segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Vamu nessa!


Opinião


Os chilenos voltaram às ruas no dia 13 de dezembro, o dia em que foi divulgado o  relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre violência e violações aos direitos humanos por parte da polícia durante as manifestações recente. Emocionante! Vejam o link abaixo.

Aqui, muitos de nós indagamos sobre a tolerância da nossa população e quando daremos um basta, saindo para o enfrentamento contra esse sistema escroto que nos submete.

Porém, tanto essa visão de tolerância como essa dúvida são INCORRETAS. A questão que precisamos tratar é: QUANDO OUTROS DE NÓS ESTAREMOS AO LADO E REFORÇANDO OS QUADROS DAQUELES QUE JÁ ESTÃO REALIZANDO ESSE ENFRENTAMENTO.

A luta já está nas ruas. Ela tem sido o cotidiano de índios, negros, pobres, marginalizados e discriminados sociais de toda ordem, inclusive por opções de atitudes de vida e até por opções religiosas.

Esses grupos já estão enfrentando tentativas de dizimá-los, de abatê-los. Estão sendo assassinados pelos braços armados do estado que antes eram tipicamente institucionais e agora reforçados por mercenários. Milicianos nos centros urbanos, jagunços nas regiões rurais.

A luta já está nas ruas. O que precisamos é aderir.

Evento Praça da Dignidade - Chile - em 13/12/2019 - Acesso em 16/12/2019 




domingo, 1 de dezembro de 2019

Tá com medo tabaréu?

Leituras para distrair


Talvez por conta da idade, as memórias recentes  perdem prioridade, como se não encontrassem um alojamento. As vagas estão tomadas por outras de tempos distantes. Indício de Alzheimer? Não importa, esquecerei também! O fato é que as lembranças mais antigas povoam o meu cérebro de uma forma até implicante.

Vi um menino empinando uma pipa na praia. O moleque corria pra lá e pra cá num movimento repetido por milhões de crianças em todo o mundo. Lembrei que, a rigor, nunca “empinei pipa”. Tive familiares que moravam em subúrbio da cidade do Rio de Janeiro e que empinavam pipas. Mas, lá em São Gonçalo, outro lado da poça, a molecada  “soltava cafifa”.

Empinar pipa e soltar cafifa eram exatamente a mesma brincadeira, mas as designações e  tipos de cafifas ou de pipas eram distintos. Cafifa e pipa eram designações genéricas, em São Gonçalo e no Rio. Porém, cafifas não usavam as “rabiolas” um complemento fundamental nas pipas cariocas. Arraias, piões, morcegos e marias-largas eram tipos específicos de cafifas.  Distinguiam-se pelos formatos das armações de bambu. Nenhuma delas com rabiolas. Entre as pipas cariocas havia os morceguinhos, piões e outros tipos que eu nunca soube, não era minha praia. Invariavelmente, todas com rabiolas enormes.

As cafifas e as pipas que falo nada tinham a ver com as peças que hoje frequentam os campeonatos de pipas. Por mais lindas que sejam, e apesar de carregarem consigo a experiência e a prática popular, não eram essas pipas de campeonato que povoavam os céus em nossa infância. Sem desfazer da qualidade técnica de suas construções , nem da beleza e encantamento que lhes são peculiares, as atuais pipas de campeonato não representam a memória das nossas brincadeiras infantis, aqui, no estado do Rio de Janeiro. As atuais pipas de campeonato parecem representar uma história recente de cópia e assimilação de práticas estrangeiras.  

No alto, as cafifas eram presas e controladas por linhas de algodão esticadas e embebidas em uma mistura de cola de madeira e vidro moído que chamávamos de “cerol”. Com as pipas também era assim,  mas a mesma mistura era chamada de “cortante”. Através de manobras que faziam as linhas deslizarem uma sobre a outra, era possível cortar uma delas conforme a eficiência do cerol ou cortante. Entre as cafifas essa disputa era chamada de “torar”. Entre as pipas o termo mais comum era “cruzar”.

Interessante é que, em linha reta,  as populações de moleques não se distanciavam mais que 50 quilômetros. Porém, os vocabulários eram distintos, embora atualmente se confundam. Eles identificavam territórios, as nossas origens. Possivelmente alguém nessa web que é a enciclopédia do mundo terá registrado as correspondências. Eu só guardei algumas.

Quando uma linha esticada no alto precisava ser alcançada, amarrávamos duas pedras em cada ponta de um pedaço de outra linha, imitando uma boleadeira gaúcha, e jogávamos para fazer a linha esticada descer. A nossa boleadeira tinha o nome de “landrola” e a mesma peça era chamada pelos moleques cariocas de “marimba”.

Após passar o cerol (essa expressão hoje tem um significado macabro) na linha esticada, para tirar os excessos acumulados tensionávamos a linha brevemente, como se faz ao tocar uma corda de violão. Essa ação era chamada de “estancar”. A linha esticada se prendia à cafifa através de um pedaço também de linha chamado “cabresto”, e quando numa tora entre duas cafifas o corte se dava bem longe do cabresto causando a perda de uma grande quantidade linha, que ia junto a cafifa torada, a garotada dizia que a cafifa foi torada “na mão”.

Sem rabiolas era muito difícil capturar uma cafifa torada ainda solta no ar. Mas, havia os virtuoses que conseguiam realizar essa façanha que se chamava “aparar”. Cortei e aparei! Gabava-se o triunfante do embate.

Esse tal alemão que apavora as velhices poderá até me deixar bastante confuso, mas não vai me tirar essas lembranças, jamais. Fecho os olhos e “dou linha” no carretel do tempo.
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sábado, 23 de novembro de 2019

Consciências aprisionadas


Opinião

Na quarta-feira última, 20 de novembro, o clube Renascença tinha bastante gente, mas estava vazio. Entrada franca. Teve banda do Corpo de Bombeiros, feijoada, apresentações de conjunto de choro, grupo de jongo, casais em dança de gafieira, roda de samba e artistas diversos. Barraquinhas de artesanatos e diversos produtores oferecendo degustação de cachaças da melhor qualidade. Ainda assim, vazio. Sabemos bem o que é um dia de casa cheia no clube para fazer essa afirmação.  

Ao mesmo tempo, as imagens de celular mostravam uma multidão de torcedores acompanhando o ônibus que levava o time de futebol do Flamengo até o aeroporto do Galeão. Uma multidão que tomava totalmente o caminho e não distinguia obstáculos, chegando a pisotear veículos que estavam parados atravancando o seu caminho, que derrubou grades, provocou feridos  e reação violenta da polícia.

