020 |