quinta-feira, 30 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (42)

Opinião


Amanhã será 1º de Maio. Tradicionalmente dia de trabalhadores saírem às ruas em confraternização, grande parte deles sem mesmo saber a gênese de suas celebrações. Uma festa disputada. Memória de lutas contra a opressão, o 1º. de Maio sempre teve um simbolismo fortíssimo, tão forte que o empenho em roubar o seu simbolismo da memória dos trabalhadores é permanente.

No sistema de produção capitalista, onde os trabalhadores se agregam como classe explorada pelo capital, as corporações que representam esse último têm uma preocupação constante em que os trabalhadores não tenham a consciência do papel que representam nesse sistema, ou seja, não tenham consciência de classe. E as corporações trabalham intensamente para isso.

As donas do capital têm plena consciência do que representam e dos seus interesses, dos interesses e vontades de sua classe, mas isso não ocorre entre os trabalhadores. Os trabalhadores sofrem concretamente a opressão, têm força e poder para transformar essa realidade, mas não refletem objetivamente  sobre o mecanismo de exploração que os submete – falta-lhes consciência de classe.

As organizações de trabalhadores que querem superar esses obstáculos apontam as direções das lutas, organizam movimentos reivindicatórios, resgatam memórias de lutas, e é nesse contexto que se enquadra o simbolismo do 1º. de Maio. Antes de tudo, uma data que evoca as lutas e greves dos trabalhadores, além do caráter internacional da sua classe.

Certamente esse tipo de ação bate de frente com os donos do capital que recorrem às suas armas no enfrentamento dessa organização, e sua arma principal é o Estado administrado pelo poder econômico. Conforme a necessidade, essa arma é utilizada desse ou daquele jeito. Ora como instrumento de repressão contra os trabalhadores em suas manifestações e, em outras circunstâncias, como um solvente de suas iniciativas de organização viabilizado através da cooptação de lideranças sindicais e políticas.

Em nossa história já houve momentos em que mobilizações pela jornada de oito horas de trabalho quando vigorava a prática de 10 a 12 horas por dia; pela  abolição do trabalho infantil quando vigorava a prática de contratação pelas fábricas de crianças de seis anos; pela a proteção ao trabalho da mulher, entre outras, eram fortemente representadas em manifestações no 1º. de Maio e, usualmente, reprimidas pelas forças do Estado.

Em outros momentos, a arma Estado foi usada de forma mais eficiente. Foi utilizada para transformar o 1º. de Maio em uma festa alienada das lutas dos trabalhadores. Infelizmente, esse tipo de ação sempre passa, antes de mais nada, pela cooptação de dirigentes sindicais pelegos e traidores de categorias e de classe.

Não cabe resgatar a memória das lutas dos trabalhadores, nem a história dessa data tão importante. Contudo, é triste verificar que nesse ano de coronavírus a cooptação parece ter chegado a um ponto que dificilmente será superado.

A pandemia do coronavírus ficará para sempre na história do nosso país como um marco do ano 2020 e infelizmente,  o 1º. de Maio desse ano também ficará.  Mas, não apenas como um 1º. de Maio de isolamento social, mas também como um 1º. de Maio de lembranças vergonhosas e desonrosas para a história do movimento dos trabalhadores.

As centrais sindicais, com exceção da CSP Conlutas e a INTERSINDICAL celebrarão o 1º. de Maio de 2020 do tipo festa do Estado, fato que não traz muita novidade. A cooptação de dirigentes pelegos, que em vez de estarem à frente das categorias como porta-vozes de suas reivindicações, assumem o papel de mestres de cerimônias de festinhas bancadas pelo governo local tem sido recorrente.

Contudo, esse ano a parada é quente. Até o coronavírus deve estar espantado com tanta sem-vergonhice dos dirigentes sindicais. Esses calhordas estão promovendo um evento com o lema:  

1º. de Maio Solidário – Saúde – Emprego - Renda.
E estão convidando para o evento, entre outros, nada mais nada menos do que:

Fernando Henrique Cardoso (PSDB);  o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ);  a ex-candidata presidencial Marina Silva (Rede); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); o presidente do do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. os governadores do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) e de São Paulo, João Doria (PSDB)

Sim – no mesmo cenário de Reforma Trabalhista, Desemprego, Reforma da Previdência, Privatizações – as centrais sindicais estão fazendo “isso”.

Quem não acreditar busque saber. Os sites das centrais referem-se aos convidados de uma forma genérica como “políticos”, mas a informação está escancarada em alguns jornais das centrais, incluindo no órgão de mídia que representa a CUT  (RBA – Rede Brasil Atual).

Não vale gastar palavras classificando esses hospedeiros que carregam e espalham o vírus do peleguismo entre os trabalhadores. Pra quem é, bacalhau basta. O espaço aqui restante será ocupado para a convocação de uma manifestação classista – um verdadeiro 1º. de Maio -  Vamos à luta!
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Cartaz de convocação para o 1o. de Maio de 2020 pelas centrais: CSP Conlutas e INTERSINDICAL


quarta-feira, 29 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (41)


Opinião


Os  números oficiais de contaminados e de óbitos no Brasil devido ao coronavírus continuam crescendo, apesar de serem assumidamente subnotificados. Não consta que haja estimativas oficiais sobre os números reais que pudesse aumentar o nível de esclarecimento da população.


Nesta semana passou a circular na web, sempre informalmente,  um estudo realizado na universidade de Singapura que é um exercício de predição da evolução da pandemia em vários países do mundo, incluindo o Brasil.  O estudo utiliza modelos típicos de evolução de pandemias ajustados conforme as informações sobre os casos em cada país.

O estudo é bem claro ao apontar um monte de ressalvas e alertas que as curvas de estimativas estão sendo atualizadas diariamente e que não devem ser tratadas como um processo determinístico.

