Leituras para distrair
Pensava nas restrições e cuidados pandêmicos como um
"desvio por motivo de obras".
Um desconforto temporário e com retardos implicando em reprogramação dos
agendamentos. Para mim, em algum momento encontraríamos outra placa indicando
" fim do trecho em obras "
e um novo desvio, desta vez para retorno à normalidade do percurso que fora
interrompido.
Não penso mais assim. Não por conta exclusiva de
reflexões individuais, seria uma pretensão. Mas, pelas oportunidades de
conversas entre companheiros, e acesso às reflexões de outros que sequer
conheço. Reflexões que circulam nesse mar de informações viabilizado pela
tecnologia e agitado pelo quadro trágico de um vírus que, com uma significativa
contribuição de agentes governamentais, só em nosso país já tragou cerca de 600
mil vidas.
Não entramos em um desvio para uma rota alternativa e
temporária. Entramos em novo caminho com características distintas das que
conhecíamos e que vamos identificando na medida em que prosseguimos.
Mais adiante, a pandemia propriamente dita será uma
paisagem ultrapassada e a rota a seguir também não será mais aquela de antes. A
vida anterior à pandemia terá passado, assim como passará a própria pandemia.
Precisamos nos adaptar a essa ideia. Insistir na expectativa de retorno a algo
que ficou no passado será um equívoco. Devemos nos empenhar na preparação e
atenção para esse novo caminho.
Penso no conselho de um psicólogo (B.F. Skinner) ao
tratar sobre a velhice. "A velhice
é, em parte, como um outro país. Você poderá viver bem lá, se se preparou com
antecedência". Aprender desde já sobre novos hábitos, costumes e
necessidades. A mudança virá. Assim, buscar saber como é a vida por lá irá
ajudar-nos quando a mudança acontecer.
Também o fim da pandemia virá, mas será como a vida em
outro local. Relações profissionais e pessoais, obrigações e relações
familiares, estudos, trabalhos, viagens, projetos, enfim, todos esses
significados que compõem a nossa vida pessoal e em sociedade serão impactados.
Precisamos nos preparar desde já.
Umas das pouquíssimas coisas que não mudarão com a
pandemia serão o determinismo da morte e a exploração capitalista. A vida
humana ainda é finita, e no capitalismo continuará tratada como mercadoria, no
processo interminável da exploração dos trabalhadores pela classe capitalista
visando à apropriação por essa última da riqueza produzida pela primeira.
Porém, um fato interessante emergirá como novo, embora
não o seja, em relação aos tempos pandêmicos. Precisaremos explicitar certas
escolhas porque não poderemos mais usar a pandemia como desculpa. Aonde ir ou o
que fazer. Onde estar, quando e com quem.
Escolher e criar subterfúgios e justificativas
naturalmente não será uma novidade, afinal, sempre fizemos isso. Mas, a
pandemia terá nos deixados "mal"
acostumados porque não somos cobrados em nossas afirmativas ou negações quando
a usamos como desculpa. Interessante! Um pouco mais a frente as razões
precisarão ser outras, mais claras ou explícitas. Isso será um grande e curioso exercício. *####*