segunda-feira, 24 de junho de 2013

Junho 2013. São João deve ter estranhado as fogueiras brasileiras.

Opinião

É muito bom e importante para o nosso país a ocorrência destas manifestações. Ao lado da questão específica do preço das passagens, o movimento jogou por terra o tradicional  lenga-lenga sobre a passividade da população brasileira. O povo está aí, unido e vitorioso, ocupando as ruas em passeatas e agitações com as suas palavras de ordem em manifestações que sempre foram típicas dos militantes e partidos de esquerda, muitas vezes alvos de chacotas e rotulados como agitadores e radicais exatamente por tais práticas. Avançamos!

As manifestações devem ser apoiadas e seria muito bom que continuassem. Elas têm poder e mostram que é possível forçar o posicionamento dos governos na direção da vontade popular.

As mobilizações cresceram em um solo fértil criado pelas opções políticas do governo do PT e nos espaços vazios das ruas deixados não só pela sua militância, mas também pelas lideranças da CUT e da UNE. Estes últimos deixaram a interminável e nada atraente tarefa de ressoar as indignações e reivindicações dos seus representados e adotaram um alinhamento político sem críticas em troca de confortáveis cargos nas instâncias do poder estatal e do usufruto de verbas oficiais.

 Os protestos também assanharam os partidos da direita representados especialmente pelo PSDB, além da parcela conservadora e preconceituosa da sociedade que nem se organiza politicamente, mas que não engoliu as expressivas vitórias de Lula e Dilma, muito menos o sucesso e os índices de aprovação popular de seus mandatos.

Os partidos de direita, sem propostas, espreitam os acontecimentos e torcem pelo caos total na expectativa de colocar o prejuízo na conta da Dilma durante a próxima campanha eleitoral.  Os preconceituosos, sem uma direção apontada pelos partidos de direita, aproveitam para divulgar o seu preconceito. Muitos até participaram das passeatas, mas estariam bem mais confortáveis se fossem marchas da família com deus pela liberdade (as minúsculas aqui são propositais). 

Apesar de muito importante, as mobilizações ainda refletem um estágio primário de consciência política, na medida em que hostilizam generalizadamente a organização partidária, uma conquista histórica obtida à custa de muitas lutas e sacrifícios ao longo da história brasileira. As ditaduras e os caudilhismos políticos florescem neste ambiente de geleia geral e alienação.

É interessante observar que basta esticar um pouco a conversa e as mesmas pessoas que apontam o apartidarismo como mérito dos protestos começam a discursar sobre os pontos que deveriam ser reivindicados, as questões que deveriam ser prioritárias, bem como o que deveria ou precisaria ser ou não ser feito.  Com raríssimas exceções, todos querem pautar os temas das mobilizações à luz de suas escolhas, ou seja, ninguém quer a participação dos partidos, mas todos querem apontar a direção política do movimento.

Mas este salto de qualidade – de todos nós – virá da experiência e das lutas. Ele não ocorrerá com um partido assumindo o carro de som e dizendo o que fazer ou para onde ir, tão pouco será aprendido em livros ou textos políticos. Muito menos pelos editoriais e pareceres divulgados nos jornais, rádios e TVs. A realidade dará conta das contradições e cuidará de identificar e acolher ou rechaçar os movimentos organizados, incluindo os partidos políticos, a partir das posições e ações no campo das lutas sociais.

As grandes centrais sindicais perderam este trem. Acho correta a avaliação do PSTU que seria a oportunidade de convocar uma greve geral, mas também acho que elas já não tem autoridade política para tal. Uma greve geral seria efetivamente um passo de gigante desperto. Seria uma advertência na medida em que vivemos um momento sensível da situação econômica, quando a crise que só mostrava a sua face internacional bate mais forte e com maior insistência nas portas do nosso país que já não navega em mares de tranquilidade econômica como ocorreu no governo anterior.

A crise é real e consistente, e não tenhamos dúvidas que serão os trabalhadores – e consequentemente a parcela mais sacrificada de toda a sociedade - os primeiros a serem imolados como oferendas aos deuses do modo de produção capitalista.