No caso do Brasil, não sabemos se a distribuição das subnotificações está sendo a mesma dos registros oficiais -  pelas dificuldades de realização dos testes, os dados são acumulados e notificados em pacotes o que dificulta o acompanhamento diário e distorce a interpretação de tendências – esse fato aumenta a incerteza nas predições. Se a distribuição dos casos reais for a mesma dos casos notificados, então as expectativas se aplicam.

Não sei explicar por quais razões, mas as expectativas  que estão sendo divulgadas, inclusive por algumas autoridades, coincidem com as informações dos estudos  de Singapura e apontam para dois pontos importantíssimos:

  • Estaríamos passando pelo pico das contaminações em torno da primeira semana de maio de 2020.
  • Essa época marcaria, então, a reversão da tendência de aumento e entraríamos num período de redução progressiva da quantidade de casos.

Tudo isso, naturalmente com as já citadas observações sobre a incerteza. Dependendo de vários fatores poderemos estar num chamado ponto de inflexão (mudança de direção) e essa merda dessa contaminação desandar levando-nos todos para um buraco sem saída. Tomara que não!

Nossa certeza é que com ou sem o acerto das predições, o nosso sistema de saúde que já se caracteriza por uma grande precariedade, está no limite de leitos em UTI  em várias cidades e os profissionais de saúde já estão vivenciando dramas das escolhas de Sofia. E se não estamos já em uma situação de  caos total,  sem duvida é porque com todas as deficiências e fragilidades boa parte da sociedade tem atendido à orientação do isolamento.

A propósito, vale resgatar que a divulgação da situação internacional tem sido contribuição fundamental para a resposta da sociedade ao isolamento. Também é fundamental o registro dessa experiência como exemplo da importância da liberdade de expressão, da divulgação e do acesso às informações. Acho até uma observação vergonhosa, mas esse registro é importante num momento em que afloram manifestações fascistas clamando por retorno à ditadura militar - o que significa o retorno de suas práticas, entre elas, a censura -  e o governo eleito reverência assassinos e torturadores dessa aclamada ditadura.

Nada podemos afirmar ainda sobre as tais predições. Estamos vendo que a situação é estarrecedora em muitos lugares, e deveríamos estar cabreiros e cuidadosos. Porque não há nada que esperar do grupo incompetente que se aglutina em um governo com atributos de genocida. Milícias, estupro, morte, violência, descaso essas são as palavras chaves desse governo.

Na noite de ontem, dia 28/4, o ex-capitão boquirroto foi interpelado por repórteres sobre o aumento de casos de mortes que na último contagem do dia foi de 474 óbitos. Pergunta em público, ao vivo, na presença de diversos repórteres. O Bozo respondeu com uma piada. Como esperar que dessa figura medíocre algum compromisso social? Não tinha, não tem e não terá.

Os profissionais do sistema de saúde – e de outras áreas – não devem ser confundidos com essa corja. Os testemunhos que vêm de todos os cantos do país é que eles estão dando o melhor de si. As soluções aplicadas, os planos possíveis, as ações táticas e os melhores rendimentos têm saído e sairão das iniciativas desses profissionais que representam o nosso serviço público e que atuam independentemente dessa cúpula putrefata que boia sobre a densa camada de verdadeiros trabalhadores.

Essa cúpula precisa ser curetada, raspada e jogada em local para que se decomponha em composto de esterco, quem sabe, um dia, prestem para alguma coisa. Mas, não nos basta que façam arranjos e trocas. As substituições por membros da mesma laia não alteram as políticas. Eles precisam ser retirados pela sociedade como sinal de repúdio a tudo que representam, num esboço de movimento de transformação. Fora todos!.

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Referências para os estudos de Singapura - Atualizados diariamente 

 When Will COVID-19 End? Data-Driven Prediction - Jianxi Luo
Data-Driven Innovation Lab (http://ddi.sutd.edu.sg)
Singapore University of Technology and Design (http://www.sutd.edu.sg)
Updated at 2 AM, April 29, 2029




Brazil - End 97% around June 6, 100% around September 6



Vídeo com notícia sobre a resposta do Bozo sobre o aumento do número de mortos - Capturado em 29/04/2020 em < 
https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento-quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-mortes-por-coronavirus-no-brasil.ghtml>






terça-feira, 28 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (40)


Opinião


Em conversa com amigos em videoconferência  comentou-se sobre um caso qualquer, onde familiares questionaram o agente de saúde por não explicitar a causa de um óbito como coronavírus. As orientações de só atestar como causa Covid-19 os casos de contaminações ou óbitos efetivamente testados estaria gerando conflitos entre familiares responsáveis pelos vitimados e os agentes de saúde.

Na sequência surgiu uma questão interessante – a dos seguros de vida versus as subnotificações de contaminações e óbitos pelo coronavírus. Nos contratos de pessoas cobertas por seguros de saúde e de vida, é praxe a exclusão de obrigações de pagamento de indenizações por eventos  associados a epidemias e pandemias formalmente declaradas por autoridades competentes, assim como algumas outras situações, incluindo catástrofes naturais. Considerando apenas esse aspecto, que interesse haveria na notificação de um óbito ou diagnóstico médico como coronavírus? A subnotificação, nesses casos, seria mais conveniente para não provocar conflitos com a seguradora. Naturalmente essa foi apenas uma passagem de bate-papo de leigos, sem nada a ver com debates jurídicos.

Buscando saber mais sobre o assunto, vi que nos EUA a questão já está rolando e  há um tópico que é específico de lá. O sistema de saúde americano – tipicamente privado – na década passada sofreu algumas alterações decorrentes de iniciativas do ex-presidente Obama  tentando algum nível de publicização do sistema. As modificações foram tímidas e até hoje contestadas, inclusive pelo atual presidente que defende um Trumpcare, mas não é o foco aqui.

O foco na questão americana é o conflito que está tomando vulto agora. Nas reformas do Obamacare o governo teria dado às seguradoras contrapartidas compensatórias para os casos de situações específicas de desbalanços financeiros provocados pelas mudanças no sistema. Mas, aí apareceu o coronavírus.