A data em pauta foi instituída por lei como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Aqui, no Rio de Janeiro, é um feriado estadual e celebrada com manifestações em diversos locais, entre eles o clube Renascença cuja origem e história transformaram o “Rena” em um símbolo de enfrentamento dos negros contra a discriminação racial. Nesse ano, 2019, na mesma data, a equipe do Flamengo embarcou para a cidade de Lima, no Peru, onde disputará, hoje, 23 de novembro, daqui a pouco, com o time argentino River Plate,  a taça Libertadores da America.

Foram duas manifestações populares. Seria um equívoco desvalorizar qualquer uma delas em prol da outra. Dois públicos felizes, isso é o que importa. Afinal esse é o objetivo final das lutas sociais. Contudo, também não há como ignorar as possíveis motivações que determinaram a opção pela participação em um ou outro evento. Um deles celebrou a consciência. Outro foi uma manifestação explícita de alienação. Não se comparam.

O resultado da partida de hoje, sábado,  qualquer que seja, provocará outro impacto na vida da cidade e das pessoas. Alegrias e tristezas consoantes com as emoções que determinam a relação dos cariocas e dos brasileiros em geral com o futebol.

Eu prefiro ver as pessoas felizes. Então, preciso supor que essa alegria alienada deve ser tão grande que supera a infelicidade de um cenário sem aposentadoria, sem proteção de leis trabalhistas, de desmonte do sistema educacional, de extinção da saúde pública através da sua privatização, de entrega das riquezas nacionais, de subordinação ao capital privado, de desemprego, de preconceito e discriminação social, além da criminalização da pobreza e da miséria. Não fosse assim eu teria que classificar essas pessoas apenas como idiotas, mamulengos de uma ordem política fascista. Não tenho essa presunção nem acho que as decepções esportivas farão aumentar as fileiras dos participantes ativos na vida política do país. Escolhi apostar que o engajamento e consciência virão de outras disputas.

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terça-feira, 5 de novembro de 2019

Cuida de mim!

Leituras para distrair
Enfermeirinha linda! Minha princesa!  Cuida de mim! As moças fingiam ignorar e algumas desconsideravam. Outras respondiam com xingamentos, mas a maioria recebia as exclamações como galanteio. Sorriam, cochichavam entre si e o clima incentivava a repetição do assedio na semana seguinte quando o caminhão de fubá passaria outra vez por ali, na rota Porto Velho.

Porto Velho é um bairro de São Gonçalo que, curiosamente, tem vários bairros identificados como “porto”. Porto Velho, Porto Novo, Porto da Pedra, Porto da Madama, Porto do Rosa, são denominações de um tempo em que a baia de Guanabara era meio principal para o transporte de mercadorias. As embarcações utilizavam os referidos portos que eram integrados ao transporte ferroviário. Essa dinâmica e infraestrutura se perderam e o Estado do Rio paga um preço alto por isso.

No Porto Velho havia uma importante indústria de sardinhas em lata, a Coqueiro, cujas instalações iam desde uma rua de trânsito principal até os limites com a baía de Guanabara. A Coqueiro era uma referência geográfica, tanto pelo seu porte como pelo fato de exalar por suas chaminés uma catinga de peixe que impregnava as redondezas. Tudo ficava perto, antes ou depois da “fábrica” de sardinhas. Seus trabalhadores, talvez a maioria, eram mulheres que usavam uniformes brancos e um avental claro, além de toucas similares às toucas hospitalares utilizadas tradicionalmente pelas enfermeiras. Só para lembrar, na época ainda não se dispunha da variedade de materiais e produtos que constituem os atuais equipamentos de proteção, segurança e higiene. Com suas touquinhas e roupas brancas, no descanso após o almoço, as trabalhadoras ocupavam a frente da fábrica onde havia alguns bancos e árvores, além da rua por onde passava o caminhão de entregas de fubá. Formava-se uma multidão de trabalhadoras e no horário do almoço parecia uma festa.

Com os seus macacões empoeirados após uma manhã de entregas, mas também porque eles eram utilizados ao longo da semana, passar em frente à Coqueiro era um colírio para os olhos dos carregadores. Do caminhão com a velocidade reduzida, encarapitados nos sacos de farinha e fubá, eles mandavam para as trabalhadoras os galanteios que conseguiam elaborar. Não tinham noção que praticavam uma discriminação da qual eles também eram vítimas, e que reforçavam preconceitos e discriminações usuais e decorrentes da divisão social do trabalho em nosso sistema de produção. Para eles e elas, o trabalho de enfermagem era mais importante que o de enlatar sardinhas, então, chamar operárias de enfermeiras era um elogio. Certamente essa paquera das “enfermeiras” da sardinha é intolerável quando vista sob a óptica de quem busca despertar nos trabalhadores uma consciência de classe, mas ali essa regra não valia. Se, por acaso, fosse mal recebida a brincadeira era vista apenas como uma sacanagem, uma ironia sem agressão.

Certa vez chegou ao escritório onde trabalhávamos a reclamação de alguém que se identificou como representante da fábrica. O gerente considerou, mas logo se descobriu que era um namorado, marido ou coisa que valha de uma das “enfermeiras”. Ocorreu também que um dos carregadores passou a ter um relacionamento amoroso sério com uma das meninas. Um fato ou outro, eu não saberia explicar, fez desaparecer a paquera às moças da fábrica de sardinhas. Ainda hoje circulam trabalhadoras uniformizadas na região. Não consigo evitar pensar que de algum caminhão de entregas alguém gritará: Enfermeira linda, cuida de mim!

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terça-feira, 29 de outubro de 2019

O pequeno Zé


Leituras para distrair

O Zé era quase uma aberração, uma excentricidade. Não sei classificar. Ele devia resultar de uma adaptação darwiniana que preservara os processos cerebrais instintivos de sobrevivência e músculos. Porém, nada indicava que fosse dotado de uma característica humana básica: pensar o momento seguinte, de ter um propósito ou finalidade. Era uma “coisa” que vivia o momento presente e pronto. Sobrevivia por acaso e circunstâncias. Alguém sempre tomou conta dele, e entre os demais ajudantes de caminhão empregados no depósito de fubá o Zé era uma espécie de mascote. Pequenino, mas um dos mais fortes. Salvo as funções cerebrais, seu único indício de fragilidade de saúde era a falta da dentição frontal superior. Empregado antigo, os gerentes do depósito onde trabalhávamos sempre o protegeram. Enquanto trabalhamos juntos ele morava nas cabines dos caminhões de entregas que ficavam estacionados em um posto de gasolina durante as noites e os fins de semana. O gerente do depósito cuidava do seu salário e contingenciava uma parte para que ele tivesse o que comer. Uma marmita para o almoço e outra para o jantar. Semanalmente ele recebia vales para ter uns trocados. Seu mundo se limitava às andanças pelo bairro num raio de alguns quilômetros onde bebia suas cachaças. Era um sujeito  amigável, até porque era impossível esticar qualquer conversa com ele, logo não havia discordância.

