terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Irradiando magia


Leituras para distrair

Em 8 de dezembro de 1980 oficializei o meu retorno de São Paulo assinando o contrato com a Embratel. Dia de N.Sra. da Conceição. Vim ao Rio e retornei a São Paulo no mesmo dia. Logo que cheguei fiquei sabendo do assassinato do John Lennon. Dia estranho. Alegria e tristeza.

Mas, 8 de dezembro também é especial por outras lembranças queridas. Minha madrinha, avó, tia e dona de outros títulos familiares e afetivos, dinha Mansinha, promovia em seu centro de umbanda, na casa onde morávamos, uma celebração para Oxum, a patrona do centro. Era uma festa dominada pelo sincretismo. Primeiro havia uma ladainha celebrando N.Sra. da Conceição, a puxadora das rezas chamava-se D. Irene. Finda a ladainha havia uma sessão espírita com rezas, incorporações etc.

Mas, antes de tudo, havia uma sessão de “descarrego” quando a casa e os presentes eram defumados para afastar os maus espíritos. Dinha Mancinha  (com "c" mesmo) percorria a casa com o defumador, uma grande taça de barro onde havia pedaços de carvão em brasa produzindo fumaça. Não lembro se havia alguma erva. De qualquer forma, não fedia. Ela cantava uma prece que dizia “Defume esta casa bem defumada/com a cruz divina ela vai ser rezada/ ela é rezadeira, ela é filha de umbanda/com a cruz divina todo mal debanda”. Cantando ela percorria as entradas e saídas da casa espalhando a fumaça e cada um dos presentes se apresentava para a defumação. Ela aproximava o defumador e a fumaça nos envolvia, frente, costas, embaixo dos braços e pernas, exatamente como os agentes federais fazem com o detector de metais nos aeroportos. 

E a casa ia enchendo de vizinhos, amigos e familiares que se serviam dos muitos doces em compotas ou em forminhas de papel, bolos e manjares diversos preparados em nossa casa ou levados pelos participantes. A rigor não havia convidados. A casa era aberta e a segurança era os homens da casa e, possivelmente, os deuses homenageados. 

Quase não rolava bebida alcoólica. Havia algum vinho doce, tipo moscatel (horrível) que uns poucos bebiam. Também havia licores. Nada de cerveja. Meu pai, o cambono do centro (uma espécie de primeiro secretário do pai-de-santo), tinha a sua pinga embaixo da pia e da qual ele se servia moderado por suas responsabilidades e por minha mãe, é claro. Mas o ambiente geral não era de beberagem. Era uma alegria e um alto astral que iniciava já no aniversário da minha madrinha, em 3 de dezembro. Lá, eu e meus irmãos aprendemos rezas, cantos (pontos de macumba), adornos, rituais, oferendas e, principalmente, incorporamos valores de caráter. Nunca vi um lance sequer apontando para o prejuízo de alguém.

Gosto muito de saber sobre os mitos religiosos. Desconheço algum que aponte o ato de ferrar a vida do outro como mecanismo de sublimação do ser humano. Mas, tenho admiração especial pelos mitos de origens africanas. Eles são lindos e interessantíssimos. E vão bem além daqueles que as religiões fizeram chegar até nós. É uma pena que a discriminação e preconceito racial e religioso da nossa história tenha nos negado o estudo das mitologias africanas e indígenas. Aprenderíamos muito com eles. Mas, vejo as condições atuais de circulação de informação como uma nova oportunidade. Bem que eu gostaria de ver no cinema Ogum, além de  Thor. Oxum, além de Odin. Exus e Sacis além de Rumpelstichen.

Hoje é dia d’Oxum, um tema que os compositores Gerônimo e Vevé Calazans e a cantora Gal Costa transformaram em uma das músicas que mais me emociona. Composta para uma serie de TV, deveria ser (se não é) o hino de Salvador. Poderia ser, também, um hino do Rio de Janeiro. Tive o prazer de ouvi-la recentemente cantada pelo Lucio Sanfilipo, no Trapiche Gamboa, numa noite povoada por orixás. Bebi uma ceva gelada e uma cachaça. Comemorei com os meus amigos presentes e saravei os ausentes, como faço agora. Saravá!

Para quem se interessar em ouvir: É D'oxum 

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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Não será por falta de vovó, nem de uva

Opinião

Acho perfeitamente possível melhorar a situação do analfabetismo em nosso país. A rigor os índices estão melhorando, mas o fato é que precisamos de prazos menores e, mais do que isto, que as melhorias ocorram em prazos planejados.

