sábado, 15 de dezembro de 2018

Le combat continue!



Opinião



Chico Alencar terminou seu mandato de deputado federal. Esse foi o segundo ano consecutivo, na avaliação de jornalistas que cobrem o Congresso Nacional, que ele liderou a preferência como o parlamentar que mais bem representa a população na Câmara. Recebeu o Prêmio Congresso em Foco 2018. Um militante que merece reverências ainda  que não tenhamos identidade completa com suas ideias.

Foi candidato ao senado pelo Rio de Janeiro, mas não conseguiu se eleger. A maioria dos eleitores optou por um integrante da família Bozo, alguém que tem estado nos noticiários como participante de esquema que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano. Segundo investigações da própria imprensa, o esquema envolve motorista da família e 9 de seus assessores. Todo dia de pagamento os assessores depositavam certa quantia na conta do motorista que, por sua vez, sacava os valores em caixas eletrônicos. Um destes assessores teria passado 245 dias em Portugal, recebendo salário de mais de R$ 5 mil por mês.

Uma troca ruim para o Rio de Janeiro. Valeu a lógica dos eleitores dos Bozos.  A mesma que trocou Haddad  pelo ex-capitão. Conheço alguém que justificou o seu voto para a presidência dizendo “Ele (o ex-capitão) simplesmente é o cara que está no lugar certo, na hora certa”. Certamente uma justificativa medíocre, mas a realidade dos fatos tem dispensado o meu juízo.

Nossa alternativa é seguir lutando. Não apenas no Brasil. Na França, os  chamados “coletes amarelo (gilets jaunes)”, estão nas ruas. Numa mobilização que extrapola a organização sindical e colocando o governo Macron contra a parede. A sequência de manifestações caminha para cinco semanas consecutivas.

Le combat continue!  Parece romantismo, mas é a realidade social. Mesmo lá, no centro europeu a luta ainda continua. Às vezes a nossa autocrítica é de baixa estima. Parece que não levamos jeito pra coisa. E não é sem razão, afinal, votar num governo que viu Jesus na goiabeira supera a imaginação do humorista mais caricato. Mas, esse é o nosso jeito de ser. Muita gente não se dá conta, mas essa é a quinta república francesa, e todas elas foram construídas com muita porrada nas ruas. Temos muito que caminhar.



segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Democracia hipócrita


Opinião


Há cerca de 10 anos eu fiz um registro de opinião nesse blog  sobre as cotas para negros nas universidades  e incluí uma citação do professor Boaventura de Souza Santos extraída de um artigo de sua autoria intitulado “As dores do pós colonialismo”. No artigo o professor  comenta sobre o papel do racismo no colonialismo, caracteriza o que ele chama de pós-colonialismo, e aponta a necessidade de uma vontade política desracializante como condição fundamental para a passagem de um período pós-independência para um período pós-colonial. Passagem que só estaria ocorrendo no Brasil cento e oitenta e quatro anos após a nossa independência. O artigo foi publicado na Folha de São Paulo, em 2006. [1] [2]

Nesses dias nos quais fervilham exemplos de retrocesso político, quando as lutas identitárias  e os movimentos sociais enfrentam ameaças de criminalização, quando manifestações de cunho racista são declaradas sem qualquer constrangimento por representantes do poder político, busquei uma releitura do artigo do professor Boaventura. Não canso de reverenciar o brilhantismo desse intérprete do pensamento de uma grande parte de nós. A democracia hipócrita, diz o professor, “Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não ter de admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas”.

Em seu artigo o professor sugeriu uma esperança que, em certos aspectos, acho que foi frustrada. Mas, como ele próprio afirma, a viragem descolonial é um processo civilizatório complexo, mas também é irreversível. Faço essa introdução como um convite para a leitura do artigo que permanece atualíssimo. Seria uma enorme redução tentar fazer uma resenha, vale muito mais o convite. Um convite para quem quer e precisa pensar, refletir e também se armar para os enfrentamentos contemporâneos. Sugiro a leitura.


As dores do pós colonialismo

Folha de S.Paulo 11 de Agosto de 2006 – Boaventura de Sousa Santos

Cento e oitenta quatro anos depois, o Brasil parece finalmente estar a passar do período da pós-independência para o período pós-colonial. A entrada neste último período dá-se pela constatação, discutida na esfera pública, de que o colonialismo, longe de ter terminado com a independência, continuou sob outras formas, mas sempre em coerência com o seu princípio matricial: o racismo como uma forma de hierarquia social não intencional porque assente na desigualdade natural das raças.

Esta constatação pública é o primeiro passo para se iniciar a viragem descolonial, mas esta só ocorrerá se o racismo for confrontado por uma vontade política desracializante firme e sustentável. A construção dessa vontade política é um processo complexo, mas tem a seu favor, não só um punhado de convenções internacionais, como também e, sobretudo, a força política dos movimentos sociais protagonizados pelas vítimas inconformadas da discriminação racial.

A viragem descolonial para ser eficaz, tem de ocorrer no Estado e na sociedade, no espaço público e no espaço privado, no trabalho e no lazer, na educação e na saúde. É, pois, um processo civilizatório, tão complexo quanto irreversível.

A modernidade ocidental foi na sua origem, simultaneamente um processo europeu, dotado de mecanismos poderosos como a liberdade, igualdade, secularização, inovação cientifica, direito internacional e progresso, e um processo extra-europeu, dotado de mecanismos não menos poderosos como o colonialismo, racismo, genocídio, escravatura, destruição cultural, impunidade, não-ética da guerra. Um não existiria sem o outro.

Por terem sido concedidas aos descendentes dos colonos europeus e não aos povos originários ou aos para aqui trazidos pela escravatura (com exceção do Haiti), as independências latino americanas legitimaram o novo poder por via dos mecanismos do processo europeu para poderem continuar a exercê-lo por via dos mecanismos do processo extra europeu.

Assim se naturalizou um sistema de poder que, sem contradição aparente, arma a liberdade e a igualdade e pratica a opressão e a desigualdade. Um sistema até hoje em vigor, ou seja, até à entrada no período pós-colonial.