Arrocho salarial, desemprego, redução de proteções legais do trabalhador, flexibilização das obrigações dos empregadores etc. são procedimentos padrão adotados pelos dirigentes do sistema com o objetivo de preservação das suas taxas de lucro e nenhuma ação do governo atual, em que pese a incontestável importância de algumas de suas políticas sociais, indica que o enfrentamento da crise se dará sob a óptica prioritária do interesse dos trabalhadores.

Assim, devemos endossar as mobilizações e trabalhar para a vitória das mesmas. Fazer a hora sem esperar acontecer para, então, tentar retomar as mobilizações. Se o governo petista quisesse esta seria uma chance de sair da prisão em que ele próprio se meteu com suas alianças e compromissos políticos.

Naturalmente há problemas e aspectos difíceis de tratar. As invasões do tráfico, da delinquência e da indigência, assim como as infiltrações de grupos fascistas organizados promovendo a baderna e o vandalismo são uma realidade. Mas, estes serão expurgados pela efetiva politização do movimento. Eles não resistem à política e o próprio movimento dará conta deles. Não será a polícia.

Polícia é força armada do estado e o estado está privatizado, não é dos trabalhadores. Ela não está aí para defender o patrimônio público, embora até o faça. Está aí para defender a propriedade privada e preparada para dar porrada nos manifestantes. Não há polícia simpática nem democrática. Ela obedece a ordens de comando (e nem sempre) e só abaixa o cassetete quando teme levar porrada da multidão de manifestantes.

No mais, vamos tentar avançar. Sigo na linha do PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. São militantes que além despertarem para a necessidade e importância das mobilizações, há algum tempo decidiram realizá-las, bem antes do junho de 2013. Na luta pelo passe-livre, mas também pela educação, pelos salários dos professores, contra a privatização das empresas, contra a entrega do petróleo, pelos salários dos motoristas de ônibus, contra governantes e parlamentares picaretas e solidários com trabalhadores do outro lado do mundo.

A luta continua! Vejam só, até antes de junho 2013 esta palavra de ordem era considerada por muitos como um anacronismo da esquerda política.

A odontologia militante


Crõnicas de militante


Em 1988 tentávamos aprovar na Assembleia Nacional Constituinte a anistia para os empregados das estatais demitidos por participarem de greves. Na prática, precisávamos aprovar uma proposta de emenda ao texto base de Constituição que estava em votação. A proposta, por sua vez, era a consolidação de outras emendas, de diferentes parlamentares, um mecanismo que foi chamado de “fusão de emendas”. Nem todos os parlamentares que contribuíam com suas propostas para uma fusão empenhavam-se na aprovação da resultante. Era comum a proposta resultante de fusão de emendas ter um patrono, geralmente um dos parlamentares que contribuiu para a fusão e que tinha efetivamente o interesse na sua aprovação. O patrono ficava responsável por negociar adesões e realizar todas as mediações necessárias entre o Congresso Constituinte e a base de interessados na aprovação da emenda, no caso, os trabalhadores das estatais.

O patrono da emenda da Anistia foi o deputado João Paulo, do PT/MG,  que abraçou a causa. No Congresso já contávamos com uma infraestrutura viabilizada pelo PDT que nos permitiu o uso de salas da Comissão do Trabalho, e ocupamos, também,  o gabinete do nosso patrono. Atuávamos como seus assessores, e a sua agenda era praticamente determinada pela comissão de trabalhadores que tratava o assunto, naturalmente com participação e consentimento do deputado. Definíamos estratégias de abordagem, elaborávamos material para orientar a intervenção dos voluntários novatos e fazíamos visitas a parlamentares. Ao final do dia tínhamos histórias para relatar, prestar contas das tarefas e avaliar os trabalhos.

Também definíamos ações que só poderiam ser realizadas pelo patrono da emenda, algumas junto a outros Constituintes e algumas dentro do seu próprio partido que também tinha outras prioridades e que também requeria a atuação do deputado. Nos finais de semana havia recesso parlamentar e descanso para os militantes cuja tarefa principal era a abordagem e visitas aos gabinetes, mas ainda assim havia material para preparar, para imprimir, contatos para fazer e tudo tinha que ser realizado em sintonia com o patrono da emenda que também passava o fim de semana atolado em atividades.