Num dia de entrega no centro de Niterói, o Zé estava impaciente. Na Rua da Praia  nunca era possível cumprir os horários permitidos para entregas que precisavam ser feitas com caminhão em movimento, quase parando. As calçadas eram entupidas de gente, e para abrir caminho os carregadores batiam com as mãos nos sacos e pacotes de fubá e farinha provocando uma nuvem que afastava as pessoas.

Zé entrou no mercado cujo gerente era conhecido de todos por sua grosseria. Carregando 60 quilos de pacotinhos de farinha ou fubá na cabeça, Zé perguntou ao gerente onde deveria depositar a mercadoria. O sujeito cagou para ele que repetiu a pergunta. A moçada que presenciou disse que foram várias vezes até que o sujeito, sem mesmo olhar para o Zé, respondeu algo do tipo: joga aí, em qualquer lugar!  Zé não titubeou. Arremessou os pacotes no chão e a mercadoria explodiu espalhada por todos os cantos onde farinha ou fubá em pó conseguem atingir quando derrubados. Clientes, prateleiras, corredor tudo envolvido em pó e fumaça de fubá. Uma confusão dos diabos!

Interessante é que os detalhes dessas ocorrências só chegavam ao depósito na semana seguinte, através do vendedor que, puto da vida, reclamava com o gerente exigindo providências em nome dos seus clientes, punições etc.

Zé foi retirado daquela rota por uns tempos, o bastante para o assunto esfriar. A galera o sacaneava, chamando-o pelo apelido (Barrasco) e diziam: “Barrasco ... os homens querem pegar você!”. Referiam-se implicitamente a uma história que rolava, segundo a qual, antes de vir para São Gonçalo, o Zé teria acertado a foice em um capataz que implicou com ele quando ainda era cortador de cana no norte do Estado. Ele não esticava muito essa conversa. Respondia sempre, referindo-e ao tal capataz,  que “aquele” não perturbaria mais ninguém, e que ele (Zé) estava tranquilo porque os homens sabiam onde procurá-lo se quisessem pegá-lo. 

Não sei que fim levou o Zé. Sempre tive curiosidade. Certamente seguiu por aí, vendendo sua força de trabalho que alguém terá comprado e se apropriado do mais valor que produziu. Tomara que tenha encontrado outros protetores em seus caminhos.



terça-feira, 22 de outubro de 2019

Ninguém socorreu a vítima


Leituras para distrair
Eram duas senhoras e uma delas estava muito agitada. Parecia estar chorando, mas também brigando. Reclamava descontrolada com palavras incompreensíveis que pareciam um dialeto. A cena foi na entrada do depósito de fubá, onde trabalhávamos. Na rua algumas pessoas já se agrupavam curiosas. Eram empregados e comerciantes das lojas laterais ao depósito. Por ali o ambiente nunca estava vazio, sempre havia alguém jogando conversa fora ou usando o telefone do depósito que era um recurso raríssimo, às vezes também algum freguês que comprava direto no balcão. Formou-se um barraco! A senhora agitada gesticulava referindo-se a um pacote que ela carregava. Era um embrulho em jornal com alguns destroços. Finalmente conseguimos entender: o caminhão de fubá tinha atropelado o seu liquidificador!

O embrulho continha os restos de um liquidificador que nem era tão novo, mas que estava destroçado, vítima do atropelamento. Esclarecida a reclamação, a risada da galera foi quase uníssona, sem ninguém mostrar qualquer empatia com a situação da senhora. Gozação geral. O único que se controlou, certamente por obrigação funcional, foi o gerente que queria saber detalhes do ocorrido. Nervosa, a reclamante explicou que estava em seu bairro conversando com uma vizinha no caminho de ida ou volta de um técnico de reparos de eletrodomésticos. Para não ficar cansada enquanto trocava palavras com a vizinha, apoiou o embrulho no chão. Ocorre que a região não tinha infraestrutura de ruas pavimentadas, calçadas ou coisa que o valha. Nem mesmo acostamento para pedestres. Os limites das ruas eram as valas a céu aberto que drenavam o esgoto das residências. Entretida com a conversa ela se afastou do embrulho e o caminhão de entregas do fubá passou em “alta velocidade” desconsiderando o fato e esmagando o liquidificador.

Não era necessário especular para perceber o significado da perda do eletrodoméstico para aquela senhora humilde . Também não era preciso muita investigação para comprovar que tinha sido o caminhão de entregas. O atropelamento foi no bairro Galo Branco, em São Gonçalo. Os caminhões tinham pinturas inconfundíveis com o nome da marca pintado em letras garrafais nas laterais da carroceria. Mesmo sem os recursos atuais de comunicação, pelos horários sabíamos com precisão em quais endereços da rota o caminhão deveria estar. Tudo dava credito à história que a senhora contou. Sem querer confusão o gerente se comprometeu a tratar o assunto logo que o caminhão chegasse da entrega do dia.

A moçada vizinha adorou a história e todos esperaram a chegada do caminhão. Foi o acontecimento do dia – sempre havia algum. Quando o caminhão chegou o motorista não fazia a menor ideia do atropelamento. Algum dos carregadores chegou a lembrar de umas senhoras acenando em alguma parte da rota, mas ninguém sabia exatamente o que ocorreu.

O motorista foi repreendido por dirigir em alta velocidade. A reclamação de alta velocidade não era inusitada, era recorrente. Houve caso anterior em que um supervisor da matriz foi até um local de reclamação e consultou testemunhas. Sobre a velocidade alguém comentou que quando o caminhão passava, olhando-se as laterais, só dava para ler o “Fu”. Bastou para convencê-lo. Em nosso caso o gerente negociou e pagou um liquidificador para a reclamante. A história ficou no anedotário da calçada.

