A greve da Vicom foi determinante para a história das telecomunicações
no Brasil. Como fato histórico será, naturalmente, sujeito a versões diferentes
na sua narrativa e interpretação. Esta é uma narrativa a partir do olhar,
privilegiado, de um dos tantos militantes na organização que foi um dos
protagonistas especiais nos acontecimentos relatados, a Associação de
Empregados da Embratel no Rio de Janeiro – AEBT-RJ, hoje extinta.
Neste
mês, nos dias 22 e 23 de outubro de 2012, um fato histórico no setor de telecomunicações
no Brasil completará 25 anos: a Greve da Vicom.
A
greve da Vicom foi uma reação dos trabalhadores da Embratel, ainda uma empresa
estatal, que contestaram a assinatura de um contrato ilegal entre a empresa e
um consórcio formado pelos grupos empresariais Bradesco, Globo e Victori
Comunicações – Vicom, que permitiria ao consórcio explorar um serviço de
comunicação de dados, via satélite, embora a exploração de tais serviços fosse
uma prerrogativa exclusiva Embratel estabelecida na própria lei que criou a
empresa[1].
A
diretoria da Embratel assinou o contrato em 14 de outubro de 1987, vésperas do
presidente da empresa, Pedro Jorge Castello Branco, deixar o cargo e viajar
para os Estados Unidos onde assumiria outro posto do Ministério das
Comunicações.
Logo
que tomaram conhecimento da assinatura do contrato, os empregados da Embratel promoveram
manifestações públicas em todo o país que culminaram em uma greve de âmbito nacional
e com a adesão de praticamente todos os trabalhadores, incluindo a alta
gerência da empresa. A diretoria executiva da Embratel, a esta altura liderada
pelo vice-presidente, ficou completamente isolada.
Pressionado
pelo movimento dos trabalhadores, que deflagraram a greve e fizeram um ultimato
ameaçando a paralisação total dos serviços caso o contrato não fosse revisto, o
Ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, determinou, num primeiro
momento, a sustação do contrato, porém o ato seguinte foi a anulação do mesmo.
Os
principais jornais do país repercutiram
nacionalmente o movimento. A revista
Veja chegou a reportar o fato em três edições. A primeira matéria (edição 999)
foi em uma coluna com o título “Uma greve insólita”. No número seguinte,
edição 1000, havia uma matéria paga, de página inteira, assinada pela Victori
Comunicações, com o título “Esclarecimento sobre o contrato com a
Embratel”. Na edição 1002, em duas páginas centrais ilustradas com
fotos, o assunto foi reportado novamente com o título “O soviete da Embratel”. Um
trecho da matéria avaliava “.. se depender da disposição do Ministro Antonio Carlos o
soviete que surgiu dentro da empresa tem seus dias contados.”
Com
o contrato anulado, o Ministério das Comunicações refreou temporariamente suas
iniciativas para a privatização dos serviços, mas o ministro não tardou em
fazer retaliações. Nas semanas seguintes à anulação do contrato ele demitiu a
diretoria da Embratel por sua condescendência com os grevistas[2]
e, dois meses depois, em 11 de dezembro do mesmo ano, 1987, durante a greve da
campanha salarial da categoria, ele demitiu empregados em todas as empresas do
grupo Telebrás e também nos Correios.
Entre
os demitidos estavam alguns dirigentes da Associação de Empregados da Embratel
no Rio de Janeiro, entidade que teve um papel fundamental no na Greve da Vicom.
Privatização,
não, sô!
O
caso Vicom não foi um fato isolado. O contrato ilegal foi parte de uma
sequência de acontecimentos que vinham ocorrendo desde o ano anterior como
parte das pressões para a privatização das telecomunicações brasileiras[3]
e que contavam com a colaboração de autoridades no Ministério das Comunicações.
Desde
o início de 1986, mais de uma ano antes da greve, eram cada vez mais frequentes
as notícias sobre iniciativas para a quebra do monopólio e sobre a acolhida que
elas encontravam no Ministério das Comunicações.
Manifestadamente
contra estas iniciativas estavam os empregados da Embratel, incluindo a
gerência intermediária da empresa[4].
