domingo, 14 de outubro de 2012

Greve da Vicom – 25 anos. Uma data para ser celebrada


A greve da Vicom foi determinante para a história das telecomunicações no Brasil. Como fato histórico será, naturalmente, sujeito a versões diferentes na sua narrativa e interpretação. Esta é uma narrativa a partir do olhar, privilegiado, de um dos tantos militantes na organização que foi um dos protagonistas especiais nos acontecimentos relatados, a Associação de Empregados da Embratel no Rio de Janeiro – AEBT-RJ, hoje extinta.

Neste mês, nos dias 22 e 23 de outubro de 2012, um fato histórico no setor de telecomunicações no Brasil completará 25 anos: a Greve da Vicom.

A greve da Vicom foi uma reação dos trabalhadores da Embratel, ainda uma empresa estatal, que contestaram a assinatura de um contrato ilegal entre a empresa e um consórcio formado pelos grupos empresariais Bradesco, Globo e Victori Comunicações – Vicom, que permitiria ao consórcio explorar um serviço de comunicação de dados, via satélite, embora a exploração de tais serviços fosse uma prerrogativa exclusiva Embratel estabelecida na própria lei que criou a empresa[1].

A diretoria da Embratel assinou o contrato em 14 de outubro de 1987, vésperas do presidente da empresa, Pedro Jorge Castello Branco, deixar o cargo e viajar para os Estados Unidos onde assumiria outro posto do Ministério das Comunicações.

Logo que tomaram conhecimento da assinatura do contrato, os empregados da Embratel promoveram manifestações públicas em todo o país que culminaram em uma greve de âmbito nacional e com a adesão de praticamente todos os trabalhadores, incluindo a alta gerência da empresa. A diretoria executiva da Embratel, a esta altura liderada pelo vice-presidente, ficou completamente isolada.

Pressionado pelo movimento dos trabalhadores, que deflagraram a greve e fizeram um ultimato ameaçando a paralisação total dos serviços caso o contrato não fosse revisto, o Ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, determinou, num primeiro momento, a sustação do contrato, porém o ato seguinte foi a anulação do mesmo.

Os principais jornais do país  repercutiram nacionalmente o movimento. A  revista Veja chegou a reportar o fato em três edições. A primeira matéria (edição 999) foi em uma coluna com o título “Uma greve insólita”. No número seguinte, edição 1000, havia uma matéria paga, de página inteira, assinada pela Victori Comunicações, com o título “Esclarecimento sobre o contrato com a Embratel”. Na edição 1002, em duas páginas centrais ilustradas com fotos, o assunto foi reportado novamente com o título “O soviete da Embratel”. Um trecho da matéria avaliava “.. se depender da disposição do Ministro Antonio Carlos o soviete que surgiu dentro da empresa tem seus dias contados.”

Com o contrato anulado, o Ministério das Comunicações refreou temporariamente suas iniciativas para a privatização dos serviços, mas o ministro não tardou em fazer retaliações. Nas semanas seguintes à anulação do contrato ele demitiu a diretoria da Embratel por sua condescendência com os grevistas[2] e, dois meses depois, em 11 de dezembro do mesmo ano, 1987, durante a greve da campanha salarial da categoria, ele demitiu empregados em todas as empresas do grupo Telebrás e também nos Correios.

Entre os demitidos estavam alguns dirigentes da Associação de Empregados da Embratel no Rio de Janeiro, entidade que teve um papel fundamental no na Greve da Vicom.


Privatização, não, sô!
O caso Vicom não foi um fato isolado. O contrato ilegal foi parte de uma sequência de acontecimentos que vinham ocorrendo desde o ano anterior como parte das pressões para a privatização das telecomunicações brasileiras[3] e que contavam com a colaboração de autoridades no Ministério das Comunicações.

Desde o início de 1986, mais de uma ano antes da greve, eram cada vez mais frequentes as notícias sobre iniciativas para a quebra do monopólio e sobre a acolhida que elas encontravam no Ministério das Comunicações.