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terça-feira, 15 de outubro de 2019

Seu Nelso


Leituras para distrair

Era uma distância de cerca de 400 metros desde a porta do depósito de fubá e farinha onde trabalhávamos, em São Gonçalo, até um dos extremos da rua onde havia uma curva. Era de lá que “seu Nelso” apontava, de bicicleta, vindo de casa para o trabalho. O expediente começava às sete horas da manhã e invariavelmente outros empregados, também ajudantes de caminhão, já haviam chegado e assistiam seu Nelso apontar distante. O foco das atenções era verificar se ele vinha pedalando ou caminhando ao lado da bike. Chegar pedalando indicava um começo de dia normal, sem novidades. Caminhando ao lado da bicicleta sem montá-la era indício que o desjejum não se limitara ao café e tinha sido complementado com algumas doses de bebida mais forte, bem cedinho, cujo efeito já se fazia sentir.

Seu Nelso chegava calado, como se estivesse aporrinhado com a vida, sem dar muita conversa aos demais. Ele era um dos mais velhos do grupo onde todos fingiam não perceber o que estava acontecendo. Um falso respeito porque, sem constrangimentos, trocavam piadas sacanas sobre o estado etílico do companheiro  enquanto ele cumpria o ritual de vestir o macacão de trabalho. Havia um protocolo não explícito, mas aceito por todos, inclusive pelo gerente que tinha pleno conhecimento da situação: naqueles dias seu Nelso ocupava a posição de “batedor” no caminhão.

O batedor é o trabalhador com a função de colocar a mercadoria na cabeça dos carregadores de linha que a transportam. No caso, desde o depósito até o  caminhão durante a carga, e desde o caminhão até os locais indicados pelos clientes durante a entrega.

O batedor do depósito tinha função permanente porque era o responsável pela arrumação, organização das pilhas, costura das sacas, limpeza etc. Nos caminhões os batedores trabalhavam em rodízio por acordo entre os próprios carregadores. A tarefa exigia um esforço maior que os demais: coletar a mercadoria da cabeça dos carregadores e arrumar o carregamento do caminhão no início do dia, e realizar a operação inversa durante as entregas. Não era fácil! Afinal, cada caminhão saía diariamente com cerca de 8 a 10 toneladas de sacos e pacotes de farinha, fubá milho e derivados. Assim, nos dias que chegava meio chamuscado, seu Nelso fazia evaporar o álcool assumindo por sua conta a função de batedor. Eventualmente, ao longo do dia de trabalho, ele fazia as reposições necessárias para garantir o equilíbrio do seu metabolismo.

Apesar de maior esforço, a função dava certo poder a quem era especialmente forte, caso do seu Nelso. Um saco ou pilha  de 60 quilos de pacotes de farinha ou fubá depositados com força ou de forma maliciosamente desajeitada na cabeça do carregador poderia provocar o seu desequilíbrio derrubando a carga que estourava no chão na rua, no depósito ou nas dependências do cliente. Um transtorno cuja responsabilidade era sempre atribuída ao carregador que não tinha qualquer chance de apontar outro culpado. Tinha que se manter calado ouvindo as gozações dos demais que não faziam por menos. Bom cabrito não berra! Era a regra. Seu Nelso sabia disso, assim como todos, e as atividades transcorriam em clima quase cordial e sem incidentes maiores. Realizava sua tarefa e nunca vi nem soube que tivesse deixado algum furo.

Ao fim do dia seu Nelso voltava para casa, às vezes pedalando e outras vezes ao lado da bike. O amanhã seria outro dia. Boas lembranças.  ######


Nota: os fatos dessa crônica são reais, mas os nomes dos personagens foram adaptados, são fictícios.






sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Primeiras doses e parabéns pra você!


Leituras para distrair
Na cozinha, embaixo da pia. A cachaça tinha um lugar certo em minha casa. Lá, ficava a reserva do meu pai, que nunca foi muita. Um ou dois litros, eventualmente um garrafão de três ou cinco litros. Geralmente pingas fabricadas nos municípios de Itaboraí e Rio Bonito. Lembro-me de alguns rótulos: Cabeça Encarnada, Herondina, N. Rodrigues. Os garrafões, sem rótulos, vinham de alguns sítios da mesma região.

A minha mãe era quem limitava o excesso de consumo. A regra básica era o meu pai beber em casa. Algumas vezes o velho chegava meio “chamuscado” do trabalho – uma pinga com os amigos, mas era raro e, até onde percebi, provocava mais brincadeiras e piadas do que conflitos. Fazia parte de um anedotário familiar ao qual mesmo nós, crianças, tínhamos acesso.

Não lembro, mas terá ocorrido nessa época da infância o primeiro gole. Meu pai e um tio querido eram amicíssimos e curtiam fins de semana realizando trabalhos caseiros tipo pinturas, reformas e reparos. Ouviam futebol, molhando as conversas com umas cervejas e pingas. Bem menino, eu ficava próximo e eles toleravam, fingindo contar com a minha ajuda. Eventualmente eu era premiado com uma bicada na cerveja. Um privilégio. Prática incorreta e inadmissível hoje, mas que me deixava vaidoso.

Adolescente, vieram as experiências etílicas, como as de muitos meninos: Cuba Libre, Samba em Berlim, Gim Tônica, Caju Amigo, Fogo Paulista com Fernet, além da cerveja. Era o que rolava no meu mundo gonçalense. Com uma vaidade típica de moleque querendo aparecer, aventurava-me numa pinga pura, uma aventura que outros não ousavam e que abria espaço para a minha exibição.

Amigos levados em casa conheceram meu pai sempre cordial e camarada. Brindava-nos com umas doses do seu acervo, e para alguns era a primeira oportunidade de beber uma cachaça. Já adulto e com filhos foram muitas as oportunidades e felicidade de lamber umas pingas em companhia do meu pai. Aliás, sem pieguices, bebi umas doses em nossa última conversa. Ele não podia devido às suas condições de saúde, no máximo um copinho de cerveja.  A vida me presenteou com essa experiência e lembranças boas. Ô sorte!

Sempre gostei de beber uma cachaça. O tempo, a maturidade, as experiências e também a possibilidade econômica permitiram que o gosto fosse aprimorando, reforçando a preferência e provocando a curiosidade sobre o produto. Assim, descobri outros aspectos que relacionam a cachaça com a história econômica, cultural e política do Brasil. Juntou a sede com a vontade de beber. Adoro bebericar uma pinga, jogar conversa fora ou conversar sobre ela e suas características. Sempre fiz isso com amigos antigos e, mais recentemente, com outros mais novos e participantes da Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro e do Clube Carioca da Cachaça.