Num certo fim de semana o nosso patrono informou que precisava visitar sua cidade, e isto foi um problema porque precisávamos dele em Brasília. Contestamos, argumentamos, queríamos saber o que era tão importante. O deputado informou que não estava suportando o incômodo de um dente quebrado ou rachado. Ele estava adiando, mas precisava de um dentista. Disse que conseguiu agendar uma consulta especial em sua cidade, mesmo no fim de semana, uma oportunidade que ele não poderia perder. O grupo insatisfeito, mas compreendendo a situação, cedeu em suas argumentações. Quase todos calaram, mas um companheiro fez mais uma investida. Sem constrangimentos, sugeriu ao deputado que fizesse uma gambiarra no dente ou na prótese, colando-a com superbonder como ele próprio, nosso companheiro já havia feito.

Para endossar a sua proposta, enfiou dedos na boca e retirou um pivô ou coisa que o valha e exibiu na palma da mão para o deputado e para nós demonstrando como ele colou o próprio dente e a sua proposta poderia se viabilizar. Ficamos mudos. Todos. O deputado, literalmente, de boca aberta. Não acreditava no que estava vendo e ouvindo, até que alguém abraçou camaradamente o companheiro, propôs que saíssemos da sala e encerrássemos a reunião liberando nosso patrono para a sua viagem.

Nosso companheiro, protético eventual, esclareceu que o seu objetivo era dar mais uma contribuição. Ele sempre foi uma referência entre os demais militantes. Participamos de mãos dadas e choramos juntos na votação que aprovou a emenda da Anistia e ele ficou lembrado como um dos símbolos daquela vitória que foi mérito de tantos militantes. 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

O nylon da CUT e os ninjas da ECO

Crônicas de militante

Os funcionários da Associação de Empregados da Embratel  ligaram assustados para narrar o fato. Era horário de expediente na empresa e não havia diretores presentes na sede da associação onde chegaram militares, bombeiros e pessoal da Prefeitura. Queriam saber sobre uma “corda” que estava estendida deste a janela da sala da AEBT RJ, no 17º. Andar do prédio em uma esquina da Av. Presidente Vargas, e que atravessava metade da avenida.

A corda foi identificada durante os voos rasantes de helicópteros que estavam sendo realizados, sistematicamente, ao longo de toda a avenida ocupados com soldados uniformizados e usando capuzes do tipo “ninja”, ostensivamente armados e, naturalmente, ameaçadores. Os voos faziam parte das medidas e ações de segurança que tomaram conta da cidade do Rio de Janeiro nas vésperas e durante a ECO – 92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.

Com a visita de cerca de 120 chefes de estado e participação de 172 países, praticamente todos os dias autoridades desfilavam pela Av. Presidente Vargas protegidas por um aparato de segurança que incluía voos rasantes de helicópteros das três forças armadas. Rasantes mesmo, pois os seus ocupantes podiam ser identificados por nós que trabalhávamos em sétimo andar de prédio na calçada da avenida. Na mesma calçada, mais adiante, na esquina, ficava a sala da sede da AEBT RJ de onde os helicópteros identificaram a tal corda esticada, indevida e intrusa, justo no seu caminho.

O relato dos empregados da associação ressaltava o susto e o medo que sentiram ao atenderem à porta e identificarem todo o aparato de visitantes querendo explicações sobre a “corda” que evidentemente deveria ser retirada. Os empregados nem se lembravam da tal “corda” e ficaram apavorados porque, com o histórico de envolvimentos políticos da associação e seus militantes, eles (os empregados) logo imaginaram que algo deveria ter sido aprontado, mesmo que eles não soubessem nada sobre o assunto.

Verificou-se, então, que a “corda” era apenas um fio de nylon, uma linha de pescar bem grossa, mas cujo diâmetro não passava de três milímetros e que fazia parte de uma simples, mas brilhante engenhoca elaborada por um companheiro e que nos permitia hastear bandeiras e faixas desde a janela da associação até o topo de postes da avenida Pres. Vargas, atravessando uma das faixas de rolamento da mesma. Seu primeiro uso foi com uma bandeira da CUT durante a greve geral de 1989 e no mesmo ano içamos também uma faixa para o comício final de Lula na campanha presidencial. O fio de nylon foi deixado lá, para um uso futuro. Para nós ele era praticamente invisível, mas a neura de segurança era tanta que os ninjas da ECO, sabe-se lá como, conseguiram identificá-lo. Um peteleco teria sido o suficiente para cortá-lo, mas ele foi visto como uma ameaça, como uma “corda”, bem na rota dos helicópteros.