Manifestadamente contra estas iniciativas estavam os empregados da Embratel, incluindo a gerência intermediária da empresa[4].

Os empregados da Embratel, àquela altura, já estavam mobilizados numa campanha para que o monopólio estatal das telecomunicações, então determinado por uma lei ordinária, fosse estabelecido de forma definitiva na Constituição que também era um assunto em debate. O parlamentares eleitos em novembro de 1986 formaram a Assembleia Nacional Constituinte que foi instalada em 1º. de fevereiro de 1987.

 Atos públicos, palestras, seminários e campanhas vinham sendo promovidas pelas organizações dos empregados, desde o ano anterior à greve, nos diversos locais do país onde existiam unidades da Embratel[5].

Privatização, não, sô! Foi o nome  escolhido, em um concurso, para o arraiá da festa junina em 1986, promovido pela Associação dos Empregados no Rio de Janeiro – AEBT-RJ.

Em abril de 1987 a AEBT – RJ denunciou e questionou declarações públicas do vice-presidente da Embratel, Cleofas Uchoa, defendendo a privatização.  Em retaliação, em 28/04/1987, a diretoria da Embratel aplicou uma punição disciplinar aos 05 (cinco) empregados que compunham a direção executiva da Associação  com uma suspensão de 15 dias de suas funções na empresa[6].

Em 13 de maio de 1987, comemorando o retorno ao trabalho dos dirigentes punidos, os empregados da Embratel realizaram um abraço ao prédio sede da empresa e, de mãos dadas e cantando o Hino Nacional, envolveram, literalmente, todo o quarteirão onde está situado o edifício.

No ato do abraço à Embratel foi feito o lançamento de uma campanha para a coleta de assinaturas em uma emenda popular em defesa do monopólio e que deveria ser entregue à Assembleia Nacional Constituinte que já estava instalada.

Mais criativa que a Beija-Flor, mais garra que a Portela e mais segura que a Mangueira, assim foi descrita pelo jornal Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, a passeata até a Praça da Cinelândia, realizada em 17 de julho de 1987, com 22 alas e cerca de 50 mil pessoas no Dia Nacional de Mobilização das Emendas Populares.

 Os empregados da Embratel estavam lá, éramos a ala das Telecomunicações, contra a privatização das estatais e com um originalíssimo satélite, em isopor e suspenso por balões de gás, destacando-se em toda a passeata.

Em 13 de agosto foi formalizado o registro da Emenda Popular PE – 24 de 1987, em defesa do monopólio estatal das telecomunicações, com 111.992 assinaturas de eleitores, coletadas pelos empregados da Embratel em todo o Brasil.

Neste cenário ocorreu a vitoriosa greve da Vicom que foi um marco político importante, não apenas para o setor de Telecomunicações, mas para vários setores da vida pública do país. Foi uma manifestação de servidores públicos estatais que se contrapuseram com clareza e vigor a uma ação da alta administração que lesava o interesse público.

A atitude dos empregados da Embratel ao confrontar a direção da empresa e o vigor e disposição com que se lançaram em defesa do patrimônio público, sem deixarem espaço para serem acusados de corporativismo, foram fatos relevantes registrados nos noticiários em todo o Brasil e em um número importante de trabalhos e análises da história do setor, incluindo trabalhos acadêmicos de pós-graduação universitária.

A greve da Vicom, em outubro de 1987, impulsionou a luta pelo modelo de monopólio estatal que viria a se desdobrar ao longo do ano seguinte, 1988, em uma atuação direta no Congresso Nacional, e sustentadas por mobilizações dos empregados do setor.

Agregados através da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações – Fittel, alguns sindicatos do setor e Associações de Empregados da Embratel organizaram a participação voluntária de diversos empregados que se deslocaram para Brasília e realizaram um trabalho de esclarecimento e convencimento dos constituintes e lideranças partidárias para o voto em favor do monopólio estatal[7].