A propósito, essas lembranças vieram por conta de estar lambendo uma em homenagem e celebração do sexagésimo quinto aniversário do meu querido irmão que é mais novo e, no momento, mora em local distante. Naturalmente ele teve experiências distintas, porém, compartilhamos a preferência prazerosa e desfrutamos juntos esse prazer sempre que possível – beber uma cachaça. Tomara que as oportunidades ainda sejam muitas. Por ora, parabéns para ele.
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terça-feira, 24 de setembro de 2019

Bozo e, após, Trump! Quem terá coragem de usar esse banheiro?


 Opinião

Naturalmente o pronunciamento do Bozo na ONU, hoje, 24/09/2019, foi uma merda. Mas, não foi uma surpresa. A verbalização dos seus pensamentos - propositalmente evito o termo “ideias” - foi como o despejar de uma cloaca. Não faria sentido esperar algo diferente.

Algumas de suas afirmações tiveram dados distorcidos e outras falsas. Mas, valorizo o fato de terem sido uma explicitação do que ele representa e da natureza do seu mandato. Uma representação política de ultradireita conservadora. Um governante servil e submisso ao capital internacional e suas representações políticas. Um mandato sem qualquer projeto de desenvolvimento e autodeterminação para o país. No mais, foram manifestações semi-veladas de sectarismo religioso e outras explícitas de antagonismo às históricas opções de preservação dos ecossistemas que constituem o Brasil e dos seus ocupantes originais identificados como indígenas.

O discurso está ai, para quem quiser ler. Algum eleitor Bozo poderia replicar arriscando outra interpretação. Trump elogiou - “ótimo discurso!” - teria comentado. Porém, os acontecimentos cotidianos seriam tréplicas mais do que as necessárias porque eles confirmam e reafirmam a prática vergonhosa desse ex-capitão de inhaca miliciana. Desmonte e entrega das empresas nacionais; desmonte do sistema educacional e da infraestrutura legal de proteção trabalhista; a destruição do sistema de seguridade social; o incentivo às ações de extermínio da população carente; o preconceito social e religioso, além de medidas que, agora, avançam para a censura às artes e aos costumes. Práticas fascistas para nenhum dos seus eleitores botar defeitos.

Bate um sentimento forte de nojo e embrulho de estômago, mas isso a gente até controla. Hora dessas viraremos esse jogo e expurgaremos essa sensação, entre festejos e abraços, unidos no mutirão de reconstrução do país para melhor. O Bozo e sua gente irão para a “lata de lixo da história” onde outros de sua laia já estão. Ruim mesmo é o sentimento de perda daqueles, alguns próximos, outros nem tanto, que não só apostaram, mas que mantêm o apoio a esse projeto putrefato e corrompido. Revelam assim seus princípios, valores e caráter, mesmo com esse chorume político que representa o voto no Bozo vazando todos os dias, sobre nós. A quadrilha já não consegue se esconder nem disfarçar. Mas, ainda tem adeptos, infelizmente. Não tem jeito, serão todos despejados. Haja desinfetante!


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quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Quadrilhas e esquadrilhas


Opinião

Têm sido replicadas com justificado interesse as notícias sobre a apresentação, no último dia 10/09/2019, do primeiro F-39 Gripen brasileiro, jato de caça militar resultante de um convênio da FAB com uma empresa sueca. Sem dúvida um fato importante, mas as notícias em geral valorizam as possibilidades acrobáticas e bélicas das aeronaves sem alguns complementos importantes relativos ao assunto.

A decisão do contrato com a empresa sueca para a aquisição desses caças e a participação da engenharia nacional no desenvolvimento dos projetos foi uma batida de martelo assumida pelo governo Dilma Rousseff sob fortíssimos protestos de muitos da quadrilha que planejou e executou a sua deposição e que fazem parte do governo atual.

O ex-presidente Lula e um dos seus filhos foram acusados de terem levado grana por influenciarem nessa transação. A acusação – outra sem indício ou prova – parece ser uma das tantas dentro do esquema de tirar Lula do cenário político. A acusação permanece, mas ficou sem sustentação após a defesa de Lula conseguir levar aos tribunais, na própria Suécia, o premiê daquele país para depor sobre o assunto.

A Embraer e o Depto, de Ciência e Tecnologia Aeroespacial da Aeronáutica além de outras empresas são beneficiarias do programa de transferência de tecnologia associado ao contrato. Contudo, o principal pressuposto suporte para esse projeto era uma Embraer nacional que deixou de existir. O governo atual permitiu a sua venda para a Boeing e construiu-se um espantalho chamado “Embraer Defesa e Segurança”, como se os esforços integrados de desenvolvimento de alta tecnologia na aviação (ou qualquer outra área) pudessem ser divididos em  “civil” e “militar” , tal e qual cenouras e batatas.

Vendo os jatos em suas acrobacias e possibilidades e confrontando com o cenário de impossibilidades decorrentes das ações levadas a cabo pela quadrilha Bozo, a moçada da FAB deve estar se sentindo como o menino da anedota. Segurando um punhado de bosta e boquiaberta perguntando sobre o que foi feito do seu cavalo.    


Assista ao vídeo: Caça brasileiro com tecnologia de ponta. Observações  do jornalista Roberto Godoy.

Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=py-RR3ysVss> Acessado em 11/09/2019

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terça-feira, 27 de agosto de 2019

Liberdade – cabe no dicionário?


Leituras para distrair 


... Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
(Thiago de Mello – Estatutos do Homem – Poeta amazonense)

Recebi esse vídeo (abaixo) de um querido companheiro dos tempos de Embratel. Lindo vídeo. Eu já tinha assistido, ainda assim fiquei emocionado. Nem falo dos arrepios que tomam conta da pele – mesmo dos comunistas avermelhados pela ideologia do folclore -  quando estamos por lá, na Amazônia. Ele é simbólico para muitos de nós. Refiro-me à minha “geração” de trabalho na Embratel, naturalmente. Outros vídeos que fossem elaborados, em outras áreas e temáticas, provavelmente teriam efeito similar [1].