Como todas as questões que envolvem as escolhas de rumos e prioridades para um país, aquelas relacionadas à educação, entre elas o analfabetismo, são de natureza política. Entretanto, vista sob uma óptica operacional, a erradicação do analfabetismo no Brasil tem pouco ou quase nada a ver com aspectos pedagógicos sendo uma questão de natureza quase exclusivamente de gerência, administração e alocação de processos e de recursos.

Vale ressaltar que o termo analfabetismo é citado aqui nos termos em que o IBGE considera, ou seja, analfabeta é a pessoa que não sabe ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece[i]. Não estamos falando, por exemplo, do chamado analfabeto funcional ou outra categoria classificada pela pedagogia. E para superar este chamado “analfabetismo absoluto” não são necessários estudos e métodos pedagógicos especiais. Não que outros conceitos e ensinamentos mais elaborados devam ser colocados em segundo plano ou interrompidos, mas, no momento, para sair deste antro estreito, vale até mesmo o tradicional  “vovó viu a uva”.

Esta alfabetização básica e necessária, que se resume a uma aprendizagem dos mecanismos de leitura e escrita além de umas regras simples de linguagem,  já é realizada pelo país afora, entre familiares, vizinhos, grupos comunitários voluntários etc. Arrisco dizer que o processo para esta alfabetização ou, se quiser,  para o nível de alfabetização desejado e necessário, neste momento, não apresenta grandes segredos. O xis do problema é a quantidade de gente que precisa ser alfabetizada.

Os dados do IBGE que são extraídos das pesquisas realizadas sobre o censo de 2010 e pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada no período 2007/2013 e colocados à disposição dos pesquisadores apontam uma “Taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade”  de 8,5%[ii]. Para a população atual, nesta faixa etária, esta taxa corresponde a cerca de 13,6 milhões de pessoas. Esta é a quantidade de gente que precisa ser alfabetizada . São números melhores que os de 2001 quando a taxa era 12,4% correspondendo a 15,1 milhões de analfabetos[iii], mas ainda é muita gente, mais do que a população de Portugal, ou da Suécia, ou da Bolívia. Podemos dizer que melhoramos, mas ainda estamos bem distantes do necessário e entre os maiores tributários para a quantidade de analfabetos no mundo.

O Brasil também deu um passo importante ao aprovar  em 2014 um PNE - Plano Nacional de Educação que inclui entre as suas metas a de número 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE (2024), erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Foi uma gestação difícil, aprovada sob críticas, mas temos uma meta institucional que independe dos governos. O passo seguinte, a tarefa que se coloca, é tocar esse bonde, fazê-lo andar. 

Erradicar o analfabetismo é, portanto, uma tarefa exclusivamente operacional que depende, naturalmente, da decisão política de incluí-la entre as prioridades.  Se tomada esta decisão, a tarefa é consolidar as informações (que já existem porque o censo já as colheu) sobre onde estão estes 13,6 milhões de brasileiros. Daí, então, apontar o foco para eles alocando recursos: professores, infraestrutura e material didático além da adoção de medidas que permitam, no mínimo, contornar as dificuldades que dão origem a este quadro e que certamente passam pela distribuição de renda.

Será uma inocência política esperar que por esta via se promova alguma alteração no quadro de distribuição de renda do nosso país, porém mesmo medidas paliativas que superem deficiências de renda exclusivamente com o objetivo de viabilizar uma mobilização nacional para a alfabetização são perfeitamente viáveis. Por exemplo, remunerar razoavelmente os professores participantes de um mutirão.

Concluindo, ressalvo que esta avaliação sobre a possibilidade de erradicação do analfabetismo não deve ser confundida com crença nem com esperança. As carências educacionais nacionais não se reduzem à questão do analfabetismo, e nem o PNE é a tábua de salvação da educação brasileira. Mas, o PNE deve ser visto e tratado como um instrumento que precisa ser valorizado e utilizado, ainda que as suas metas para a erradicação do analfabetismo absoluto sofram críticas consistentes e importantes que as classificam como minimalistas entre outras depreciações. [iv]  A transformação desta possibilidade em realidade se fará com a atuação política,  e a conjuntura está aí mostrando a todos nós que não é simples. Mas, não será por falta de vovó, nem de uva.