Sem conhecer nem me interessas pelos detalhes, li que, entre outras tantas, a pandemia coronavírus está fazendo uma grande confusão nessa área, e abrindo polêmicas lá, nos EUA, sobre quem deve o quê, a quem.

Aqui no Brasil, algumas seguradora (Itaú, Santander e Banco do Brasil, não sei se existem outras), estão fazendo propagandas de seus serviços informando que cobrirão os sinistros decorrentes do coronavírus para os casos de  seguros de vida e prestamista (são apólices que garantem o pagamento de financiamentos e dívidas em caso de morte e invalidez). Mas, eu fiquei com a pulga atrás da orelha porque geralmente sou lerdo em tratar desses assuntos. Tenho seguro de vida e ainda não procurei saber como ficaria a situação no caso desse sacana desse coronavírus resolver me pegar e me levar dessa para outras experiências. Não sei bem a importância dessa providência, mas procurarei saber sobre isso e alertarei outros, conforme o caso.

Nas minhas navegações googlelianas sobre o assunto, estava focando  exclusivamente o caso dos batimentos de botas, mas como não poderia deixar de ser, verifico que o buraco é bem mais embaixo. O assunto tem diversas implicações, particularmente no caso do comercio e da indústria. Sei que que os exemplos que vi são infantis, na medida em que estão no âmbito do meu conhecimento do assunto que é praticamente nenhum, mas imagino que no sistema de relações entre as corporações a situação deve estar uma grande complicação, um verdadeiro embrulho de três cocos.

São várias as situações de perdas que podem estar associadas diretamente à pandemia e que sugerem discussões sobre as suas coberturas pelos mecanismos de seguros, adicionalmente aos casos de vida e saúde: inadimplemento de obrigações e danos patrimoniais; lucros cessantes; viagem; educação; riscos operacionais entre outros.

Em uma das leituras que vi aponta-se que esses outros casos envolvem montantes bem mais elevados do que os casos específicos de saúde dos segurados. A título de exemplo, diz-se que o adiamento das Olimpíadas de Tóquio gerará obrigações securitárias da ordem de dois bilhões de dólares.


É interessante que a conversa sobre essas questões parecem soar estranhas, como se elas fossem de um mundo que não é nosso. Como se o mundo da economia e das corporações não tivesse relação com os trabalhadores, o que é um pensamento equivocado,  uma armadilha.


Ali, naqueles milhões e bilhões não há uma merreca que não tenha sido produzida pelo trabalho. Então, é assunto de nosso interesse. Esses milhões e bilhões já foram produzidos e estão acumulados em formas diversas compondo a riqueza de uma minoria cuja quantidade é inexpressiva quando comparada com a massa de trabalhadores. Esses milhões e bilhões podem e devem ser resgatados e divididos. Em nome dos trabalhadores, do seu conforto, da sua tranquilidade, do sustento de suas famílias enquanto cumprem o isolamento social, de suas vidas e saúde. 

Em vez de atender ao chamado de arriscar vidas para aumentar a fortuna dos donos do capital, a palavra de ordem entre os trabalhadores precisa ser: Vamos dividir agora! Essa merreca de 600 reais é muito pouco. Sabemos que ainda tem muita grana guardada nesse baú!

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segunda-feira, 27 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (39)


Opinião


Dia desses li uma matéria bem interessante sobre a experiência de um artista alemão que colocou um monte de celulares ativados em um carrinho de mão e saiu puxando o carrinho pelas ruas de uma cidade. Com isso ele enganou o aplicativo do Google (Google Maps) que interpretou a concentração de celulares como um congestionamento de trânsito. Na medida em que o sujeito puxava o carrinho, o Google indicava uma faixa vermelha de via congestionada e, consequentemente, a rua ficou completamente vazia e sem trânsito porque as pessoas passaram a buscar alternativas para o congestionamento. No final desse texto tem link para a matéria e vídeo com a experiência do artista.

Sem aprofundar as análises, a matéria sobre o cara que enganou o Google Maps aponta alguns aspectos importantes desse mundo novo e virtual. O texto chama atenção para o que ele atribui como novas formas de mercantilização na produção capitalista que,  além de determinarem comportamento e opiniões, viabilizam o exercício do poder e o controle do conhecimento.

Outra novidade, interessantíssima, foi apresentada pela Microsoft e que até viralizou na web: um software que produz um holograma (imagem em 3 dimensões) de um apresentador que pode se apresentar discursando em qualquer idioma, mas com a dicção e a entonação do apresentador original. Algo impressionante, sem dúvidas, mas cabe a pergunta: quem além das grandes corporações privadas lucrará com isso?

Trata-se de um assunto sobre o qual vale refletir, mas geralmente o próprio fascínio pelas novas funcionalidades tecnológicas desvia a nossa atenção de pensar sobre elas. Deixamos de considerar como essas inovações se prestam mais para a criação de novos mecanismos de exploração do que para uma melhoria efetiva no bem estar dos seres humanos. 

Esse tema deveria ser bem explorado, especialmente no momento quando a humanidade – ou parte significativa dela – está acuada em suas casas por conta do coronavírus. O quanto e como essas inovações contribuíram positivamente para a humanidade até o aparecimento do coronavírus? E agora, durante a pandemia e depois, no período pós pandemia?

Não se trata de demonizar ou navegar contra a corrente, o que seria impossível, mas de fazer balanços. Geralmente nas conversas não faltam exemplos de potenciais usos das modernas tecnologias para a satisfação e gozo da humanidade, mas na prática não se vê muito mais do que o aprimoramento de meios visando extração do mais valor na produção capitalista. 

O conhecimento científico, como qualquer outro, é um produto social, assim como as inovações tecnológicas construídas a partir dele. Nada mais justo  do que questionar quem está se apropriando e aproveitando efetivamente dos benefícios desse conhecimento.

