terça-feira, 21 de julho de 2015

Erisvaldo

Vizinhos


É estranho você estar na rua e ouvir um sujeito indagando em alto e bom som: Quem quer comer a minha rosca? Tá quentinha, doce e gostosa, você vai adorar! Adoro quando comem a minha rosca!"

Você pode até tentar parecer politicamente correto e não preconceituoso, mas não tem jeito! Outra parte do cérebro se adianta e processa a informação como pura sacanagem. Aí, você busca identificar a origem daquela proposta pública e explícita de sodomia, e descobre a cara alegre e gozada de um vendedor oferecendo um doce que ele mesmo fabrica e vende nas ruas, anunciando as qualidades do seu produto com mensagens de duplo sentido e provocando com a sua brincadeira sorrisos escancarados ou disfarçados dos que estão próximos.

O vendedor é conhecido como “da rosca”, uma referência ao bordão que ele repete pelo bairro vendendo os seus doces e o seu nome Erisvaldo. Ele mora próximo, mas não somos vizinhos de residências. O seu ponto fixo de venda é que fica na vizinhança, em um dos acessos à estação Catete do metro, de onde ele sai e circula entre as ruas próximas. Personagem popular, Erisvaldo é citado em alguns livros sobre a cidade, foi entrevistado em programas famosos na TV, é personagem de vídeos do youtube, e na internet há várias referências à sua figura e à sua forma especial de venda. Ele foi até tema de livro de práticas gerenciais apresentando-o como exemplo de empreendedorismo. É uma figuraça! Conheço gente que adora as suas roscas, mas fica constrangida em comprá-las, com receio que durante a compra, estando ao lado do Erisvaldo, ele resolva anunciar com sua voz estridente: “Acabei de queimar a minha rosca, ela está uma delícia!”.

A atitude galhofeira e simpática do Erisvaldo é bem a cara do Rio de Janeiro. Ele faz parte de um conjunto de trabalhadores que desperta a minha atenção. São vendedores e prestadores de serviços nas ruas que mesmo trabalhando em condições bem adversas, ainda assim, vão à luta e sobrevivem com um esforço e perseverança cuja motivação eu não sei explicar e nem sei se alcançaria se fosse colocado nas mesmas condições. É certo que existem outros exemplos além do meu vizinho, alguns bem mais significativos, incluindo os que não sobreviveram, mas eles só reforçam o que destaco e justificam a minha admiração. Não deve ser fácil.

Eu não conheço o homem da rosca, nada sei sobre o que ele pensa, qual o seu caráter ou seus valores. Pode ser até que conflitem com os aspectos que resolvi ressaltar. Mas, admiro este vizinho. Ele simboliza o trabalhador transformando as suas potencialidades em seu meio de sustento sem recorrer à exploração do trabalho do outro. Tomara que na prática ele seja um exemplo do símbolo que representa. Ele irradia algo bom entre as pessoas a sua volta enquanto realiza as suas atividades, e eu gostaria que ele conseguisse o equivalente como retorno. Além do mais, cá entre nós, a rosca do cara é gostosa.


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Ponto de venda - Vizinho

 

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Circulando e o seu "grito de guerra": da roooos . . . ca!



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sexta-feira, 17 de julho de 2015

Metro

Vizinhos

Não preciso comentar as vantagens de ter como vizinho o Metro. Ele nos faz vizinhos de uma parte significativa da cidade que, infelizmente, é bem menor do que deveria. É uma pena que a sua história não possa ser apontada com grandes méritos. Ela é, em parte, a história das escolhas que a população fez ao eleger os administradores da cidade e do estado. É claro que ninguém os escolheu contando que seria prejudicado pelo seu próprio voto, mas isto só reforça a responsabilidade sobre as nossas escolhas, não nos isenta delas.