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[i] Site IBGE- Indicadores sociais mínimos – Conceitos - http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm - acessado em 13/10/2015

[ii]  Brasil em síntese – Educação - Portal do IBGE - http://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao/taxa-de-analfabetismo-das-pessoas-de-15-anos-ou-mais -  Acessado em 13/10/2015

[iv] Plano Nacional de Educação 2011 – 2020- Notas Críticas - Coletivo de Estudos Marxistas em
Educação (COLEMARX) da Faculdade de Educação da UFRJ – Site SEPERJ - http://seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim558.pdf - Acessado em 13/10/2015


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Onde essa criança aprendeu isso?


Leituras para distrair
“Aberto laboratório de computador quântico em Shanghai”. Eu li esta notícia recentemente, na internet e, embora ciente que sempre haverá uma distância razoável entre a realidade e as manchetes jornalísticas, fico impressionado. Há seis anos comentei sobre um livro que trata da computação quântica (Resenha Q - Bits), um assunto que na ocasião ainda parecia estar mais próximo da ficção. Contudo, as notícias sobre o estado da arte nesta área sugerem que os avanços tem sido rápidos e que há uma possibilidade real da construção, em breve, da tal máquina.

O assunto ainda parece tema para nerds ou cientistas, mas até bem pouco tempo quase ninguém fazia ideia, também, do que eram bits, bytes ou pixels, produtos que hoje são vendidos no comercio ambulante mesmo que poucos saibam exatamente o significado técnico dos mesmos, banalizados pelo seu valor de uso, como a Aspirina. Dispositivos eletrônicos de memória de massa, os minúsculos pen drives, foram apelidados de “chupa-cabra” e são comercializados entre as bancas de livros usados na saída do metro Carioca, no Rio Janeiro com os seus preços na faixa de dez a trinta reais conforme a quantidade de “megas” ou “gigas” que são capazes de armazenar.

A anunciada computação quântica promete ser uma revolução, bem mais do que apenas um avanço tecnológico ou uma atualização de versão de funcionalidades do celular. As velocidades de bilhões de operações por segundo realizadas atualmente com os “bits” serão superadas em muito pelos “quantum bits”, ou Q Bits. Esta “coisas” além de assumirem os valores “um” e “zero”, como fazem os bits tradicionais, podem assumir também um terceiro estado, indeterminado, que é, ao mesmo tempo, “um” ou “zero”, e tudo se passa como uma mágica que permitirá um aumento estupendo nas atuais velocidades das operações. Não importa como, acredite, este atributo permitirá um aumento tão grande na capacidade de processamento de informações que a sua chegada já ameaça os mais modernos sistemas de criptografia (codificação e senhas) eletrônica.

As possibilidades advindas destes avanços tecnológicos geralmente nos estimulam a buscar as interpretações dos renomados cientistas e técnicos numa vã tentativa de antever o mundo futuro.  Mas, com este objetivo, talvez a melhor direção seja dirigir os nossos olhares para as crianças e os artistas. Veja a reação de uma criança de colo, que nem mesmo sabe falar, ao pegar um celular. Faz gestos de pressionar pontos ou deslocar imagens em uma tela de sensibilidade ao toque, quase tão instintivos como o de levar a mamadeira à boca. Buscam respostas da tela com gestos que ninguém ensinou. E vejamos também com atenção os artistas, pintores, escritores, músicos, poetas. Mas, não com uma visão restrita de quem busca adivinhar o futuro em bola de cristal. Faça as filtragens que quiser, mas tente abrir a mente à compreensão. Eu não sei a receita, muito menos saberia ensinar, mas aprendi que nenhum cientista do passado conseguiu conjecturar sobre a realidade atual com tanto acerto e significado como fizeram os artistas com suas metáforas, suas ficções, dúvidas e assombramentos (Link para a matéria: Aberto laboratório de computador quântico em Shanghai).



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domingo, 23 de agosto de 2015

"ai, ai, ai, família é mãe e pai"


Opinião
Em meio a desestímulos, greve de professores nas universidades, manifestações de baixa estima e conflito de opiniões, o Brasil vai executando o seu Plano Nacional de Educação – PNE agora com a elaboração dos planos estaduais e municipais. Infelizmente este não é o tema que ocupa as manchetes dos noticiários e, assim, não é replicado nas conversas populares cotidianas. Mas, em âmbito mais restrito, entre grupos específicos de interesse, os debates estão ocorrendo e as informações estão disponíveis.

Um surto conservador estimulado pela conjuntura política tem se manifestado em todo o país e o centro dos debates tem sido as diversidades, especialmente aquelas representadas pela palavra "gênero". A ação conservadora nas câmaras parlamentares municipais e estaduais tem sido tão expressiva que em várias situações a palavra “gênero” foi simplesmente excluída de qualquer parte de texto dos planos de educação aprovados. Na prática isto significa que as estruturas de educação e ensino submetidas a estas leis deverão passar longe das discussões sobre as diversidades em suas múltiplas formas.