Assentes neste sistema de poder, os ideais republicanos da igualdade constituem uma hipocrisia sistêmica. Só quem pertence à raça dominante tem o direito (e a arrogância) de dizer que a raça não existe ou que a identidade étnica é uma invenção.

Uma democracia hipócrita não chega sequer a ter o mérito da hipocrisia democratizada. O máximo de consciência possível desta democracia hipócrita é diluir a discriminação racial na discriminação social. Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não ter de admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas.
É, pois, uma democracia de muito baixa intensidade. A sua crise não começa no momento em que as vítimas da discriminação se organizam para lutar contra a ideologia que os declara ausentes e as práticas que os oprimem enquanto presenças desvalorizadas.

São lutas por uma democracia de alta intensidade e por um republicanismo robusto. Distinguem se dos seus antecessores por duas razões. Em primeiro lugar, assentam na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da diferença. Reivindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois princípios seja efectivo. Daí a luta pelos projectos de lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial.

O alto valor democrático destes projectos de lei reside na ideia de que o reconhecimento da existência do racismo só é legítimo quando visa a eliminação do racismo. É o único antídoto eficaz contra os que têm o poder de desconhecer ou negar o racismo para o continuarem a praticar impunemente.

Estes projectos de lei, se aprovados e aplicados, darão ao Brasil uma nova autoridade moral e um novo protagonismo político no plano internacional.

Mas será, no plano interno, que os seus efeitos positivos mais se farão sentir: a construção de uma coesão social sem a enorme sombra do silêncio dos excluídos. Para que tal ocorra, os movimentos sociais não podem confiar demasiado na vontade dos governantes dado que eles são produtos do sistema de poder que naturalizou a discriminação racial. Para que eles sintam a vontade de se descolonizarem é necessário pressioná-los e mostrar-lhes que o seu futuro colonial tem os dias contados.

Esta pressão não pode ser obra exclusiva do movimento negro e do movimento indígena. É necessário que o MST, os movimentos de direitos humanos, sindicais, feministas, ecológicos, etc., se juntem à luta no entendimento de que, no momento presente, a luta pelas cotas e pela igualdade racial condensa, de modo privilegiado, as contradições de que nascem todas as outras lutas em que estão envolvidos.

[1]
Cotas para negros nas universidades – Blog do jorsan  - 11/12/2008 – Disponível em: https://blogdojorsan.blogspot.com/2008/12/cotas-para-negros-nas-universidades_11.html - Acessado em 26/11/2018

[2]
As dores do pós colonialismo – Site Geledés – Instituto da Mulher Negra - Disponível em: https://www.geledes.org.br/dores-pos-colonialismo/ - Acessado em 26/11/2018



quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Inteligência Artificial

Leituras para distrair


Em bem pouco tempo nossos ambientes de conversas e discussões serão inundados por um tema cujas implicações já são uma realidade – a Inteligência Artificial (IA) ou Artificial Inteligence (AI). A verdade é que já estamos completamente imersos nessa “coisa”, mas assim como ocorreu com outros temas relacionados à potencialidade das tecnologias de comunicação e informação, o mais provável que em algum momento um click coletivo nos faça acordar nesse novo mundo. Como se tivéssemos cruzado uma barreira de tempo sem a percepção de como isso aconteceu.

A Inteligência Artificial (IA) é algo que já está além desse nosso mundo mágico do século 21. Isso porque a IA é uma mudança de modelo, uma mudança de regras que, apesar de leigos, conhecemos. São recursos que vão além de máquinas e sistemas impressionantes por sua capacidade de responder a comandos que lhes foram ensinados ou programados. Trata-se de sistemas que são capazes de aprender novas relações e tomarem decisões por si próprias, como se replicassem o processo de pensamento humano.

Os moderníssimos sistemas de computação são capazes de monitorar nossas comunicações, identificar nossos interesses, direcionar propagandas para os endereços de nossos e.mails, zaps e páginas de redes sociais, de controlar processos complexos e sofisticadíssimos, além de processar quantidades absurdas de informações em frações reduzidíssimas do tempo. Mas, sempre segundo programas e lógicas de decisão (algoritmos) pré-elaborados por um programador humano. Os sistemas com IA vão além. Porque eles são capazes de acumular experiências e extrair aprendizados de suas operações imitando a inteligência humana. Então, as decisões, ou seja, as ações das máquinas com AI já não serão decorrentes exclusivamente da lógica humana elaborada pelo programador, mas também daquela que foi elaborada pela própria maquina, a partir do seu aprendizado. Faça alguns segundos de reflexão e imagine o que poderá sair dai, ou já esta saindo.

Veja um exemplo provocador. Atualmente o governo americano controla drones que sobrevoam países em diversas partes do mundo.  A partir de imagem captadas via satélite que identificam posição e até características corporais de indivíduos, um operador, em solo americano, a milhares de quilômetros dali, pode deliberar  se manda, ou não, o drone explodir uma bomba sobre a cabeça dos sujeitos que são os alvos de seu interesse. Já circulam noticias de drones controlados e comandados por sistemas com  IA. Quem achar que é ficção pesquise nas referências desse texto. No início de 2018 o New York Times divulgou um protesto de milhares de funcionários do Google contra o envolvimento da empresa em um programa do Pentágono que usa inteligência artificial para melhorar o direcionamento de ataques com drones. [1]

Esse exemplo – assustador – pode parecer caricato, mas as questões demandadas pela IA parecem não ter um limite. Por exemplo, como, quando e quem deve ser responsabilizado pelos danos e atos ilícitos decorrentes de uma IA? Ou, então, como impedir que uma IA reproduza os preconceitos próprios dos programadores dos seus programas (algoritmos) básicos? [2]


A IA se tornará a principal questão de direitos humanos no século 21”. Essa é a opinião da pesquisadora Safia Umoja Noble, autora do livro “Algorithms of Opression”. Trata-se de um trabalho sobre os elementos racistas e sexuais incorporados nos programas de busca da Google. Por exemplo, a busca com as palavras “black girls” tinha como resposta sites e imagens de pornografia e, um caso famoso, o Google relacionava a palavra “Michelle Obama” com o termo “ape (macaco)”.[3]