Os
empregados da Embratel, àquela altura, já estavam mobilizados numa campanha
para que o monopólio estatal das telecomunicações, então determinado por uma
lei ordinária, fosse estabelecido de forma definitiva na Constituição que
também era um assunto em debate. O parlamentares eleitos em novembro de 1986
formaram a Assembleia Nacional Constituinte que foi instalada em 1º. de
fevereiro de 1987.
Atos públicos, palestras, seminários e
campanhas vinham sendo promovidas pelas organizações dos empregados, desde o
ano anterior à greve, nos diversos locais do país onde existiam unidades da
Embratel[5].
Privatização, não, sô! Foi
o nome escolhido, em um concurso, para o
arraiá da festa junina em 1986, promovido pela Associação dos Empregados no Rio
de Janeiro – AEBT-RJ.
Em
abril de 1987 a AEBT – RJ denunciou e questionou declarações públicas do vice-presidente
da Embratel, Cleofas Uchoa, defendendo a privatização. Em retaliação, em 28/04/1987, a diretoria da
Embratel aplicou uma punição disciplinar aos 05 (cinco) empregados que
compunham a direção executiva da Associação com uma suspensão de 15 dias de suas funções
na empresa[6].
Em
13 de maio de 1987, comemorando o retorno ao trabalho dos dirigentes punidos,
os empregados da Embratel realizaram um abraço ao prédio sede da empresa e, de
mãos dadas e cantando o Hino Nacional, envolveram, literalmente, todo o
quarteirão onde está situado o edifício.
No
ato do abraço à Embratel foi feito o lançamento de uma campanha para a coleta
de assinaturas em uma emenda popular em defesa do monopólio e que deveria ser
entregue à Assembleia Nacional Constituinte que já estava instalada.
Mais
criativa que a Beija-Flor, mais garra que a Portela e mais segura que a
Mangueira, assim foi descrita pelo jornal Tribuna da
Imprensa, no Rio de Janeiro, a passeata até a Praça da Cinelândia, realizada em
17 de julho de 1987, com 22 alas e cerca de 50 mil pessoas no Dia Nacional de
Mobilização das Emendas Populares.
Os empregados da Embratel estavam lá, éramos a
ala das Telecomunicações, contra a privatização das estatais e com um
originalíssimo satélite, em isopor e suspenso por balões de gás, destacando-se
em toda a passeata.
Em
13 de agosto foi formalizado o registro da Emenda Popular PE – 24 de 1987, em
defesa do monopólio estatal das telecomunicações, com 111.992 assinaturas de
eleitores, coletadas pelos empregados da Embratel em todo o Brasil.
Neste
cenário ocorreu a vitoriosa greve da Vicom que foi um marco político
importante, não apenas para o setor de Telecomunicações, mas para vários setores
da vida pública do país. Foi uma manifestação de servidores públicos estatais
que se contrapuseram com clareza e vigor a uma ação da alta administração que
lesava o interesse público.
A
atitude dos empregados da Embratel ao confrontar a direção da empresa e o vigor
e disposição com que se lançaram em defesa do patrimônio público, sem deixarem espaço
para serem acusados de corporativismo, foram fatos relevantes registrados nos
noticiários em todo o Brasil e em um número importante de trabalhos e análises
da história do setor, incluindo trabalhos acadêmicos de pós-graduação
universitária.
A
greve da Vicom, em outubro de 1987, impulsionou a luta pelo modelo de monopólio
estatal que viria a se desdobrar ao longo do ano seguinte, 1988, em uma atuação
direta no Congresso Nacional, e sustentadas por mobilizações dos empregados do
setor.
Agregados
através da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações
– Fittel, alguns sindicatos do setor e Associações de Empregados da Embratel
organizaram a participação voluntária de diversos empregados que se deslocaram para
Brasília e realizaram um trabalho de esclarecimento e convencimento dos
constituintes e lideranças partidárias para o voto em favor do monopólio
estatal[7].