No último dia 11/08/2015 a câmara de vereadores de São Paulo aprovou em primeira votação o plano municipal da cidade que é possivelmente a mais importante do país sob a óptica política. Nas galerias, chamados de fascistas pelos grupos mais progressistas,  os manifestantes conservadores gritavam "ai, ai, ai, família é mãe e pai". A palavra “gênero” foi excluída do texto.

A disputa prossegue. Qual a educação que buscamos? Uma educação formadora de um ser humano com visão abrangente, observador e crítico, independentemente de suas escolhas políticas, ou queremos uma educação apenas geradora de mão de obra com qualidade e especializada para um sistema de produção que determina currículos, uma educação que forma especialistas, tecnocratas, competidores sem visão crítica da sociedade em que vivem?

Queremos uma educação “para o mercado” que acolhe ou descarta educandos conforme o estado da arte das tecnologias e a demanda circunstancial dos interesses do sistema capitalista de produção, ou queremos formar o ser humano sem preconceitos, solidário,  idealizador e capaz de construir uma sociedade justa?

Acho uma discussão interessante, mas o que valorizo aqui é a divulgação dos planos e dos debates em torno deles. E na sua cidade o Plano já foi elaborado, o resultado final foi legal, você sabe o que rolou por aí?




terça-feira, 21 de julho de 2015

Erisvaldo

Vizinhos


É estranho você estar na rua e ouvir um sujeito indagando em alto e bom som: Quem quer comer a minha rosca? Tá quentinha, doce e gostosa, você vai adorar! Adoro quando comem a minha rosca!"

Você pode até tentar parecer politicamente correto e não preconceituoso, mas não tem jeito! Outra parte do cérebro se adianta e processa a informação como pura sacanagem. Aí, você busca identificar a origem daquela proposta pública e explícita de sodomia, e descobre a cara alegre e gozada de um vendedor oferecendo um doce que ele mesmo fabrica e vende nas ruas, anunciando as qualidades do seu produto com mensagens de duplo sentido e provocando com a sua brincadeira sorrisos escancarados ou disfarçados dos que estão próximos.

O vendedor é conhecido como “da rosca”, uma referência ao bordão que ele repete pelo bairro vendendo os seus doces e o seu nome Erisvaldo. Ele mora próximo, mas não somos vizinhos de residências. O seu ponto fixo de venda é que fica na vizinhança, em um dos acessos à estação Catete do metro, de onde ele sai e circula entre as ruas próximas. Personagem popular, Erisvaldo é citado em alguns livros sobre a cidade, foi entrevistado em programas famosos na TV, é personagem de vídeos do youtube, e na internet há várias referências à sua figura e à sua forma especial de venda. Ele foi até tema de livro de práticas gerenciais apresentando-o como exemplo de empreendedorismo. É uma figuraça! Conheço gente que adora as suas roscas, mas fica constrangida em comprá-las, com receio que durante a compra, estando ao lado do Erisvaldo, ele resolva anunciar com sua voz estridente: “Acabei de queimar a minha rosca, ela está uma delícia!”.

A atitude galhofeira e simpática do Erisvaldo é bem a cara do Rio de Janeiro. Ele faz parte de um conjunto de trabalhadores que desperta a minha atenção. São vendedores e prestadores de serviços nas ruas que mesmo trabalhando em condições bem adversas, ainda assim, vão à luta e sobrevivem com um esforço e perseverança cuja motivação eu não sei explicar e nem sei se alcançaria se fosse colocado nas mesmas condições. É certo que existem outros exemplos além do meu vizinho, alguns bem mais significativos, incluindo os que não sobreviveram, mas eles só reforçam o que destaco e justificam a minha admiração. Não deve ser fácil.

Eu não conheço o homem da rosca, nada sei sobre o que ele pensa, qual o seu caráter ou seus valores. Pode ser até que conflitem com os aspectos que resolvi ressaltar. Mas, admiro este vizinho. Ele simboliza o trabalhador transformando as suas potencialidades em seu meio de sustento sem recorrer à exploração do trabalho do outro. Tomara que na prática ele seja um exemplo do símbolo que representa. Ele irradia algo bom entre as pessoas a sua volta enquanto realiza as suas atividades, e eu gostaria que ele conseguisse o equivalente como retorno. Além do mais, cá entre nós, a rosca do cara é gostosa.


