Opinião
Alerto que essa publicação é longa,
tipo textão, e abusa do leitor que, em consideração, dá atenção a essas anotações.
Acontece que li um artigo e fiquei superimpressionado. Arrisco DUVIDAR que
alguém que tenha lido o clássico “1984” de George Orwell não se
impressione também.
O romance 1984 foi publicado em 1949,
e nele do autor inglês apontava um futuro distópico de vigilância governamental
onipresente, o “Big Brother”. Tal futuro estaria distante 35 anos daquela
publicação. Hoje, distantes mais de 70 anos, vejam esse relato de um filósofo
alemão de origem sul-coreana: Byung-Chul Han. O autor é reconhecidamente alguém
muito bem informado e escreveu um artigo sobre a pandemia do coronavírus. No
artigo vieram as informações que me impressionaram e extrai para publicar aqui.
O link para o artigo completo (longo) está no final.
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As vantagens da Ásia (no combate à pandemia)
Em comparação com a Europa, quais
vantagens o sistema da Ásia oferece que são eficientes para combater a
pandemia? Estados asiáticos como o Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e
Singapura têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural
(confucionismo). As pessoas são menos relutantes e mais obedientes do que na
Europa. Também confiam mais no Estado. E não somente na China, como também na
Coreia e no Japão a vida cotidiana está organizada muito mais rigidamente do
que na Europa. Principalmente para enfrentar o vírus os asiáticos apostam
fortemente na vigilância digital. Suspeitam que o big data pode ter um enorme
potencial para se defender da pandemia. Poderíamos dizer que na Ásia as
epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e
sim principalmente pelos especialistas em informática e macrodados. Uma mudança
de paradigma da qual a Europa ainda não se inteirou. Os apologistas da
vigilância digital proclamariam que o big data salva vidas humanas.
A consciência crítica diante da
vigilância digital é praticamente inexistente na Ásia. Já quase não se fala de
proteção de dados, incluindo Estados liberais como o Japão e a Coreia. Ninguém
se irrita pelo frenesi das autoridades em recopilar dados.
Enquanto isso a China introduziu um
sistema de crédito social inimaginável aos europeus, que permitem uma
valorização e avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em
consequência de sua conduta social. Na China não há nenhum momento da vida
cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada clique, cada compra, cada
contato, cada atividade nas redes sociais são controlados. Quem atravessa no
sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime e quem coloca comentários
críticos nas redes sociais perde pontos. A vida, então, pode chegar a se tornar
muito perigosa. Pelo contrário, quem compra pela Internet alimentos saudáveis e
lê jornais que apoiam o regime ganha pontos. Quem tem pontuação suficiente
obtém um visto de viagem e créditos baratos. Pelo contrário, quem cai abaixo de
um determinado número de pontos pode perder seu trabalho. Na China essa
vigilância social é possível porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre
os fornecedores da Internet e de telefonia celular e as autoridades.
Praticamente não existe a proteção de dados. No vocabulário dos chineses não há
o termo “esfera privada”.
Na China existem 200 milhões de
câmeras de vigilância, muitas delas com uma técnica muito eficiente de
reconhecimento facial. Captam até mesmo as pintas no rosto. Não é possível
escapar da câmera de vigilância. Essas câmeras dotadas de inteligência
artificial podem observar e avaliar qualquer um nos espaços públicos, nas
lojas, nas ruas, nas estações e nos aeroportos.
Toda a infraestrutura para a
vigilância digital se mostrou agora ser extremamente eficaz para conter a
epidemia. Quando alguém sai da estação de Pequim é captado automaticamente por
uma câmera que mede sua temperatura corporal. Se a temperatura é preocupante
todas as pessoas que estavam sentadas no mesmo vagão recebem uma notificação em
seus celulares. Não é por acaso que o sistema sabe quem estava sentado em qual
local no trem. As redes sociais contam que estão usando até drones para
controlar as quarentenas. Se alguém rompe clandestinamente a quarentena um
drone se dirige voando em sua direção e ordena que regresse à sua casa. Talvez
até lhe dê uma multa e a deixe cair voando, quem sabe. Uma situação que para os
europeus seria distópica, mas que, pelo visto, não tem resistência na China.
