sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Um discurso e um método


Opinião
Caro amigo,

A propósito da sua observação sobre a dificuldade de votar na Dilma no segundo turno, suas insatisfações com o PT etc., o que tenho a dizer é que defini o meu voto fazendo uma revisão e leitura da minha própria experiência de vida.

Sugiro que você faça o mesmo, use este método. Quem contestará a sua experiência?

Dos meus 63 anos completos, os quinze primeiros foram anos de saudável infância e adolescência. Felizmente sem a necessidade de conhecimento nem de crítica política.

Vivenciei parte dos 20 anos de ditadura em nosso país sujeito aos custos, às frustrações, às alienações e às dificuldades que aquela conjuntura impôs aos jovens da nossa geração, mesmo aos que não estavam engajados em grupos organizados de resistência. Uma ditadura servil e doutrinada pelo governo americano e representada internamente por uma quadrilha generais escrotos, cujos projetos políticos não passavam de mesquinhos planos pessoais, e que não iam muito além do próprio poder, mas pelos quais, ainda assim, mataram e torturaram.

Seguiram outros 15 anos desde o fim da ditadura, com Sarney, Collor, passando por Itamar Franco até FHC/PSDB.

Este foi um período de lutas sociais na tentativa de compensar o tempo perdido. Período de submissão governamental total às determinações das empresas e governos dos chamados países centrais representados pelo FMI. Foi, também, um período de avanço na organização dos trabalhadores, um período em que empenhei grande parte da vitalidade associando-me aos que lutavam para a melhoria da qualidade de vida da sociedade em que vivo.

Tive a sorte de me capacitar em uma profissão que foi valorizada durante um bom tempo, fato que permitiu um razoável conforto em minha vida privada, mas, infelizmente, esta não era a condição geral. Desempregos e projetos frustrados eram uma rotina nos ambientes que eu conheci.

Um marco representativo desse arrocho e crise social ocorreu em 2003, no Rio de Janeiro, quando na Marques de Sapucaí formou-se uma fila de 15 mil pessoas, integrada por muitos jovens e adultos com formação escolar completa de nível médio, de nível superior e até pós-graduação, para concorrer a uma vaga para gari na prefeitura do Rio de Janeiro, na empresa de limpeza urbana. 

Foi o PSDB quem governou os últimos oito anos deste período, e o seu governo, presidido por FHC, foi um governo voltado de costas para o Brasil. O presidente FHC, como bem o disse Maria da Conceição Tavares, servia aos imperativos estadunidenses tal e qual um vice-cônsul do Clinton.

E foi o PSDB, seguindo os ditames do Império, quem entregou a riqueza nacional representada pelas estatais aos grupos privados nos leilões das privatizações. Leilões que terminavam em festas promovidas pelo governo do PSDB comemorando as vitórias da sua política lacaia e servil ao neoliberalismo.

Vale do Rio Doce, Usiminas, Volta Redonda, a Telebrás e a Embratel, foram-se todas. Para promover o leilão da Embratel, o governo FHC/PSDB anunciou a oferta de sua venda como: “a joia da coroa".

Após FHC, nos últimos 12 anos, vivenciei os governos do PT que ajudei a fundar, mas do qual me desliguei há mais de 20 anos. Bem longe de um governo dos trabalhadores pelo qual ainda luto, os governos do PT têm sido deformados, comprometidos e cheios de defeitos.

Contudo, houve uma particularidade que não pode ser negada. Na contramão dos governos do PSDB, desenvolveram programas com políticas sociais que reduziram a miséria do Brasil. Repito! Reduziram a miséria do Brasil.

Muitos não têm uma noção clara do significado da quantidade de pessoas que foram efetivamente beneficiadas nestes últimos doze anos. Foram quarenta milhões de pessoas. O equivalente à metade da população atual da Alemanha, 2/3 da população da França, ou da população da Itália, ou do Reino Unido, ou, se quiser, quatro vezes a população atual da Suécia.

Por conta de tais programas, no mês de setembro de 2014 a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) anunciasse formalmente a saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome.

Os jovens que amadureceram neste período não precisaram ficar reféns dos seus empregos e profissões - nem de seus patrões, mesmo considerando a crise econômica internacional que o sistema capitalista tem atravessado.

No meu ambiente de trabalho (minha aposentadoria é recente) pude assistir – e com muita satisfação - a liberdade de movimentação dos "meninos", colegas de trabalho, deslocando-se entre empresas e buscando melhores condições de emprego. Comparei este cenário com o período equivalente que vivi junto com outros contemporâneos, quando fomos praticamente escravos em nossos empregos porque as chances de arrumar algum outro eram quase zero. Um fato era de conhecimento geral: quem saísse de uma empresa saía do sistema (telecom), e quem saía do sistema não voltava mais.


