sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Dragões e Jacarés

 Leituras para distrair

Novembro sempre é especial, para mim é mês de reverência a quem designei como o meu herói nacional: João Cândido Felisberto, o líder da Revolta da Chibata.

 Foi pensando no João Cândido e passeando pelo youtube que encontrei uma publicação recente do professor Eduardo Bueno, historiador que dispensa apresentações. O título: As verdades e mentiras do Brasil.

 Recomendo que assistam. Sei que a concorrência é grande, especialmente nesses tempos de pandemia quando todo mundo envia alguma coisa para o outro assistir, ouvir ou ler, naturalmente sempre recomendando como interessante ou importante.

 Mas, é assim mesmo. É como se estivéssemos imersos numa biblioteca ou enciclopédia. Quase tudo ao alcance de um clique, coisas boas, outras ruins, outras maravilhosas e muitas imprestáveis. Cabe a cada um de nós a tarefa de definir um filtro e escolher o que buscar.

 O vídeo do Eduardo Bueno trata de fatos recentes ocorridos em 1941 e relativamente desconhecidos  da nossa história. Quem não assistir perderá uma oportunidade de saber coisas importantes sobre esse nosso país.

 Caberia perguntar: qual país?  Respondo copiando as observações do próprio Eduardo Bueno “... um país em construção, com obras atrasadas e superfaturadas, e onde cabe a nós mantê-las no andamento certo e construir uma nação digna, uma nação de dragões e jacarés que singram os mares em nome da decência e liberdade.”


https://www.youtube.com/watch?v=8gExCiAZQ-0

 

NOTAS

[1]

O link do vídeo foi acessado em 20/11/2020.

[2]

Outros textos do Blog do jorsan fazem referências a algumas das citações do vídeo. Basta acessar o blog do jorsan  e pesquisar digitando palavras pertinentes, por exemplo: morel, edmar, dragão, cândido, chibata, revolta etc.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Intercorrências na Disney (2)

Opinião

 Redigido em 08/11/2020

A vitória de Biden, talvez mais do que outros eventos da conjuntura, exige uma análise dialética. A lógica formal, instrumento útil  em muitas situações, não consegue dar conta desse fato que explode em contradições.

 

A derrota do Donald, ainda está longe, muito, muito longe de representar uma derrota do que há de pior do imperialismo mundial capitaneado pelo imperialismo americano. Ao mesmo tempo significa, de fato, a derrota de um dos pilares de sustentação do nosso governo Pateta e, talvez, a derrota dos piores valores socioculturais da sociedade americana. Fato positivo.

 

Contudo, a candidatura (e vitória) Biden foi promovida, apoiada, divulgada e sustentada pelo que há mais opressor do domínio capitalista mundial, desde o seu nascimento como candidato, uma vitória da ala mais à direita  do partido Democrata.

 

Em torno da candidatura Biden estão os representantes principais do poderio econômico-financeiro e bélico dos EUA, incluindo conglomerados de imprensa e as gigantes  empresas de redes sociais da internet.

 

Praticamente todos os setores que promoveram a política internacional dos EUA como xerife do mundo nas últimas décadas, incluindo a promoção de golpes, guerras, derrubadas de governos e invasões de países aglutinam-se em torno da candidatura Biden e direcionarão suas políticas de governo. Os Bush, Obama, FBI, CIA, Pentágono – todo mundo lá.

 

Trump foi, e o trumpismo é um câncer político. Célula desordenada e descontrolada gerada dentro do próprio sistema que, felizmente, parece estar numa enorme crise política que seria muito bom se fosse aprofundada. Nosso papel deveria ser divulgar e apregoar essa crise americana, uma secessão política dentro do núcleo do capitalismo, como oportunidade de avanço político.

 

Em vez disso, estamos apregoando a vitória do Biden como uma vitória da democracia. Nada mais equivocado. Teve gente que bateu palmas quando as redes de imprensa em conluio cassaram as denúncias de suposta fraude feitas pelo Trump. Acredito que o Trump estava armando, mas quem deu à imprensa o direito daquele tipo de intervenção? E se fosse o Biden? Isso é democracia?

 

Valorizar a vitória do Biden sobre o Trump como uma vitória do bem sobre o mal, nos termos em que está ocorrendo, é contribuir para a reorganização do  sistema e do regime de composição de forças que tem mantido o mundo ocidental, particularmente o latino-americano,  sob opressão permanente.

 

A derrota do Trump foi um fato positivo e a vitória do Biden é uma merda! Vamos encarar essa contradição de frente. Formalmente parece um beco sem saída, mas dialeticamente a saída é pela superação da contradição e isso teria chances de ocorrer com  um agravamento dos conflitos no núcleo capitalista que precisaria ser estimulado e promovido.

 

Os  arremedos de contestações recentes aqui, na America Latina, são superimportantes, mas não contarão com qualquer condescendência do governo Biden que não passe pela submissão às suas imposições.