NOTAS

[1]
Google Maps Hacks by Simon Weckert – Acessado em 27/04/2020 em < http://www.simonweckert.com/googlemapshacks.html>

[2]
Demo: The magic of AI neural TTS and holograms at Microsoft Inspire 2019 – Acessado em 27/04/2020 em <https://www.youtube.com/watch?v=auJJrHgG9Mc>


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domingo, 26 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (38)



Opinião


Os números oficiais do Ministério da Saúde informam que estamos no limiar dos 60 mil casos de infectados com o coronavírus e já com mais de 4 mil mortes. O próprio ministério não esconde que esses números se referem apenas aos casos em que tanto as causas das infecções como as dos óbitos foram constatadas por testes.

Esses números por si só são apavorantes e mais ainda quando pensamos que eles representam subnotificações. Diversas reportagens, inclusive reportagens em jornais internacionais, tratam da questão das subnotificações no Brasil e quase todos estimam que os números oficiais representam menos de um décimo dos casos. As matérias estimam que os casos reais sejam de 11 a 15 vezes  os números oficiais. Tomara que esses números estejam errados porque, se estiverem corretos, no caso mais otimista, o Brasil já está com mais  de 600 mil casos de contaminações e mais de 40 mil óbitos. Isso já é uma visão do inferno.

Não acho absurdo que os números oficiais registrem apenas os casos testados e nem me surpreende que estejam tão distantes da realidade. Afinal, não é novidade para ninguém que vivemos num país carente de recursos. Esses números exibem a carência de testes e de uma logística que permita acelerar a quantidade de testados com as doses disponíveis. Será um absurdo se as autoridades estiverem se referenciando exclusivamente por esses números.

Existem métodos científicos para avaliações e estimativas dos números reais, mesmo que os testes não tenham sido realizados, e existem profissionais supercapacitados para realizar essas avaliações e estimativas. Porém, não acredito que as figuras da trupe Bozo no Ministério da Saúde, nem o merdetta que saiu nem o punheta que entrou, sejam capazes de dar tais diretrizes ou quaisquer outras. Essa corja  que ocupa o governo já nem consegue se disfarçar. Já tocou um “foda-se” para a nação e ontem deram uma demonstração disso.

 A minha expectativa – e quase certeza - é que os profissionais das diversas áreas estejam trabalhando por suas próprias iniciativas. Por motivos diversos, e para sorte nossa, a sociedade brasileira ainda não assimilou culturalmente e integralmente os valores da  lógica capitalista que determinam a nossa ordem econômica, e isso é bom. Aliás, é a nossa tábua de salvação nesse momento.

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sábado, 25 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (37)


Opinião


Ontem foi dia da  Mãe das lives”. Talvez preocupado com os efeitos depressivos sobre a população provocados pelo isolamento social, o governo Bozo protagonizou uma encenação burlesca, rigorosamente uma Farsa (gênero dramático cômico que se utiliza de personagens caricatos e excêntricos) que deve ter concorrido e batido qualquer live recente das chamadas duplas sertanejas.

A apresentação se deu em dois atos e “mediocridade acima de tudo e de todos” deve ter sido a orientação dos diretores do espetáculo. No primeiro ato o juiz de primeiro piso, antes ministro, e no segundo ato o ex-capitão boquirroto acompanhado de parte da trupe. Uniram-se todos em atuação especial.

Bozo e o juiz de primeiro piso engalfinharam-se, arrancaram perucas e cabelos um do outro. Rasgaram roupas e desnudaram-se. É verdade que o que se viu não foi novidade. São conhecidos canastrões e suas fantasias não melhoram as suas representações. De qualquer forma, um arrancou do outro todos os disfarces e isto foi importante para quem ainda confunde ator com personagem e tem expectativa de que alguma coisa boa exista sob os seus costumeiros trajes e caretas circenses.

Oportunista, mentiroso, chantagista, criminoso. Crime de responsabilidade, obstrução de Justiça, interferência em investigações. Tentativas de acesso indevido a documentos sigilosos de inteligência, falsidade ideológica – esse foi o script das apresentações. Conversa de bandidos trocando acusações em delegacia de polícia. Só faltaram as algemas.

Até os governos do PT foram trazidos  à cena como referências de trato politicamente correto da coisa pública. Quem diria!

Há mais de trinta anos, uma novela global teve um enredo que se passava em um degradado reino de Avilan, onde os poderes eram ocupados por personagens caricatos e corrompidos. A novela ficou como uma fantasia satírica da situação nacional na época. Acho até que já foi reprisada como uma história distante. Porém  - a vida é uma caixinha de surpresas – esse era o bordão repetido pelo narrador da história do azarado Joseph Climber.  E aqui os azarados somos nós porque o reino de Avilan é aqui e hoje. E quem tiver dúvidas pergunte ao chefe da trupe Bozo. Ele já disse em alto e bom som: A constituição sou eu!



O rei e sua corte próxima já não posam para fotos. Hoje tem-se vídeos. E estavam todos lá. A ministra dos Direitos Humanos bem atrás, sem uma goiabeira na qual pudesse subir e se destacar. O ministro da Saúde tomou conta da festa. Como se estivesse dopado, fazia caras e bocas atrás do ministro da Educação. As chamadas  gifs com suas imagens ocuparam a web. Luizinho Mandetta foi substituído por Nelsinho Masturbação (ou rima que se aplique), essa era a legenda das gifs.

O ministro da Educação foi apontado pelo Bozo como exemplo. Reconhecimento justo. Nada mais coerente do que aquela figura como uma representação exemplar desse governo. O da Economia, de máscara, devia estar sorrindo e pensando em como incluir aquelas imagens num dos tantos pacotes que ele está fazendo para entregar o país e faturar uns trocadinhos a mais.

E os milicos? Altivos - era o que lhes cabia. Orgulhosos do papel que têm desempenhado de símbolos da ameaça permanente de uma ditadura militar e avalistas do ex-capitão boquirroto e de seus atos. Cúmplices da abertura de Alcântara para os EUA e da entrega da Embraer para a Boeing. Endossam sem constrangimentos as continências do ex-capitão à Star-Spangled Banner.