Qualquer um pode ratificar o que estou afirmando. Os que forem da minha idade que busquem o exemplo em suas áreas de atividades profissionais ou mesmo entre os seus familiares.

Ainda que com limitações e bem distante do que é possível, é incontestável que nos tempos atuais tem sido possível aos jovens que já alcançaram a classe média viverem a sua juventude. Viajam, fazem planos, escolhem formações profissionais alternativas àquelas tradicionais que garantiam a vaga de trabalho ao final do curso. Os jovens assumem atitudes e se defrontam com oportunidades que eram impensáveis nos tempos que vivenciei, salvo, naturalmente, algumas exceções.

Novamente convido os da minha idade a olharem em volta e verificarem se as minhas afirmações são falsas.

Estes jovens não vivenciaram as crises nem o desmonte do Brasil realizado pelo PSDB. Querem mais para suas vidas, e com razão. Infelizmente, alguns deles se iludem achando que quem destruiu será capaz de aprimorar. Especialmente porque não estamos em um paraíso, mas em uma conjuntura inundada denúncias de corrupção no Estado, e corrupção no Estado é responsabilidade do governo, esteja ele comprometido, ou não, com a corrupção.

Casos e escândalos de corrupção também ocorreram no período FHC/PSDB, assim como anunciam hoje os casos do PT, um atrás do outro. Porém, salvo se você pretender anular o seu voto, será um equívoco infantil tentar usar o indicador "muita ou pouca corrupção" como critério de escolha entre os candidatos. Como se fosse possível avaliar qual foi o maior roubo ou quem é menos ladrão.

É claro que a corrupção é uma questão importante e que deve influenciar o nosso voto. Porém, pilantras e trambiqueiros sempre estarão infiltrados nos ambientes onde os recursos, as riquezas, circulam. Assim, em vez de se orientar pelas palavras de ordem de acusação e defesa, é muito mais objetivo buscar comparar como os governos dos candidatos trataram o assunto. O que fizeram a respeito? Este será um bom critério, um bom método. Os fatos estão aí e podemos compartilhar e confrontar as nossas experiências sem cair na armadilha de um debate alienado sobre quem roubou mais ou menos.

Os escândalos e os casos de roubos de patrimônio que vieram a público nos governos PSDB foram sempre abafados e não foram sequer investigados. O ministério público era tão comprometido com o governo do PSDB que o procurador geral da república recebeu o apelido jocoso de engavetador geral da república.

Consta que dos 600 inquéritos que recebeu, o engavetador aceitou apenas 50 e os demais foram engavetados. Entre eles os que tratavam das denúncias sobre a compra de votos para a aprovação da emenda de reeleição de FHC.

Em 1999 veio ao conhecimento público um conjunto de mais de 50 fitas de áudio com gravações de conversas do então Ministro das Comunicações, do presidente do BNDES e de diretores do Banco do Brasil e da Previ, gravações mostrando que o leilão de privatização das empresas do grupo Telebrás foi viciado.

As revelações foram tão constrangedoras que derrubaram o ministro e outros envolvidos, mas não houve clamor indignado da grande mídia, nem investigações da Polícia Federal, nem houve campanha da Veja, nem do jornal O Globo. Nem delações premiadas, nem instauração de CPI, nem cassações e, muito menos, julgamentos no STF.

Em contraponto, hoje são frequentes e diárias as prisões e o desmantelamento de quadrilhas que corroem o Estado. São fatos utilizados como propaganda antigovernamental, mas, contraditoriamente, tem sido o resultado da ação de um órgão federal com liberdade de atuação garantida por compromisso público e explícito da presidenta respaldando a ação da Polícia Federal e assumindo a palavra de ordem “investigação, processo e prisão para os corruptos” mesmo que alguns, ou muitos, estejam escondidos no próprio governo ou no partido que governa.

Quando isto ocorreu nos governos FHC/PSDB? E não foi por falta de roubo, nem de corrupção, nem de corrupto, nem de ladrão.

 Divulga-se que Policia Federal realizou menos de 100 operações nos governos PSDB contra mais de 1000 realizadas nos anos PT.

Se algo não mudou para melhor, então vivi em um mundo paralelo.

E a Petrobrás, esse monstro que está na berlinda das denúncias corrupção? Eu não tenho dúvidas que deve ter muito ladrão e safado tentando se dar bem em torno do montão de grana que a Petrobras representa. Aliás, repito, ladrão aparece é onde tem grana.