Individualmente tivemos a oportunidade de vivenciar nossas carreiras profissionais em um local e período importantes. Um período de construção, do fazer o que nunca foi feito e de poder ver o feito. Temos a consciência de que fizemos o nosso melhor, e que esse melhor foi dado em troca de algo bom e para ser compartilhado por muitos. Nesse mesmo tempo, crescemos e aprendemos. Sentimos orgulho e autoestima. De formas variadas deixamos nossas marcas. Somos felizardos. Não são todas as pessoas que têm essa oportunidade. Algumas chegam a ter, mas por razões diversas não conseguem aproveitá-las, não conseguem usufruir delas. Isso valoriza o nosso sentimento.

Em grupo a oportunidade foi quase única. Empregamos nosso trabalho em uma empreitada para construir um país melhor. Em uma empresa que representava a sociedade e que trabalhava para ela. Sabíamos disso. Sempre sentimos orgulho em nos apresentar como trabalhadores daquela que era um querido símbolo nacional. A simples menção do seu nome, onde estivéssemos, era bastante para sermos distinguidos com respeito e cortesia.

Naturalmente esse processo ocorreu com distorções e equívocos, além de conflitos (muitos) entre empregados e as direções da empresa. Mas, nunca fomos alienados em relação a esses aspectos e situações. Éramos trabalhadores empregados de uma empresa pública, sob a égide de relações de trabalho capitalistas, e enfrentamos essas contradições. Ao final, foram mais lições que aprendemos.

O corporativismo entre os trabalhadores da nossa empresa sempre foi uma marca forte. Chegou a ser uma dificuldade na integração com outros trabalhadores da área de telecomunicações. Mas, felizmente, superamos e, primeiro, veio a compreensão de fazermos parte de uma categoria e, depois, uma consciência classista. Éramos, genericamente, trabalhadores. Um grande avanço. Fomos exemplos e fizemos história. Mas, no aspecto profissional praticamos um corporativismo sadio que nos fazia cobrar, uns dos outros, o melhor que se pudesse dar. O produto do nosso trabalho não podia deixar a desejar. Trabalhador cagão não se criava nas equipes!

A fibra óptica atravessando parte da Amazônia foi certamente o último projeto oriundo desse espírito de brasilidade. Uma marca que impregnou a empresa tão intensamente, a ponto de viabilizar o projeto, mesmo num período onde a ela já era de propriedade privada, e seus caminhos ditados pelos interesses particulares de acionistas proprietários.

Esse é o sentimento que muitos de nós ainda trazem consigo. Uma sensação de bem-estar. Um orgulho e vaidade despretensiosos, sem soberba nem presunção. Uma sensação boa de poder ter sido um bom profissional e cidadão.

Hoje vivemos, infelizmente, outros tempos. No caso da Amazônia, outros interesses e outros sujeitos buscam destruir ou se apropriar do que foi realizado com esforço e sacrifício de tantos, de muitos além de nós. Desde as gigantescas antenas “billboards” da tropodifusão, até o ousado e moderno “cabinho” de fibras” que, parecendo um cipó que busca o seu caminho natural, em vários trechos caminha em zigue-zag, num truque para mitigar a agressão à floresta.

Circunstancialmente, essa mesma Amazônia, cujos projetos elaborados por servidores públicos de telecomunicações trataram com tanto respeito e dedicação para integrá-la, está sendo objeto de interesses privados e literalmente queimada e destruída por esses interesses.

Não tem jeito. A alternativa é enfrentar. Se alguma transformação positiva tiver que ocorrer, não tenhamos dúvidas, surgirá na nossa capacidade e decisão de lutar.

[1]
Vídeo sobre a implantação do cabo óptico na rota Porto Velho – Manaus. Uma obra da Embratel. Modernização das telecomunicações na Amazonia. Produzido por empregados da Embratel. Disponível em <https://www.facebook.com/100007691825558/posts/3139925442692056/?substory_index=5&sfnsn=mo&s=100000682924569&vh=i> - Acesso em 27/08/2019

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terça-feira, 20 de agosto de 2019

Sem rezas e com pragas de muitos


Leituras para distrair

História triste do sequestrador da Ponte Rio - Niterói. Talvez venhamos a saber mais sobre ele, quem sabe, sobre a provável motivação de sua ação. Por ora, será tido como um borra botas. Um coitado, embora perigoso, que morreu atrapalhando o tráfego.


Nem deveria assistir TV. Teria imaginado que seria alvejado logo que se expusesse. Por um atirador de elite – cena corriqueira de filminho brega americano,  ou por um cagão fardado e sem experiência como no caso do ônibus 174.

Talvez um suicida. Burro! Idiota! Mas, a idiotice da sua ação não ficou muito atrás do gesto idiota do atirador que “comemorou” a sua derrubada.

A única coisa que fez sentido nessa história, porque é recorrente, foi o aparecimento do vendedor de coxinha ou bolinho, seja lá o que for, divulgado pelas fotos do local. Esse fenômeno do aparecimento instantâneo dos vendedores de guarda-chuvas, capas, água mineral e salgadinhos precisaria ser pesquisado por teses universitárias. Eles aparecem e desaparecem subitamente. Então, deve haver um momento zero, uma espécie de big-bang que dá origem ao fenômeno.  Os congestionamentos e a precipitação de chuvas funcionam como chaves que abrem portais de comunicação com outra dimensão onde vivem. Portais que atravessam e aparecem nessas situações.

Algumas das fotos mostram o equipamento do vendedor muito bonitinho, sem fitas adesivas remendando e envolvendo os isopores, etc. Distante da imagem comum de ambulantes. Mais para um catering de sequestro. Ao mesmo tempo, as sandálias de dedos dão uma identidade popular ao cara que está servindo as coxinhas e que parece estar sem identificação. A freguesia parece ser a moçada que estava por ali. Figurantes.  Desfaz a ideia de catering para artistas principais.

O final foi trágico. Não há o que comemorar. Sem pressa foi cada um pro seu lado. Até porque o congestionamento foi monumental. Nossas janelas de zap, instagram e facebook não há como fechá-las. Continuarão abertas, de frente para tantos crimes.

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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Rebeldia, injustiças e afirmação


Opinião

Enquanto entregam as riquezas nacionais ao capital privado e destroem conquistas sociais, num processo que fará a população brasileira escravizada e refém desses mesmos grupos, as figuras da trupe Bozo apontam os governos passados como responsáveis pelo estado desastroso da situação econômica atual.