Certamente foi o dia mais divertido da quarentena. Será inesquecível. E quem perdeu poderá ver a síntese reproduzida em um dos quadros do vídeo com a imagem  do tradutor de Libras (que também viralizou na web, possivelmente até para fora do país - imagem abaixo). Comenta-se que outras apresentações desse tipo virão, focalizando outros personagens. Cada um em sua vez de ocupar o lugar na frigideira.

Enquanto isso, vamos por aí, buscando o que haverá de melhor para nós. Outros conseguiram, porque não haveríamos de conseguir. Certamente esqueceram uma semente em algum canto de jardim.

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sexta-feira, 24 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (36)


Opinião


Hoje deve estar complicado lá, para o lado de São Jorge. Para nós, alguns dias santificados são de feriado e lazer, mas para os santos o “day after” deve ser uma complicação total. A moçada não alivia a barra e carrega nos pedidos de proteções e  graças apelando para os poderes que imaginam que os santos possam ter. Assim, lá no barracão ou escritório das santidades, hoje deve ser dia de separar os agradecimentos dos pedidos, de organizar esses últimos cuja quantidade certamente será infinitamente maior que os primeiros, de separar o válidos dos inválidos, enfim, uma trabalheira, sem falar na operacionalização.

Tudo bem que aqui, no Rio de Janeiro, o santo guerreiro poderá pedir uma ajuda a São Sebastião com quem divide o cargo de padroeiro. Porém, tem o caso da Inglaterra, Portugal e outros países onde ele também é padroeiro, tem mais de uma matrícula, e onde estão todos igualmente enfrentando pandemias de coronavírus. Não consta que os fiéis desses lugares sejam mais parcimoniosos que os daqui nesses assuntos de rezar por proteção.

Mas, tem assunto que nem São Jorge nem São Sebastião vão dar jeito. “É coisa dos home”, lembrando Aldir Blanc e João Bosco. “ ... A fome tem que ter raiva pra interromper, a raiva e a fome de interromper, e a  fome e a raiva é coisa dos home”. E parece que ainda não acumulamos fome e raiva bastante para interromper esse processo político maluco que estamos vivendo. Maluco, entenda-se bem,  no sentido figurado, nas suas manifestações caricatas. Porque seus efeitos e propósitos  obedecem a projetos elaborados, organizados e criteriosos para fazer do país uma nação de categoria inferior, com uma sociedade de porão, encolhida em quartinho de fundos e sem janelas para o futuro.

A trupe Bozo está dando o máximo de si para expressar sua mediocridade. Entreter a população, mostrar que há estágios da condição humana que podem ser mais miseráveis do que a contaminação viral, esse parece ser o seu papel nessa crise e, justiça seja feita, está desempenhando com afinco.

Parece que os ministros da trupe revezam-se na tarefa de se mostrarem imbecis. Em plena crise pandêmica um ministro faz piada com a morte da sogra de um médico equatoriano. “Morte suspeita” foi a piadinha do ministro. Mas, pasmem! Não foi conversa privada grampeada, foi em mensagem pública que ele mesmo divulgou.

Outro ministro não deixou por menos. Um filósofo de fama internacional apontou contradições expostas pela pandemia. Todas as ações de recuperação da ordem capitalista estão sendo  realizadas pelo Estado e com recursos públicos seguindo uma lógica que nega completamente os aclamados valores do pensamento neoliberal. Aliás, um fato de constatação obvia e irrefutável. Porém, como se disputasse um concurso de estultice, o ministro do governo Bozo fez artigo em blog intitulado “Chegou o comunavírus” acusando filósofo, professor da universidade de Londres , de usar a pandemia para "instaurar o comunismo, o mundo sem nações nem liberdade, um sistema feito para vigiar e punir".

Tá bão ou quer mais?

Volta e meia um desses idiotas da trupe entra em processo de fritura e conflito com o chefe, como está ocorrendo nesses dias. Mas essas defecções ministeriais, tanto as ocorridas como as anunciadas, não me parecem sinalizar ratos abandonando navio que afunda, Parecem mais baratas alvoroçadas por alguma perturbação em sua tranquilidade. A  barata da vez é juiz de primeiro piso.

Essas baratas que estão saindo buscarão e logo acharão agasalho em outro bueiro de restos e sujeira. É da natureza delas ziguezaguear de um bueiro para outro. Mas, o foco de onde saíram permanece  imundo, e para lá outras baratas  convergirão. É esse foco que precisa de uma limpeza e desinfecção em regra. Dessas que mesmo sendo realizada com o uso de luvas, obriga-nos a lavar, lavar e lavar as mãos ao terminar. Tal limpeza é realizada com muita mobilização política – nossa tarefa. E tem que ter raiva para interromper.

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quinta-feira, 23 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (35)


Opinião


Há algum tempo, realizando certa atividade precisei dar o meu nome a uma jovem que me atendia. Ela então comentou “Jorge! O meu avô também se chama Jorge”. Eu retruquei “se a idade dele for perto da minha, deve ser filho de turco ou de macumbeiro” Ela então, meio encabulada, disse “Como o senhor adivinhou?”. Nem foi preciso detalhar, mas ela estava se referindo à segunda alternativa.

No Brasil, muitos dos diversos imigrantes de origem árabe receberam o apelido genérico de “turcos”, embora por aqui, no Rio de Janeiro, não sejam tantas as famílias dessa origem específica.  Daí que devem ser poucos os “Jorge” de minha idade que tiveram os seus nomes inspirados diretamente pela origem turca do santo católico. O mais provável é que tenham sido nominados por influência religiosa sim, mas por uma influência religiosa umbandista ou candomblecista. Uma questão de estatística.

Então, gosto de fazer essa brincadeira porque ela tem bastante validade para os "Jorge" da minha geração e usualmente acerto. Às vezes erro. Tenho um xará que é português e foi batizado como Jorge Amado pela admiração que o seu pai, lá em Portugal, tinha pelo escritor baiano.