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Ponto de venda - Vizinho

 

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Circulando e o seu "grito de guerra": da roooos . . . ca!



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sexta-feira, 17 de julho de 2015

Metro

Vizinhos

Não preciso comentar as vantagens de ter como vizinho o Metro. Ele nos faz vizinhos de uma parte significativa da cidade que, infelizmente, é bem menor do que deveria. É uma pena que a sua história não possa ser apontada com grandes méritos. Ela é, em parte, a história das escolhas que a população fez ao eleger os administradores da cidade e do estado. É claro que ninguém os escolheu contando que seria prejudicado pelo seu próprio voto, mas isto só reforça a responsabilidade sobre as nossas escolhas, não nos isenta delas.

A história do início do Metro do Rio é bem parecida com a da sua referência mais próxima, o Metro de São Paulo. Ambos foram sugeridos desde o ano de 1928, porém as empresas Metro do Rio e de São Paulo só vieram a ser criadas no ano de 1968, e as primeiras linhas só começaram a operar em 1974, em São Paulo, e em 1979, no Rio de Janeiro. Contudo, as histórias foram similares apenas até a formação das empresas. De lá, para cá, o Metro do Rio conta com apenas cerca de 40 km de rede e transporta 780 mil passageiros por dia, enquanto a rede paulista é de cerca de 80 km e o transporte diário é de cerca de quatro milhões e meio de pessoas em linhas onde os trens se deslocam com até 100 km por hora, enquanto a velocidade dos trens cariocas é da ordem de 60 km por hora. Nem vale a pena, aqui, estender a comparação com outras cidades do mundo onde as redes são medidas em centenas de quilômetros.

Seguimos, então, com as nossas precariedades e distorções. A ausência de um planejamento integrado é a característica mais relevante deste vizinho do qual usufruo privilegiadamente. Seria muito bom que, no mínimo, as seis linhas que do seu projeto integral já estivessem em operação, mas o fato é que ninguém consegue, sequer, descrever com clareza os seus percursos e estações, este assunto é um saco de gatos, e a confusão, esta sim, parece planejada com o objetivo de escapar ao controle público. Assim, a cidade continua escrava e refém dos proprietários das empresas de ônibus que nem mesmo prestam um serviço decente. Transportam a população como animais ou cargas inanimadas em veículos que, conforme um amigo especialista no setor, mais parecem carrocerias montadas sobre chassis de caminhões travestidos de ônibus, embora os proprietários insistam em negar que seja assim. 

Estes grupos se representam institucionalmente pela reunião de seus sindicatos, a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros) que já foi denunciada pelo ex-deputado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Helio Luz, como um poder paralelo, o verdadeiro crime organizado cuja capacidade financeira e de organização os criminosos comuns não têm. Aliás, demonstrando um avanço em sua organização, será um consórcio formado pelos operadores dos quatro meios de transportes da cidade (trem, metrô, barcas e ônibus) quem operará pelos próximos 25 anos o sistema VLT – Veículo Leve sobre Trilhos cuja construção vem sendo alardeada com pompa, mas que pouco significa diante da integração de transportes de massa que os habitantes e trabalhadores da cidade efetivamente precisam e merecem.  Vizinho bom esse Metro, mas complicado!

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As linhas do Metro - Um saco de gatos!
Jamais alguém soube com clareza quais seriam as linhas do Metro RJ.
Qual o percurso e quais as estações?


Momento de descontração
Piada: as três barrinhas deveriam sugerir um "E" de "Engenharia"
Algo que certamente a cidade não tem é uma engenharia de tráfego.




segunda-feira, 13 de julho de 2015

UNE

Vizinhos

Esta vizinha é uma velha senhora caminhando para os seus oitenta anos. A União Nacional dos Estudantes – UNE é vizinha de calçada, e a sua sede, no número 132 da Praia do Flamengo, está precisamente a 240 metros além da portaria do meu prédio. A rigor, ela “estava” porque, no momento, o local é um canteiro de obras. Naquele endereço funcionou, nos anos 30, o clube Sociedade Germânia fundado antes da independência do Brasil. O clube foi fechado durante a segunda grande guerra pelo governo Vargas que confiscou e concedeu o prédio aos estudantes para ser a sede da UNE que já existia desde 1937. Atualmente o clube Germânia funciona na Gávea.