No início desse mês de novembro uma agência de notícias chinesa anunciou ser a primeira do mundo a produzir um âncora de TV feito por meio de inteligência artificial. Voz, lábios e rosto se adaptam às palavras em tempo real – e podem ler tudo que for colocado no sistema. As possibilidades e as questões de natureza ética decorrentes daí são óbvias. Por último, para quem se interessar, sugiro o vídeo “A história da Inteligência Artificial” que apesar de abordar o tema de forma exclusivamente otimista, quase inocente, passando longe das importantes questões correlatas, faz uma interessante cronologia do tema. [4],[5]  ###

Referências

[1]
“The Business of War’: Google Employees Protest Work for the Pentagon” – Página do New York Times, em 04/04/2018 – Disponível em <https://www.nytimes.com/2018/04/04/technology/google-letter-ceo-pentagon-project.html> - Acessado em 14/11/208.

[2]
 “A responsabilidade civil de atos ilícitos potencialmente praticados por Ias” – Publicado no site JOTA  em 28/10/2018 – Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-responsabilidade-civil-de-atos-ilicitos-potencialmente-praticados-por-ias-28102018> - Acessado em 14/11/2018

[3]
Noble, Safia Umoja - “Algorithms of Opression – How search engines reinforce racism” –  New York Universiy Press, New York – 2018.

[4]
“China lança âncora de TV feito por inteligência artificial - você consegue notar a diferença?” – Publicado em site da BBC, em 12/11/2018. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-46184470 - Acessado em 15/11/2018

[5]
“A história da Inteligência Artificial – TecMundo’ – Publicado no canal TecMundo do youtube em 23/10/2018 – Disonível em <https://www.youtube.com/watch?v=Lhu8bdmkMCM> - Acessado em 14/11/2018.

  

domingo, 11 de novembro de 2018

Conversas para um terceiro turno - Parte 3 de 3


Opinião

Esses registros não são conclusivos nem completos. São uma tentativa de organizar reflexões sobre possíveis ações e posicionamentos a propósito de alguns tópicos que estão na pauta política.

Parte 3/3 – Somos a afirmação dos nossos projetos (Tempo estimado de leitura 5 minutos)

Queremos uma Petrobrás nacional e pública explorando o petróleo nosso. Porque o sistema Petrobrás  é um poderoso instrumento econômico para a sustentação de um projeto social carente de recursos. Não apenas aqueles advindos das privatizações ou de contribuições fiscais, mas também aqueles obtidos pela exploração do negócio do petróleo. Além do mais, só um controle público do sistema Petrobrás permitirá que essa mega instituição seja vetor de orientação de políticas públicas como educação, geração de postos de trabalho, indústrias de base, indústria naval, desenvolvimento de ciência e tecnologia,  de educação, e de estímulo a indústria nacional, entre outros.

Queremos a manutenção e a reapropriação das nossas grandes estatais. Essas empresas são empreendimentos de porte que foram realizados a custa do trabalho e da riqueza produzida pelos brasileiros. Elas são recursos de indução e fomento de políticas públicas. Queremos usufruir e aproveitar esses recursos em benefício da nossa sociedade. Não concordamos em abrir mão desses recursos, privatizando-os para que sejam destrinchados como filé e osso e explorados como negócios lucrativos pelo capital multinacional.

Queremos uma educação pública de qualidade e universalizada. Uma educação formadora de uma sociedade  pensante e crítica. Com cidadãos habilitados para desenvolverem suas capacitações nos campos diversos da atividade humana. Queremos uma educação que não discrimine preconceituosamente as atividades manuais e intelectuais, mas a educação que queremos deve ir bem além da formação de mão de obra para nos processos de produção, mas consumível e descartável conforme os interesses das corporações.[6]

Queremos uma legislação trabalhista que resguarde e amplie direitos e ganhos de quem efetivamente produz a riqueza que são os trabalhadores. Essas questões não podem estar à mercê de negociações circunstanciais onde as correlações de forças são absurdamente desiguais, especialmente no estado atual do desenvolvimento dos meios de produção. O conflito capital x trabalho não é de natureza ética ou moral. É uma decorrência do modo de produção. É absolutamente falsa a expectativa de que  os acionistas, os proprietários ou os dirigentes das grandes corporações tenham qualquer compromisso com garantias de emprego e ganhos para os trabalhadores sem uma obrigação institucional. Isso porque essas garantias são congenitamente conflitantes com suas naturezas e com os seus  objetivos de garantia e aumento das taxas de lucros.

Queremos garantia de previdência e assistência social porque a vida e a saúde dos trabalhadores não são eternas. Ainda que fossem, entendemos que o ser humano deve ter no trabalho uma realização e não uma relação escravizada sem qualquer perspectiva e despejado em cova rasa, ao fim da vida, como material inservível. Queremos tratar sobre o que é necessário para assegurar esse projeto. Sobre quem tem mais ou menos capacidade de contribuição. Sobre quais os condicionantes e obrigatoriedades de contribuição, etc. Além do mais, grande parte da nossa sociedade ainda vive em condições de saúde reelações de trabalho praticamente medievais. Nossa ordem de prioridades é inversa daquela que busca esse assunto a partir das necessidades para a viabilização de empresas e corporações.

Queremos mudar duas frações malditas: 5/95 e 6/100. No Brasil, os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95% da população. Além disso, numa população de 210 milhões de habitantes, as seis pessoas mais ricas concentram, juntas, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres. Alterar essas relações deve ser, para nós, uma obrigação. Essas relações ainda são agravadas quando quando se analisa as tributações sobre esses concentradores de riquezas versus o restante da sociedade. Ninguém deveria ficar indiferente a esses números. Eles são tão absurdos que chegam a ser inacreditáveis, mas resultam de trabalhos realizados por pesquisadores sérios, com divulgação pública e baseados em dados da receita federal [7].

