quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Caçando androides

Leituras para distrair

Num futuro imaginário, um cientista concebe e monta uma fábrica de produção de androides tão sofisticados que chegaram à possibilidade de desenvolver emoções. Os androides, chamados de Replicantes, são vistos como uma ameaça para os seres humanos e passam a ser produzidos com uma vida útil limitada a poucos anos, até que a sua produção é totalmente interrompida. Algumas das unidades existentes são enviadas para o espaço em missões sem retorno, e as demais unidades são caçadas e eliminadas por uma força policial especial chamada de Blade Runners.

Um grupo de replicantes daqueles enviados ao espaço se dá conta da sua situação, toma de assalto a nave em que estavam e retornam à Terra em busca do seu criador. Não se conformam com a vida efêmera recebida e exigem do seu “pai” uma solução para o aumento da sua longevidade. Na Terra eles são caçados e desenvolve-se um drama envolvendo um blade runner, uma replicante, o líder dos replicantes amotinados e o criador dos androides. O tema dramático é a “existência”, a “vontade de viver”, e o roteiro sugere interessantes reflexões e motivos para conversas.

O futuro imaginário do filme é o ano 2019 e sugere uma Terra controlada por corporações e habitada por uma sociedade estratificada em uma camada urbana completamente degradada e uma elite que vive, em outra camada, literalmente superior. Um mundo triste de atmosfera social densa e asfixiante, tanto que a versão original foi suavizada para se tornar comercial e levada as telas.  Mas, a versão do diretor - cuja cópia guardo com carinho - divulgada mais tarde se transformou em um clássico e, para tanto, contribuiu excepcionalmente a beleza e a aderência ao tema da trilha sonora do grego Vangelis. O solo de sax do tema de amor do filme Blade Runner é reconhecido logo nas primeiras notas e já teve uma quantidade enorme de distintas interpretações, cada uma mais bonita que a outra. Parece que ficará entre aquelas trilhas sonoras imortais do cinema. E a trilha sonora de apresentação dos títulos finais se transformou em um marco das possibilidades da música eletrônica – difícil alguém da minha geração que não a reconheça, mesmo que não relacione ao filme. Inclui no final desse texto os links para as citadas trilhas sonoras.

Gosto de ver filmes, embora não embora não goste mais de ir ao cinema. Para mim o ritual da espera é um saco, e pipoca com manteiga uma mistura fedorenta. Acho uma merda essa coisa de não poder entrar na sala de projeções a qualquer hora e ter que abandoná-la ao final da exibição. Bom mesmo era passar pelo cinema e, se fosse o caso, entrar e assistir o filme desejado, a qualquer hora, com o direito a esperar a próxima sessão para ver o pedacinho que faltou. Mas, há cinemas e há filmes, e entre os filmes há Blade Runner, essa magnífica ficção científica que me conquistou nos anos 80 e que neste mês, outubro de 2017, retorna com o lançamento no Brasil de “Blade Runner 2049”, versão 3D e outras modernidades. Uma espécie de Blade Runner II que estou tentado a ir ver, caso eu vença a minha indisposição de ir ao cinema. De qualquer modo assistirei, e tomara que seja bom, no mínimo à altura do primeiro, uma beleza que recomendo.

Blade Runner – Tema de amor - <https://www.youtube.com/watch?v=kXB_tzmrNjA> - Acesso em 24/10/2017.


Blade Runner – Creditos finais - <https://www.youtube.com/watch?v=Vs6zXpTz2hk> - Acesso em 24/10/2017.

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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Sobre o que se deve aprender na escola

Opinião

Recentemente tive a oportunidade de trabalhar durante dois anos como estagiário de professor em turmas de ensino médio do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Não tenho estatísticas, mas a maioria dos alunos pareceu ser do sexo feminino, de cor parda ou preta. Senhoras com família para cuidar, empregadas em atividades diversas, algumas com filhos ainda em fase infantil. Quase todos (homens e mulheres) trabalhavam em locais distantes, dependendo de um sistema de transporte precário, e muitos com atividades que afetavam a assiduidade.