Assim,
num ambiente de disputas contra grupos empresariais e seus representantes
políticos que, além de objetivarem a privatização das telecomunicações, atuavam
ilegalmente para fazer dela um fato consumado, o congresso Constituinte aprovou
o texto do Capítulo II, Artigo 21 – inciso XI, estabelecendo o monopólio
estatal constitucional a partir de 05 de outubro de 1988, data de promulgação
da Constituição[8].
Foi
uma vitória dos empregados da Embratel e dos trabalhadores de Telecomunicações,
uma vitória da sociedade brasileira.
Muitas
provas, mas sem julgamentos no STF
A
aprovação do texto constitucional foi uma vitória expressiva, mas não encerrou
as disputas nas telecomunicações. Foi, na verdade, o início de uma nova fase de
enfrentamentos. Num primeiro momento o embate foi contra vários atos
inconstitucionais, decretos e portarias, gerados dentro do próprio Ministério
das Comunicações, para a quebra do monopólio, já constitucional. Mais adiante, a
disputa foi contra as iniciativas de mudanças na Constituição de 88, recém-promulgada.
Marcos
deste enfrentamento foram as lutas para tornar sem efeito portarias e decretos
inconstitucionais emitidos nos gabinetes do Minicom, ainda nos anos 1988 e
1989; as tentativas de alteração de modelo inseridas no “Emendão do Collor”, em
1991; outros contratos ilegais que barrados por liminares na Justiça Federal,
em 1992 e a Revisão Constitucional, em 1993.
Chegamos
ao absurdo de precisar entrar com ações na justiça obrigando operadoras de
telefonia a iniciarem a implantação e exploração da telefonia celular , visto
que já dispunham de recursos para tal, porém não o faziam por ordens de
autoridades e resguardando o mercado para a iniciativa privada, na expectativa
da privatização daquele serviço
Foram
muitas lutas e vitórias até que, finalmente, o monopólio foi quebrado na
Reforma Constitucional, em 1995, graças às ações realizadas sob a liderança do
presidente da república Fernando Henrique Cardoso, seu partido PSDB, seus
aliados políticos e os grupos econômicos que o elegeram.
A
Constituição foi modificada. O Sistema Telebrás foi desfeito e, após 10 anos de
enfrentamentos, as operadoras de Telecom finalmente foram vendidas ao capital
internacional. Entre elas, a Embratel, num leilão, em 29 de julho de 1998,
considerado como a maior privatização da
história.
Não
demorou muito e, logo no ano seguinte, em 1989, vieram ao conhecimento público
um conjunto de mais de 50 fitas de áudio com gravações de conversas obtidas por
grampos em telefones do BNDES e que mostraram um leilão viciado e envolvendo a
cúpula do governo para favorecer um dos potenciais compradores no negócio de 22
milhões de dólares.
As
revelações de conversas do então Ministro das Comunicações, Luiz Carlos
Mendonça de Barros, do presidente do BNDES, André Lara Resende e de diretores
do Banco do Brasil e da Previ provocaram a queda dos mesmos, embora, neste
caso, não tenha havido: clamor indignado da grande mídia, instauração de CPI, cassações e, muito menos, julgamentos no
STF.
Nem
Google, nem Facebook
Um
brasileiro nascido em 1987 terá hoje 25 anos. Se tiver crescido em qualquer
centro urbano do país e qualquer que seja a sua situação sócio - econômica, certamente
terá dificuldade para imaginar um mundo sem computadores e celulares.
Notebooks,
palmtops, smart-phones, ipad, wi-fi, facebook, instagram, megabytes, pixels e
um sem número de elementos e funcionalidades tecnológicas fazem parte do
cotidiano deste cidadão brasileiro, urbano, determinando o seu comportamento,
suas relações e até seus valores.
Embora
alguns destes elementos e funcionalidades sejam completamente abstratos, eles são
tratados com naturalidade, como se sempre estivessem aí, em que pese nenhum
deles existisse há 25 anos e nem mesmo fossem imaginado como possíveis, salvo
nos centros de produção de tecnologia que ainda gestavam os embriões deste
admirável mundo novo. Um mundo tão difícil de ser imaginado naquela ocasião quanto
talvez seja para o cidadão de 25 anos imaginar, sob a óptica de hoje, como eram
os recursos tecnológicos na época do seu nascimento.