A história do início do Metro do Rio é bem parecida com a da sua referência mais próxima, o Metro de São Paulo. Ambos foram sugeridos desde o ano de 1928, porém as empresas Metro do Rio e de São Paulo só vieram a ser criadas no ano de 1968, e as primeiras linhas só começaram a operar em 1974, em São Paulo, e em 1979, no Rio de Janeiro. Contudo, as histórias foram similares apenas até a formação das empresas. De lá, para cá, o Metro do Rio conta com apenas cerca de 40 km de rede e transporta 780 mil passageiros por dia, enquanto a rede paulista é de cerca de 80 km e o transporte diário é de cerca de quatro milhões e meio de pessoas em linhas onde os trens se deslocam com até 100 km por hora, enquanto a velocidade dos trens cariocas é da ordem de 60 km por hora. Nem vale a pena, aqui, estender a comparação com outras cidades do mundo onde as redes são medidas em centenas de quilômetros.

Seguimos, então, com as nossas precariedades e distorções. A ausência de um planejamento integrado é a característica mais relevante deste vizinho do qual usufruo privilegiadamente. Seria muito bom que, no mínimo, as seis linhas que do seu projeto integral já estivessem em operação, mas o fato é que ninguém consegue, sequer, descrever com clareza os seus percursos e estações, este assunto é um saco de gatos, e a confusão, esta sim, parece planejada com o objetivo de escapar ao controle público. Assim, a cidade continua escrava e refém dos proprietários das empresas de ônibus que nem mesmo prestam um serviço decente. Transportam a população como animais ou cargas inanimadas em veículos que, conforme um amigo especialista no setor, mais parecem carrocerias montadas sobre chassis de caminhões travestidos de ônibus, embora os proprietários insistam em negar que seja assim. 

Estes grupos se representam institucionalmente pela reunião de seus sindicatos, a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros) que já foi denunciada pelo ex-deputado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Helio Luz, como um poder paralelo, o verdadeiro crime organizado cuja capacidade financeira e de organização os criminosos comuns não têm. Aliás, demonstrando um avanço em sua organização, será um consórcio formado pelos operadores dos quatro meios de transportes da cidade (trem, metrô, barcas e ônibus) quem operará pelos próximos 25 anos o sistema VLT – Veículo Leve sobre Trilhos cuja construção vem sendo alardeada com pompa, mas que pouco significa diante da integração de transportes de massa que os habitantes e trabalhadores da cidade efetivamente precisam e merecem.  Vizinho bom esse Metro, mas complicado!

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As linhas do Metro - Um saco de gatos!
Jamais alguém soube com clareza quais seriam as linhas do Metro RJ.
Qual o percurso e quais as estações?


Momento de descontração
Piada: as três barrinhas deveriam sugerir um "E" de "Engenharia"
Algo que certamente a cidade não tem é uma engenharia de tráfego.




segunda-feira, 13 de julho de 2015

UNE

Vizinhos

Esta vizinha é uma velha senhora caminhando para os seus oitenta anos. A União Nacional dos Estudantes – UNE é vizinha de calçada, e a sua sede, no número 132 da Praia do Flamengo, está precisamente a 240 metros além da portaria do meu prédio. A rigor, ela “estava” porque, no momento, o local é um canteiro de obras. Naquele endereço funcionou, nos anos 30, o clube Sociedade Germânia fundado antes da independência do Brasil. O clube foi fechado durante a segunda grande guerra pelo governo Vargas que confiscou e concedeu o prédio aos estudantes para ser a sede da UNE que já existia desde 1937. Atualmente o clube Germânia funciona na Gávea.

A UNE foi símbolo das manifestações estudantis que contestaram o regime militar, e por isto foi declarada ilegal em 1964. Seu prédio sede foi incendiado nos primeiros dias do golpe e, mais tarde, demolido pela ditadura. A entidade passou a atuar na clandestinidade, seus militantes e dirigentes foram perseguidos e alguns deles presos ou assassinados. Em 2007 os estudantes ocuparam o terreno que funcionava como um estacionamento e conseguiram na Justiça a posse do mesmo. Mais tarde o Congresso Nacional reconheceu a responsabilidade do Estado e determinou a indenização da UNE por suas perdas. Em 2010 o presidente Lula inaugurou no local o início das obras de reconstrução da sede da UNE. Conforme tem sido divulgado por alguns jornais e, em parte, pela própria UNE, na área de sua sede será erguida a “Torre Flamengo” uma obra realizada em sociedade com a iniciativa privada. Será um prédio de 12 andares que abrigará a nova sede com um espaço para o seu uso exclusivo, mas que também será um empreendimento para a exploração comercial.

