Opinião
Essas
notas são comentários, não são uma tese. Logo não houve a preocupação de
incluir bibliografia nem referências para sustentar as afirmações – embora elas
existam.
O
texto trata primeiro sobre as privatizações de maneira geral e, depois, sobre o
caso das Telecom que é o objetivo original.
As
privatizações
As
privatizações não foram uma exclusividade do Brasil. Ocorreram no âmbito da
chamada globalização, um termo que dominou a década de 80 do século XX e que
resumia os objetivos das grandes corporações capitalistas que se representavam
politicamente através das plataformas dos governos Reagan (EUA – 1981 a 1989) e
Tatcher (Inglaterra – 1979 a 1990). Plataformas que receberam o cunho de
neoliberais.
Na
linha do pensamento neoliberal, a globalização do capital impunha a quebra
total das barreiras comerciais entre as nações e a retirada do Estado de
qualquer atividade que não fosse a prestação dos serviços essenciais,
privatizando-se todos os recursos públicos que não tivessem tais finalidades.
Essas pressões se fizeram sentir por todos os países ocidentais, incluindo o
Japão, que trataram o assunto de formas distintas. Foi um processo que está
registrado em farta e consistente bibliografia, tanto em seus aspectos gerais,
como em suas peculiaridades. Não há, aqui, a pretensão de se fazer uma análise
da sua história nem do seu mérito.
Um
fato que o tempo tornou evidente é que a “globalização” foi uma espécie de
início da derrocada do Estado de bem estar social implantado nos países
centrais da Europa pela social democracia e que servia como uma espécie de meta
desejada pelas sociedades das economias periféricas.
As
sociedades dos países centrais já amadurecidas e organizadas politicamente
questionaram o movimento de globalização e impuseram condições aos seus
governos buscando resguardar os ganhos que haviam conquistado e que as
corporações capitalistas tentavam retirar. Afinal, o bem estar social do
pós-guerra na Europa foi uma conquista dos trabalhadores que não só bancaram a
guerra, como também bancaram a construção de uma infraestrutura de bens e
recursos para a obtenção de serviços públicos. Não estavam dispostos a entregar
suas conquistas de bandeja nos processos de privatizações. E não o fizeram.
Contudo,
nos países periféricos (Brasil entre eles), com sociedades sem organização
política suficiente, longe ainda de usufruir das facilidades do bem estar
social europeu, muitas delas (sociedades) ainda saindo de longas ditaduras
sustentadas exatamente pelos países centrais, sem identificar o estatal como
público, e com governos que não passavam de satélites distantes dos governos
dos países centrais, valeu a regra do privatizar tudo.
No
Brasil, com uma potente infraestrutura nos setores de mineração, processamento
industrial, energia, telecomunicações e petróleo, entre outras, toda ela de
propriedade estatal porque foi construída com a riqueza decorrente do trabalho
de sua população, com poucos exemplos significativos de infraestrutura de porte
resultante de investimentos externos, mas governado por grupos sem qualquer
projeto estratégico nacional, a palavra de ordem foi leiloar tudo – i n c o n d
i c i o n a l m e n t e.
Tudo
que foi possível foi entregue ao capital privado sem qualquer condicionante que
garantisse o desenvolvimento nacional. Só não foi entregue o que não deu tempo
de entregar. Mas, o projeto sempre foi entregar tudo, até mesmo as agências de
fomentos financeiros como o Banco do Brasil e o BNDES.
Esse
projeto foi liderado e executado pelo partido PSDB nos governos FHC, porém a
eleição posterior de um governo do PT, apesar de frear o ímpeto privatista, não
alterou significativamente o quadro. É verdade que FHC já tinha entregado quase
tudo, mas embora de características populares, os governos Lula e Dilma
assumiram compromissos de não reverter nem redirecionar a direção apontada do
PSDB. Pior, prosseguiram com os leilões de áreas petrolíferas, na prática
consolidando a privatização do petróleo instituída pelos tucanos.
As
Telecom
O
Brasil com um território imenso contava na década de 80 com uma rede nacional
de Telecom que abrangia todo o território nacional. Uma rede que incluía
sistemas modernos e com tecnologias de ponta incluindo laboratórios de
pesquisas e de desenvolvimento, sistemas de cabos submarinos internacionais e
sistema de satélites em consórcio com outros países (Intelsat) e de propriedade
exclusivamente nacional (Brasilsat), este último, lançado em 1985, garantia a
cobertura de Telecom em toda a região amazônica. Toda essa rede de Telecom
compunha o sistema Telebrás que era uma holding de operadoras de âmbitos
estaduais (as chamadas Teles), além de uma empresa operadora das redes interestaduais
e internacionais e do sistema de satélites (a Embratel). Todo esse sistema era
estatal. Tanto a propriedade dos meios como o direito a exploração dos
serviços.
A
manufatura equipamentos, partes, peças e componentes – a indústria de Telecom -
por sua vez, era de propriedade privada e controlada por grupos multinacionais,
por alguns grupos exclusivamente nacionais e outros de parcerias de capital
nacional e internacional - sem a participação Estado.