Assim, num ambiente de disputas contra grupos empresariais e seus representantes políticos que, além de objetivarem a privatização das telecomunicações, atuavam ilegalmente para fazer dela um fato consumado, o congresso Constituinte aprovou o texto do Capítulo II, Artigo 21 – inciso XI, estabelecendo o monopólio estatal constitucional a partir de 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição[8].

Foi uma vitória dos empregados da Embratel e dos trabalhadores de Telecomunicações, uma vitória da sociedade brasileira.


Muitas provas, mas sem julgamentos no STF
A aprovação do texto constitucional foi uma vitória expressiva, mas não encerrou as disputas nas telecomunicações. Foi, na verdade, o início de uma nova fase de enfrentamentos. Num primeiro momento o embate foi contra vários atos inconstitucionais, decretos e portarias, gerados dentro do próprio Ministério das Comunicações, para a quebra do monopólio, já constitucional. Mais adiante, a disputa foi contra as iniciativas de mudanças na Constituição de 88, recém-promulgada.

Marcos deste enfrentamento foram as lutas para tornar sem efeito portarias e decretos inconstitucionais emitidos nos gabinetes do Minicom, ainda nos anos 1988 e 1989; as tentativas de alteração de modelo inseridas no “Emendão do Collor”, em 1991; outros contratos ilegais que barrados por liminares na Justiça Federal, em 1992 e a Revisão Constitucional, em 1993.

Chegamos ao absurdo de precisar entrar com ações na justiça obrigando operadoras de telefonia a iniciarem a implantação e exploração da telefonia celular , visto que já dispunham de recursos para tal, porém não o faziam por ordens de autoridades e resguardando o mercado para a iniciativa privada, na expectativa da privatização daquele serviço

Foram muitas lutas e vitórias até que, finalmente, o monopólio foi quebrado na Reforma Constitucional, em 1995, graças às ações realizadas sob a liderança do presidente da república Fernando Henrique Cardoso, seu partido PSDB, seus aliados políticos e os grupos econômicos que o elegeram.

A Constituição foi modificada. O Sistema Telebrás foi desfeito e, após 10 anos de enfrentamentos, as operadoras de Telecom finalmente foram vendidas ao capital internacional. Entre elas, a Embratel, num leilão, em 29 de julho de 1998, considerado como a maior privatização da história.

Não demorou muito e, logo no ano seguinte, em 1989, vieram ao conhecimento público um conjunto de mais de 50 fitas de áudio com gravações de conversas obtidas por grampos em telefones do BNDES e que mostraram um leilão viciado e envolvendo a cúpula do governo para favorecer um dos potenciais compradores no negócio de 22 milhões de dólares.

As revelações de conversas do então Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, do presidente do BNDES, André Lara Resende e de diretores do Banco do Brasil e da Previ provocaram a queda dos mesmos, embora, neste caso, não tenha havido: clamor indignado da grande mídia, instauração de  CPI, cassações e, muito menos, julgamentos no STF.


Nem Google, nem Facebook
Um brasileiro nascido em 1987 terá hoje 25 anos. Se tiver crescido em qualquer centro urbano do país e qualquer que seja a sua situação sócio - econômica, certamente terá dificuldade para imaginar um mundo sem computadores e celulares.

Notebooks, palmtops, smart-phones, ipad, wi-fi, facebook, instagram, megabytes, pixels e um sem número de elementos e funcionalidades tecnológicas fazem parte do cotidiano deste cidadão brasileiro, urbano, determinando o seu comportamento, suas relações e até seus valores.

Embora alguns destes elementos e funcionalidades sejam completamente abstratos, eles são tratados com naturalidade, como se sempre estivessem aí, em que pese nenhum deles existisse há 25 anos e nem mesmo fossem imaginado como possíveis, salvo nos centros de produção de tecnologia que ainda gestavam os embriões deste admirável mundo novo. Um mundo tão difícil de ser imaginado naquela ocasião quanto talvez seja para o cidadão de 25 anos imaginar, sob a óptica de hoje, como eram os recursos tecnológicos na época do seu nascimento.

