quinta-feira, 2 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (14)


Opinião


“Vamos conseguir atravessar esse túnel e ver o outro lado! “

Esse foi o comentário de um amigo querido em conversa telefônica. A um só tempo foi uma brincadeira, uma manifestação de esperança e, especialmente, estava “botando uma pilha”, preocupado com o meu estado de ânimo. Sigo embalado nesse incentivo e tenho , sim, enorme curiosidade em ver o que virá depois. Uma curiosidade esperançosa porque  sequer conseguimos ver a luz no fim desse túnel. Podemos até imaginá-la, mas ainda não podemos vê-la.

Contudo, não devemos descuidar do caminho porque viver é o caminhar. A vida está aqui, não está após o túnel. Descuidar do agora é não viver, e navegando no escuro temos coisas importantíssimas para tratar e realizar. Um tropeço imprudente, um degrau não percebido, mesmo que seja aquele último da portaria, poderá ser apenas um inchaço no joelho ou se transformar em uma enorme cagada.

Mas, vale também pensar em como será lá, na saída. A vida será outra. Como serão as coisas mais simples? As relações familiares, os amigos, a vida social e a vida afetiva? Outro companheiro observou: depois dessa, quem irá a um restaurante, a um teatro ou cinema como ia antes?

As  escolas e a vida escolar das crianças serão diferentes. Também os encontros, os passeios, as viagens, até o futebol. A ida a praia e aos cultos religiosos. A dinâmica dos grupos de cachaceiros dos quais participo certamente será outra.

Nesses poucos dias de coronavírus,  as nossas vidas, como eram, foram desarrumadas. Não foram destruídas, mas já estão desengonçadas, e mesmo que queiramos rearrumá-las  nos padrões anteriores isso levará tempo. Quem ainda não se deu conta disso e imagina que tudo estará ok daqui a pouco, no final do mês, está dando uma de Barrichello.

Sem contar os impactos em nossas vidas econômicas e financeiras (naturalmente refiro-me ao grupo de minhas relações. Posso especular, mas não conheço nem tenho relações com qualquer extrato da elite socioeconômica, tampouco com aqueles que já são, hoje, indigentes sociais).  Haverá impacto em nossos empregos, nossos negócios e compromissos. Alguém publicou uma brincadeira que gostei muito:

“Sobe para 9 os casos de boleto aqui em casa que não serão pagos, já são: 6 confirmados e 3 suspeitos. O pico de aumento vai ser agora do final de março a 15 de abril. “

Noam Chomsky, linguista,  filósofo e ativista político norte-americano, uma das principais referências para mim, foi entrevistado sobre a crise do coronavírus. Ele testemunhou e  vivenciou os mais importantes processos e eventos  históricos do século XX,  e o fez de uma forma crítica que o projetou como um dos grandes historiadores e pensadores políticos contemporâneos.

Segundo Chomsky,  a ideia de que o destino dos EUA e do mundo estão nas mãos de um palhaço sociopata é chocante. Para ele, o coronavírus é sério, mas há horrores maiores se aproximando:  a ameaça crescente da guerra nuclear, a ameaça do aquecimento global, além da deterioração da democracia.

O coronavírus é uma praga horrível e terá consequências terríveis, diz ele, mas poderá  ter uma recuperação. Para a guerra nuclear e o aquecimento global a recuperação não existe. Mas, são ameaças que podem ser tratadas,  embora não haja  muito tempo para isso,  e no caso da democracia, ela é a única esperança para superar as crises. Uma população informada, envolvida e assumindo o controle do seu destino é fundamental. Se isso não acontecer estaremos fudidos (esse termo é meu, não fiz tradução literal). E se deixarmos nosso destino nas mãos de bufões sociopatas (aqui são palavras do Chomsky) será o nosso fim.

Governados por palhaços, bufões sociopatas? A generalização  do Chomsky  foi perfeita!

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Nota:
Entrevista do Chomsky  publicada pelo no site Youtube  pelo site “acTVism Munich”em 28/03/2020  -  Trancrição em :< https://www.actvism.org/wp-content/uploads/2020/03/Noam-Chomsky-on-the-Coronavirus.pdf>


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