Precisamos, sim, de enormes empreendimentos. Água, energia, transportes, agricultura, pecuária, indústria pesada, tecnologia de ponta. Nosso país tem recursos para tal e isso significa imperativamente projetos de vulto e até de impacto ambiental. Mas, o nosso fim é a distribuição da riqueza e usufruto dos seus benefícios. Não queremos destruir o país. Não alcançaremos os nossos objetivos destruindo os nossos recursos. Destruir recursos naturais é um meio que só atende ao projeto de concentração. Essas devem ser as referências que nos orientarão na tratativa dos projetos que avançam na destruição dos nossos ecossistemas.

 [6]
Jornal da Band entrevista o presidente eleito Jair Bolsonaro - Publicado em 29 de out de 2018 –Nessa entrevista o presidente eleito expõe sua visão de uma educação exclusivamente para a qualificação profissional técnica. Explicita que “a filosofia de Paulo Freire deve ser deixada de lado”. Ver trecho 11m 46s - Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ltUN6iBMroQ>.Acessado em 04/11/2018.

[7]
Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre – Jornal El País – 25/09/2017 – Matéria sobre a concentração de riqueza no Brasil baseada em estudo realizado pela Oxfam – Disponível em < https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.html> Acessado em 04/11/2018.
Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief ) International  - Confederação de organizações reconhecida internacionalmente - atua em mais de 90 países. https://www.oxfam.org.br/
Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária - com Base nos Declarantes do Imposto de Renda no Brasil  2007—2013. Realizado pela Oxfam e Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC – Brasília – 2016 – Disponível em https://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/livreto_injustica_tributaria_pt_v2_web_-final.pdf Acessado em 04/11/2018

Conversas para um terceiro turno - Parte 2 de 3


Opinião

Esses registros não são conclusivos nem completos. São uma tentativa de organizar reflexões sobre possíveis ações e posicionamentos a propósito de alguns tópicos que estão na pauta política.
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Parte 2/3 - Como atuar nesse cenário? (Tempo estimado de leitura 5 minutos)

Um ponto importante em relação à nossa forma de atuação deve ser o ajuste das nossas expectativas. Não há fato que indique a possibilidade de uma reversão brusca do quadro político (pelo menos, até agora). Ainda estamos no período de outorga do poder resultante das urnas. A partir da posse, em janeiro 2019, o governo eleito terá acesso pleno aos instrumentos de poder. O novo governo representa um poderoso sistema político que tem entre os seus objetivos eliminar as representações de esquerda em nosso país. Isso foi dito e repetido ao longo da campanha. Então, o correto é supor que ele atuará com toda a força e competência, que já demonstrou ter, para excluir qualquer possibilidade de oposição. Essa expectativa  não quer dizer que devemos aceitar o fato como um vaticínio divino. Ao contrário, nossa ação deverá ser enfrentar e revidar, além de promover as atividades que façam avançar o projeto de sociedade que queremos. Mas, sem desespero nem fantasias. Com uma visão clara sobre o que está ocorrendo.

Outra ação importante e necessária de realizar será a manutenção do volume da oposição. O resultado eleitoral apontou uma diferença percentual de 10,3% que corresponde a cerca de 10,7 milhões de votos. Considerando os interesses que representa e com o seu perfil, o novo governo deverá cagar e andar para as proporções do resultado. Mas, não desistirá desse alvo, dessa massa de eleitores que declarou explicitamente o voto contra ele. Será um equívoco tratar esses eleitores como uma massa atrelada por um cabresto de oposição. Mesmo ela estará em disputa e precisará ser mantida como aliada. Ela é a base de qualquer esperança de transformação. Não fará sentido  tentar angariar novos opositores sem a preocupação de manter e consolidar a base de oposição identificada no processo eleitoral.

A tarefa mais difícil: aumentar o volume de opositores sem esperar ou torcer pelo pior. Sair das bolhas. Tentar conversar com pessoas que endossaram a proposta fascista. Aturar e superar argumentos que já contestamos.  Mas,  há uma diferença que pode ser positiva. Antes, as discussões incluíam a disputa de candidaturas que em muitos casos prejudicava as discussões. A tarefa agora é promover o debate de teses, propostas e projetos tentando identificar potenciais adeptos e distingui-los dos fascistas ideológicos.

É preciso construir aquilo que os  partidos não lograram construir. Um engajamento de oposição com visão crítica e ciente dos sujeitos políticos e dos seus interesses. Esse trabalho precisa ser permanente. No período eleitoral, que é curto e determinado, é válida a interpretação do “voto  conquistado”, mas no cotidiano social isso é um erro. O governo eleito utilizará os recursos que já utilizou durante a campanha eleitoral  e, ademais, contará  com os instrumentos de poder para a propaganda das suas teses. Vizinhos, familiares, colegas de trabalho, conhecidos comuns. Nas campanhas tentamos identificar esses grupos para ganhar votos. Agora e em todo o período que vem pela frente precisamos formar grupos e promover discussões sobre os principais temas políticos. Se não fizermos isso ficaremos isolados, e até mesmo alguns poderão ser cooptados pela propaganda da situação.

Pensar. Refletir. Elaborar. Revisar. Traduzir. Interpretar. Argumentar. Contrapor. Mais do que nunca. Orientar o eixo dos debates para os temas políticos e para  as propostas e ações que valorizamos. Qualificar o governo eleito a partir de suas ações. As adjetivações do tipo bom, honesto, mau ou corrupto podem estar corretas, mas são reduções que não deixam espaço para conversas e que despertam as rejeições que favoreceram os votos na direita. Não nos cabe fazer alardes precipitados diante do anúncio de algumas nomeações de composição do governo. Não temos qualquer poder de veto ao projeto fascista. Ele  governará com os seus quadros. O real significado das suas nomeações tem sido desvelado, até mesmo na imprensa internacional. Não precisamos fazê-lo. A gritaria precipitada só servirá como filtro e soará como um alerta para o governo aprimorar as suas escolhas, mas sem mudar o seu projeto. Além disso, conforme a gritaria, o passo seguinte poderá ser a cobrança de nosso compromisso com uma nova indicação. Uma armadilha. Agindo assim, seremos os idiotas úteis. [4] [5]

