Opinião
“Não
acabou! Tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”
Não
é simples gritar essa palavra de ordem tão forte e significativa, e que foi, sem
dúvida, um dos bordões mais aclamados nas manifestações decorrentes dos
assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Gritar
pelo fim da polícia que conhecemos é um apelo significativo não apenas para a
conjuntura carioca, mas para a situação brasileira em geral. A criminalização
generalizada das manifestações políticas com a consequente repressão policial
em nosso país já é um fato e virou prática comum. Deixou de ser uma
possibilidade, não importa o partido que esteja no comando do governo. Qualquer
movimento organizado consequente está obrigado a pensar sobre como enfrentar
essa realidade, especialmente aqueles que agregam as comunidades carentes que
são as mais oprimidas e reprimidas pelo Estado.
Foi
com essa convicção e tentando aumentar a sua divulgação, que resgatei a
histórica entrevista do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Helio Luz,
figura cuja biografia é pública e conhecida [1]. Lá se vão mais de vinte anos
da entrevista, ocorrida em maio de 1997, e as questões colocadas pelo
ex-delegado são atualíssimas.
O
objetivo de ampliar a divulgação da entrevista é provocar e estimular o
exercício da nossa crítica sobre uma questão que salta de nossas gargantas como
palavra de ordem nas manifestações, mas que também nos compromete com a
viabilização e com as consequências da
nossa vontade.
A
nossa polícia foi criada para fazer a segurança de Estado e da elite. São palavras de Helio Luz. Seu pessoal é
recrutado basicamente na periferia, o Estado tolera a sua violência na proteção
ao patrimônio, paga salários irrisórios ao policial e lhe dá ordem para “se
virar”.
Nesse
modelo a polícia é necessariamente violenta e corrupta. Mas, ela realiza a
função para a qual foi criada e, na verdade, desempenha com eficiência o seu
papel – diz o ex-delegado.
O
clamor por uma polícia não violenta e não corrupta significa cobrar da polícia
que ela proteja a sociedade. Porém, essa cobrança está sendo feita a uma
polícia que não foi criada para isso. A polícia para proteger a sociedade
simplesmente não existe. Precisaria ser construída, e isso é uma reviravolta.
Então,
prossegue o ex-delegado, não é necessário consumir tempo debatendo se a polícia
é, ou não, violenta e corrupta. Essa questão já está respondida
afirmativamente. A polícia é violenta e corrupta. O avanço seria transformar
essa polícia, o que não é algo simples, embora seja viável. Porém, para tal
mudança é necessário que, preliminarmente, a sociedade responda a si própria
se, de fato, há interesse em uma polícia não violenta e não corrupta.
A
questão da violência parece não trazer dúvidas sobre a vontade social, mas no
caso da corrupção, há contradições. O delegado questiona complementando que a
polícia não corrupta será aquela que não deixará o carro parar no local proibido,
nem permitirá puxar fumo no Posto 9, nem deixar o pessoal cheirar em Ipanema. E
os mandados serão cumpridos com o pé na porta na Delfim Moreira, como se faz em
outros países. É assim que funciona a polícia no primeiro mundo, diz ele. A
polícia no primeiro mundo também não é perfeita, e não é diferente da nossa em
seus mecanismos de discriminações e exclusões. Essa característica não é
exclusiva da polícia brasileira, afirma Helio Luz. A diferença é que no
primeiro mundo a classe media está dentro da policia, o que não ocorre aqui.
Aqui,
os protegidos são apenas o Estado e a elite. E é para garantir isso que a
comunidade pobre é reprimida e segregada pela polícia, em vez de receber
proteção. Trabalho bem feito, afirma o ex-delegado. Nem são necessários cercas
de arames para essa apartação, como ocorre na África do Sul, exemplifica Helio
Luz. A entrevista na íntegra pode – e deveria – ser assistida no link abaixo
[2]. Vale a pena.
#####
[1]
Hélio Tavares
Luz (03/04/1946) foi chefe de polícia do Rio de Janeiro (1995
-1997) no governo Marcello Alencar (PSDB). Em setembro de 1997, seis
meses após a entrevista citada nesse blog, ele foi afastado do cargo por se
deixar fotografar ao lado de policiais que questionavam plano de cargos e
salários. Elegeu-se deputado estadual no
Rio de Janeiro, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), entre 1999-2002, mas
deixou o PT em 2002 por discordar de "procedimentos internos do
partido". Atualmente está aposentado.
[2]
Link para entrevista com o
deputado Helio Luz – Acesso em 31/03/2018.
Essa
entrevista de Helio Luz foi a base de um documentário intitulado “Notícias de Uma Guerra Particular”, de João Moreira Sales. Recentemente, em
fevereiro de 2018, uma matéria da BBC Brasil resgatou a entrevista de 1997 e
fez nova entrevista recolhendo as impressões do ex-delegado sobre a intervenção
militar no Rio de Janeiro. O texto da entrevista da BBC está em <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43207272>
Acesso em 31/03/2018.