quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Não será por falta de vovó, nem de uva

Opinião

Acho perfeitamente possível melhorar a situação do analfabetismo em nosso país. A rigor os índices estão melhorando, mas o fato é que precisamos de prazos menores e, mais do que isto, que as melhorias ocorram em prazos planejados.

Como todas as questões que envolvem as escolhas de rumos e prioridades para um país, aquelas relacionadas à educação, entre elas o analfabetismo, são de natureza política. Entretanto, vista sob uma óptica operacional, a erradicação do analfabetismo no Brasil tem pouco ou quase nada a ver com aspectos pedagógicos sendo uma questão de natureza quase exclusivamente de gerência, administração e alocação de processos e de recursos.

Vale ressaltar que o termo analfabetismo é citado aqui nos termos em que o IBGE considera, ou seja, analfabeta é a pessoa que não sabe ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece[i]. Não estamos falando, por exemplo, do chamado analfabeto funcional ou outra categoria classificada pela pedagogia. E para superar este chamado “analfabetismo absoluto” não são necessários estudos e métodos pedagógicos especiais. Não que outros conceitos e ensinamentos mais elaborados devam ser colocados em segundo plano ou interrompidos, mas, no momento, para sair deste antro estreito, vale até mesmo o tradicional  “vovó viu a uva”.

Esta alfabetização básica e necessária, que se resume a uma aprendizagem dos mecanismos de leitura e escrita além de umas regras simples de linguagem,  já é realizada pelo país afora, entre familiares, vizinhos, grupos comunitários voluntários etc. Arrisco dizer que o processo para esta alfabetização ou, se quiser,  para o nível de alfabetização desejado e necessário, neste momento, não apresenta grandes segredos. O xis do problema é a quantidade de gente que precisa ser alfabetizada.

Os dados do IBGE que são extraídos das pesquisas realizadas sobre o censo de 2010 e pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada no período 2007/2013 e colocados à disposição dos pesquisadores apontam uma “Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade”  de 8,5%[ii]. Para a população atual, nesta faixa etária, esta taxa corresponde a cerca de 13,6 milhões de pessoas. Esta é a quantidade de gente que precisa ser alfabetizada . São números melhores que os de 2001 quando a taxa era 12,4% correspondendo a 15,1 milhões de analfabetos[iii], mas ainda é muita gente, mais do que a população de Portugal, ou da Suécia, ou da Bolívia. Podemos dizer que melhoramos, mas ainda estamos bem distantes do necessário e entre os maiores tributários para a quantidade de analfabetos no mundo.

O Brasil também deu um passo importante ao aprovar  em 2014 um PNE - Plano Nacional de Educação que inclui entre as suas metas a de número 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE (2024), erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Foi uma gestação difícil, aprovada sob críticas, mas temos uma meta institucional que independe dos governos. O passo seguinte, a tarefa que se coloca, é tocar esse bonde, fazê-lo andar. 

Erradicar o analfabetismo é, portanto, uma tarefa exclusivamente operacional que depende, naturalmente, da decisão política de incluí-la entre as prioridades.  Se tomada esta decisão, a tarefa é consolidar as informações (que já existem porque o censo já as colheu) sobre onde estão estes 13,6 milhões de brasileiros. Daí, então, apontar o foco para eles alocando recursos: professores, infraestrutura e material didático além da adoção de medidas que permitam, no mínimo, contornar as dificuldades que dão origem a este quadro e que certamente passam pela distribuição de renda.

Será uma inocência política esperar que por esta via se promova alguma alteração no quadro de distribuição de renda do nosso país, porém mesmo medidas paliativas que superem deficiências de renda exclusivamente com o objetivo de viabilizar uma mobilização nacional para a alfabetização são perfeitamente viáveis. Por exemplo, remunerar razoavelmente os professores participantes de um mutirão.

Concluindo, ressalvo que esta avaliação sobre a possibilidade de erradicação do analfabetismo não deve ser confundida com crença nem com esperança. As carências educacionais nacionais não se reduzem à questão do analfabetismo, e nem o PNE é a tábua de salvação da educação brasileira. Mas, o PNE deve ser visto e tratado como um instrumento que precisa ser valorizado e utilizado, ainda que as suas metas para a erradicação do analfabetismo absoluto sofram críticas consistentes e importantes que as classificam como minimalistas entre outras depreciações. [iv]  A transformação desta possibilidade em realidade se fará com a atuação política,  e a conjuntura está aí mostrando a todos nós que não é simples. Mas, não será por falta de vovó, nem de uva.

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[i] Site IBGE- Indicadores sociais mínimos – Conceitos - http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm - acessado em 13/10/2015

[ii]  Brasil em síntese – Educação - Portal do IBGE - http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-das-pessoas-de-15-anos-ou-mais -  Acessado em 13/10/2015

[iv] Plano Nacional de Educação 2011 – 2020- Notas Críticas - Coletivo de Estudos Marxistas em
Educação (COLEMARX) da Faculdade de Educação da UFRJ – Site SEPERJ - http://seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim558.pdf - Acessado em 13/10/2015