 

E no Brasil, não tenhamos dúvidas, se Trump não avançou sobre a America Latina, Biden não deixará passar essa oportunidade, especialmente porque as iniciativas foram do nosso próprio governo Pateta e das forças armadas vassalas nacionais. Arreganharam as portas para o uso militar do território e fronteiras brasileiras para os interesses imperialistas contra nossos vizinhos.

 

Isso não é uma teoria da conspiração, mas porque são fatos concretos, e essa é a história política do Biden e das forças que o apoiam. Essa é a denúncia que precisaria ser feita ao mesmo tempo em que se falar da derrota de Trump. Essa é a contradição.

 

O conjunto político Biden/Trump foi participante e promotor ativo do golpe de 2016 que gerou o câncer Bozo. Assim – aderindo a opinião de outros analistas – concordo que a burguesia nacional está a busca de um Biden tupiniquim para 2022. Assim como nos EUA o câncer Donald, aqui o câncer Pateta tem atrapalhado a dinâmica de desenvolvimento do sistema que o criou. Os avanços contra as proteções sociais não foram suficientes, as privatizações estão mal das pernas.

 

O aplauso das classes dominantes nacionais para a vitória Baiden nada tem a ver com democracia. Ela busca um substituto do Pateta extraído do próprio grupo que promoveu o golpe de 2016. Um candidato de consenso e ungido até pela esquerda. Nem sequer Lula e PT estarão dentro dessas confabulações, muito menos qualquer representação popular efetivamente transformadora e de esquerda. 

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Intercorrências na Disney

Opinião

Redigido em 07/11/2020

Na conjuntura política específica, a  derrota do Donald nos EUA foi importante porque coloca na sequência de tiros o Pateta, aqui, no Brasil. Porém, daí a festejar o resultado como vitória da democracia e apontar as tentativas de golpe nas eleições americanas como uma novidade que ameaça o conceito universal de democracia será um equívoco. Uma armadilha na qual a militância de esquerda brasileira não deveria cair.

 

Pode até ser que muitos desavisados só agora tenham compreendido que a democracia liberal como um todo, entre elas a norte-americana, é uma grande farsa. Uma fantasia que a disputa pelo poder rasgou feito roupa de bailarina em briga de puteiro ou carnaval de rua – tudo ficou à mostra.

 

Contudo, para a militância de esquerda latino-americana que pensa e reflete sobre as relações políticas não há novidade, embora possa existir alguma surpresa pelo fato dos litigantes terem deixado portas e janelas abertas permitindo que os tapas e xingamentos viessem a público. Descuido ou subestimação? Monarcas e senhores feudais não faziam questão de privacidade quando discutiam entre si planos de seus interesses. Os serviçais eram considerados seres inferiores – sem olhos nem ouvidos – estavam ali, à disposição, para servir aos seus desejos e necessidades.

 

A tentativa de golpe praticada por um dos lados nas eleições americanas – ainda está em andamento –  poderá até ser frustrada lá, nos EUA, mas, aqui, no Brasil e em diversos países da America Latina, elas deram certo. E foram  bancadas pelos dirigentes do império norte-americano, justamente por essa democracia fajuta e escrota de Democratas e Republicanos.

 

Biden e Trump são farinhas de mesmo saco. A imprensa (incluindo agências internacionais importantes), que é um dos instrumentos dessa farsa, se desdobrará em análises para tapar buracos e discorrer sobre a grandeza das instituições democráticas americanas, mas isso será conversa para boi dormir.

 

É possível que essa conversa até emprenhe o ouvido de muitos eleitores cariocas, essa sociedade de “espertos” e “malandros” que tem dado sucessivas provas de sua esperteza e malandragem através das figuras que têm levado ao poder nas prefeituras da capital e governos do estado.

 

Se o golpe de Trump não der certo nos EUA agora, aqui ele já funcionou antes – golpe de estado, contra o resultado das eleições – as mesmas acusações que fazem ao Donald e que tiveram como consequência a eleição fraudada do Pateta.

 

O espetáculo televisivo em torno das eleições americanas, não nos enganemos, é de briga de milícias. Disputa de banqueiros e chefes de quadrilhas por pontos de jogo, de prostituição, de distribuição de drogas e de domínio de tráfico. Não em um país nem  uma comunidade das grandes cidades latino-americanas. Mas, em âmbito internacional.

 

Se para muitos a tentativa de golpe nos EUA está sendo vista como novidade, aqui deveríamos saber a lição de cor e salteada (ou assaltada). E as  bajulações e manifestações de um grande número dos principais comentaristas das redes de TV tem sido nojentas. Só não são menores que  as lambidas da família Bozo no saco do Trump, nem a vassalagem inadmissível das forças armadas brasileiras que concordaram com a entrega de Alcântara e o uso das nossas fronteiras para as ações estadunidenses (Biden ou Trump)  contra a Venezuela e outros propósitos.  

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terça-feira, 3 de novembro de 2020

Dia de visitas e muito trabalho

 Leituras para distrair


Durante parte da minha infância os dias de Finados tiveram um significado especial – nada religioso. Morávamos em rua vizinha ao cemitério e o terreno da casa era limitado lateralmente por vizinhos vivos e os fundos por outros que já não respondiam por si. O muro de fundos do nosso quintal era comum com o cemitério. 