Foi no cenário de 25 anos atrás que ocorreu a Greve da Vicom e a luta pelo monopólio e, naquele cenário as nossas dificuldades iam além da defesa específica das nossas teses.

Numa época em que o conhecimento público sobre Telecom reduzia-se quase que exclusivamente à televisão e telefone, nem mesmo o telex era um serviço popular de Telecom, falávamos, vejam, na importância de uma tal "comunicação de dados" e sobre as possibilidades da interação das telecomunicações com as tecnologias de computação e de informação. Temas que poucos tinham ideia do que se tratava.

Repórteres e jornalistas, nos diversos locais do país, atraídos pela repercussão do movimento dos empregados perguntavam: Que é isto? Do que se trata? Por que todo este movimento?

Cada entrevista ou depoimento precisava ser precedida de aulas sobre telecomunicações. Emissor, receptor, mensagem, conteúdo, rede de telecomunicações serviço de informação, comunicação de voz, comunicação de dados etc. Precisávamos explicar os conceitos e os termos.  Era preciso fazer analogias e, só então conseguíamos abordar o assunto, falar sobre a sua importância e as nossas teses.

Para chamar à atenção e angariar simpatizantes para as questões que apresentávamos era preciso explicar o salto tecnológico que estava ocorrendo. Explicar que a evolução tecnológica estava caminhando para viabilizar o uso popular das comunicações sem fio entre telefones, repito, telefones. Nada tinha a ver com os modernos microcomputadores, nem com os smart phones corriqueiros, hoje, em mãos de crianças conectadas por wi-fi.

Era necessário explicar que a tradicional rede de fios estava perdendo o seu cordão umbilical e que seria uma oportunidade para o Estado saldar a dívida que tinha com a população: a dívida da baixa densidade telefônica, ou seja, a falta de telefones. Que seria a oportunidade para um salto de qualidade no ambiente social com a implantação de redes de comunicação para serviços públicos.

Diga-se, desde já, que seria uma enorme presunção dizer que já se esboçava o cenário do mundo que vivemos hoje.  Um mundo com Internet, Google e Facebook .

Apenas como uma referência de tempo:  as primeiras iniciativas para viabilizar o acesso público à internet, no Brasil, ocorreram em 1994.  O Google foi criado em 1998 e o facebook em 2004.

Porém, sabíamos que estávamos apontando na direção certa. Que os avanços tecnológicos seriam inexoráveis e em saltos gigantescos. Saltos para um cenário que iria muito além da nossa imaginação e que se avizinhava um mundo de oportunidades e, naturalmente, de negócios. Os números projetados e o empenho das gigantes corporações internacionais na privatização das telecomunicações eram indícios.

Sabíamos que, para garantir o aproveitamento e a distribuição social destas oportunidades e dos ganhos advindos daí, era imprescindível a universalização do acesso às telecomunicações. Para tal,  seria necessário que a sociedade dispusesse de uma ferramenta especial de atuação neste novo mundo. Uma empresa pública explorando um serviço público.

Com esta análise e visão lutamos pelo modelo constitucional do monopólio e contra a privatização do sistema Telebrás. Um modelo que privilegiaria e possibilitaria a distribuição social das potenciais riquezas que este novo mundo tecnológico anunciava.

Em outro campo estavam aqueles que tentavam, até por meios ilegais, alterar o modelo vigente para a criação e exploração de novos negócios e para a apropriação privada dos ganhos advindos daí. Buscavam para si a apropriação do que até então era recurso público.

Infelizmente estes atores, corporações multinacionais que não atuaram exclusivamente no Brasil ou no setor de Telecom, contaram com a colaboração de uma quantidade significativa de brasileiros que ocupavam postos estratégicos do setor – público – e que cumpriram o papel de minar e destruir por dentro, de sabotar, qualquer ação que representasse um contraponto aos seus projetos de privatização.