A UNE foi símbolo das manifestações estudantis que contestaram o regime militar, e por isto foi declarada ilegal em 1964. Seu prédio sede foi incendiado nos primeiros dias do golpe e, mais tarde, demolido pela ditadura. A entidade passou a atuar na clandestinidade, seus militantes e dirigentes foram perseguidos e alguns deles presos ou assassinados. Em 2007 os estudantes ocuparam o terreno que funcionava como um estacionamento e conseguiram na Justiça a posse do mesmo. Mais tarde o Congresso Nacional reconheceu a responsabilidade do Estado e determinou a indenização da UNE por suas perdas. Em 2010 o presidente Lula inaugurou no local o início das obras de reconstrução da sede da UNE. Conforme tem sido divulgado por alguns jornais e, em parte, pela própria UNE, na área de sua sede será erguida a “Torre Flamengo” uma obra realizada em sociedade com a iniciativa privada. Será um prédio de 12 andares que abrigará a nova sede com um espaço para o seu uso exclusivo, mas que também será um empreendimento para a exploração comercial.

Neste momento, junho de 2015, a minha vizinha está realizando o seu 54º Congresso em Goiânia (GO). Sem dúvida um evento importante que registra cerca de 10 mil participantes. Entretanto, a UNE tem sido contestada como a representante unânime da esquerda política na área estudantil, e acusada de imobilismo decorrente de seu apoio incondicional ao  governo federal. Seus críticos criaram, em 2009, uma nova entidade a “ANEL - Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre” que já realiza o seu terceiro congresso no mesmo período do congresso da UNE, mas em Campinas (SP) e com cerca de 1000 participantes. O futuro nos dirá sobre os desdobramentos destas disputas.

Enquanto isto, a vizinha segue com suas obras. As placas no local já não fazem menção à entidade, mas uma animação no youtube informa que ali haverá auditório, sala de exposição, café, restaurante, garagem em subsolo e outros recursos decorrentes de um projeto que foi doado à UNE pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Eu preferiria uma UNE não “empreendedora”, praticando a sua liberdade nas ruas, provocando a participação política dos estudantes. Leve como eles,  e sem essa coisa de administração comercial de patrimônio que me parece um convite à acomodação e ao peleguismo. As notícias falam em uma obra de custo R$ 65 milhões – não é pouca coisa. Parece que a velha senhora reaparecerá em grande estilo, pelo menos, ressalve-se, na aparência.

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Canteiro de obras - sede da UNE, Praia do Flamengo, 132
Cartazes anteriores ao início das obras


Canteiro de obras - As referências à UNE foram retiradas

Sede da UNE logo após o confisco da sede do Germânia (esquerda) e
incêndio durante o golpe militar de 1964 (direita)

Ruínas da antiga Sede








Torre Flamengo
Local da nova sede da UNE



Esses corôas são ex-presidentes da UNE
Manifestação quando o terreno foi devolvido à entidade



ANEL- Assembléia Nacional dos Estudantes  Livre
Nova entidade - Oposição à UNE

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Castelinho

Vizinhos

Este vizinho recebeu o apelido de “Castelinho do Flamengo” porque sua aparência lembra a imagem de um diminuto castelo. Não é um apelido original, afinal são muitos os “castelinhos” pelo Brasil afora que ganharam este apelido pela mesma razão. No caso deste vizinho trata-se de uma construção simpática, concluída em 1918, portanto antiga para as nossas referências. Originalmente foi residência, e hoje é a sede de um centro cultural administrado pela prefeitura da cidade. Sei que é um prédio tombado pela mesma prefeitura, mas nada sei sobre a sua propriedade.
No Castelinho funciona o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, e ele é apresentado como um ponto turístico da cidade, embora ainda não reúna atributos para tal. Ele é mais uma referência geográfica da região na medida em que está localizado em uma das esquinas de acesso à Praia do Flamengo e aproximadamente a meio caminho da extensão da praia contada desde a marina da Glória até o obelisco Estácio de Sá, fundador da cidade. 
O homenageado com o nome do centro cultural foi um dramaturgo falecido precocemente nos anos 70. Conhecido como “Vianinha” é sempre citado com respeito e admiração pelos seus pares, mas a divulgação do seu nome recebeu uma contribuição significativa da Rede Globo que escolheu associar aos seus quadros o nome do referido artista cuja carreira, até então, era associada ao combate e questionamento do regime militar.
O Castelinho tem condições para se tornar um ponto turístico de destaque, mas isto dependerá da sua administração e dos eventos que promover. Em outras cidades do mundo existem locais similares que são efetivamente destaques turísticos, apesar de terem muito menos potencial e charme que o Castelinho. Independentemente disto, só o fato de existir um espaço público na cidade com o propósito de estimular e divulgar a produção cultural já faz do Castelinho um vizinho especial.
Uma curiosidade é que o Castelinho tem fama de ser assombrado, como todo castelo que tenha um mínimo de vergonha na cara. Suas dependências seriam habitadas pelo fantasma de uma herdeira órfã que vaga pelo prédio reivindicando os seus direitos. Ela teria sido ludibriada por um tutor que se apossou dos seus bens, além de maltratá-la, aprisioná-la na torre etc. O tal fantasma nunca fez muito sucesso, até a Rede Globo com os poderosos recursos do seu programa Fantástico já fez investigações para identificá-lo, mas em vão. Ele perdeu a oportunidade de se manifestar e virar celebridade internacional. Isto não chega a ser uma novidade, nos anos 90 o ET de Varginha também se sentiu inibido e desapareceu. Diante daquelas câmeras só quem fica a vontade é o pessoal da novela, da direita política e os comunistas arrependidos. Assim, não serei eu quem irá desmerecer o fantasma. O mundo físico já assombra suficientemente a vida dos cidadãos e não é absurdo que o plano metafísico esteja com prioridade menor. Além do mais, se a herdeira reclamou os seus direitos junto ao poder judiciário nacional, há uma probabilidade enorme de existir um processo qualquer também vagando pelas diversas instâncias, varas ou coisa que o valha, e só mesmo um ser etéreo e perene para acompanhar a sua tramitação na espera de alguma conclusão.