Neste momento, junho de 2015, a minha vizinha está realizando o seu 54º Congresso em Goiânia (GO). Sem dúvida um evento importante que registra cerca de 10 mil participantes. Entretanto, a UNE tem sido contestada como a representante unânime da esquerda política na área estudantil, e acusada de imobilismo decorrente de seu apoio incondicional ao  governo federal. Seus críticos criaram, em 2009, uma nova entidade a “ANEL - Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre” que já realiza o seu terceiro congresso no mesmo período do congresso da UNE, mas em Campinas (SP) e com cerca de 1000 participantes. O futuro nos dirá sobre os desdobramentos destas disputas.

Enquanto isto, a vizinha segue com suas obras. As placas no local já não fazem menção à entidade, mas uma animação no youtube informa que ali haverá auditório, sala de exposição, café, restaurante, garagem em subsolo e outros recursos decorrentes de um projeto que foi doado à UNE pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Eu preferiria uma UNE não “empreendedora”, praticando a sua liberdade nas ruas, provocando a participação política dos estudantes. Leve como eles,  e sem essa coisa de administração comercial de patrimônio que me parece um convite à acomodação e ao peleguismo. As notícias falam em uma obra de custo R$ 65 milhões – não é pouca coisa. Parece que a velha senhora reaparecerá em grande estilo, pelo menos, ressalve-se, na aparência.

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Canteiro de obras - sede da UNE, Praia do Flamengo, 132
Cartazes anteriores ao início das obras


Canteiro de obras - As referências à UNE foram retiradas

Sede da UNE logo após o confisco da sede do Germânia (esquerda) e
incêndio durante o golpe militar de 1964 (direita)

Ruínas da antiga Sede








Torre Flamengo
Local da nova sede da UNE



Esses corôas são ex-presidentes da UNE
Manifestação quando o terreno foi devolvido à entidade



ANEL- Assembléia Nacional dos Estudantes  Livre
Nova entidade - Oposição à UNE

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Castelinho

Vizinhos

Este vizinho recebeu o apelido de “Castelinho do Flamengo” porque sua aparência lembra a imagem de um diminuto castelo. Não é um apelido original, afinal são muitos os “castelinhos” pelo Brasil afora que ganharam este apelido pela mesma razão. No caso deste vizinho trata-se de uma construção simpática, concluída em 1918, portanto antiga para as nossas referências. Originalmente foi residência, e hoje é a sede de um centro cultural administrado pela prefeitura da cidade. Sei que é um prédio tombado pela mesma prefeitura, mas nada sei sobre a sua propriedade.
No Castelinho funciona o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, e ele é apresentado como um ponto turístico da cidade, embora ainda não reúna atributos para tal. Ele é mais uma referência geográfica da região na medida em que está localizado em uma das esquinas de acesso à Praia do Flamengo e aproximadamente a meio caminho da extensão da praia contada desde a marina da Glória até o obelisco Estácio de Sá, fundador da cidade. 
O homenageado com o nome do centro cultural foi um dramaturgo falecido precocemente nos anos 70. Conhecido como “Vianinha” é sempre citado com respeito e admiração pelos seus pares, mas a divulgação do seu nome recebeu uma contribuição significativa da Rede Globo que escolheu associar aos seus quadros o nome do referido artista cuja carreira, até então, era associada ao combate e questionamento do regime militar.
O Castelinho tem condições para se tornar um ponto turístico de destaque, mas isto dependerá da sua administração e dos eventos que promover. Em outras cidades do mundo existem locais similares que são efetivamente destaques turísticos, apesar de terem muito menos potencial e charme que o Castelinho. Independentemente disto, só o fato de existir um espaço público na cidade com o propósito de estimular e divulgar a produção cultural já faz do Castelinho um vizinho especial.
Uma curiosidade é que o Castelinho tem fama de ser assombrado, como todo castelo que tenha um mínimo de vergonha na cara. Suas dependências seriam habitadas pelo fantasma de uma herdeira órfã que vaga pelo prédio reivindicando os seus direitos. Ela teria sido ludibriada por um tutor que se apossou dos seus bens, além de maltratá-la, aprisioná-la na torre etc. O tal fantasma nunca fez muito sucesso, até a Rede Globo com os poderosos recursos do seu programa Fantástico já fez investigações para identificá-lo, mas em vão. Ele perdeu a oportunidade de se manifestar e virar celebridade internacional. Isto não chega a ser uma novidade, nos anos 90 o ET de Varginha também se sentiu inibido e desapareceu. Diante daquelas câmeras só quem fica a vontade é o pessoal da novela, da direita política e os comunistas arrependidos. Assim, não serei eu quem irá desmerecer o fantasma. O mundo físico já assombra suficientemente a vida dos cidadãos e não é absurdo que o plano metafísico esteja com prioridade menor. Além do mais, se a herdeira reclamou os seus direitos junto ao poder judiciário nacional, há uma probabilidade enorme de existir um processo qualquer também vagando pelas diversas instâncias, varas ou coisa que o valha, e só mesmo um ser etéreo e perene para acompanhar a sua tramitação na espera de alguma conclusão.