Foi neste caldeirão que ocorreu a mudança do modelo de exploração de serviços e as privatizações no setor de telecomunicações do Brasil. O desmonte do sistema Telebrás e a venda ou entrega da empresa que, nos folhetos de propaganda internacional do processo de privatização no Brasil, era chamada de “a joia da coroa”, a empresa Embratel.


Deu no que deu!
O modelo atual de exploração dos serviços de telecomunicações no Brasil é, naturalmente, a consequência direta da opção pela privatização nos termos em que foi realizada.

Tal modelo foi justificado perante a sociedade com os compromissos das metas de universalização do acesso aos serviços telefônicos, a propósito, compromissos só foram estabelecidos em decorrência das lutas contra a privatização.

Sem as lutas pelo monopólio, nem mesmo as metas de universalização existiriam porque teriam vingado as teses iniciais dos defensores da privatização que afirmavam que as comunicações de dados e até mesmo a telefonia não eram serviços públicos, assim, deveriam estar excluídos do monopólio.

O resultado está aí, para quem quiser ver. Deu no que deu!

As metas de universalização não foram cumpridas. A evolução tecnológica trouxe a internet e as comunicações sem fio. E os empresários, descumpridores das metas de universalização, argumentam hoje que os serviços de internet e as comunicações sem fio não se enquadram nos compromissos das citadas metas.

Trata-se de um modelo que não só prioriza os acionistas e os atuais proprietários das operadoras, sem contrapartidas, como também é um modelo que inclui apenas uma parcela da sociedade. A parcela que cabe nos planos de investimentos e de taxas de lucros das corporações que fazem o que querem no setor.

A qualidade dos serviços é péssima. É tão frequentemente ruim que a população já acostumou com as quedas, ruídos, distorções e demora nas conexões.

As empresas operadoras, em nome de garantir os ganhos dos seus acionistas e altos executivos, desconsideram completamente os seus compromissos de concessionárias de serviços públicos.

O Estado deixou de dispor do importante recurso de complementação da formação de mão de obra especializada em tecnologia de ponta, papel que era desempenhado pelas empresas estatais. O proprietário privado, por sua vez, não se sente obrigado a tal porque o modelo não resguardou este compromisso.

A agência reguladora, Anatel, é um arremedo de poder regulador, motivo de piada nos ambientes das empresas.operadoras. Eventualmente, para manter a encenação da regulamentação do setor, ela provoca alguns espasmos com ameaças de multas milionárias que ninguém paga ou pagará.

 Um destes espasmos regulatórios  foi provocado recentemente com a proibição da comercialização de novas linhas celulares face a péssima qualidade dos serviços prestados e a enxurrada de reclamações. Mas, não passou disso, as empresas fingiram que vão atuar para a melhoria da qualidade e a proibição foi suspensa, foi uma espécie de feriado para balanço.

Os governos dos principais estados da federação estão sendo obrigados a constituir as suas próprias infraestruturas públicas de telecomunicações para viabilizar os seus projetos nas diversas áreas da administração pública. Porém, agora viabilizando os negócios das operadoras privadas através de acordos e convênios.

O governo federal, sem instrumento ou salvaguarda determinada pelo modelo privatista, promove a ressurreição da Telebrás como mecanismo de viabilização de um Plano Nacional de Banda Larga com um serviço a preço popular (1 Megabit por 35 reais). E, por incrível que pareça, só o anúncio de tal medida faz baixar preços e aumentar a oferta de serviços.

Esta é uma síntese do modelo de privatização das telecomunicações brasileiras que, a rigor, não se afasta muito do que ocorreu em outros setores estatais.

Importante e estratégico como nunca.
Não é incomum ver nas ruas do Rio de Janeiro trabalhadores da coleta de lixo falando ao celular enquanto realizam suas tarefas. Cena que deve se repetir em outros centros urbanos. Entre os jovens o uso do celular é uma febre. Parece que não há vida fora da comunicação em rede.

