terça-feira, 21 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (33)



Opinião


Hoje é feriado nacional, celebração do vulto histórico Tiradentes e também do nascimento da agora sessentona Brasília. Em outras circunstâncias seria um daqueles feriados  bons de curtir. No Rio faz um dia bonito e agradável. Descanso do trabalho, reuniões com amigos, com a família, cair na gandaia pra quem tem o hábito, bebericar umas cachaças ou apenas ficar “coçando”, aproveitando um merecido dia de lazer. Mas, o coronavírus virou tudo de cabeça pra baixo, ou de ponta cabeça como dizem os paulistas. Isolados ou não, nada está normal. Esse feriado está mais com cara de enforcamento do que de aniversário.

Sem a alternativa de desfrutar  as alegrias da folga, é possível viajar mentalmente pela representatividade da data. Mas, cá pra nós, não é passeio de grande prazer. O principal homenageado é um herói que  a historiografia oficial nos empurrou goela abaixo desde os textos didáticos infantis. Um mito fabricado nas coxas, parido da necessidade de um símbolo para o golpe militar que criou nossa controversa república .

Nosso herói ganhou o apelido de “mártir da independência”, mas foi o bucha de um grupo que não queria pagar impostos à coroa portuguesa, e para os quais a ideia de uma autonomia para a região onde viviam pareceu boa alternativa. Faz-me lembrar alguns empresários que em nome de seus interesses já fizeram várias tentativas de emancipar a região do bairro de Alcântara em São Gonçalo (RJ) criando um novo município, aliás prática recorrente em todo o país. A ideia de independência do Brasil que cultivamos nem passava pela cabeça dos chamados inconfidentes e o próprio conceito de “Brasil”, se existia, era embrionário.

Fosse hoje, quem sabe, os tais inconfidentes teriam montado um “impostômetro” igual aquele patrocinado pelos coxinhas da Associação Comercial de São Paulo, além de organizar uma caixinha para a eleição de parlamentares que garantiriam jogar para as costas dos trabalhadores as obrigações devidas pelos seus lucros.

De qualquer forma, não tenho competência para fazer tratados nem defesa de teses históricas, apenas comento sobre fatos que são de conhecimento geral. Mesmo assim, resguardo o respeito pelo símbolo que é legalmente o Patrono Cívico da Nação Brasileira, além de patrono oficial de algumas instituições do Estado.

Prefiro associar o nome de Tiradentes à agradável cidade mineira e à sua vizinha  Coronel Xavier Chaves que já fez parte da primeira, embora eu não saiba se foi criada numa daquelas iniciativas que citei antes. Mas, o tal “coronel” foi um descendente do Joaquim José da Silva Xavier o alferes que dançou na frustrada conspiração. É lá que se produz a cachaça Século XVIII que também é vendida com o rótulo de Santo Grau - Cel. Xavier Chaves. Uma pinga deliciosa destilada naquele que é tido como o mais antigo alambique do Brasil ainda em funcionamento. Não fosse o coronavírus, viajar para bebericar uma Século VIII “in loco” seria uma boa alternativa para um feriado de terça-feira com a segunda-feira “enforcada”.

Já o aniversário de Brasília, como não poderia deixar de ser, reflete a representação que a cidade tem para o país. Brasília é  história viva e a sua criação resulta de uma escolha política que, para o bem ou para o mal, ainda hoje suscita discussões.. Quis o acaso que a capital completasse os seus sessenta anos justamente na época em que os cidadãos dessa faixa etária estão numa berlinda discriminatória  e classificados como grupo de risco na pandemia.

Tudo bem que sessenta anos é infância na escala de tempo da vida das cidades, mas na escala de tempo da vida humana Brasília assume agora a sua condição de idosa. Mais um atributo para a cidade que já tem uma imagem caricata por abrigar a representação dos poderes políticos com todas as suas deformações.

O fato é que a cidade está aí (ou lá), com suas virtudes e imperfeições. Abriga uma geração já amadurecida de descendentes dos candangos, e merece cumprimentos e agradecimentos solidários da sociedade brasileira. Afinal, sessentona, hospeda involuntariamente o SARS – CoV-2 responsável pela COVID-19, mas também involuntariamente hospeda um vírus boquirroto e infeccioso que contamina e abate o corpo social desse já combalido país.

Não deixarei de olhar a natureza e admirar a beleza desse dia de feriado, mas minhas celebrações ficarão por conta do aniversário de uma amiguinha querida, “meio isolada” a algumas quadras daqui, e para quem eu envio beijos e parabéns!

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Um comentário :

  1. Que texto delicioso! Nossa amiguinha (Carol?,né?) deve ter ficado feliz com tal lembrança-homenagem! Bjs. Obrigada.

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