terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Irradiando magia


Leituras para distrair

Em 8 de dezembro de 1980 oficializei o meu retorno de São Paulo assinando o contrato com a Embratel. Dia de N.Sra. da Conceição. Vim ao Rio e retornei a São Paulo no mesmo dia. Logo que cheguei fiquei sabendo do assassinato do John Lennon. Dia estranho. Alegria e tristeza.

Mas, 8 de dezembro também é especial por outras lembranças queridas. Minha madrinha, avó, tia e dona de outros títulos familiares e afetivos, dinha Mansinha, promovia em seu centro de umbanda, na casa onde morávamos, uma celebração para Oxum, a patrona do centro. Era uma festa dominada pelo sincretismo. Primeiro havia uma ladainha celebrando N.Sra. da Conceição, a puxadora das rezas chamava-se D. Irene. Finda a ladainha havia uma sessão espírita com rezas, incorporações etc.

Mas, antes de tudo, havia uma sessão de “descarrego” quando a casa e os presentes eram defumados para afastar os maus espíritos. Dinha Mancinha  (com "c" mesmo) percorria a casa com o defumador, uma grande taça de barro onde havia pedaços de carvão em brasa produzindo fumaça. Não lembro se havia alguma erva. De qualquer forma, não fedia. Ela cantava uma prece que dizia “Defume esta casa bem defumada/com a cruz divina ela vai ser rezada/ ela é rezadeira, ela é filha de umbanda/com a cruz divina todo mal debanda”. Cantando ela percorria as entradas e saídas da casa espalhando a fumaça e cada um dos presentes se apresentava para a defumação. Ela aproximava o defumador e a fumaça nos envolvia, frente, costas, embaixo dos braços e pernas, exatamente como os agentes federais fazem com o detector de metais nos aeroportos. 

E a casa ia enchendo de vizinhos, amigos e familiares que se serviam dos muitos doces em compotas ou em forminhas de papel, bolos e manjares diversos preparados em nossa casa ou levados pelos participantes. A rigor não havia convidados. A casa era aberta e a segurança era os homens da casa e, possivelmente, os deuses homenageados. 

Quase não rolava bebida alcoólica. Havia algum vinho doce, tipo moscatel (horrível) que uns poucos bebiam. Também havia licores. Nada de cerveja. Meu pai, o cambono do centro (uma espécie de primeiro secretário do pai-de-santo), tinha a sua pinga embaixo da pia e da qual ele se servia moderado por suas responsabilidades e por minha mãe, é claro. Mas o ambiente geral não era de beberagem. Era uma alegria e um alto astral que iniciava já no aniversário da minha madrinha, em 3 de dezembro. Lá, eu e meus irmãos aprendemos rezas, cantos (pontos de macumba), adornos, rituais, oferendas e, principalmente, incorporamos valores de caráter. Nunca vi um lance sequer apontando para o prejuízo de alguém.

Gosto muito de saber sobre os mitos religiosos. Desconheço algum que aponte o ato de ferrar a vida do outro como mecanismo de sublimação do ser humano. Mas, tenho admiração especial pelos mitos de origens africanas. Eles são lindos e interessantíssimos. E vão bem além daqueles que as religiões fizeram chegar até nós. É uma pena que a discriminação e preconceito racial e religioso da nossa história tenha nos negado o estudo das mitologias africanas e indígenas. Aprenderíamos muito com eles. Mas, vejo as condições atuais de circulação de informação como uma nova oportunidade. Bem que eu gostaria de ver no cinema Ogum, além de  Thor. Oxum, além de Odin. Exus e Sacis além de Rumpelstichen.

Hoje é dia d’Oxum, um tema que os compositores Gerônimo e Vevé Calazans e a cantora Gal Costa transformaram em uma das músicas que mais me emociona. Composta para uma serie de TV, deveria ser (se não é) o hino de Salvador. Poderia ser, também, um hino do Rio de Janeiro. Tive o prazer de ouvi-la recentemente cantada pelo Lucio Sanfilipo, no Trapiche Gamboa, numa noite povoada por orixás. Bebi uma ceva gelada e uma cachaça. Comemorei com os meus amigos presentes e saravei os ausentes, como faço agora. Saravá!

Para quem se interessar em ouvir: É D'oxum 

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