Opinião
Uma amiga enviou-me um poema lindo de
sua autoria. Com muita sensibilidade e síntese, a poetisa transmite angústias e ansiedades que também habitam em muitos de nós. Uma prisão labiríntica, sem limites, é assim que ela expressa a situação que vivemos.
O poema trouxe
a lembrança de um filme que assisti nesses dias de coronavírus. “A
trincheira Infinita”. Trata-se da história de um sujeito que ficou 33 anos escondido
em casa. Baseado em fatos reais, o personagem é uma das chamadas “toupeiras”, pessoas que viveram
ocultas em sótãos, paredes falsas ou buracos desde o final da guerra civil
espanhola e durante o subsequente regime franquista.
Partidário
dos Republicanos e vivendo numa aldeia do interior da Espanha, um sujeito é
feito prisioneiro pelos Nacionalistas, mas consegue escapar escondendo-se em um
buraco dentro de sua própria casa. Mais tarde, com a ajuda da mulher,
transfere-se para a casa do pai que construiu um cubículo disfarçado por uma parede falsa.
Perseguido
por um dedo-duro que era seu vizinho, e na expectativa de uma mudança no quadro
político que viesse com o fim da 2ª. Guerra Mundial, o sujeito esperou em vão.
A guerra
civil terminou em abril de 1939, com a vitória dos Nacionalistas liderados pelo General
Francisco Franco, e a Segunda Guerra Mundial terminou em maio de 1945 com a vitória
dos Aliados e rendição da Alemanha, mas sem intervenção dos Aliados na Espanha franquista
que, apesar de simpática aos nazistas, manteve-se neutra no conflito mundial.
Na Espanha
pós-guerra civil e sob o regime Franco implantou-se uma tal de Lei de
Responsabilidades Políticas (LRP) que botava pra fuder em cima de todos que contribuíram
para “criar o agravar a subversão da ordem”. E se o sujeito já estivesse morto
as sanções eram aplicadas sobre sua família, conforme o caso.
O “toupeira”
manteve-se escondido porque estava sentenciado de morte e só saiu de casa no fim da
década de 60 quando o governo franquista promulgou uma anistia aos presos e extinguiu
formalmente a LRP. Com a anistia, na Espanha, começou a aparecer gente que viveu
anos escondida. Algumas mais de 30 anos. Foram chamadas “toupeiras”.
Eu tive a
oportunidade de ver, brevemente, algumas dessas aldeias antigas nos arredores de
Lisboa, em Portugal, e pela descrição muito parecidas com as aldeias do
interior espanhol. Vilas minúsculas, ruas estreitas e as construções
coladas entre si. Não faço a menor ideia como alguém conseguiu sobreviver tanto
tempo isolado e naquelas condições. Não consigo imaginar.
Não resgato essa lembrança como um consolo para as nossas angústias de
isolamento, mas vejo-a como uma motivação para que possamos
contribuir e acabar com esse tipo de aflição o mais cedo que pudermos. Ademais, como é impossível desligar do assunto, tento faze-lo da forma mais agradável, buscando o prazer na leitura dos versos dessa poetisa especial. Uma forma de borrifar beleza sobre esses tempos de coronavírus.
(sem título) – Vera Versiani
Essa prisão labiríntica
me confunde
não há limite que imponha
sua extensão
que passos seguir?
que trajeto?
qual o tempo para o não?
Essa prisão labiríntica
me confunde
e revira o caos
onde o infinito me, se esconde.
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NOTA
Filme:
A Trincheira Infinita, premiado no Goya 2020, dirigido por Aitor Arregi, Jon
Garaño e Jose Mari Goenaga – Disponível em Netflix
Haro,
Fernando Ampudia de. (2010). Gerir a dissidência: vencedores e vencidos na
espanha franquista. Análise Social, (194), 91-113.
Recuperado em 05/04/2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732010000100004&lng=pt&tlng=pt.
Versiani,
Vera – Poeta, cantora, compositora, violonista. Lançou seu primeiro livro de
poemas: NADA PARA HUMANOS, em outubro de 2003, pela OFICINA Editores (RJ)
Não dá mesmo para imaginar! Vou procurar o filme, obrigada!
ResponderExcluirMuito obrigada pela referência, Jorginho. Muito me honra, pois admiro demais este blog, admiro demais você. Abração.
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