A maioria deles nem tinha a visão que este tipo de projeto (EJA) que inclui escola, professores, material didático, alimentação e transporte é um projeto público e que resulta de uma disputa com outros projetos onde ele (aluno) não é o beneficiário. Uma disputa de recursos e de verbas públicas que poderiam ser alocadas em projetos para atender a interesses de outros grupos menores e específicos. Grupos que disputam a apropriação dessas verbas.

Muitos alunos, especialmente os mais jovens, não tinham a mínima noção de civilidade. Um comportamento comum era o entrar e sair de sala sem os usuais cumprimentos de cortesia, arrastar ruidosamente mesas e cadeiras, estabelecer conversas em tons altos e paralelas às aulas e ignorar a presença do professor.

Consultei um pouco sobre projeto EJA, sua história e outros aspectos, e encontrei diversos trabalhos de professores que se dedicam com empenho ao assunto. Também fiz minhas próprias observações e considerações que estão bem longe da qualidade das elaborações que tive a oportunidade ouvir, de ler e de estudar, mas não considero impróprias nem anacrônicas. Aprendi bastante, até porque essa era a finalidade do meu estágio, e aprendi que as tarefas dos professores, de maneira geral, eram e são bem mais complexas do que instruir os alunos sobre os aspectos específicos de suas disciplinas.

Por exemplo, aprendi que, entre outras, há a necessidade de  ensinar e cobrar do aluno, permanentemente, uma postura de civilidade e cortesia entre os seus no ambiente de sala de aula. Ensinar que a expectativa é que eles procedam assim não apenas em sala de aula, mas em todo o ambiente escolar e também nos demais ambientes da sua vida social. Entenda-se por civilidade: a prática de regras, maneiras e comportamentos formais que expressam respeito entre as pessoas.

Porém, aprendi que será um equívoco cobrar as práticas de civilidade como se os alunos estivessem cometendo uma subversão pré-elaborada. É verdade que eles sabem possivelmente a maioria das regras, mas não sabem utilizá-las simplesmente porque não praticam entre si em nenhum lugar nenhum, incluindo os seus lares. Convivem em ambientes onde as regras são outras e determinadas por outros valores, em alguns onde a civilidade , por incrível que possa parecer,  pode ser até uma prática constrangedora e que precisa ser escondida. Os seus comportamentos de “má educação” refletem apenas “falta de um tipo de educação” que é preciso ensiná-los.

Pedir licença ao entrar ou sair da sala de aula, falar com moderação, deslocar uma cadeira sem arrastá-la, tratarem-se respeitosamente e uns poucos outros protocolos devem ser ensinados como elementos fundamentais da disciplina escolar e cobrados pelo professor, inclusive com interrupção da aula para este tipo de orientação. Sempre que for possível, a orientação deve ser generalizada, sem exageros e sem firulas que apenas constrangem o aluno sem seduzi-lo para o uso da prática ensinada.

Os alunos precisam ser ensinados que as práticas disciplinares não são uma demonstração de obediência e reconhecimento de autoridades. São elementos que favorecem e constituem os suportes básicos do mecanismo do ensino-aprendizagem e da afirmação dos mesmos como indivíduos sociais credores e devedores de respeito, uns aos outros. Mas, ressalvo que o professor também precisa acreditar nisso.

Também aprendi que é muito importante insistir com os alunos sobre o papel deles em nosso contexto social. Mostrar que eles estão diante de uma oportunidade de utilização de recursos que são seus e que precisam ser conservados. Recursos que poderiam e que até deveriam ser aumentados, mas que para tal precisam ser valorizados e defendidos tanto com as suas posturas (dos alunos) na participação do projeto, como através dos seus desempenhos nas disciplinas curriculares e também com as suas mobilizações como sujeitos políticos, sob pena desses recursos serem desviados para outros fins que participam da disputa.