Na China e em outros Estados
asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão não existe
uma consciência crítica diante da vigilância digital e o big data. A
digitalização os embriaga diretamente. Isso obedece também a um motivo
cultural. Na Ásia impera o coletivismo. Não há um individualismo acentuado. O
individualismo não é a mesma coisa que o egoísmo, que evidentemente também está
muito propagado na Ásia.
Ao que parece o big data é mais
eficaz para combater o vírus do que os absurdos fechamentos de fronteiras que
estão sendo feitos nesses momentos na Europa. Graças à proteção de dados,
entretanto, não é possível na Europa um combate digital do vírus comparável ao
asiático. Os fornecedores chineses de telefonia celular e de Internet
compartilham os dados sensíveis de seus clientes com os serviços de segurança e
com os ministérios de saúde. O Estado sabe, portanto, onde estou, com quem me
encontro, o que faço, o que procuro, em que penso, o que como, o que compro,
aonde me dirijo. É possível que no futuro o Estado controle também a
temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue etc. Uma biopolítica
digital que acompanha a psicopolítica digital que controla ativamente as
pessoas.
É possível
que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível
de açúcar no sangue
Em Wuhan se formaram milhares de
equipes de pesquisa digitais que procuram possíveis infectados baseando-se
somente em dados técnicos. Tendo como base, unicamente, análises de macrodados
averiguam os que são potenciais infectados, os que precisam continuar sendo
observados e eventualmente isolados em quarentena. O futuro também está na
digitalização no que se refere à pandemia. Pela epidemia talvez devêssemos
redefinir até mesmo a soberania. É soberano quem dispõe de dados. Quando a
Europa proclama o estado de alarme e fecha fronteiras continua aferrada a
velhos modelos de soberania.
Não somente na China, como também em
outros países asiáticos a vigilância digital é profundamente utilizada para
conter a epidemia. Em Taiwan o Estado envia simultaneamente a todos um SMS para
localizar as pessoas que tiveram contato com infectados e para informar sobre
os lugares e edifícios em que existiram pessoas contaminadas. Já em uma fase
muito inicial, Taiwan utilizou uma conexão de diversos dados para localizar
possíveis infectados em função das viagens que fizeram. Na Coreia quem se
aproxima de um edifício em que um infectado esteve recebe através do
“Corona-app” um sinal de alarme. Todos os lugares em que infectados estiveram
estão registrados no aplicativo. Não são levadas muito em consideração a
proteção de dados e a esfera privada. Em todos os edifícios da Coreia foram
instaladas câmeras de vigilância em cada andar, em cada escritório e em cada
loja. É praticamente impossível se mover em espaços públicos sem ser filmado
por uma câmera de vídeo. Com os dados do telefone celular e do material filmado
por vídeo é possível criar o perfil de movimento completo de um infectado.
São publicados os movimentos de todos
os infectados. Casos amorosos secretos podem ser revelados. Nos escritórios do
Ministério da Saúde coreano existem pessoas chamadas “tracker” que dia e noite
não fazem outra coisa a não ser olhar o material filmado por vídeo para
completar o perfil do movimento dos infectados e localizar as pessoas que
tiveram contato com eles ....
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Byung-Chul Han é um filósofo e
ensaísta sul-coreano que dá aulas na Universidade de Artes de Berlim. Autor,
entre outras obras, de ‘Sociedade do Cansaço’, publicou há um ano ‘Loa a la
tierra’, na editora Herder.
Texto do artigo disponível em:
https://brasil.elpais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-han.html
- acessado em 03/04/2020
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