Uma atuação mais engajada deverá ser feita a partir do movimento organizado nas diversas dimensões, especialmente os partidos e os sindicatos. Caberá ao movimento organizado empenhar-se para que ocorra a ocupação dos espaços e o debate público das questões que devem ser trazidas para as ruas. Será preciso que estejam dispostos a isso e não se percam no conforto das negociações de gabinetes, com ar condicionado e cafezinhos. A palavra de ordem “ele não” foi derrotada nas urnas, isso é um dado da realidade. Então, o que precisamos promover como objetos da mobilização social são as nossas propostas, as nossas críticas e as contradições do governo – que certamente serão muitas. A rejeição ao governo eleito virá como consequência. A nossa tarefa é fortalecer esse movimento, essa dinâmica  para dias que imaginamos estejam por vir. É assim que nos cabe contribuir. Haverá também uma dinâmica dos dias reais, mas essa será promovida pelas ruas, como tem sido historicamente.

Referências
[4]
“Jair Bolsonaro promises senior job to judge who jailed his rival (Jair Bolsonaro promete emprego a juiz que prendeu seu rival” – Manchete do The Sunday Times  (Times)  replicada em importantes jornais do mundo inteiro desvela aspectos do governo eleito. No caso, a recompensa recebida pelo juiz  que chutou o pau da barraca para garantir a prisão de Lula. Disponível em <https://www.thetimes.co.uk/article/jair-bolsonaro-promises-senior-job-to-judge-who-jailed-his-rival-5zc26t7p8> Acessado em 11/11/2018

[5]
 “Até os mitos desiludem “ – Observações em coluna de Luis Fernado Verissimo em jornal O Globo sobre “recompensa (se não é, parece) por ter despachado o Lula para a cadeia ligeirinho e publicado a delação do Palocci contra o Lula dias antes da eleição” – Disponível em < https://oglobo.globo.com/opiniao/desilusoes-23218971#ixzz5WHgMHAVb> - Acessado em 11/11/2018.




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Conversas para um terceiro turno - Parte 1 de 3


Opinião


Esses registros não são conclusivos nem completos. São uma tentativa de organizar reflexões sobre possíveis ações e posicionamentos a propósito de alguns tópicos que estão na pauta política.

Parte 1/3 - Algumas premissas (Tempo estimado de leitura 2,5 minutos)

Em que pese a nossa bronca com o resultado eleitoral, não seria correto torcer para que as merdas que anunciamos  aconteçam, embora seja enorme a vontade de fazê-lo. Até porque seremos os primeiros a combatê-las . Além do mais, 44,9% do eleitorado votou contra o governo eleito e não mereceria ser penalizado. [1]

Sabemos como o governo eleito se caracteriza. Aliás, o jornalista Alberto Villas fez uma observação corretíssima “Todos os jornais, nos quatro cantos do planeta, chamam o presidente eleito no dia 28 de outubro, de candidato da extrema-direita. Todos. Aqui, não. ... nossos jornais estão tratando o presidente eleito como um estadista ... Parece que nenhum jornal se lembra mais que, um dia, o ultra-direitista homenageou, também ao vivo e em rede nacional,  o maior torturador que o país já teve. Ninguém se lembra mais que ele disse, um dia, ser favorável a tortura, não estuprar uma deputada porque ela não merecia, não querer um gay como vizinho e mandar um jovem opositor no aeroporto, ir tomar no cu.” [2]

O fascismo deve ser combatido, contudo há ações governamentais (já existem) para serem combatidas porque elas são nocivas à nossa visão de uma organização social inclusiva e solidária, ainda que estejam revestidas de aspectos que atendem à ordem democrática. Esse é o caso da reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017 e aprovada com os votos do Congresso e o da reforma da Previdência que, segundos os jornais, o governo eleito quer tramitar e aprovar ainda esse ano. Ainda sobre a reforma da previdência, o jornal Valor Econômico noticiou que um grupo liderado pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, entregou ao presidente eleito uma proposta de reforma mais radical do que a que está em andamento. A proposta inclui também uma sugestão de encaminhamento de forma que ela seja aditada à que está em andamento, apresentada pelo governo Temer, sem que haja prejuízo para os prazos. [3]

Nesse enfrentamento, não nos identificamos exclusivamente  pela negação do governo eleito. Somos bem mais do que isso, e a nossa identificação ocorre pela afirmação dos nossos projetos que conflitam com os projetos e práticas tanto do governo eleito como do atual (Temer). Explicitamos os principais eixos que afirmam os nossos posicionamentos e, buscamos permanentemente avaliar com clareza a conjuntura na qual estamos envolvidos. Assim, estabeleceremos formas eficazes e realizáveis de participação política que se caracteriza , naturalmente, como uma oposição ao projeto vencedor na eleição presidencial.

Referências
[1]
Resultado eleitoral TSE 2º turno: Eleitorado: 147.306.294 – Comparecimento: 115.933.451 (78,7%)
Votos válidos: 104.838.753 - Brancos: 2,14% - Nulos: 7,43%
Bolsonaro: 57.797.847 (55,13%) – Haddad: 47.040.906 (44,87%)
Disponível em Site TSE <http://divulga.tse.jus.br/oficial/index.html> - Acessado em 04/11/2018

[2]
A Vida é Bela – Texto de Alberto Villas (blog) -  Disponível em <http://albertovillas.com.br/2018/11/01/a-vida-e-bela-2/> Acessado em 04/11/2018

[3]
Grupo propõe reforma mais radical para Previdência – Jornal Valor Econômico - 01/11/2018


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sábado, 20 de outubro de 2018

A alegria continua!


Leituras para distrair


Em vésperas de completar um ano, encerram as  audições do Samba do Castelinho, a roda de samba realizada semanalmente no Castelinho do Flamengo, RJ, conduzida por um grupo de artistas brilhantes e especiais,  Anderson Balbueno, Jorge André, Bianca Calcagni, Marquinho China, Leonardo Pereira, Ana Costa e Paulão 7 Cordas. Sem intenção de esmiuçar outras razões, fico com aquelas apresentadas pelos próprios realizadores. Completou-se um ciclo cuja experiência aponta para a necessidade de modificações.