Foi
no cenário de 25 anos atrás que ocorreu a Greve da Vicom e a luta pelo
monopólio e, naquele cenário as nossas dificuldades iam além da defesa
específica das nossas teses.
Numa
época em que o conhecimento público sobre Telecom reduzia-se quase que
exclusivamente à televisão e telefone, nem mesmo o telex era um serviço popular
de Telecom, falávamos, vejam, na importância de uma tal "comunicação de
dados" e sobre as possibilidades da interação das telecomunicações com as
tecnologias de computação e de informação. Temas que poucos tinham ideia do que
se tratava.
Repórteres
e jornalistas, nos diversos locais do país, atraídos pela repercussão do
movimento dos empregados perguntavam: Que é isto? Do que se trata? Por que todo
este movimento?
Cada
entrevista ou depoimento precisava ser precedida de aulas sobre telecomunicações.
Emissor, receptor, mensagem, conteúdo, rede de telecomunicações serviço de
informação, comunicação de voz, comunicação de dados etc. Precisávamos explicar
os conceitos e os termos. Era preciso fazer
analogias e, só então conseguíamos abordar o assunto, falar sobre a sua
importância e as nossas teses.
Para
chamar à atenção e angariar simpatizantes para as questões que apresentávamos
era preciso explicar o salto tecnológico que estava ocorrendo. Explicar que a
evolução tecnológica estava caminhando para viabilizar o uso popular das
comunicações sem fio entre telefones, repito, telefones. Nada tinha a ver com
os modernos microcomputadores, nem com os smart phones corriqueiros, hoje, em
mãos de crianças conectadas por wi-fi.
Era
necessário explicar que a tradicional rede de fios estava perdendo o seu cordão
umbilical e que seria uma oportunidade para o Estado saldar a dívida que tinha
com a população: a dívida da baixa densidade telefônica, ou seja, a falta de
telefones. Que seria a oportunidade para um salto de qualidade no ambiente
social com a implantação de redes de comunicação para serviços públicos.
Diga-se,
desde já, que seria uma enorme presunção dizer que já se esboçava o cenário do
mundo que vivemos hoje. Um mundo com Internet,
Google e Facebook .
Apenas
como uma referência de tempo: as
primeiras iniciativas para viabilizar o acesso público à internet, no Brasil,
ocorreram em 1994. O Google foi criado
em 1998 e o facebook em 2004.
Porém,
sabíamos que estávamos apontando na direção certa. Que os avanços tecnológicos seriam
inexoráveis e em saltos gigantescos. Saltos para um cenário que iria muito além
da nossa imaginação e que se avizinhava um mundo de oportunidades e, naturalmente,
de negócios. Os números projetados e o empenho das gigantes corporações
internacionais na privatização das telecomunicações eram indícios.
Sabíamos
que, para garantir o aproveitamento e a distribuição social destas
oportunidades e dos ganhos advindos daí, era imprescindível a universalização do
acesso às telecomunicações. Para tal,
seria necessário que a sociedade dispusesse de uma ferramenta especial
de atuação neste novo mundo. Uma empresa pública explorando um serviço público.
Com
esta análise e visão lutamos pelo modelo constitucional do monopólio e contra a
privatização do sistema Telebrás. Um modelo que privilegiaria e possibilitaria a
distribuição social das potenciais riquezas que este novo mundo tecnológico anunciava.
Em
outro campo estavam aqueles que tentavam, até por meios ilegais, alterar o
modelo vigente para a criação e exploração de novos negócios e para a
apropriação privada dos ganhos advindos daí. Buscavam para si a apropriação do
que até então era recurso público.
Infelizmente
estes atores, corporações multinacionais que não atuaram exclusivamente no
Brasil ou no setor de Telecom, contaram com a colaboração de uma quantidade
significativa de brasileiros que ocupavam postos estratégicos do setor –
público – e que cumpriram o papel de minar e destruir por dentro, de sabotar, qualquer
ação que representasse um contraponto aos seus projetos de privatização.