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Castelinho - Fachada - Dois de Dezembro com Praia do Flamengo

Castelinho nas antigas - Registro do Augusto Malta
Noite no Castelinho - Tá na hora do fantasma chegar

Eventos no Castelinho
 

domingo, 5 de julho de 2015

Museu

Vizinhos

Trata-se de um vizinho importante, politicamente importante. Afinal, ele foi o Palácio do Catete, sede do governo de 16 presidentes da República, desde 1897 até 1960 quando perdeu o seu status porque a capital do país mudou para Brasília. Em 1970 passou a ser o Museu da República, mas para muitos é o “Palácio do Getúlio”, uma referência ao presidente que cometeu o suicídio em suas dependências. Conforme uma pesquisadora do Museu: "Naquela época, você não dizia 'a sede da Presidência', você dizia 'o Palácio do Catete'. E depois de Getúlio virou o 'Palácio de Getúlio', até hoje. Se você pega um táxi e pede para ir ao Museu da República é possível que ele não saiba, mas se você disser 'o Palácio do Getúlio' ele sabe. Quer dizer, é uma palavra-chave não porque é qualquer palácio, é porque esse palácio está colado no imaginário da população e dos governantes também".

Este vizinho anda sempre ocupado. Exposições permanentes e temporárias, seminários, serestas, feira de livros, cinema, colônia de férias, biblioteca, lançamento de livros, saraus e eventos artísticos diversos, além da disponibilidade do acervo do museu para consultas e pesquisas. Em caráter permanente ficam expostas as dependências do palácio que são memórias da história do Brasil, porém há uma exposição de longa duração que recomendo como imperdível: “A Res publica brasileira”. Organizada conforme etapas políticas da nossa república, a exposição tem um caráter especial para aqueles que tiveram a oportunidade de vivenciar a movimentação política no Brasil desde o golpe de 64 até a Constituinte de 88.

Para a vizinhança a sua importância não se resume aos títulos históricos. Ele é uma bela construção num terreno que ocupa quase a metade da nossa quadra e que interliga as ruas do Catete e Praia do Flamengo. A sua área externa, aberta permanentemente ao público, encanta pelos seus jardins arborizados e pelos elementos de decoração que são um oásis no ambiente urbano, especialmente nos dias de verão escaldante. Os visitantes, trabalhadores e moradores da região vão e vem dos seus destinos ou apenas passeiam por ali, descansando, namorando ou absorvidos em conversas ou leituras. É divertido observar que alguns fazem caretas ou falam sozinhos enquanto meditam. Neste “palácio”, em 1914, Nair de Tefé, a esposa de um dos presidentes, promoveu uma recepção e escandalizou a sociedade ao executar, ela própria, ao violão, a composição que ficou conhecida como “Corta-jaca”, obra de outra mulher voluntariosa, brasileira, mas marginalizada socialmente, a compositora, pianista e regente Chiquinha Gonzaga. Um acinte que provocou a reação indignada do falastrão senador Ruy Barbosa: “... a mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba”. Essas besteiras foram proferidas no mesmo ano do famoso discurso: “... de tanto ver triunfar as nulidades... prosperar a desonra... blá, blá, blá...”.