O telefonema que recebi foi apenas para informar o ocorrido, porque ninguém cogitou sequer de pedir aos visitantes aguardassem para que os diretores da associação fossem contatados. Ainda segundo o relato dos empregados, a equipe que visitou a associação estava equipada com armas e machados, embora uma pequena tesoura tenha resolvido o problema sem incidentes maiores e eliminou aquele item que por algumas horas ameaçou a segurança e integridade dos chefes de estado que visitaram o país.

Para nós o caso foi cômico. Esquisito mesmo foi para o pessoal da Rocinha que ficou sob a mira de canhões de tanques de guerra que se posicionaram apontados para a comunidade, tudo em nome do sucesso daquele circo que se chamou ECO 92.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Nós que aqui ficamos por vós esperamos.

Crônicas de militante

Era início da noite, eu e um companheiro fomos à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, na Praça XV, contatar alguns parlamentares para a participação em atos públicos da Associação de Empregados da Embratel – AEBT RJ. Na ocasião, alguns diretores estávamos punidos com suspensão de 15 dias em decorrência conflitos com a diretoria da empresa sobre a política de Telecomunicações.

Ao passarmos pelo salão nobre da Assembleia verificamos grande movimentação e galerias cheias na expectativa de algum evento, e tomamos um susto porque as galerias estavam ocupadas com trabalhadores uniformizados ostentando logotipos e nomes de suas empresas: Correios, Cetel e Telerj. Não identificamos Embratel, talvez porque esta não tivesse um uniforme oficial. A nossa surpresa aumentou ao sabermos que o Ministro era aguardado e que receberia uma homenagem. Só então nos demos conta que era a semana do dia 05 de maio – dia das Comunicações – o que justificava a presença do Ministro. O ano era 1987.

Fizemos contato imediato com a AEBT (não existia celular) na busca de alguns militantes que estivessem por lá e que pudessem trazer faixas ou cartazes sobre os temas de nosso interesse. Tentaríamos exibi-las durante o ato. Por sorte, alguns colegas estavam por lá e se deslocaram imediatamente para a Praça XV. Ao mesmo tempo, assessores do Ministro que nos viram buscando detalhes do evento identificaram as nossas intenções. Assim, barraram a entrada dos colegas que chegaram, e um dos assessores do Ministro cuidou de abordar a mim e ao meu companheiro que estávamos no interior do prédio tentando convencer-nos da impropriedade da nossa manifestação, justificando a proibição do acesso e garantindo-nos uma entrevista direta e particular com o Ministro logo que o evento terminasse.

Replicamos que não era o nosso propósito uma conversa particular com o Ministro, que era nosso direito participar do evento, etc. E também percebemos  que o assessor queria ocupar o nosso tempo, paralisando-nos com sua conversa, enquanto o ato transcorria sem tumultos. Assim, demos um tchau para o tal assessor e insistimos em entrar, mas a barra pesou. Com seguranças de todos os lados nem chegamos perto do Ministro.

Baixamos a guarda, dissimulamos uma saída, mas nos postamos nas laterais da escadaria do prédio por onde possivelmente haveria uma saída pomposa do Ministro que, de fato, ocorreu.  Quando o Ministro desceu alguns degraus, levantamos nossas faixas e mesmo sem dispositivos de amplificação de som começamos a discursar sobre os nossos protestos. A comitiva do Ministro entrou em pânico, não sabiam para onde ir, um verdadeiro “barata  voa”.

O Ministro, vaidoso, achou que a agitação era parte das homenagens. Sem entender, sorria para nós e fazia um meio aceno de simpatia, como políticos, reis e papas costumam fazer das janelas dos palácios. Os seguranças não tinham orientação porque os assessores ainda estavam explicando ao Ministro o que estava ocorrendo. Os demais bajuladores estavam perdidos, queriam pular fora, mas não podiam deixar o Ministro sozinho. Tudo isto sob as lentes dos fotógrafos contratados para o evento.

O Ministro foi retirado rapidamente para o seu carro e sumiu. O mesmo ocorreu com os diretores das empresas, exceto um diretor ou gerente da Cetel que foi esquecido, sem carro para sair do local e deixado no meio dos poucos militantes e curiosos. Nós mesmos cuidamos de encaminhá-lo para um táxi ou seu próprio carro que foi identificado logo depois.