No meu caso, o nome saiu direto da macumba para a pia batismal. Sempre gostei do meu nome porque ele evoca essa figura mítica de  santo guerreiro e talvez o mais popular e conhecido sincretismo entre as religiões católicas e aquelas de origens africanas. Essa referência positiva sempre me deixou vaidoso e certamente contribuiu bastante para a minha autoestima.

É uma pena que  esse ano, por conta da pandemia do coronavírus,  as igrejas católicas não abriram para as celebrações de São Jorge e as homenagens ao santo foram adiadas. Suponho que o mesmo ocorrerá nos espaços umbandistas.

Então, celebrando a data de hoje e homenageando esse Ogum carioca e Oxossi baiano eu vou “copiar e colar” sem qualquer constrangimento, e mesmo sem pedir permissão, o recorte de uma publicação do Luis Antonio Simas no seu facebook. Simas, é uma dessas figuras especiais, um tesouro do Rio de Janeiro. Estudioso, pesquisador da cultura popular carioca e brilhante comunicador. 

Mas, hoje também é Dia Nacional do Choro – dia de Pixinguinha. Então inclui (abaixo) um link com a peça musical “São Jorge” da autoria de Hermeto Pascoal e que acho linda. Também, pudera, com esse nome. Segundo Hermeto ela descreve a cavalgada de “Faísca”, o cavalo de São Jorge. Na web tem diversas interpretações, incluindo a do próprio Hermeto, cada uma mais bonita que a outra. Escolhi uma que gosto e, no mais, tenhamos todos um bom dia de São Jorge.

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Trecho da publicação BRINCADEIRA DE RODA E GIRA DE SANTO - Luiz Antonio Simas (ver link para texto completo no final)
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Marcado por estes cruzamentos todos, é por isso que no meu calendário particular o dia 23 de abril é o dia internacional da macumba e dos macumbeiros.

Macumbeiro, no meu dicionário afetuoso, é definição de caráter brincante e político, que subverte sentidos preconceituosos atribuídos de todos os lados ao termo repudiado, e admite as impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada de se encarar e ler o mundo no alargamento das gramáticas, com a predisposição para incorporar forças vitais.

A expressão macumba (que em quimbundo designa um antigo instrumento musical similar ao reco-reco) vem muito provavelmente, em seu sentido religioso, do quicongo "kumba"; feiticeiro (o prefixo "ma", no quicongo, forma o plural). Kumba também designa os encantadores das palavras; poetas. Macumba seria, então, a terra dos poetas do feitiço; os encantadores de corpos e palavras que podem fustigar e atazanar a razão intransigente e propor maneiras plurais de reexistência e descacetamento urgente, pela radicalidade do encanto, em meio às doenças geradas pela retidão castradora do mundo como experiência singular de morte. Aqui, nas Áfricas, e nas terras geladas onde a terra termina.

O macumbeiro reconhece a plenitude da beleza, da sofisticação e da alteridade entre as gentes. Sigurd matou o dragão que Jorge matou de novo, com a espada feita na forja de Ogum, parecida com a forja de Ilmarinem, para que todos acabassem aos pés do altar, batendo tambor, cabeça no gongá, e ouvindo um choro de Pixinguinha numa esquina do Rio, tomando a cerveja que foi do Duque da Baviera e hoje é do santo guerreiro nos terreiros de fé.

Como diria Guimarães Rosa, viver é etecetera.

Saravá para a beleza do mundo!
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NOTAS
Wallace Oliveira | São Jorge (Hermeto Pascoal) | Instrumental Sesc Brasil - Capturado em 25/04/2020 de < https://www.youtube.com/watch?v=4mzENydulho>

BRINCADEIRA DE RODA E GIRA DE SANTO – Luis Antonio Simas – Facebook – Copiado em 25/04/2020 de <https://www.facebook.com/luizantonio.simas/posts/2975144142575067

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (34)


Opinião


Sendo múltipla a natureza humana, sujeitos diversos originaram situações diversas e algumas impactaram quase toda a humanidade. Um desses caras  foi  Vladimir Ilyich Ulianov, cujo pseudônimo era  Lenin, nascido em 22 de abril de 1870 numa cidade da Rússia então chamada  Simbirsk e que hoje tem o nome de Ulianovsk em sua homenagem. Hoje fazem 150 anos do seu nascimento.

Lenin foi  o principal dos líderes de uma revolução que transformou o mundo. Não apenas o cotidiano dos seus pares, mas que apontou para a humanidade a possibilidade real de uma alternativa de organização social sem a exploração do homem  pelo homem. Uma alternativa ao capitalismo.

A comunhão de ideais, além de admiração pelo empenho e dedicação desse militante extraordinário permite a muitos – entre os quais me incluo – referir-se a ele como “companheiro Lenin”.

Os ideais de uma sociedade melhor para todos os seres indistintamente não saíram da  cabeça do companheiro Lenin. Pensar assim é uma ignorância infantil. Germinaram com o próprio desenvolvimento humano, tiveram versões e interpretações. Em alguns momentos foram sacralizados. Geraram lutas e revoluções. Em sua defesa muitos sacrifícios foram realizados. Essa é a história da humanidade.

Mas, no século XIX, na linha de encontrar caminhos para uma sociedade melhor, na linha de transformar a realidade em que estavam inseridos, dois militantes especiais buscaram desvendar os obstáculos que efetivamente barravam as possibilidades de avanços na conquista desse sonho. E foi numa  parceria fenomenal que Friedrich Engels  e Karl Marx participaram ativamente dos movimentos políticos e se debruçaram para estudar os mecanismos de organização social de sua própria época,

Nesse esforço, Karl Marx, o gigante entre os gigantes, desvelou os meandros do emergente modo de produção na sociedade inglesa de então - o capitalismo – registrando-os em uma obra até hoje incontestável, Marx dissecou em detalhes o capitalismo, sua natureza e sua incompatibilidade com a ideia de uma sociedade solidária. Apontou suas potenciais direções de desenvolvimento  e deixou as pistas para que outros prosseguissem com sua obra.

