segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Uma no cravo, outra na ferradura

Opinião

 

Esse aforismo tradicionalmente exprime a intenção de dolo, de engano e falsificação. Mas, aplica-se também à necessidade circunstancial de quem precisa lidar com situações contraditórias e ameaçadoras entre si. Para o governante público não deveria ser uma novidade, e certamente não o é para o governo Lula que, possivelmente, terá esse pau no cu como marca histórica do seu terceiro mandato. 

Provocar o debate sobre a autonomia do Banco Central foi uma bola dentro. Além de bater de frente com a elite financeira sem ficar isolado (encontrará adeptos mesmo dentro da camada de capitalistas), marcou um ponto especial ao tomar para si a iniciativa da pauta política que, até aqui, vinha sendo determinada quase exclusivamente pela extrema-direita. Isso mudou. 

Os grandes jornais e TVs estão dando porrada no Lula esquerdista. Nesse Lula que fala em trabalhadores, sindicatos, direitos trabalhistas e reconhecimento das demandas sociais, atropelando o cercadinho dos tetos de gastos públicos. Sem dúvidas, o discurso do Lula 3 está reconhecidamente mais assertivo em relação as pautas sociais que os dos Lulas 1 e 2, embora os imperativos e conflitos de escolhas ainda não tenham aflorado nessas áreas. 

Longe de saber o que vai na cabeça do sapo barbudo, suponho que ele conta com algum apoio da direita enquanto satisfizer suas aspirações, mas sabe que o suporte real de enfrentamento com a extrema-direita, que é popular, precisará também ter um caráter popular e terá que vir da população militante, a mesma que o manteve politicamente vivo durante o cárcere, e que lhe deu os votos e o apoio popular para a presidência. 

Sem esse tipo de apoio, não nos iludamos, o governo Lula estará fudido. Ele não irá encontrá-lo na Faria Lima, nem nos Liras ou Pachecos do parlamento. Muito menos no cenário internacional onde ele é, atualmente, uma referência, mas onde também se desenvolvem outras disputas. Daí esse Lula chão de fábrica. 

Então, é hora de mobilizações. Lula tem mandado algumas mensagens. O movimento popular organizado precisa responder ao seu chamado. Formulando, propondo e forçando as suas pautas que estão contidas no programa geral de governo. 

Esse é, a meu juízo, o papel das forças de esquerda que participaram da geleia geral  que tirou a extrema-direita do poder. Se o movimento popular que apoiou Lula não o fizer, a direita ocupará esse lugar. Não com o objetivo de melhorias da situação social, mas como mote e discurso fácil para a negação do governo. 

A questão ambiental, circunstancialmente, é uma área favorável ao Lula onde há um espaço enorme de atuação sociopolítica e com respaldo político interno e internacional. Essa área poderá ser uma cunha de avanço e afirmação política, mas a extrema-direita também poderá contar com esse trunfo. Não o fez até agora, quem sabe, por incompetência. 

Do seu lado, a burguesia nacional é tão escrota que não tem sequer um projeto de afirmação. Sente vergonha de si própria, e a submissão servil, canina no pior sentido, é o seu horizonte. 

Portanto, apesar dos pesares, há o que fazer. Há uma deliberação a tomar: qual direção? E o papel dos militantes organizados em seus partidos e grupos é forçar no sentido da esquerda. O líder político Lula saberá responder, embora não possamos afirmar o mesmo o seu entorno político. E se Lula não souber, vai dançar. Mas, ele sabe disso e seguirá fazendo o seu papel, ora baterá no cravo e outra na ferradura. 


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