Vizinhos
É estranho você estar na rua e ouvir um sujeito indagando
em alto e bom som: “Quem quer comer a
minha rosca? Tá quentinha, doce e
gostosa, você vai adorar! Adoro
quando comem a minha rosca!"
Você pode até tentar parecer politicamente correto e não
preconceituoso, mas não tem jeito! Outra parte do cérebro se adianta e processa
a informação como pura sacanagem. Aí, você busca identificar a origem daquela
proposta pública e explícita de sodomia, e descobre a cara alegre e gozada de
um vendedor oferecendo um doce que ele mesmo fabrica e vende nas ruas, anunciando
as qualidades do seu produto com mensagens de duplo sentido e provocando com a
sua brincadeira sorrisos escancarados ou disfarçados dos que estão próximos.
O vendedor é conhecido como “da rosca”, uma referência ao bordão que ele repete pelo bairro vendendo
os seus doces e o seu nome Erisvaldo. Ele mora próximo, mas não somos vizinhos
de residências. O seu ponto fixo de venda é que fica na vizinhança, em um dos
acessos à estação Catete do metro, de onde ele sai e circula entre as ruas
próximas. Personagem popular, Erisvaldo é citado em alguns livros sobre a
cidade, foi entrevistado em programas famosos na TV, é personagem de vídeos do
youtube, e na internet há várias referências à sua figura e à sua forma especial
de venda. Ele foi até tema de livro de práticas gerenciais apresentando-o como
exemplo de empreendedorismo. É uma figuraça! Conheço gente que adora as suas
roscas, mas fica constrangida em comprá-las, com receio que durante a compra,
estando ao lado do Erisvaldo, ele resolva anunciar com sua voz estridente: “Acabei
de queimar a minha rosca, ela está uma delícia!”.
A atitude galhofeira e simpática do Erisvaldo é bem a
cara do Rio de Janeiro. Ele faz parte de um conjunto de trabalhadores que
desperta a minha atenção. São vendedores e prestadores de serviços nas ruas que
mesmo trabalhando em condições bem adversas, ainda assim, vão à luta e
sobrevivem com um esforço e perseverança cuja motivação eu não sei explicar e
nem sei se alcançaria se fosse colocado nas mesmas condições. É certo que
existem outros exemplos além do meu vizinho, alguns bem mais significativos,
incluindo os que não sobreviveram, mas eles só reforçam o que destaco e justificam
a minha admiração. Não deve ser fácil.
Eu não conheço o homem da rosca, nada sei sobre o que ele
pensa, qual o seu caráter ou seus valores. Pode ser até que conflitem com os
aspectos que resolvi ressaltar. Mas, admiro este vizinho. Ele simboliza o
trabalhador transformando as suas potencialidades em seu meio de sustento sem
recorrer à exploração do trabalho do outro. Tomara que na prática ele seja um
exemplo do símbolo que representa. Ele irradia algo bom entre as pessoas a sua
volta enquanto realiza as suas atividades, e eu gostaria que ele conseguisse o
equivalente como retorno. Além do mais, cá entre nós, a rosca do cara é
gostosa.
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Ponto de venda - Vizinho
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Circulando e o seu "grito de guerra": da roooos . . . ca!
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