No rastro das elaborações de Marx, e inconformado com as condições de miséria e de exploração da população  na sociedade em que vivia, o companheiro Lenin liderou movimentos sociais que levaram à revolução russa em 1917  e a formação da  União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1922.

A revolução liderada por Lenin estabeleceu outra perspectiva de visão do mundo. Foi feita com um apelo aos trabalhadores para que se unissem e a replicassem em todas as partes do mundo. Não foi por outro motivo que o mundo capitalista de então se virou contra aquele movimento.  

Além de duríssimas sanções econômicas impostas ao governo revolucionário, no intervalo de 1918 até 1920 os países capitalistas lançaram-se numa campanha de agressão às fronteiras soviéticas que reuniu: França, Inglaterra, Japão, EUA, Polônia, Grécia, Canadá numa mobilização militar cujas estimativas chegam a cerca de 180.000 homens.

A agressão terminou na medida em que a URSS abriu mão da proposta de internacionalização da revolução e também do cagaço das potências agressoras que os seus soldados fossem cooptados pelo ideal revolucionário que levou os trabalhadores a tomarem o poder no antigo império russo.

Mas, aqui não é e nem seria o local adequado para se saber sobre a história da revolução socialista de 1917. Hoje há uma quantidade enorme de fontes de informações disponíveis a qualquer um que tiver interesse e se dedicar ao assunto. Aqui o enfoque é celebrar a lembrança do companheiro Lenin. Não como um super homem, um super humano ou, um deus, mas como um militante ativo e excepcional que dedicou a sua vida a um projeto para o benefício coletivo. Infelizmente o companheiro Lenin morreu ainda nos primeiros anos da revolução que liderou (1924), e a sua morte foi determinante no rumo dos acontecimentos. O seu exemplo ficou.

Refletir sobre as suas lutas é importante num momento em que a pandemia do coronavírus está provocando expectativas de que a realidade se transformará por si própria ou como efeito colateral da contaminação. Uma expectativa de que sairemos “melhores” dessa pandemia. Ledo engano.

O sistema capitalista está ai, tão vivo quanto nunca. Querendo jogar os trabalhadores na fogueira viral e queimá-los como combustível. Basta ver os jornais. Aqui no Brasil e em todo o mundo capitalista as medidas que estão sendo tomadas visam tão somente recuperar o movimento do sistema que foi abalado. Mudar isso não será simples. Mas, é possível. O companheiro Lenin apontou a direção. Chegar lá é tarefa nossa.


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terça-feira, 21 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (33)



Opinião


Hoje é feriado nacional, celebração do vulto histórico Tiradentes e também do nascimento da agora sessentona Brasília. Em outras circunstâncias seria um daqueles feriados  bons de curtir. No Rio faz um dia bonito e agradável. Descanso do trabalho, reuniões com amigos, com a família, cair na gandaia pra quem tem o hábito, bebericar umas cachaças ou apenas ficar “coçando”, aproveitando um merecido dia de lazer. Mas, o coronavírus virou tudo de cabeça pra baixo, ou de ponta cabeça como dizem os paulistas. Isolados ou não, nada está normal. Esse feriado está mais com cara de enforcamento do que de aniversário.

Sem a alternativa de desfrutar  as alegrias da folga, é possível viajar mentalmente pela representatividade da data. Mas, cá pra nós, não é passeio de grande prazer. O principal homenageado é um herói que  a historiografia oficial nos empurrou goela abaixo desde os textos didáticos infantis. Um mito fabricado nas coxas, parido da necessidade de um símbolo para o golpe militar que criou nossa controversa república .

Nosso herói ganhou o apelido de “mártir da independência”, mas foi o bucha de um grupo que não queria pagar impostos à coroa portuguesa, e para os quais a ideia de uma autonomia para a região onde viviam pareceu boa alternativa. Faz-me lembrar alguns empresários que em nome de seus interesses já fizeram várias tentativas de emancipar a região do bairro de Alcântara em São Gonçalo (RJ) criando um novo município, aliás prática recorrente em todo o país. A ideia de independência do Brasil que cultivamos nem passava pela cabeça dos chamados inconfidentes e o próprio conceito de “Brasil”, se existia, era embrionário.

Fosse hoje, quem sabe, os tais inconfidentes teriam montado um “impostômetro” igual aquele patrocinado pelos coxinhas da Associação Comercial de São Paulo, além de organizar uma caixinha para a eleição de parlamentares que garantiriam jogar para as costas dos trabalhadores as obrigações devidas pelos seus lucros.

De qualquer forma, não tenho competência para fazer tratados nem defesa de teses históricas, apenas comento sobre fatos que são de conhecimento geral. Mesmo assim, resguardo o respeito pelo símbolo que é legalmente o Patrono Cívico da Nação Brasileira, além de patrono oficial de algumas instituições do Estado.

Prefiro associar o nome de Tiradentes à agradável cidade mineira e à sua vizinha  Coronel Xavier Chaves que já fez parte da primeira, embora eu não saiba se foi criada numa daquelas iniciativas que citei antes. Mas, o tal “coronel” foi um descendente do Joaquim José da Silva Xavier o alferes que dançou na frustrada conspiração. É lá que se produz a cachaça Século XVIII que também é vendida com o rótulo de Santo Grau - Cel. Xavier Chaves. Uma pinga deliciosa destilada naquele que é tido como o mais antigo alambique do Brasil ainda em funcionamento. Não fosse o coronavírus, viajar para bebericar uma Século VIII “in loco” seria uma boa alternativa para um feriado de terça-feira com a segunda-feira “enforcada”.

Já o aniversário de Brasília, como não poderia deixar de ser, reflete a representação que a cidade tem para o país. Brasília é  história viva e a sua criação resulta de uma escolha política que, para o bem ou para o mal, ainda hoje suscita discussões.. Quis o acaso que a capital completasse os seus sessenta anos justamente na época em que os cidadãos dessa faixa etária estão numa berlinda discriminatória  e classificados como grupo de risco na pandemia.