Alguém apressado formulará outros exemplos para agregar ao do gari, e os apontará como a evidência cabal do acerto das decisões que determinaram as privatizações das telecomunicações e o desmanche do sistema Telebrás com a venda das operadoras.  Os preconceituosos argumentarão: Até gari tem celular!

Infelizmente esta conclusão será um erro. Ao lado das mudanças radicais que as comunicações móveis provocaram em todo o mundo, independentemente das privatizações, a realidade é que as comunidades e os grupos mais carentes da sociedade brasileira ainda estão impedidos de participarem desta rede, embora alguns  até possuam um celular pré-pago.

Os dados mais recentes sobre esta distribuição de recursos são os da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio 2011, PNAD, do IBGE. O computador com acesso à internet foi o bem durável que registrou a maior expansão nos domicílios brasileiros entre 2009 e 2011. São 61,3 milhões de domicílios no país dos quais 36,5%, cerca de 22,4 milhões, contavam com internet ao final do ano passado.

As autoridades divulgam esta situação como importante e, de fato, ela é.Entretanto, o complemento desta informação é que 3,9 milhões de domicílios tinham computador na ocasião da pesquisa, mas estavam sem acesso à rede por falta de oferta da banda larga ou falta de grana para contratar um serviço de acesso. Além disto, outros 35 milhões de domicílios, 57,1% do total, não tinham nem computador nem internet porque a distribuição desta riqueza tem o mesmo perfil de desigualdade regional de outros itens com uma concentração de 76,18% do total de computadores do país nas regiões Sul e Sudeste.

Sem um instrumento que determine a orientação dos investimentos visando uma distribuição social desta riqueza, os efeitos econômicos da disponibilidade das telecomunicações concentram-se em cerca nos 780 municípios maiores e mais desenvolvidos do país que concentram 61% da população.

Não é agradável tratar estes números. Até a leitura é enfadonha. Mas, o que eles dizem efetivamente é que tais carências significam escolas sem um telefone fixo ou móvel ou, ainda, sem a possibilidade de conexão de computadores à WEB, mesmo que estes computadores existam.

Estes números representam a quantidade de brasileiros que não podem usufruir dos ganhos e benefícios viabilizados pelas tecnologias de informação e de telecomunicações. Estão excluídos e são tratados como uma espécie de “mercado reserva”. Ao mesmo tempo, os incluídos pagam pela má qualidade e sustentam  sustentam o modelo atual.

Evitar esta situação! Reduzir as chances da sua ocorrência! Criar alternativas! Estas foram as diretrizes que pautaram a defesa do monopólio estatal e os embates que decorreram daí, entre eles, a greve da Vicom.

Não faria muito sentido falar em luta contra a privatização das telecomunicações apenas como uma manifestação de nostalgia. Retomar esta questão seria propor uma estatização dos serviços, tese que não é descabida, mas que não será valorizada aqui. Porém, o país e as necessidades e projetos do seu povo continuam.

O setor de telecomunicações continua sendo mais importante e estratégico do que nunca. No exato momento em que este texto está sendo elaborado surgem notícias que uma comissão de parlamentares americanos sugere a elaboração de legislação específica para tratar do risco de fornecimento de equipamentos de telecomunicações por empresas estrangeiras com forte elo com seus governos e recomendam que empresas americanas não adquiram produtos de dois fornecedores específicos,chineses que a propósito, também são fornecedores no Brasil.

No Brasil, um importante periódico do setor informa sobre pesquisa onde executivos de empresas que representam 30% do PIB brasileiro consideram a infraestrutura de banda larga a principal entre as 10 obras mais necessárias para o desenvolvimento do país, embora  este item sequer esteja contido no PAC.

Há temas importantíssimos para tratar e a universalização do acesso é uma demanda que não pode sair da ordem do dia. Mas, as soluções não virão das corporações oligopolistas nem das decisões das assembleias de acionistas. Elas não virão do livre mercado, da concorrência, nem de outros mitos da organização de produção capitalista.