Frequentar aulas já é um passo significativo para aqueles alunos. Não fossem as dificuldades concretas que precisam superar, existem ainda aquelas de natureza subjetiva: constrangimentos, baixa-estima, não visão de perspectivas, acomodação com o status quo etc. Para eles, obstáculos que seriam apenas degraus na evolução do aprendizado podem representar paredões, barreiras quase intransponíveis e desestimulantes das suas tentativas de evolução. O passo seguinte neste cenário é a desistência.

E sobre as disciplinas específicas, estou convencido que o professor deve fazer um esforço especial para construir rampas de avanço no aprendizado, mesmo que sejam rampas suaves se consideradas à luz do ensino formal. O professor que insistir em estabelecer um filtro exemplar, uma barreira inflexível de controle da capacitação, um paredão intransponível de conhecimentos conseguirá, no máximo, elaborar um elogiável instrumento de avaliação, mas perderá os alunos por desistência dos mesmos quando um dos principais objetivos no cenário do nosso sistema educacional precisa ser também a atração e retenção dos alunos no sistema escolar.

Com outros professores aprendi - não tive a experiência -  que nas séries do ensino regular, dos níveis básico e médio, onde a presença  preponderante é de pré-adolescentes e de adolescentes os enfrentamentos são bem mais difíceis e complexos se comparados com os da educação de jovens e adultos.

Não são tarefas fáceis, tanto que eu mesmo não me habilito a realizá-las. E com essa visão, discordo completamente dessas mensagens reducionistas que circulam atualmente na web com uma lista fechada sobre o que se deve aprender “na escola” e o que se deve aprender “em casa” – e com adendos de censura ao ensino escolar conclamando para uma luta  “a favor da família e de um mundo melhor”.

Não discordo porque entender que a casa e a escola se confundem, mas porque a rigor essas listas apenas refletem a mediocridade dos seus elaboradores e apoiadores e, no fundo, não passam de um disfarce, um esconderijo de discriminações preconceituosas que estariam melhor acobertadas se fossem enfiadas no olho do cú dos seus autores.

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sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Um plágio assumido

Leituras para distrair

Em 2016 conheci essa história narrada no blog HISTÓRIAS BRASILEIRINHAS  do Luiz Antonio Simas.  Eu adorei e divulguei.
Por razões que não importam, resgatei e resolvi divulgá-la novamente a pretexto de Dia das Crianças – 12 de outubro 2017. Por favor, não interpretem como proselitismo religioso, seria uma redução.
Além de divulgar o link do Simas onde está registrada a história, eu também resolvi publicá-la diretamente aqui. Não tenho e nem mesmo solicitei autorização para fazer isso, mas inferi que não haveria objeção do autor. A intenção é apenas divulgar uma história tão bonita. Para quem já conhecia, desculpem-me pela repetição, mas acho que vale, pelo Simas e pela história.
O link de origem está no final.

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O PRIMEIRO TAMBOR SALVOU O MUNDO