Tudo bem que sessenta anos é infância na escala de tempo da vida das cidades, mas na escala de tempo da vida humana Brasília assume agora a sua condição de idosa. Mais um atributo para a cidade que já tem uma imagem caricata por abrigar a representação dos poderes políticos com todas as suas deformações.

O fato é que a cidade está aí (ou lá), com suas virtudes e imperfeições. Abriga uma geração já amadurecida de descendentes dos candangos, e merece cumprimentos e agradecimentos solidários da sociedade brasileira. Afinal, sessentona, hospeda involuntariamente o SARS – CoV-2 responsável pela COVID-19, mas também involuntariamente hospeda um vírus boquirroto e infeccioso que contamina e abate o corpo social desse já combalido país.

Não deixarei de olhar a natureza e admirar a beleza desse dia de feriado, mas minhas celebrações ficarão por conta do aniversário de uma amiguinha querida, “meio isolada” a algumas quadras daqui, e para quem eu envio beijos e parabéns!

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segunda-feira, 20 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (32)


Opinião


Recebi cópia de uma foto tirada durante carreata que ocorreu, ontem, domingo, no Rio de Janeiro. O autor da foto, um fotógrafo da Reuters, destaca o fato de um policial estar apontando uma arma em direção a casas da favela do Vidigal que jogavam ovos e objetos em carros que participavam de carreata pró-Bozo e a favor da reabertura do comércio durante a pandemia do Covid-19.

O fotógrafo também destaca que ampliando-se a  foto é possível ver que o policial não está com o dedo no gatilho e que nenhum tiro foi disparado enquanto ele esteve lá.

A imagem está reproduzida abaixo e naturalmente cabem todas as observações e ressalvas. Uma imagem estática, sem registro detalhado de contexto , a própria imagem bem poderia ser o resultado de uma edição etc..

Porém, quem não é quadrado nem redondo não se surpreenderá em ver uma imagem capturada durante uma carreata de bozominions no Vidigal (bairro do Rio de Janeiro) com um policial fardado e de arma em punho que claramente não está em função de proteção dos manifestantes ou de ordenamento do tráfego. Até porque cenas similares repetiram-se em outros pontos do país e registram o avanço das manifestações fascistas.

Conversando sobre o assunto em videoconferência, ontem,  um amigo lembrou da poesia “No Caminho com Maiakovski”. Um poema do niteroiense, Eduardo Alves da Costa, que viralizou como se fosse da autoria do poeta russo. O poeta niteroiense teve a sensibilidade de expressar em seus versos:

“... Na primeira noite eles se aproximam e  roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. ... Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”

Classifiquem como quiserem. Alarmismo, romantismo babaca, esquerdismo, imaginação pueril ou uma combinação qualquer dessas expressões que desqualifique minha avaliação, mas o fato é que essas mobilizações fascistas fazem a imaginação viajar para o que terá sido a realidade de Maiakovski e resgatada pelo poeta niteroiense.

Vivemos uma situação social tensa. As condições socioeconômicas agravadas pela pandemia coronavírus estão uma merda total e a expectativa é de que fiquem piores, embora possam estar distantes da realidade de muitos de nós que, felizmente, ainda desfrutamos de situações privilegiadas. O caos social, isso é, uma agitação popular sem direção política é tudo que interessa a esse bando fascista, e eles sabem disso.

Em criança, minha mãe, como outras, aporrinhava-nos para comer isso ou aquilo,  enfrentando nossas objeções infantis e arrogantes que cobravam a alimentação de nossa preferência.  A velha tentava resolver a situação da melhor forma. Suas imposições até  decorriam da preocupação com o necessário equilíbrio nutricional, mas na prática eram determinadas principalmente pela realidade  e pela disponibilidade das opções. Meu pai, mais calmo, e sem lançar mão de seus atributos  físicos, aconselhava com tranquilidade: “Ninguém passa fome tendo a comida perto. Pode deixar a comida aí”. Nunca esqueci essas observações.

Lembrei dessa passagem porque, dia desses, um líder comunitário, entrevistado sobre a conjuntura e as perspectivas das comunidades mais pobres, observou  com a tranquilidade que foi, ao meu juízo, também uma advertência: “ninguém vai morrer de sede ao lado de um poço, só porque o poço tem dono” .

Esse recado, claríssimo, dá a medida das circunstâncias que vivemos e dos conflitos e contradições que precisamos tratar. Por um lado, uma rebeldia mais do que justificada, embora sem direção política determinada e, de outro, uma corja fascista oportunista que conta com o caos que pode resultar dessa rebeldia. Receita explosiva.

Um grande problema é que essa questão crucial divide a esquerda, e sem resolve-la não saberemos para onde caminhar hora do “sapeca-iaiá” recorrendo agora à expressão poética do Bezerra da Silva.

Há os que insistem em consertar o sistema como se ele estivesse com algum defeito, e há os que entendem que o sistema não está com defeito – ele é assim, precisa ser trocado, substituído.  Incluo-me entre esses últimos.

A onda fascista avança. As manifestações do ex-capitão boquirroto , ontem, em Brasília, estão na primeira página de todos os jornais. Os caras mandaram até a democracia liberal pra casa do cacete e gritaram por ditadura.

Enquanto isso,  o maior partido de oposição, numa deliberação equivocada, recusa-se a assumir a palavra de ordem “fora Bozo”. Em vídeo, o pronunciamento da sua liderança mais parece com os de uma autoridade da área da saúde do que o de uma líder política. Aposta claramente no caminho de uma disputa eleitoral, na  possibilidade de uma posição segura e privilegiada no status quo. 

É hora de apontar direções políticas claras e alternativas às propostas fascistas que já ocupam ruas sem quaisquer constrangimentos, provocando e contando com o caos social. As carreatas avançam. É uma pena.


Imagem de fotógrafo da Reuters - capturada em 19/04/2020 de <https://www.instagram.com/p/B_Kvh38pn4Q/?utm_source=ig_web_copy_link>



Pronunciamento da liderança do PT - resgatado em 20/04/2020 de <https://youtu.be/_RHj1XfO_iM>