Esse discurso satisfaz muitos que o repetem para disfarçar seus preconceitos e para justificar seus votos nos representantes fascistas que elegeram. Porém, os fatos não endossam a opção que fizeram. Ela é desabonada tanto pelas práticas da trupe Bozo, que fazem do Brasil objeto de chacota internacional, como pelas análises consistentes de dados e informações sobre resultados dos governos passados, apesar de todas as críticas que merecem pelos os erros que cometeram e das quais não devem ser poupados.

Em sintonia com essa avaliação, chamo atenção para uma análise feita pela Gerência de Estudos e Indicadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) sobre a inclusão social no ensino superior, no Brasil, entre 2005 e 2015.

Os dados mostram que no período entre 2005 e 2015 as matrículas no ensino superior brasileiro passaram de 4,57 para 8,03 milhões, uma expansão de 76%. Porém, o mais interessante é que a análise das matrículas conforme a renda média domiciliar per capita distribuída em cinco faixas de renda, para os estudantes oriundos das famílias cujas rendas estavam nos dois grupos mais baixos, o ingresso no ensino superior teve um aumento de quase sete vezes nesse período, ou seja, 600%, enquanto para aqueles oriundos de famílias que estavam nos dois grupos de maiores renda, a expansão da entrada no ensino superior foi de apenas 35%. Uma expressiva ampliação na participação dos grupos de mais baixa renda familiar quando comparados com os de rendas mais altas, tanto na rede pública como na rede privada. Isso é inclusão social e, obviamente, não é fruto do acaso, mas decorrência de políticas públicas.

Os dados mostram ainda que a desigualdade no acesso ao ensino superior da rede pública, em 2015, medida por indicadores estatísticos de aceitação internacional, apresentou um índice baixo, típico dos países nórdicos, entre os mais baixos do mundo.
Os dados são do Censo da Educação Superior elaborado pelo INEP MEC e a análise foi publicada na última edição da revista Pesquisa FAPESP [1].  Vale dizer que FAPESP é uma referência de prestígio internacional e certamente não pode ser apontada como um aparelho de propaganda partidária esquerdista, petista, socialista, comunista ou @ista.

O artigo da revista está no link anexo, com todas as referências necessárias. Em geral esse tipo de leitura não é estimulante e as informações passam sem a atenção merecida. Mas, é leitura necessária para quem quiser fazer uma crítica consistente. A galera que levou o fascismo ao poder deveria ler o artigo com calma e atenção e, se não for completamente imbecil, comparar esses resultados com os discursos que tentam desqualificar os governos anteriores e com o que estão fazendo com a Educação em nosso país.  Aqui, o ministro operacionaliza o ódio a Paulo Freire [2] manifestado pelo capitão Bozo desde suas primeiras declarações, uma prática que faz da Educação uma das vítimas desse nojento preconceito social que se esconde sob o discurso babaca: “odeio o PT”.

[1]
Inclusão social no ensino superior - Revista Pesquisa FAPESP  ( Agosto de 2019) –  No. 282) – Disponível em < https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/08/07/inclusao-social-no-ensino-superior/> - Acesso em 15/08/2019.


[2}
"Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmaremos." -  Paulo Freire - "PEDAGOGIA DA AUTONOMIA: saberes necessários à prática educativa". 13a. edição - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, pág. 87


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quarta-feira, 31 de julho de 2019

Cavalo selado


Opinião


A história está dando uma oportunidade única para a esquerda brasileira. Oportunidade com a qual nem sonhamos. Infelizmente, não estamos sabendo o que fazer com ela.

Após o golpe contra Dilma (agosto 2016), a  prisão de Lula (abril 2018) e a eleição do Bozo (outubro 2018), o vazamento das tramoias do juiz de primeiro piso e do moço do powerpoint divulgado pelo Intercept  é um cavalo passando selado e pedindo para ser montado. Bola quicando e pedindo para ser chutada.

Não bastasse isso, o capitão Bozo, acometido de uma espécie de intoxicação de presunção e arrogância, manifesta uma incontinência verbal que expõe sua palermice beócia sem a necessidade de provocações e com uma transparência que nem o mais ingênuo sonhador esquerdista acharia possível.

Ainda assim, a realidade é que não conseguimos chutar a bola nem montar o cavalo. E se o fizéssemos, não saberíamos em que direção enviar a primeira ou guiar o segundo.

Estamos tão imobilizados que, mesmo com o capitão Bozo realizando ações tão absurdas que repercutem internacionalmente e que são criticadas até na sua base de apoio político, sequer conseguimos mobilizar contingentes significativos da população para responder aos ataques concretos e imediatos aos nossos os direitos sociais.

Admitamos. Falta-nos capacitação política para responder a esse momento.

Precisamos falar sobre isso, tratar sem constrangimentos essa situação. Não nos adiantará a atitude de bobos choramingões. Fazer muxoxos, um para o outro, buscando aconchegos, reclamando das adversidades. Nem imaginar que mudaremos o quadro com mensagens no zap desqualificando e ironizando o presidente bufão.

Na política não existem espaços vazios – sabedoria popular.  Não montamos o cavalo nem chutamos a bola. Alguém certamente o fará.   #####

segunda-feira, 24 de junho de 2019

O discurso enganoso do dono da Band


Opinião


O presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, João Carlos Saad, em evento recente que a emissora patrocinou para empresários, criticou a atuação da farsa a jato,  especificamente a consequente destruição de empresas junto com carreiras, profissões, nomes e milhões de empregos. O pronunciamento do empresário tem sido enaltecido e divulgado junto com o pacote de notícias sobre o vazamento de conversas que  desmascaram as ações do juiz de primeiro piso e do moço do PowerPoint.

Sem dúvidas é importante que críticas dessa natureza surjam de parte de representantes de setores que notadamente foram parceiros, se não quisermos chamá-los de cúmplices, dessa conjuntura que vivemos. É correta a análise que o empresário faz ao comparar a situação do Brasil com a de outros países cujas empresas participaram do processo de corrupção e nem por isso foram destruídas. O presidente da Band se referiu especificamente ao caso da recuperação judicial da Odebrecht. Contudo, há alguns aspectos do pronunciamento do empresário que são enganosos e que precisam ser avaliados com a crítica pertinente. Pelo menos em três questões, a saber:

Questão 1
Segundo o dono da Band, a elite (empresários) tem elementos para reverter o quadro. Nenhuma das empresas holandesas, japonesas ou americanas envolvidas com corrupção foi destruída. As empresas devem ser tratadas como os hindus tratam as vacas. São sagradas, tem compromisso social.