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Castelinho - Fachada - Dois de Dezembro com Praia do Flamengo

Castelinho nas antigas - Registro do Augusto Malta
Noite no Castelinho - Tá na hora do fantasma chegar

Eventos no Castelinho
 

domingo, 5 de julho de 2015

Museu

Vizinhos

Trata-se de um vizinho importante, politicamente importante. Afinal, ele foi o Palácio do Catete, sede do governo de 16 presidentes da República, desde 1897 até 1960 quando perdeu o seu status porque a capital do país mudou para Brasília. Em 1970 passou a ser o Museu da República, mas para muitos é o “Palácio do Getúlio”, uma referência ao presidente que cometeu o suicídio em suas dependências. Conforme uma pesquisadora do Museu: "Naquela época, você não dizia 'a sede da Presidência', você dizia 'o Palácio do Catete'. E depois de Getúlio virou o 'Palácio de Getúlio', até hoje. Se você pega um táxi e pede para ir ao Museu da República é possível que ele não saiba, mas se você disser 'o Palácio do Getúlio' ele sabe. Quer dizer, é uma palavra-chave não porque é qualquer palácio, é porque esse palácio está colado no imaginário da população e dos governantes também".

Este vizinho anda sempre ocupado. Exposições permanentes e temporárias, seminários, serestas, feira de livros, cinema, colônia de férias, biblioteca, lançamento de livros, saraus e eventos artísticos diversos, além da disponibilidade do acervo do museu para consultas e pesquisas. Em caráter permanente ficam expostas as dependências do palácio que são memórias da história do Brasil, porém há uma exposição de longa duração que recomendo como imperdível: “A Res publica brasileira”. Organizada conforme etapas políticas da nossa república, a exposição tem um caráter especial para aqueles que tiveram a oportunidade de vivenciar a movimentação política no Brasil desde o golpe de 64 até a Constituinte de 88.

Para a vizinhança a sua importância não se resume aos títulos históricos. Ele é uma bela construção num terreno que ocupa quase a metade da nossa quadra e que interliga as ruas do Catete e Praia do Flamengo. A sua área externa, aberta permanentemente ao público, encanta pelos seus jardins arborizados e pelos elementos de decoração que são um oásis no ambiente urbano, especialmente nos dias de verão escaldante. Os visitantes, trabalhadores e moradores da região vão e vem dos seus destinos ou apenas passeiam por ali, descansando, namorando ou absorvidos em conversas ou leituras. É divertido observar que alguns fazem caretas ou falam sozinhos enquanto meditam. Neste “palácio”, em 1914, Nair de Tefé, a esposa de um dos presidentes, promoveu uma recepção e escandalizou a sociedade ao executar, ela própria, ao violão, a composição que ficou conhecida como “Corta-jaca”, obra de outra mulher voluntariosa, brasileira, mas marginalizada socialmente, a compositora, pianista e regente Chiquinha Gonzaga. Um acinte que provocou a reação indignada do falastrão senador Ruy Barbosa: “... a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba”. Essas besteiras foram proferidas no mesmo ano do famoso discurso: “... de tanto ver triunfar as nulidades... prosperar a desonra... blá, blá, blá...”.


