domingo, 5 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (17)


Opinião


Uma amiga enviou-me um poema lindo de sua autoria. Com muita sensibilidade e síntese, a poetisa transmite angústias e ansiedades que também habitam em muitos de nós. Uma prisão labiríntica, sem limites, é assim que ela expressa a situação que vivemos.

O poema trouxe a lembrança de um filme que assisti nesses dias de coronavírus. “A trincheira Infinita”. Trata-se da história de um sujeito que ficou 33 anos escondido em casa. Baseado em fatos reais, o personagem é uma das  chamadas “toupeiras”, pessoas que viveram ocultas em sótãos, paredes falsas ou buracos desde o final da guerra civil espanhola e durante o subsequente regime franquista.

Partidário dos Republicanos e vivendo numa aldeia do interior da Espanha, um sujeito é feito prisioneiro pelos Nacionalistas, mas consegue escapar escondendo-se em um buraco dentro de sua própria casa. Mais tarde, com a ajuda da mulher, transfere-se para a casa do pai que construiu  um cubículo  disfarçado por uma parede falsa.

Perseguido por um dedo-duro que era seu vizinho, e na expectativa de uma mudança no quadro político que viesse com o fim da 2ª. Guerra Mundial, o sujeito esperou em vão.

A guerra civil terminou em abril de 1939, com a vitória dos Nacionalistas liderados pelo General Francisco Franco, e a Segunda Guerra Mundial terminou em maio de 1945 com a vitória dos Aliados e rendição da Alemanha, mas sem intervenção dos Aliados na Espanha franquista que, apesar de simpática aos nazistas, manteve-se neutra no conflito mundial.

Na Espanha pós-guerra civil e sob o regime Franco implantou-se uma tal de Lei de Responsabilidades Políticas (LRP) que botava pra fuder em cima de todos que contribuíram para “criar o agravar a subversão da ordem”. E se o sujeito já estivesse morto as sanções eram aplicadas sobre sua família, conforme o caso.

O “toupeira” manteve-se escondido porque estava sentenciado de morte e só saiu de casa no fim da década de 60 quando o governo franquista promulgou uma anistia aos presos e extinguiu formalmente a LRP. Com a anistia, na Espanha, começou a aparecer gente que viveu anos escondida. Algumas mais de 30 anos. Foram chamadas “toupeiras”.

Eu tive a oportunidade de ver, brevemente, algumas dessas aldeias antigas nos arredores de Lisboa, em Portugal, e pela descrição muito parecidas com as aldeias do interior espanhol. Vilas minúsculas, ruas estreitas e as construções coladas entre si. Não faço a menor ideia como alguém conseguiu sobreviver tanto tempo isolado e naquelas condições. Não consigo imaginar.

Não resgato essa lembrança como um consolo para as nossas angústias de isolamento, mas vejo-a como uma motivação para que possamos contribuir e acabar com esse tipo de aflição o mais cedo que pudermos. Ademais, como é impossível desligar do assunto, tento faze-lo da forma mais agradável, buscando o prazer na leitura dos versos dessa poetisa especial. Uma forma de borrifar beleza sobre esses tempos de coronavírus.


(sem título) – Vera Versiani

Essa prisão labiríntica
me confunde
não há limite que imponha
sua extensão

que passos  seguir?
que trajeto?
qual o tempo para o não?

Essa prisão labiríntica
me confunde
e revira o caos
onde o infinito me, se esconde.

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NOTA

Filme: A Trincheira Infinita, premiado no Goya 2020, dirigido por Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga – Disponível em Netflix

Haro, Fernando Ampudia de. (2010). Gerir a dissidência: vencedores e vencidos na espanha franquista. Análise Social, (194), 91-113. Recuperado em 05/04/2020, de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732010000100004&lng=pt&tlng=pt.

Versiani, Vera – Poeta, cantora, compositora, violonista. Lançou seu primeiro livro de poemas: NADA PARA HUMANOS, em outubro de 2003, pela OFICINA Editores (RJ)

2 comentários :

  1. Não dá mesmo para imaginar! Vou procurar o filme, obrigada!

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  2. Muito obrigada pela referência, Jorginho. Muito me honra, pois admiro demais este blog, admiro demais você. Abração.

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