A afirmação do empresário é incompleta e quase totalmente correta, exceto no caso em que ele aponta os compromissos sociais das empresas. A prática tem demonstrado exatamente o contrário. Não é o caso de esticar aqui, mas qualquer um sabe que no sistema produção capitalista o compromisso da empresa privada é com o lucro de seus proprietários e acionistas. Essa história de compromisso social da empresa é conversa pra boi dormir, ou vaca, sejam sagrados ou não.  Mas, esse não é o aspecto mais enganoso. O aspecto mais enganoso é a omissão do empresário em não apontar a destruição que estamos sofrendo como o resultado de uma ordem internacional que vê o crescimento econômico da sociedade brasileira como uma ameaça. Não estou falando de socialismo nem comunismo. Estou falando de um mecanismo de disputa típico do modo de produção capitalista que busca o monopólio como instrumento de poder. O crescimento econômico da sociedade brasileira representaria a possibilidade de uma perturbação na ordem política e na repartição da riqueza internacional  que não interessa aos grupos econômicos identificados com os países centrais,  particularmente com os EUA. Daí vem a sabotagem que tem como alvo a estrutura política nacional e que promove a chegada ao poder de figuras que assumem a função de destruir por dentro a organização socioeconômica do país e suas possibilidades de crescimento, mesmo quando essa organização se faz nos modos estritamente capitalistas.

Questão 2
Segundo o dono da Band, a empresa (Odebrecht) teve que se corromper para lidar com o monopólio público. A empresa não teve escapatória. O que o empresário privado deveria fazer não negociar?

Essa afirmação do dono da Band é falsa. A empresa se corrompeu porque tinha administradores corruptos e isso nada tem a ver com o monopólio público. A empresa tinha escapatória, sim. Especialmente uma empresa do porte da Odebrecht. Não estamos falando de um Zé das Couves que presta um serviço de pequeno porte e é achacado por um administrador público. Uma nota pública destacada nos meios de comunicação, uma denúncia que fosse. Quem sabe uma declaração protegida por todas as ressalvas necessárias e orientada por assessorias jurídicas milionárias que permitem à empresa uma atuação em âmbito internacional certamente alteraria completamente o quadro. O cenário seria outro completamente diferente. O dono da Band sabe disso. Fizeram isso quando se organizaram para derrubar a presidenta eleita. Ocorre que os administradores da empresa optaram pela corrupção.

Questão 3
Segundo o dono da Band, essa doença não veio do setor privado. Não há denúncias de corrupção da Odebrecht no setor privado.

De fato, a empresa não é intrinsecamente corrupta, mas o dono da Band está subestimando a inteligência da audiência ou dizendo o que ela quer ouvir. Ora, no setor privado as regras tratam tudo como negociação e incluem aí a corrupção se for necessária. A questão da “corrupção” aparecerá sempre na relação com a administração pública porque é dela que se exige ética e de quem se cobra práticas lícitas e transparentes. No âmbito privado as regras são outras. Lá, a corrupção se disfarça em adjetivos glamourosos. A chamada espionagem industrial e comercial se operacionaliza basicamente por mecanismos de corrupção. Gestores que obtêm resultados positivos para os seus patrões são premiados sem críticas sobre suas práticas que são adjetivadas de “expertise”. Outros que não conseguem isso ou, porventura, são suspeitos de favorecerem direta ou indiretamente o outro lado são demitidos. Não existem denúncias de corrupção porque o jogo prossegue sem que ninguém queira mudar suas regras. Imputar ao setor público a responsabilidade exclusiva por uma prática que exige, necessariamente, dois lados é uma desfaçatez, um truque para esconder a responsabilidade de uma das partes e manter vantajosamente o Estado como refém de um estigma, um corrupto incorrigível, um inimigo público em vez de uma propriedade pública.

VÍDEO: Dono da Band critica destruição da economia e de empresas como Odebrecht pela Lava Jato – disponível em:

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Trazer o governo para as ruas


Opinião


Não cobro de ninguém autocrítica ou reavaliações a propósito das revelações sobre as práticas do juiz de primeiro piso e o moço do powerpoint realizadas pelos jornalistas do Intercept. Cada um que faça segundo as suas convicções e valores. Os fatos são claros e não se trata de “minha opinião”. O embuste judiciário é evidente.


A farsa a jato está cagada.  Cagou-se ela própria. Qualquer observador lúcido concluirá que eventuais resultados positivos relativos à corrupção foram efeitos colaterais de outros objetivos. Quem insiste em valorizar esse aspecto faz o papel do menino crédulo e otimista que presenteado com um punhado de estrume vagueia pela casa procurando, em vão, por um cavalo que não existe.

A operação propriamente dita está desmascarada  e revelada como uma trama criminosa. Um plano de quadrilha que, disfarçando-se de propósitos moralistas, contribuiu para o golpe parlamentar destituindo uma presidenta eleita, determinou a prisão política  do ex-presidente Lula sem provas que a justificasse e viabilizou a eleição da trupe Bozo. Não bastasse isso, criou, ainda,  um ambiente favorável para o despertar da direita fascista brasileira. Essa doença crônica que se manifesta de tempos em tempos atrasando os esforços de construção de uma sociedade livre e solidária.

Na sequência dos efeitos da farsa está, também, o espantoso e servil  posicionamento da trupe fardada agregada ao capitão Bozo. Tal e qual uma milícia em âmbito nacional e em conluio com a elite, ela dá suporte para reformas trabalhista e previdenciária que não passam de mecanismos para o aumento da exploração dos trabalhadores brasileiros. Uma trupe fardada que endossa o projeto de entrega das riquezas nacionais ao capital privado sediado no império americano.  Uma servidão de tal ordem que surpreende  até mesmo aqueles  que sempre ressalvaram o caráter “nacionalista” dos golpistas torturadores de 64.

Naturalmente essa indignação não basta para mudar a realidade. A mudança não se imporá pela lógica dos argumentos, mas pela mobilização e arrebatamento dos debates e do próprio governo   para as ruas. Atrás da mobilização é que virão os argumentos, as considerações e a consequente e necessária alteração do quadro. Danem-se os apoiadores desse projeto fascista! Queremos uma sociedade diferente para nós  e para as nossas gerações e lutaremos por ela. Copiando Rosa Luxemburgo: “Tenho uma malfadada ânsia de felicidade e estou disposta a regatear o meu quinhão cotidiano com a teimosia de uma mula”.

O enfrentamento contra a reforma da previdência é necessário e continua.

É urgente organizarmos outra Greve Geral.