Leituras para distrair
Santo Antonio era o
padroeiro de um dos dois centros de umbanda que funcionavam em nossa casa, lá
em São Gonçalo, RJ, e dia de Santo Antonio era de festa e comemorado de um
jeito muito especial. Foguetes e balões!
As festas religiosas na casa
da minha madrinha (eu morava em casa de fundos) tinham um modelo básico com
algumas variações, conforme a data. O ritual começava à tarde, com rezas
cantadas, defumação dos ambientes com fumaça aromática de ervas queimadas em
carvão, e com benzedura dos presentes. Mais tarde era rezada uma ladainha, nos
moldes das ladainhas católicas, e após a ladainha havia uma sessão de umbanda com
possessão dos médiuns pelas várias entidades. Mas, não se utilizava o termo
possessão, usava-se o termo incorporação. Os cantos dos pontos de macumba determinavam
as idas e vindas das entidades. Finalmente, após a sessão de umbanda, havia uma
confraternização entre os presentes, com doces e sucos, e as crianças podiam
fazer as algazarras que eram contidas durante as cerimônias. Porém, nos dias de
Santo Antonio não tinha sessão de macumba que era realizada em outra data. Mas
tinha foguetes e balões.
Para nós, as crianças, bom
mesmo eram as preliminares e a parte final da festa. Nos dias que antecediam Santo
Antonio a casa era movimentada devido à confecção dos doces e outros arranjos
sempre com a participação de vizinhos, parentes e amigos. E tinha os balões que
eram confeccionados pelo meu pai também com a ajuda de outros. O expediente do velho
na metalúrgica em que trabalhava começava na madrugada, assim, a tarde ele já
estava em casa com a missão de confeccionar os balões. Para nós eram enormes,
construídos com papel manilha, um papel reciclado que, na época, só existia nas
cores verde e rosa e que era utilizado para embrulho. As folhas eram dobradas,
cortadas e coladas num arranjo e técnica que o meu pai dominava. Eram sempre
dois balões.
O formato dos balões era
tradicional e o os tamanhos eram contabilizados pela quantidade de folhas utilizadas.
Cento e vinte, cento e oitenta ou duzentos e quarenta folhas era a ordem de
grandeza. A confecção ocupava toda a varanda lateral da casa, e a nossa
participação, sob o olhar crítico do velho pra ninguém fazer cagada, era na colagem
dos gomos do balão utilizando cola de farinha de trigo. À noite desenvolvia-se o
trabalho de confecção das lanterninhas que iluminariam os balões. Muito legal!
O ponto alto da festa era a
hora de soltar os balões. Alguém em cima do muro com uma enorme vara de bambu
com corda e roldana para suspender o balão, a multidão em volta segurando e
abrindo os gomos, uma enorme tocha acesa para inflar o balão, outro grupo
acendendo e colocando as carreiras de lanternas. A bucha parecia rocamboles
montados uns sobre os outros, construídos com sacos de estopa recheados de sebo,
vela e parafina, um projeto que só estava registrado na cabeça do baloeiro, mas
nas proporções certas para não pesar demais e cumprir a função de fazer subir o
balão. A sua instalação era uma arte. Uma boca postiça construída em vergalhão
e afixada na boca original do balão moldada em bambu. Uma sequencia de tarefas
realizadas com precisão e cuidados para que não ocorresse o pior, o balão pegar
fogo. Ninguém pensava em outro tipo de acidente.
Os mais velhos, posicionados
também sobre os muros, portavam, entre os dedos, charutos com os quais
acenderiam os foguetes que acompanhariam a subida do balão. Balão cheio, bucha
instalada firme e acessa, o bicho pedia pra subir, e subia! Lindo! Palmas,
abraços, admiração, cumprimentos e manifestações de alívio do pessoal
envolvido. Um espetáculo que me emociona ao tentar relatar. Todo iluminado
pelas lanternas e os foguetes subindo e pipocando. Quem nunca viu a subida de
um balão caseiro perdeu a oportunidade de uma deliciosa da sensação,
especialmente quando amplificada pelo nosso ilimitado imaginário infantil.
Em Santo Antonio tudo era especial.
Não era uma festa junina, dessas com barraquinhas, quadrilhas e fantasias
caipiras. Era uma festa do santo e da casa. E eram dois balões para serem soltos
em locais distintos. A nossa casa, dos meus pais e padrinhos, ficava no bairro
Zé Garoto, e o meu padrinho tinha um comercio cerca de três quilômetros dali,
no bairro Estrela do Norte. O comercio era um boteco que levava o nome de Santo
Antonio, mas todos só se referiam a ele como o “Cuspidor”, e era lá que era
solto o segundo balão.
Havia um compadre, a quem
dávamos o tratamento de tio, que era proprietário de dois ou três caminhões com
os quais transportava laranjas. Então, após a subida do primeiro balão, todos
os que estavam na festa amontoavam-se nas carrocerias dos caminhões do meu “tio
Avelino“ que já estavam aguardando. E aquele povo se deslocava até o Cuspidor
onde se repetia a cena de lançamento, agora do segundo balão. Só então a galera
dispersava com a festa dada por encerrada. Felizes voltávamos caindo de
cansaço, tomados pelo de sono e, certamente, chatos e irritadiços como são as
crianças nessas situações. Muitas vezes carregados em colo por seu Alcino que
não sei de onde retirava tanta energia e carinho.
Houve um ano em que um dos
balões incendiou e foi o mote para suspender a festa. O pessoal teve o
discernimento de parar de soltar os balões, felizmente sem que tivesse
acontecido qualquer acidente grave, nem mesmo algum evento de importância. Mais
tarde, adolescente, também fiz balões, mas nunca comparados aos que o meu velho
fazia.
De Santo Antonio ficaram
essas lembranças arrumadas em minha memória do meu jeito, certamente com
bastante fantasia. Elas foram resgatadas porque o meu irmão Sergio, nessa
semana, fez uma festa lá na Bahia, num cuspidor que ele administra. E enfeitou a
festa com uma imagem de Santo Antonio, a mesma que sempre esteve em nossa casa,
em nosso quarto, e que velou noites e dias muito felizes da nossa infância. Viva
Santo Antonio!
O Santo Antonio da nossa infância - Agora na Bahia |
Lembrança - Trecho do Estatuto do centro de umbanda "Recinto de Santo Antonio" |
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