Os antigos habitantes do Congo e de Angola contam que Zambiapungo, o grande deus criador, acordou um dia cansado da solidão do poder e das tarefas da criação. Pensava até mesmo em interromper o curso do mundo. Faltava algo naquela grandeza toda. Zâmbi, é assim que ele é mais conhecido no Brasil, achava que tinha criado todas as coisas necessárias para a vida. Apesar disso, estava triste e recorreu aos inquices; deuses que são seus filhos queridos.
Zâmbi pediu que Zaratempo fizesse algo para despertar seu interesse e o impedir de desistir do mundo. Tempo balançou uma bandeira branca e criou as estações do ano, com todas as suas mudanças. Zâmbi gostou, mas não sorriu.
Zâmbi chamou Katendê e pediu a mesma coisa. Katendê, o senhor das jinsabas [folhas] , falou ao pai sobre o poder mágico das plantas que curam, acalmam e conversam com as pessoas. O deus supremo se interessou um pouco, mas ainda assim não sorriu.
Matamba foi a próxima a tentar. A senhora das ventanias mostrou a força dos furacões e o baile fabuloso dos relâmpagos que clareiam a escuridão. Zâmbi olhou, até bateu palmas, mas continuou triste.
E assim vieram todos os deuses do Congo. Vunji trouxe as crianças mais brincalhonas, que lambuzaram Zâmbi de doces; Angorô inventou o arco-íris; Gongobira deu a Zâmbi um rio de peixinhos coloridos; Dandalunda chamou as luas que mudam marés; Mutalambô fez um banquete com as caças trazidas das florestas; Nkosi forjou ferramentas e adagas no ferro em brasa; Lembá Dilê conduziu um cortejo branco de pombas, cabras e caramujos.
Zâmbi gostou e agradeceu, mas continuou triste.
Até que Zâmbi perguntou se Nzazi, o dono do fogo, sabia de alguma coisa que pudesse afastar aquele banzo, que é como o povo chama a tristeza. Nzazi, que entre os iorubás é conhecido como Xangô, consultou um grande adivinho e fez o que ele mandou. Começou cozinhando e repartindo as carnes de um grande bode branco entre as divindades do Congo.
Em seguida, Nzazi aqueceu a pele do bode na fogueira. Ainda com o fogo, tornou oco o pedaço de um tronco seco da floresta. Sobre uma das extremidades do tronco oco, esticou a pele do animal e assim inventou Ingoma, o primeiro tambor.
Nzazi começou a bater no couro do tambor com toda a força e destreza. Aluvaiá, aquele que os iorubás conheciam como Exu e os fons como Legbá, gingou ao som do tambor. Logo depois, todos os deuses do Congo , ao batuque do Ingoma, dançaram também e fizeram a primeira festa na manhã do mundo.
Zâmbi gostou do fuzuê do tambor de Nzazi e descansou feliz. Era isso que faltava. Ainda deu a Ingoma o poder de acabar com a tristeza das mulheres e dos homens pela festa dos corpos que ele, Ingoma, convida para dançar.
Desde este dia, Ingoma é uma divindade; aquela capaz de transformar e renovar o mundo pela festa. Sem o tambor, nós até poderemos ter tudo aquilo que é materialmente necessário, mas seremos tristes.
Ingoma, o primeiro tambor, um dia se casou com Muzenza, a moça bonita que dança. Eles tiveram uma filha. O nome da menina, a linda filha de Ingoma e Muzenza, é Ngala, a Alegria.
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Esse texto foi copiado – sem autorização – do blog HISTÓRIAS BRASILEIRINHAS – de Luiz Antonio Simas http://hisbrasileirinhas.blogspot.com.br/2016/04/ingoma-salvou-o-mundo.html - acesso em 12/10/2017

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Em nome de quem?

Opinião

Agora, virou moda no zap. O vídeo de um militar qualquer ameaçando a democracia e com legendas da direita coxinha divulgando e repetindo o seu discurso frouxo, vazio e povoado de verborreias. Meninos criados por dindinha Bililica ameaçando: “se não for como eu quero, o meu general vai atirar em vocês!”.

Nos vídeos, já que não podem mostrar os seus coldres e arsenais, os gorilas exibem medalhinhas e broches e, presunçosamente, alegam falar em nome de uma “tropa” que, a rigor, lhes obedece por obrigação funcional. Desconsideram que não são mais do que servidores públicos armados por concessão da sociedade e que, especialmente por isso, deveriam estar com as suas violas enfiadas em sacos. Nenhum deles recebeu ou tem qualquer autoridade de representação pública, nem por um voto sequer. Mesmo o mais adornado com medalhas não tem a representação que possui o menos votado vereador no mais remoto rincão do Brasil. Não têm sequer a autoridade de representação que tem um membro eleito de CIPA na mais modesta fábrica do país.

Ao ameaçar a sociedade revelam-se em seus instintos. Césares de meias-tigelas!  Imaginam as lentes das câmeras de celulares como se fossem os seus rubicões e através delas exibem as suas pantomimas. No fundo não se distinguem de outros que agridem e espancam a população indefesa aproveitando-se da vantagem de um poder armado. Passam a impressão que, se pudessem, estariam aboletados no alto de um prédio e de lá exerceriam a sua força armada disparando contra uma imprestável multidão civil. Felizmente são poucos. 

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