Foi
neste caldeirão que ocorreu a mudança do modelo de exploração de serviços e as
privatizações no setor de telecomunicações do Brasil. O desmonte do sistema
Telebrás e a venda ou entrega da empresa que, nos folhetos de propaganda
internacional do processo de privatização no Brasil, era chamada de “a
joia da coroa”, a empresa Embratel.
Deu
no que deu!
O
modelo atual de exploração dos serviços de telecomunicações no Brasil é,
naturalmente, a consequência direta da opção pela privatização nos termos em
que foi realizada.
Tal
modelo foi justificado perante a sociedade com os compromissos das metas de
universalização do acesso aos serviços telefônicos, a propósito, compromissos só
foram estabelecidos em decorrência das lutas contra a privatização.
Sem
as lutas pelo monopólio, nem mesmo as metas de universalização existiriam porque
teriam vingado as teses iniciais dos defensores da privatização que afirmavam
que as comunicações de dados e até mesmo a telefonia não eram serviços
públicos, assim, deveriam estar excluídos do monopólio.
O
resultado está aí, para quem quiser ver. Deu no que deu!
As
metas de universalização não foram cumpridas. A evolução tecnológica trouxe a
internet e as comunicações sem fio. E os empresários, descumpridores das metas
de universalização, argumentam hoje que os serviços de internet e as
comunicações sem fio não se enquadram nos compromissos das citadas metas.
Trata-se
de um modelo que não só prioriza os acionistas e os atuais proprietários das
operadoras, sem contrapartidas, como também é um modelo que inclui apenas uma
parcela da sociedade. A parcela que cabe nos planos de investimentos e de taxas
de lucros das corporações que fazem o que querem no setor.
A
qualidade dos serviços é péssima. É tão frequentemente ruim que a população já
acostumou com as quedas, ruídos, distorções e demora nas conexões.
As
empresas operadoras, em nome de garantir os ganhos dos seus acionistas e altos
executivos, desconsideram completamente os seus compromissos de concessionárias
de serviços públicos.
O
Estado deixou de dispor do importante recurso de complementação da formação de
mão de obra especializada em tecnologia de ponta, papel que era desempenhado
pelas empresas estatais. O proprietário privado, por sua vez, não se sente
obrigado a tal porque o modelo não resguardou este compromisso.
A
agência reguladora, Anatel, é um arremedo de poder regulador, motivo de piada
nos ambientes das empresas.operadoras. Eventualmente, para manter a encenação
da regulamentação do setor, ela provoca alguns espasmos com ameaças de multas
milionárias que ninguém paga ou pagará.
Um destes espasmos regulatórios foi provocado recentemente com a proibição da
comercialização de novas linhas celulares face a péssima qualidade dos serviços
prestados e a enxurrada de reclamações. Mas, não passou disso, as empresas
fingiram que vão atuar para a melhoria da qualidade e a proibição foi suspensa,
foi uma espécie de feriado para balanço.
Os
governos dos principais estados da federação estão sendo obrigados a constituir
as suas próprias infraestruturas públicas de telecomunicações para viabilizar
os seus projetos nas diversas áreas da administração pública. Porém, agora
viabilizando os negócios das operadoras privadas através de acordos e
convênios.
O
governo federal, sem instrumento ou salvaguarda determinada pelo modelo
privatista, promove a ressurreição da Telebrás como mecanismo de viabilização
de um Plano Nacional de Banda Larga com um serviço a preço popular (1 Megabit
por 35 reais). E, por incrível que pareça, só o anúncio de tal medida faz
baixar preços e aumentar a oferta de serviços.
Esta
é uma síntese do modelo de privatização das telecomunicações brasileiras que, a
rigor, não se afasta muito do que ocorreu em outros setores estatais.
Importante
e estratégico como nunca.
Não
é incomum ver nas ruas do Rio de Janeiro trabalhadores da coleta de lixo
falando ao celular enquanto realizam suas tarefas. Cena que deve se repetir em
outros centros urbanos. Entre os jovens o uso do celular é uma febre. Parece
que não há vida fora da comunicação em rede.