O muro não passava de 2,30 metros, se muito. Uma pequena escada que construímos ficava permanentemente encostada no mesmo para acesso rápido ao topo. Rente ao muro, ainda do nosso lado, havia um mamoeiro, uma goiabeira de pequeno porte e uma groselheira, essa de porte razoável. A goiabeira era nosso acesso preferencial dispensando a escada. Do outro lado, colados ao muro, existiam túmulos acima do solo e a descida ou subida prescindia de escada. No máximo um apoio nas cruzes e capelinhas das sepulturas para impulsionar a subida. 

As casas vizinhas tinham características similares, mas não tinham crianças,  e a nossa era uma casa de molecada, embora casa e terreno fossem diminutos. Casa alugada para operários como o meu pai. Contudo, o cemitério funcionava como extensão do nosso quintal. Curiosamente, hoje o Aterro do Flamengo é o meu quintal, extensão frontal da minha moradia. Quando criança, o cemitério de São Gonçalo teve esse papel. 

Uma cafifa torada (uma  pipa solta porque foi  cortada por cruzamento de linhas) ou um balão caindo sempre tinham o enorme campo do cemitério como destino provável. Era cena comum um bando de moleques, minha tribo, adentrarem correndo pelo nosso quintal,  pulando o muro, sem pedir licença e sem encontrar  objeções, atrás de uma cafifa ou balão. Além dos sustos, a preocupação da minha mãe era ninguém se machucar na correria. Fazia parte das nossas vidas. 

Nas noites de meio de ano ficávamos empoleirados no muro, que era nosso e do cemitério, um posto estratégico, em vigília para identificar algum vulto de balão apagado que apontasse cair  entre as tumbas. Uma cumplicidade silenciosa porque sabíamos que outros grupos também espreitavam em outros locais. 

Pode parecer uma situação assustadora e mórbida, mas praticamente ninguém pensava em “assombração”, salvo para sacanear algum eventual moleque novato. Todos sabíamos que havia uma pedinte de esmolas que passava o dia na calçada principal do cemitério e que, à noite, abrigava-se entre as tumbas. Ela fazia parte da comunidade e seu apelido era Arraia Mijona. Embora todos soubéssemos que ela morava no cemitério, tínhamos um enorme cagaço de encontrá-la durante a noite, por mais que estivéssemos prevenidos. Esse era um medo comum. 

Os dias de Finados eram especiais porque era dia de ganhar dinheiro. Acordávamos cedo. Dia de trabalhar oferecendo serviços gerais aos visitantes. Limpeza de sepulturas. Algumas mais ricas, com acabamento em mármore ou azulejos,  precisavam de uma faxina geral – gorjeta boa. Outras, mais modestas, eram elevadas, mas precisavam de uma carpina das tiriricas que cresciam sobre a terra. Não eram comuns as atuais coberturas com placas de cimento.  Sem outros acabamentos além das capelinhas nas cabeceiras que pediam uma pintura de cal (caiação). 

As sepulturas  mais pobres e distantes e feitas diretamente no solo pediam a formação de um montículo de terra reconstruindo o suposto limite do enterramento. Em muitas o serviço era simplesmente fornecer água para encher as jarras de flores que eram renovadas ou uma limpeza na placa de identificação. Passávamos o dia caminhando equipados de vassourinha, pá de pedreiro, lata de água, regadores e outros apetrechos  oferecendo nossos serviços e recebendo as gratificações correspondentes. 

Hoje seríamos empreendedores. Alguns já contavam com networking de anos anteriores, outros iniciantes. Abordávamos os clientes com um elevator pitch e num sepulcro grande com target além das possibilidades individuais, então trabalhávamos em coworking. 

A nossa casa e quintal era um posto de suporte privilegiado para as nossas atividades. Um diferencial que  também  era aproveitado por colegas mais próximos. Meu irmão não tinha ainda idade para se lançar na busca de clientes e trabalhava no muro vendendo refrescos ou repondo baldes de água para a galera que trabalhava “na pista”. Porém, sorte dele,  havia uma sepultura bem próxima ao nosso muro – sepultura de luxo, construída em mármore - cujo responsável se tornou um cliente cativo do meu irmão e que garantia o faturamento dele, adicional à venda dos refrescos, inclusive em datas diferentes do dia de Finados.

O dia era intenso de atividades e nem mesmo queríamos parar para as refeições. As oportunidades precisavam ser aproveitadas. À noite era a hora de conferir o faturamento e de contar histórias, os casos, a concorrência, as chances aproveitadas e as perdidas. Isso e aquilo. Era um monte de sensações, recordações  que  me acompanharam pela vida. Volta e meia alguma me surpreende. Um susto, tipo uma aparição da Arraia Mijona – mas um susto amigo que sempre remete para uma lembrança boa e feliz. Sorte minha!   #####