Dizem que a sede do governo que antes era no palácio do Itamaraty, lá próximo a Central do Brasil, mudou-se de lá para sair das proximidades dos quartéis do exercito. História verdadeira, ou não,  estou entre os que tentam imaginar como seria a historia do país se a sede do governo ainda fosse aqui, nas barbas e ao alcance da população. E só recentemente me dei conta que o tecido de forração do meu sofá tem o mesmo padrão que o do pijama do Getúlio exposto no quarto em que suicidou. Não sei se faço caretas ou falo sozinho enquanto penso essas coisas!
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Museu da República - Fachada para a Rua do Catete

Clique aqui e visite o Museu


Museu da República - Jardim
Meio da quadra, entre Rua do Catete e Aterro do Flamengo
Clique aqui e visite o Jardim

Museu da República - Jardim
Ao fundo o Aterro do Flamengo - Lado oposto à fachada da rua do Catete

Nair e Chiquinha
Nair (esquerda): 1886 - 1981    -   Chiquinha (direita): 1847 - 1935

O pijama do Getúlio
Meu sofá e o pijama do Getúlio

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Seabra

Vizinhos

- Eu é que não tinha coragem de entrar aí, de noite, nesse castelo assombrado!
Essa exclamação recebeu como resposta uma risada nervosa e um comentário que não consegui ouvir. Eram duas senhoras de aparências humildes que passavam em frente ao meu vizinho, um prédio imponente de 12 andares na esquina da ruas Ferreira Viana e Praia do Flamengo, quadra onde moro,  uma construção que é uma referência na cidade do Rio de Janeiro.
O edifício Flamengo nasceu como edifício Seabra, e é uma das belas construções da Praia do Flamengo. Ele também tem um apelido: Dakota. A origem do apelido se deve a sua aparência externa que tem um jeitão parecido com o do famoso prédio Dakota, de Nova York, onde morou o ex-Beatle John Lennon assassinado na portaria do prédio. O Dakota carioca é descrito como tendo uma luxuosa construção interna, mas destaca-se entre os demais pela beleza de sua arquitetura externa. É uma estrutura em blocos de pedra escuros, e as suas portarias não são transparentes como a maioria dos demais prédios. Elas são portões de ferro decorados com grades e vidros que, além da proteção física, dificultam a devassa do interior pelos olhares dos transeuntes. Quem passa próximo aos seus portões, durante a noite ou dia, pode apenas vislumbrar em penumbra os seus amplos corredores decorados (de gosto até duvidoso)  e com uma iluminação colorida e de baixa potência. O conjunto compõe uma visão que faz o prédio parecer com as caricaturas de castelos assombrados, justificando o medo das senhoras que passaram em frente ao mesmo.
Para o meu gosto a construção é bonita e impactante, mas  ela é também um símbolo de concentração da riqueza. Construído em 1931, data anterior à construção do Aterro do Flamengo, o seu proprietário original foi um milionário português, um comendador,  de sobrenome Seabra (nome do prédio) que reservou para sua moradia os três últimos andares, um triplex com cerca de 2400 metros quadrados com portarias e elevadores privativos. Uma concentração de riqueza que ainda se exibe porque, apesar de tombado,  o prédio é uma propriedade privada e o triplex do "comendador"  foi negociado recentemente,  há cerca de dois anos,  estando ainda em reformas.
O Seabra não é o maior símbolo de concentração de riqueza no Rio de Janeiro e nem deve ser o mais representativo da Praia do Flamengo. E neste aspecto deve estar bem longe do Dakota americano. Mas, aqui ou em Nova York, a realidade é que nenhum homem ou grupo de proprietários trabalhou o suficiente em seu tempo de vida para produzir e acumular tanta grana. Trata-se da expropriação do trabalho de outros, de muita gente, como é  a prática do sistema de produção em que vivemos. O Dakota americano ganhou fama de maldito e  assombrado antes da morte do Lennon, desde quando foi local de gravação do filme "Bebê de Rosemary" , um ícone do cinema de suspense e terror. Quem sabe no caso do Seabra algum fenômeno sobrenatural seja a explicação para tanto dinheiro nas mãos de tão pouca gente. Mas, será uma explicação diabólica.
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Edifício Flamengo (Seabra) - O Dakota carioca


Interior do Seabra
Dakota original - americano