Alguém
apressado formulará outros exemplos para agregar ao do gari, e os apontará como
a evidência cabal do acerto das decisões que determinaram as privatizações das telecomunicações
e o desmanche do sistema Telebrás com a venda das operadoras. Os preconceituosos argumentarão: Até gari tem
celular!
Infelizmente
esta conclusão será um erro. Ao lado das mudanças radicais que as comunicações
móveis provocaram em todo o mundo, independentemente das privatizações, a
realidade é que as comunidades e os grupos mais carentes da sociedade
brasileira ainda estão impedidos de participarem desta rede, embora alguns até possuam um celular pré-pago.
Os
dados mais recentes sobre esta distribuição de recursos são os da Pesquisa
Nacional de Amostra por Domicílio 2011, PNAD, do IBGE. O computador com acesso
à internet foi o bem durável que registrou a maior expansão nos domicílios
brasileiros entre 2009 e 2011. São 61,3 milhões de domicílios no país dos quais
36,5%, cerca de 22,4 milhões, contavam com internet ao final do ano passado.
As
autoridades divulgam esta situação como importante e, de fato, ela
é.Entretanto, o complemento desta informação é que 3,9 milhões de domicílios
tinham computador na ocasião da pesquisa, mas estavam sem acesso à rede por
falta de oferta da banda larga ou falta de grana para contratar um serviço de
acesso. Além disto, outros 35 milhões de domicílios, 57,1% do total, não tinham
nem computador nem internet porque a distribuição desta riqueza tem o mesmo
perfil de desigualdade regional de outros itens com uma concentração de 76,18%
do total de computadores do país nas regiões Sul e Sudeste.
Sem
um instrumento que determine a orientação dos investimentos visando uma
distribuição social desta riqueza, os efeitos econômicos da disponibilidade das
telecomunicações concentram-se em cerca nos 780 municípios maiores e mais
desenvolvidos do país que concentram 61% da população.
Não
é agradável tratar estes números. Até a leitura é enfadonha. Mas, o que eles
dizem efetivamente é que tais carências significam escolas sem um telefone fixo
ou móvel ou, ainda, sem a possibilidade de conexão de computadores à WEB, mesmo
que estes computadores existam.
Estes
números representam a quantidade de brasileiros que não podem usufruir dos
ganhos e benefícios viabilizados pelas tecnologias de informação e de telecomunicações.
Estão excluídos e são tratados como uma espécie de “mercado reserva”. Ao mesmo
tempo, os incluídos pagam pela má qualidade e sustentam sustentam o modelo atual.
Evitar
esta situação! Reduzir as chances da sua ocorrência! Criar alternativas! Estas
foram as diretrizes que pautaram a defesa do monopólio estatal e os embates que
decorreram daí, entre eles, a greve da Vicom.
Não
faria muito sentido falar em luta contra a privatização das telecomunicações
apenas como uma manifestação de nostalgia. Retomar esta questão seria propor uma
estatização dos serviços, tese que não é descabida, mas que não será valorizada
aqui. Porém, o país e as necessidades e projetos do seu povo continuam.
O
setor de telecomunicações continua sendo mais importante e estratégico do que
nunca. No exato momento em que este texto está sendo elaborado surgem notícias
que uma comissão de parlamentares americanos sugere a elaboração de legislação
específica para tratar do risco de fornecimento de equipamentos de telecomunicações
por empresas estrangeiras com forte elo com seus governos e recomendam que
empresas americanas não adquiram produtos de dois fornecedores específicos,chineses
que a propósito, também são fornecedores no Brasil.
No
Brasil, um importante periódico do setor informa sobre pesquisa onde executivos
de empresas que representam 30% do PIB brasileiro consideram a infraestrutura
de banda larga a principal entre as 10 obras mais necessárias para o
desenvolvimento do país, embora este
item sequer esteja contido no PAC.
Há
temas importantíssimos para tratar e a universalização do acesso é uma demanda
que não pode sair da ordem do dia. Mas, as soluções não virão das corporações
oligopolistas nem das decisões das assembleias de acionistas. Elas não virão do
livre mercado, da concorrência, nem de outros mitos da organização de produção
capitalista.