Meu  propósito, em que pese a modesta repercussão dessas anotações, é registrar  a experiência maravilhosa que compartilhamos em cada segunda-feira do Samba do Castelinho, além de render merecida homenagem aos seus artistas permanentes. Com eles e com os tantos visitantes que se apresentaram ao longo desse tempo vivenciamos momentos inusitados de poesia, melodia, alegria, conversas e emoções. Momentos de resgate da beleza e qualidade do samba brasileiro e da história do samba carioca que, arrisco dizer, dificilmente encontrarão  exemplos similares na cidade, nos tempos atuais.

Maravilhosa em sua composição geográfica e ocupada por uma população angustiada que fez dela uma “cidade partida”, o Rio de Janeiro ainda conta com a possibilidade de fazer do samba o fio de costura e integração de  uma malha social desigual e cheia de conflitos e contradições. Quem duvidar disso que busque as narrativas das poesias e melodias dos sambistas, esses cronistas inigualáveis do cotidiano. Dificilmente um cientista social  faria melhor e, certamente, nunca  de forma tão bela. Mas, a possibilidade precisa ser transformada em realidade, e um bom caminho seria insistir em experiências como o Samba do Castelinho.

Ficará conosco uma boa lembrança. Artistas que exibiram com maestria as suas sensibilidades e talentos. Nós que apaixonados seguimos com eles, admirados com sua arte e respeitosos por sua capacitação profissional. Todos embalados no feitiço e na magia do samba. A experiência feliz do ambiente amigável e descontraído que marcou todas as reuniões. Um samba em nossa sala, como sempre foi a proposta. Beliscando um tira-gosto e bebericando uma cerveja ou uma cachaça, como fizemos. A sensação boa de identificação com o outro ao cantar em coro um samba conhecido ou entoar juntos um alegre e tradicional “lalaiá-raiá”.

Aos amigos Anderson, Jorge André, Bianca, Marquinho China, Leo, Ana Costa e Paulão, muito obrigado! Naturalmente a lida tão sofrida continuará vindo para as ruas, todos os dias. Mas,  sabemos que uma de nossas armas para enfrentá-la é o samba, porque a existência dele é a garantia de continuidade da nossa alegria. ###






Foto copiada do Facebook do Samba do Castelinho

Nota: 
A primeira audição do Samba do Castelinho ocorreu em 27/11/2017. A saideira está programada para 22/10/2018 - Ver também Samba do Castelinho



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segunda-feira, 15 de outubro de 2018

História para ninar gente grande


Leituras para distrair


Aprendi que com as particularidades da nossa formação ainda não tivemos tempo bastante para formar uma cultura que pudesse se chamar “brasileira”. Esse ser “brasileiro” ao qual geralmente nos referimos é mais um desejo do que uma realidade.


Resultamos de um monte de nações chamadas de indígenas que foram invadidas e desfeitas, quando não foram dizimadas, com a chegada dos portugueses. De africanos de nações e de culturas distintas e milenares que foram degredados e jogados aqui, escravizados, misturados entre si como lixo orgânico. E cerca de trezentos anos se passaram desde Cabral antes que a população dominante e de origem colonizadora pensasse na formação de uma nação. Assim, somos crianças em nossa formação cultural.

Sem dúvidas, temos ingredientes suficientes e de qualidade para uma boa massa cultural, mas ainda não chegamos lá. Não temos liga suficiente, ainda estamos esfarinhados. Olhamos uns para os outros nas ruas, mas ainda não nos reconhecemos. Falta essa coisa mágica, imaterial. Falta aquele algo intangível. Outros povos conseguiram isso. Alguns através da religião, outros por etnia, outros por condições geográficas. Os brasileiros ainda não conseguiram. Teremos tempo para formar essa liga antes que sejamos destruídos ou que nos autodestruamos? Esse é um desafio.

Faço esse comentário estimulado pelo vídeo com o samba da Mangueira para o Carnaval de 2019. O link para ouvi-lo está no final desse texto. Vejam que lindo. Estamos precisando de coisas assim.

A Mangueira parece ser um bom exemplo do que tento dizer. Não estou demonstrando preferências nem exclusões. Apenas exemplificando. Os mangueirenses de formações, valores  ou índoles distintas se vêm na Mangueira. Honrados e inescrupulosos, recatados e libertinos, honestos e vigaristas, canalhas e valorosos. Não são iguais, óbvio. Mas, identificam-se com a nação mangueirense.

Precisamos de uma “Mangueira Brasil” para a consolidação de uma cultura. Algo que nos permita olhar para o outro com alguma identidade apesar das diferenças e, talvez, a partir dessa identidade construir um espaço público. Por algum tempo até pensei que a nossa seleção de futebol fosse um símbolo desse ajuntamento necessário. Já não penso assim. Somos ainda um monte de gente com características e hábitos comuns, mas sem algo que queiramos preservar e construir como projeto.


Clique no link para ouvir o samba da Mangueira 2019



A autoria do samba é de Deivid Domênico, Tomaz Miranda, Mama, Marcio Bola, Ronie Oliveira e Danilo Firmino. A parceria venceu a decisão   em 13/10/2018. O enredo  da escola será “História pra ninar gente grande”.



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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

A única justificativa do voto fascista é a opção pelo fascismo



Opinião


Eu não nego genericamente as análises que tentam mostrar as razões das escolhas pelo candidato Bozo. Tenho discordâncias aqui e acolá, algumas de conteúdo, outras de forma. Algumas de porte e outras nem tanto.  Contudo, nenhuma dessas análises justifica o fato de alguém entregar o voto a uma candidatura de cunho explicitamente fascista.

Se brancos, negros, gays, heterossexuais, mulheres, homens, cisgêneros, transgêneros ou coisa que o valha votaram ou votarão no Bozo, isso não deveria ser um destaque de argumentação. Os votos não poderiam ser gatos, cachorros nem marcianos. Afinal, a sociedade é assim. Múltipla, diversa. Quem acha que não pode ser assim é exatamente o pensamento fascista.