Na conjuntura em que vivemos as soluções precisam ser impostas pelo Estado, enquanto ele existir,  como representação da sociedade garantindo a apropriação e distribuição destes ganhos tecnológicos sob a forma de metas, compromissos, obrigações, impostos, taxações e, se necessário,reapropriação de patrimônio.

Mas, estes são assuntos para serem tratados em outra oportunidade. Tratamos aqui de celebrar e comemorar a greve da Vicom e o que ela ainda representa. Uma boa luta. Vitoriosa. Outras foram perdidas, porém  vale nestes casos a resgatar a mensagem do grande Darcy Ribeiro: .. em nenhum minuto da minha vida, eu queria estar do lado daqueles que ganharam.”

Rio, 12/10/2012
Referências:


[1] Quando ocorreu a greve da Vicom o monopólio estatal das Telecom ainda não era constitucional. Era uma exclusividade da Embratel determinada pela lei 4117 de 27/08/1962, a mesma  que determinou a criação de uma empresa que viria a ser a Embratel. O monopólio constitucional foi estabelecido  em 05 de outubro de 1988 com a promulgação da Carta atual.

[2] O ministro demitiu toda a diretoria executiva da empresa exceto o diretor Administrativo, Claudio de Chagas Freitas.

[3] Em 02/01/1986, o banqueiro Amador Aguiar (Bradesco) e o jornalista Roberto Marinho (Globo), donos brasileiros da Vicom, enviaram carta ao secretário Geral do Ministério das Comunicações, Rômulo Furtado, solicitando a emissão de uma portaria com permissão para a exploração do Serviço Limitado de Múltiplos Destinos. Isto seria, na prática, a quebra do monopólio (Ref. Acervo particular do autor)

[4] Em 18/06/1986,; 04/07/1986 e 07/071986, os gerentes Superintendentes da Embratel das áreas Norte, Comercial e Centro – Leste, respectivamente,  enviaram cartas – manifesto à diretoria da Embratel , em nome dos empregados e gerentes de suas áreas manifestando-se contra as iniciativas de quebra do monopólio que vinham sendo divulgadas pela imprensa ou por comentários nos ambientes da empresa (Ref. Acervo particular do autor)

[5] No esforço de fazer vir a público  as iniciativas dos grupos Globo e Bradesco AEBT-RJ realizou, em 17/06/1986, em parceria com o Clube de Engenharia RJ, o seminário Privatização x Monopólio Estatal – Quem ganha? Quem perde? Procurado pela imprensa, o ministro ACM admitiu os fatos denunciados pela Associação e a existência de estudos para acatar as solicitações da Victori (Ref. Acervo particular do autor)

[6] A AEBT-RJ distribuiu um boletim com o título Demissão Já onde denunciava e questionava declarações do vice-presidente em favor da privatização. O texto do boletim incluía as questões: Como reagiria o Sr Amador Aguiar ou o Sr. Roberto Marinho se um dos seus diretores defendesse a estatização dos bancos ou da Rede Globo? (Ref. Acervo particular do autor)

[7] A atuação dos trabalhadores do sistema Telebrás, particularmente da Embratel, junto aos constituintes, em Brasilia, constitui uma história especial a ser narrada. A  brilhante atuação dos empregados  fez jus ao movimento da Vicom com a aprovação do monopólio estatal.

[8] A aprovação do monopólio na Constituição ocorreu no primeiro turno das votações em 07/03/1988 com uma votação de 392 votos a favor, 04 contra e 04 abstenções (Ref. Diário da Assembléia Nacional Constituinte – No. 194, pág. 249 e 250). A ratificação da aprovação, no segundo turno, foi em 16/08/1988.


Jorge de Souza Santos
Engenheiro de Telecomunicações.
Trabalhou na Embratel, na Philips do Brasil e na Telesp.
Foi fundador, diretor e presidente da extinta Associação de Empregados da Embratel no Rio de Janeiro (AEBT-RJ).

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