Saímos para comemorar o êxito e o aspecto peculiar da nossa manifestação não planejada, mas que foi um sucesso.

Ver imagens sobre este texto

segunda-feira, 3 de junho de 2013

“Um e noventa e nove” também é “quase dois”

Crônicas de militante

Havia um saco cheio de leiteiras de alumínio que compramos em uma loja de 1,99. Elas eram fininhas, mais um pouco e pareceriam embalagens de quentinhas. Seriam utilizadas num “panelaço”, uma manifestação dos empregados que faziam o serviço de limpeza nos prédios e que não conseguiam receber os seus vales refeição e transportes. Aqueles trabalhadores eram tratados como de “segunda categoria” em quase todas as grandes empresas, estatais ou privadas. Não eram empregados efetivos porque o serviço era terceirizado, e as empresas detentoras dos contratos de terceirização não passavam de arapucas que atuavam sem contestações e submetendo seus empregados a relações de trabalho degradantes.

Naquelas empresas os compromissos trabalhistas raramente eram cumpridos, e quando elas não conseguiam renovar seus contratos, os trabalhadores ficavam a ver navios, contando com a admissão na nova empresa que assumiria o contrato. Neste processo, quando não havia descontinuidade no salário, muitos empregados sequer tinham noção que trocaram de patrão. Quando não era assim, os trabalhadores abriam mão dos seus direitos submetendo-se às chantagens da empresa que perdeu o contrato, sob pena de perderem os prazos de desligamento e a transferência para a nova empresa. Recurso posterior nem pensar. Seus sindicatos também eram uma farsa, além do mais, era comum as empresas que perdiam um contrato simplesmente desaparecerem do mapa, escritório fechado, e pronto.

Na Embratel os trabalhadores da limpeza encontraram na Associação um apoio porque, mesmo sem qualquer poder de representação formal, usávamos a força política disponível, ora tentando fazer com que a Embratel incluísse nos contratos de terceirização as obrigações das contratadas para com os seus empregados, ora cobrando diretamente destas últimas o cumprimento das referidas obrigações. E foi neste cenário, num criminoso e infindável atraso no fornecimento de vales refeição e transporte, que deliberamos realizar o panelaço na porta da empresa, num local por onde passariam os empregados efetivos, gerentes de vários níveis, além de transeuntes e passageiros que entravam e saíam na estação do Metro.

Iniciamos o ato. Concentração, batidas de panelas e discursos para esclarecer o motivo da manifestação. Percebemos, então, que o panelaço estava mixuruca, longe do efeito desejado. Um barulho tímido, como se o pessoal estivesse temeroso ou desistido de prosseguir com o ato. Onde erramos? Avançamos demais e desgarramos da vontade da galera? Isto seria ruim e comprometeria a atividade. Mas, felizmente, a nossa ficha logo caiu. A moçada não queria amassar as leiteiras que receberam novinhas em folha. Eram leiteiras de 1,99, mas não percebemos que elas tinham valores diferentes para nós, os militantes, e para os demais trabalhadores que, acertadamente, pensavam duas vezes antes de amassar as leiteiras no panelaço. Acho que não percebemos isto por soberba, e estivemos no limiar de também tratá-los como trabalhadores de segunda categoria.

Eles nos olhavam com um misto de cumplicidade e ironia. Reconheciam-nos como companheiros que estavam ali, juntos, num gesto de solidariedade incomum para a experiência deles, mas não estavam a fim de amassar as leiteirinhas que receberam e queriam levá-las para casa, as mesmas que tratávamos como descartáveis. Feita a descoberta, acertamos um meio termo: máximo barulho com prejuízo mínimo para as leiteiras. E realizamos a manifestação, aquela e muitas outras. Avançamos em alguns pontos e perdemos em muitos. A farsa da “terceirização” ainda é prática recorrente nas empresas.

Nosso equívoco foi engraçado, mas foi também uma lição. Vivendo em condições privilegiadas e querendo mudar o mundo, devemos avaliar se as leiteiras que precisarão amassadas tem o mesmo valor para todos os envolvidos na luta, mesmo que sejam canequinhas de 1,99.