Mas, não estou falando em tese, nem por hipóteses. Estou falando na candidatura fascista que venceu no primeiro turno e está colocada para o segundo turno. Essa candidatura se revela e se expressa através de teses tais como:

“eu defendo a ditadura”, “eu vou fechar o congresso”, “(negros) não servem nem para procriar”, “não te estupro porque você não merece”, “agente vai varrer esses vagabundo daqui”, “o erro foi torturar e não matar”, “viadinho tem que apanhar”.

São desnecessários outros exemplos, mas vale resgatar o brado retumbante do candidato diante de uma plateia de milhões de pessoas

“ pela memória do coronel Carlos Brilhante Ustra!”.

Ustra foi um torturador que levou crianças, filhos e familiares de torturados, para presenciar sessões de torturas ( e não me venham com réplicas dizendo que são factoides ou fake news).

É comum entre os da minha geração termos amigos que foram aprisionados por essa ditadura que o candidato faz apologia. Então, como é possível ir a uma urna e deliberadamente depositar o voto dando representação a um candidato desse naipe?

Amigos, o nome disso é fascismo. E as pessoas que estão entregando o seu voto a candidatura do Bozo, por ignorância ou opção consciente, é porque afirmam ou reafirmam que o fascismo os representa.

Fascismo eu não discuto. Combato!

A minha moral é trotskysta. Acho que só os fins justificam os meios, o que não significa aceitar qualquer meio nem qualquer fim. E não se pode aceitar meios que contrariam os fins desejados.

Assim, não faz sentido justificar a finalidade de uma sociedade melhor, usando como meio a eleição de um  candidato que apregoa sem constrangimentos elogios a torturadores. Um candidato  que diz que a homossexualidade é doença  e falta de porrada, além de outras verborragias de cunho fascista.

O resultado da escolha pelo Bozo  já está acontecendo nas ruas. Já é notícia nos jornais. Não é invenção nem discurso petistas, de comunistas ou coisa que o valha.

Isso me entristece porque quem apoiou com o voto esse tipo de alternativa, se não o fez por engano, é porque também traz o fascismo dentro de si.

Nem considero aqui o que a candidatura do Bozo representa em termos socioeconômicos para a nossa sociedade, particularmente para os trabalhadores brasileiros.

Os interesses das grandes corporações capitalistas não foram alterados. Para eles o importante é imobilizar o país e chupar nossas riquezas. O Bozo é um instrumento. Se funcionar, tudo bem. Se não funcionar, vai para o lixo, como foi o Collor de Mello. Enquanto o Bozo lhes serve, eles  garantem recursos para que realize o seu papel de capataz e as fantasias eróticas dos seus leões de chácaras. A propósito, aqueles meninos saradões que se afirmam dando porrada em mulheres e gays – cá para nós, não precisa ser especialista para ver que ali tem homossexualidade enrustida e castrada.

Rigorosamente não há muito segredo.  Sem opções que atendam com satisfação os nossos projetos precisamos fazer escolhas. Ocorre que uns escolhem uma alternativa mesmo que a considerem frágil e insuficiente. Outros não se constrangem em levar um fascista ao poder. Os primeiros admitem e assumem a sua escolha. Os últimos tentam por todos os meios disfarçar ou descaracterizar a sua, elaborando teses que a justifiquem. Afinal, votar em um fascista não é uma opção política, mas uma declaração de princípios de vida.

Não nos enganemos, a única justificativa para um voto fascista é a opção pelo fascismo. Tomara que essa não tenha sido a sua opção. Se foi, ainda dá tempo. Pule fora dessa!  
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terça-feira, 2 de outubro de 2018

Direita brasileira – uma opção pelo fascismo


Opinião

Tenho participado de conversas sobre o fenômeno eleitoral do capitão candidato. Como ele se justifica, quais aspectos caracterizam o fenômeno, etc. Concluí que essas não são as questões mais importantes para mim, nesse momento.


Com justificativas de anticorrupção, antipetismo, antiestatismo, anti-isso e antiaquilo, vejo que alguns estão fazendo uma enxertia de seus projetos políticos, tipicamente de direita tradicional, usando o capitão candidato como o “porta - enxertos” ou, como se chama em jardinagem, o cavalo. Porém, o ponto relevante é que fazem essa opção sem qualquer constrangimento diante do fato de estarem cultivando uma alternativa que deveria ser intolerável. Endossam explicitamente o preconceito e discriminação dos miseráveis, a misoginia, a homofobia,  o racismo, a tortura, a ditadura de 64, além de outras aberrações escrotas e desprezíveis. Enfim, optam pelo fascismo.

Para mim, essa escolha é  um fato mais importante do que as análises sobre o fenômeno sociológico do capitão candidato porque eu não quero me relacionar com as pessoas  que estão fazendo tal opção.

Caminhando para os 70 anos, acumulei relações queridas com pessoas de pensamentos e crenças diversas, e constato que algumas pessoas dessas relações estão manifestando a intenção do voto fascista. Reflito se, a essa altura da vida, essas  divergências deveriam ter um peso tão alto. Concluo que sim porque são valores que a meu juízo sustentam e justificam a própria existência. Então, não pretendo conviver com pessoas que fizerem a opção pelo voto fascista.

Não renegarei as histórias dessas relações de amizade, familiares, de companheirismo ou coleguismo. Não acho que tenham sido um engano ou decepção. Tampouco farei juízo sobre o caráter de quem fizer essas opções, nem realizarei cerimônias de celebração do fim do pacto. Ao contrário, guardarei a memória de convivências boas e felizes, e vivenciarei os afastamentos que porventura ocorrerem como grandes perdas. Mas, não tenho como ocultar o que sinto. Sinto nojo! Repulsa! Não pretendo discutir nem entender as razões do voto fascista. Foda-se o fenômeno Bolsonaro! Apenas não quero conversa com quem fizer tal opção.
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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Cocô de rato


Leituras para distrair


Cocô de rato é um doce. Não faço a menor ideia da sua composição, mas sempre tinha dele nos saquinhos de doces distribuídos nos dias 27 de setembro, dia de Cosme e Damião.  Sei que em alguns lugares e comercialmente  o nome é disfarçado como “pipocas de arroz”. Mas, nos bairros cariocas e nas cidades adjacentes, São Gonçalo entre elas, o nome sempre foi “cocô de rato”. E dia de Cosme e Damião era dia de ir atrás dos saquinhos de doce. Ali tá dando, cocô de rato vai levando! Assim as crianças brincavam quando eu era uma delas. Eu mesmo, que nunca gostei muito de doces, tive dias felizes participando das correrias e das expectativas de ver o que havia dentro dos saquinhos.