Na
conjuntura em que vivemos as soluções precisam ser impostas pelo Estado,
enquanto ele existir, como representação
da sociedade garantindo a apropriação e distribuição destes ganhos tecnológicos
sob a forma de metas, compromissos, obrigações, impostos, taxações e, se
necessário,reapropriação de patrimônio.
Mas,
estes são assuntos para serem tratados em outra oportunidade. Tratamos aqui de
celebrar e comemorar a greve da Vicom e o que ela ainda representa. Uma boa
luta. Vitoriosa. Outras foram perdidas, porém vale nestes casos a resgatar a mensagem do
grande Darcy Ribeiro: .. em nenhum minuto da minha vida, eu
queria estar do lado daqueles que ganharam.”
Rio,
12/10/2012
Referências:
[1]
Quando ocorreu a greve da Vicom o monopólio estatal das Telecom ainda não era
constitucional. Era uma exclusividade da Embratel determinada pela lei 4117 de
27/08/1962, a mesma que determinou a
criação de uma empresa que viria a ser a Embratel. O monopólio constitucional
foi estabelecido em 05 de outubro de
1988 com a promulgação da Carta atual.
[2]
O ministro demitiu toda a diretoria executiva da empresa exceto o diretor
Administrativo, Claudio de Chagas Freitas.
[3]
Em 02/01/1986, o banqueiro Amador Aguiar (Bradesco) e o jornalista Roberto
Marinho (Globo), donos brasileiros da Vicom, enviaram carta ao secretário Geral
do Ministério das Comunicações, Rômulo Furtado, solicitando a emissão de uma
portaria com permissão para a exploração do Serviço Limitado de Múltiplos
Destinos. Isto seria, na prática, a quebra do monopólio (Ref. Acervo particular
do autor)
[4]
Em 18/06/1986,; 04/07/1986 e 07/071986, os gerentes Superintendentes da
Embratel das áreas Norte, Comercial e Centro – Leste, respectivamente, enviaram cartas – manifesto à diretoria da
Embratel , em nome dos empregados e gerentes de suas áreas manifestando-se
contra as iniciativas de quebra do monopólio que vinham sendo divulgadas pela
imprensa ou por comentários nos ambientes da empresa (Ref. Acervo particular do
autor)
[5]
No esforço de fazer vir a público as
iniciativas dos grupos Globo e Bradesco AEBT-RJ realizou, em 17/06/1986, em
parceria com o Clube de Engenharia RJ, o seminário Privatização x Monopólio
Estatal – Quem ganha? Quem perde? Procurado pela imprensa, o ministro ACM
admitiu os fatos denunciados pela Associação e a existência de estudos para
acatar as solicitações da Victori (Ref. Acervo particular do autor)
[6]
A AEBT-RJ distribuiu um boletim com o título Demissão Já onde denunciava e
questionava declarações do vice-presidente em favor da privatização. O texto do
boletim incluía as questões: Como reagiria o Sr Amador Aguiar ou o Sr. Roberto
Marinho se um dos seus diretores defendesse a estatização dos bancos ou da Rede
Globo? (Ref. Acervo particular do autor)
[7]
A atuação dos trabalhadores do sistema Telebrás, particularmente da Embratel,
junto aos constituintes, em Brasilia, constitui uma história especial a ser
narrada. A brilhante atuação dos
empregados fez jus ao movimento da Vicom
com a aprovação do monopólio estatal.
[8]
A aprovação do monopólio na Constituição ocorreu no primeiro turno das votações
em 07/03/1988 com uma votação de 392 votos a favor, 04 contra e 04 abstenções
(Ref. Diário da Assembléia Nacional Constituinte – No. 194, pág. 249 e 250). A
ratificação da aprovação, no segundo turno, foi em 16/08/1988.
Jorge de Souza Santos
Engenheiro de Telecomunicações.
Trabalhou na Embratel, na Philips do Brasil e na Telesp.
Foi fundador, diretor e presidente da extinta Associação de Empregados da Embratel no Rio de Janeiro (AEBT-RJ).
Contatos:
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