Dizem que a sede do governo que antes era no palácio do Itamaraty, lá próximo a Central do Brasil, mudou-se de lá para sair das proximidades dos quartéis do exercito. História verdadeira, ou não,  estou entre os que tentam imaginar como seria a historia do país se a sede do governo ainda fosse aqui, nas barbas e ao alcance da população. E só recentemente me dei conta que o tecido de forração do meu sofá tem o mesmo padrão que o do pijama do Getúlio exposto no quarto em que suicidou. Não sei se faço caretas ou falo sozinho enquanto penso essas coisas!
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Museu da República - Fachada para a Rua do Catete

Clique aqui e visite o Museu


Museu da República - Jardim
Meio da quadra, entre Rua do Catete e Aterro do Flamengo
Clique aqui e visite o Jardim

Museu da República - Jardim
Ao fundo o Aterro do Flamengo - Lado oposto à fachada da rua do Catete

Nair e Chiquinha
Nair (esquerda): 1886 - 1981    -   Chiquinha (direita): 1847 - 1935

O pijama do Getúlio
Meu sofá e o pijama do Getúlio

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Seabra

Vizinhos

- Eu é que não tinha coragem de entrar aí, de noite, nesse castelo assombrado!
Essa exclamação recebeu como resposta uma risada nervosa e um comentário que não consegui ouvir. Eram duas senhoras de aparências humildes que passavam em frente ao meu vizinho, um prédio imponente de 12 andares na esquina da ruas Ferreira Viana e Praia do Flamengo, quadra onde moro,  uma construção que é uma referência na cidade do Rio de Janeiro.
O edifício Flamengo nasceu como edifício Seabra, e é uma das belas construções da Praia do Flamengo. Ele também tem um apelido: Dakota. A origem do apelido se deve a sua aparência externa que tem um jeitão parecido com o do famoso prédio Dakota, de Nova York, onde morou o ex-Beatle John Lennon assassinado na portaria do prédio. O Dakota carioca é descrito como tendo uma luxuosa construção interna, mas destaca-se entre os demais pela beleza de sua arquitetura externa. É uma estrutura em blocos de pedra escuros, e as suas portarias não são transparentes como a maioria dos demais prédios. Elas são portões de ferro decorados com grades e vidros que, além da proteção física, dificultam a devassa do interior pelos olhares dos transeuntes. Quem passa próximo aos seus portões, durante a noite ou dia, pode apenas vislumbrar em penumbra os seus amplos corredores decorados (de gosto até duvidoso)  e com uma iluminação colorida e de baixa potência. O conjunto compõe uma visão que faz o prédio parecer com as caricaturas de castelos assombrados, justificando o medo das senhoras que passaram em frente ao mesmo.
Para o meu gosto a construção é bonita e impactante, mas  ela é também um símbolo de concentração da riqueza. Construído em 1931, data anterior à construção do Aterro do Flamengo, o seu proprietário original foi um milionário português, um comendador,  de sobrenome Seabra (nome do prédio) que reservou para sua moradia os três últimos andares, um triplex com cerca de 2400 metros quadrados com portarias e elevadores privativos. Uma concentração de riqueza que ainda se exibe porque, apesar de tombado,  o prédio é uma propriedade privada e o triplex do "comendador"  foi negociado recentemente,  há cerca de dois anos,  estando ainda em reformas.
O Seabra não é o maior símbolo de concentração de riqueza no Rio de Janeiro e nem deve ser o mais representativo da Praia do Flamengo. E neste aspecto deve estar bem longe do Dakota americano. Mas, aqui ou em Nova York, a realidade é que nenhum homem ou grupo de proprietários trabalhou o suficiente em seu tempo de vida para produzir e acumular tanta grana. Trata-se da expropriação do trabalho de outros, de muita gente, como é  a prática do sistema de produção em que vivemos. O Dakota americano ganhou fama de maldito e  assombrado antes da morte do Lennon, desde quando foi local de gravação do filme "Bebê de Rosemary" , um ícone do cinema de suspense e terror. Quem sabe no caso do Seabra algum fenômeno sobrenatural seja a explicação para tanto dinheiro nas mãos de tão pouca gente. Mas, será uma explicação diabólica.
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Edifício Flamengo (Seabra) - O Dakota carioca


Interior do Seabra
Dakota original - americano