Para mim, as lembranças infantis de Cosme e Damião vão além das correrias atrás dos saquinhos de doces. Isso porque, até os 9 anos, eu morava na casa da minha madrinha que, além de distribuir doces, também promovia uma festa, talvez a mais importante do bairro. A festa atendia a uma promessa da minha madrinha, mas outras pessoas se agregavam contribuindo de formas diversas. O resultado era uma noite com uma rua cheia de gente que ganhava os tradicionais saquinhos, sempre com produtos de alta qualidade, e também outros doces e bolos servidos em pratos decorados, além de refrescos e guloseimas diversas, como se fosse um grande aniversário.

Mas, o ponto alto da festa era um sorteio de brinquedos. Um tio, queridíssimo, e minha tia, não menos querida, contribuíam para a festa com uma doação generosíssima de brinquedos. Não eram brinquedos de 1,99. Eram brinquedos de qualidade e belíssimos. Jogos variados, bolas de futebol, bonecas, um verdadeiro sonho, sem mesquinharias. Além da qualidade, havia quantidade. No mínimo 90 unidades que eram distribuídas entre os presentes felizardos que tivessem recebido cartões numerados. Os brinquedos eram sorteados conforme a saída das pedras contidas em um saco de jogo de víspora.

Para nós, eu, meus irmãos e as primas, filhas dos meus tios, o privilégio era a garantia de um cartão para participar da brincadeira. Mas a regra vigente obrigava-nos a participar das expectativas do sorteio e também das frustrações de não sermos contemplados com os brinquedos desejados. Nunca soubemos de fraude para nos privilegiar nos sorteios, nem seria necessário.

Os brinquedos ficavam guardados em um quarto, e dias antes da festa namorávamos aqueles que gostaríamos de ganhar. Na hora do sorteio eles eram retirados do quarto ao acaso e exibidos para excitar a molecada animando a festa. Uma pedra numerada era retirada do saco e o brinquedo entregue a quem tivesse o cartão correspondente. Uma felicidade total! Acho que viver aqueles momentos era a grande recompensa desejada pelo do meu tio falecido prematuramente.

Aquela festa seria impossível nos dias de hoje. Difícil até de imaginar, mas nunca houve confusão além da normal e decorrente da grande quantidade de pessoas. Na verdade era um tempo de menos miséria nos arredores. Havia a possibilidade de curtir alegria e felicidade entre vizinhos e até entre estranhos, além do restrito grupo familiar.  Foi um tempo bom, sem dúvida.

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terça-feira, 25 de setembro de 2018

Essa alma bissexta, essa cara de cão


Opinião
Antes mesmo dos resultados das urnas, a eleição de 2018 já tem pelo menos um ganhador. Pode ser até que ele não se eleja presidente, mas conseguiu projeção nacional e internacional do seu nome, além de ter contribuído generosamente para fazer aflorar um lado lodoso e podre da nossa sociedade. Uma face obscurantista, preconceituosa e discriminatória que até se tornou uma alternativa para voto. Queiramos, ou não, trata-se de um ganho expressivo.


No rastro das manifestações de 2013, que foram manipuladas eficientemente pelos golpistas de 2016, cresceu uma figura nefasta. Um subproduto daqueles eventos que formaram um ambiente adequado para germinar o sentimento fascista que parte da população brasileira está assumindo. Claro que a semente já existia. Ela existe em qualquer sociedade. É humana. A novidade é o seu florescimento. Cresceu como tiririca, erva daninha que para ser eliminada não basta aparar. É preciso revirar a terra e arrancar as suas raízes. Além disso, conviver com os restos da carpina que deverão ficar expostos, durante algum tempo, no mesmo local onde floresceram, secando e impedindo o surgimento de novos brotos.

Enfim, essa será mais uma missão. Não bastassem as nossas lutas contra as desigualdades socioeconômicas, teremos ainda que combater e promover o esquecimento dessa figurinha escrota, nazistinha de meia tijela, mas que acumulou potencial para levar nosso país a um abismo sociopolítico. É quase inacreditável que, em vésperas da Constituição 88 completar 30 anos, uma passeata de campanha presidencial tenha desfilado na cidade de Recife, no último domingo, 23/09/2018, com o seguinte refrão “... pras feministas ração na tigela, as minas de direita são as top mais belas, enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela. Uma passeata com muitas participantes mulheres. Mais impressionante, ainda, é que a adesão feminina ao candidato tem aumentado ao mesmo tempo em que aumenta a sua rejeição.

Avalio que a sociedade brasileira, apesar de criança em sua formação cultural, já tenha os anticorpos políticos para reagir e dar conta dessa contaminação por valores que se sustentam, antes de tudo, por ignorância. As mobilizações de reação têm sido fortes e numerosas nos ambientes onde os recursos de comunicação são de fácil acesso, tipicamente ambientes de classe média. Mas, parece que tem sido justamente nesses ambientes que a praga se espalha com mais facilidade. De qualquer forma, iremos à luta. Tiririca é assim mesmo, não é fácil extirpar depois que floresce.

[*] Trecho do rock “Pessoa Nefasta” – Gilberto Gil  ( ... Tu, pessoa nefasta/Vê se afasta teu mal/Teu astral que se arrasta tão baixo no chão/Tu, pessoa nefasta/Tens a aura da besta/Essa alma bissexta, essa cara de cão...) 


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