Pois bem, sobre a Petrobrás, a boa notícia é que ela ainda é pública. Não é totalmente publica porque o PSDB entregou 40% da Petrobrás para os acionistas privados, e só não entregou o resto porque não deu tempo. Tentaram até mudar o seu nome para Petrobrax para facilitar a privatização completa, mas o povo, felizmente, elegeu Lula presidente antes que isto ocorresse.

A má notícia é que ela possivelmente vai dançar no caso de um governo PSDB for eleito.

Neste cenário, eu não consigo, nem em sonho, pensar em votar no PSDB e no seu candidato. Aécio? Never!

O meu partido, o PSTU, recomenda aos seus militantes a anulação do voto. Para o PSTU o voto é um gesto político que fortalece quem o recebe e não devemos fortalecer nenhuma das alternativas que estão disputando o segundo turno. Precisamos, sim, fortalecer cada vez mais a organização e a luta dos trabalhadores e da juventude, pois é na luta que reuniremos condições para mudar nosso país.

Eu concordo plenamente com tais premissas, mas não seguirei a recomendação porque uma eventual volta do PSDB ao governo será um retrocesso, um pesadelo, muito pior do que as dificuldades que enfrentamos com o PT. 

Pode ser que outros tenham tido experiências diferentes. Vivi a minha vida e não a de outros. E sempre haverá aqueles que apenas não tiveram a experiência, nem a informação e nem análise suficiente para uma visão crítica. Não tenho como corrigir isto. Possivelmente estes serão os mais jovens, e isto não é surpreendente. 

Contudo, sob a óptica da minha experiência, avalio que os últimos 12 anos, comparados aos anteriores que vivenciei, foram sem qualquer dúvida os melhores para a sociedade brasileira.

O nosso país tem problemas de infraestrutura sérios, agravados porque a infra existente não dá conta dos milhões de brasileiros que evoluíram da miséria absoluta e ingressaram na sociedade política com suas demandas.

Faltam profissionais capacitados para ocupar as vagas especiais entre as milhões anuais que foram criadas reduzindo a taxa de emprego para patamares invejáveis.

Há uma recente classe média que passou a disputar as poltronas nas aeronaves e os balcões de cafezinhos nos aeroportos sob o olhar de desdém e despeito da elite tradicional faz valer a sua força política reforçando as exigências de recursos governamentais para saúde e educação.

Há uma juventude descendente de trabalhadores que usufruíram da conjuntura positiva que marcou os anos dos governos do PT e que ainda era infante e adolescente no período PSDB e que, felizmente, assim como eu, não enfrentaram carências. Entraram na sociedade política munidas apenas dos seus sonhos, desejos e projetos.

E há, naturalmente, um enorme grupo de ainda excluídos referenciando-se pela lei do toma lá da cá e pelos imperativos de força e violência que dominam as marginais do sistema capitalista e que não foram alcançados pelos projetos sociais de compensação.


Existem problemas, sim, e muitos. E não tenho a expectativa que as transformações necessárias virão com a reeleição da Dilma. Até porque o PT deve à sociedade uma declaração explícita de “me culpa” por conta das prevaricações de um conjunto enorme de seus representantes.

Tenho a certeza que as transformações desejadas   serão conquistadas na marra, na agitação, nas ruas. E esses jovens que ainda não se formaram politicamente serão formados na luta e nos enfrentamentos pelos seus direitos. E, como preconizou Marx, elas precisarão ser revolucionárias:

 ““...  a revolução, portanto, é necessária não apenas porque a classe dominante não pode ser derrubada de nenhuma outra forma, mas também porque somente com uma revolução a classe subversiva poderá se desembaraçar de toda a antiga imundície (merda) e de se tornar capaz de uma nova fundação da sociedade (A ideologia alemã).

Dito isto, companheiro, use a sua própria experiência como método de avaliação e decida!

Você acredita que quem sempre apregoou a defesa do liberalismo econômico vai realizar ações visando manter e ampliar as políticas sociais do governo do PT?

Você coloca expectativas em um governo cujos próceres sempre alardearam que as conquistas sociais garantidas na Constituição conflitam com a nossa capacidade de produção, e que a política de elevação do salário mínimo deve ser descontinuada?

Você acredita, realmente, que Armínio Fraga vai liderar a implantação de políticas públicas em defesa de indígenas e quilombolas, conforme o Aécio escreveu no documento para acomodar politicamente o apoio recebido da seringueira que teve a candidatura promovida pelo Itaú e Citibank?
  
Enfim, escolha quem você quiser, é um direito seu. Mas não me venha com falsas justificativas se a sua escolha contradisser todo o discurso ético com o qual você sempre procurou se identificar.

Abraços, Jorge

Rio, 17/10/2014