Os
serviços de difusão de imagens e de áudio (televisão e rádio) eram explorados
por grupos privados sob a forma de concessão, e os demais serviços de Telecom
eram fornecidos exclusivamente pelo Estado.
Imaginando-se
a rede de Telecom como um arranjo de “nós”, que são as centrais de Telecom,
interligados por sistemas de transmissão, é a tecnologia dos equipamentos
nesses “nós” e a qualidade das interligações quem determina as possibilidades
de ofertas dos vários tipos de serviços. No início dos anos 80 o serviço básico
oferecido, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, era o serviço de
telecomunicações individual e bidirecional de voz chamado de “telefonia”, e
nessa época iniciava a demanda por um novo serviço que era a comunicação entre
processadores e computadores eletrônicos - a comunicação de dados. Esse novo
serviço, ainda embrionário, já era apelidado de “filé mignon das Telecom”.
Para
o uso de qualquer desses serviços era (e é) necessário, naturalmente, o usuário
acessar o sistema de Telecom e isso era realizado através de fios de cobre
estendidos sobre postes ou enterrados em vias subterrâneas. .
O
ideal – imaginado como meta internacional – era a universalização do acesso, ou
seja, qualquer pessoa deveria ter acesso aos serviços de Telecom, que na época
era o serviço de telefonia. Mesmo que individualmente houvesse dificuldade, no
mínimo deveria haver acessos através de terminais públicos que no Brasil eram
os “orelhões”. E os padrões internacionais diziam que nos centros urbanos
deveríamos ter sempre um orelhão ao alcance da vista.
Pausa:
Estamos
no final da década de 80. Não existia esse negócio de celular, computadores
pessoais e internet. Eles já irão aparecer, nessa ocasião estavam pipocando
aqui e acolá, pelo mundo.
O
Sistema Telebrás
O
sistema de Telecom nacional que compreendia todo o sistema Telebras tinha
algumas características especiais:
a)
Era um sistema autosustentado – não dependia de investimentos externos –
trabalhava com um mecanismo chamado autofinanciamento. O assinante do serviço
adquiria uma linha física (não existia celular) e recebia em troca ações da
Telebras;
b)
Era lucrativo no sentido comercial (lucro operacional líquido) como também era
um dos principais contribuintes de impostos, além de praticar tarifas
extremamente baixas se comparadas com referências internacionais.
c)
Tinha um enorme déficit de linhas de acesso aos nós das suas redes,
consequentemente havia uma baixa taxa de terminais por habitantes – nem chegava
perto dos países centrais – em que pese a abrangência e qualidade da sua rede.
Aumentar o número de terminais era um processo difícil em qualquer lugar.
Significava construir redes urbanas, esburacar ruas e projetar e instalar redes
para um horizonte mínimo de 30 anos. Como essa demanda não era atendida, o
preço de um terminal era altíssimo. Faltavam telefones. Havia negociações em
mercado paralelo, e uma aquisição formal só ocorria nas oportunidades de planos
de expansões das empresas.
d)
Contraditoriamente, havia recursos para as expansões. Porém, o(s) governo(s)
proibiam o sistema Telebrás de investir os próprios recursos na expansão do
sistema e no atendimento à carência de terminais. O lucro dos serviços de
Telecom era alocado em outras áreas, enquanto a população reclamava da falta de
telefones. Isso, naturalmente, não ocorria por acaso ou incompetência
governamental, resultava de uma ação premeditada para atribuir a carência de
terminais ao caráter estatal do sistema. O “filé mignon” já era objeto de
desejos.
O
impacto tecnológico
Foi
nesse cenário que o desenvolvimento tecnológico provocou um enorme impacto em
todo o mundo. A viabilização de pequenas redes cujos “nós” eram acessados via
rádio e interconectados entre si, como se fossem células em uma colmeia de
abelhas, dispensou a necessidade das linhas físicas para acesso às centrais da
grande rede de Telecom. Diminutos terminais com enorme capacidade de
processamento viabilizada pela microeletrônica e com um número cada vez maior
de funcionalidades implementadas por programação, por softwares chamados de
“Aplicativos”, dispensaram os cordões umbilicais de cobre ou mesmo de fibras
ópticas de tão difícil instalação e expansão que caracterizava a telefonia
fixa. Até o termo Telefonia Móvel foi abandonado e substituído por Telefonia
Celular.
As
favelas, os conglomerados urbanos, os locais de difícil acesso, os grandes
condomínios, as pessoas individualmente e até outras máquinas poderiam se
conectar e falar em rede, sem a necessidade de esburacar e garimpar as vias de
acesso. Era a grande oportunidade para as escolas, os hospitais, as repartições
públicas – o Estado poderia, finalmente, não apenas resolver as suas pendências
com a sociedade, mas dar um enorme salto qualitativo no atendimento aos
serviços públicos porque tínhamos um sistema de Telecom com padrão de qualidade
internacional, estrutura funcionando muito bem, profissionais capacitados,
mercado interno também para a comercialização, e não apenas para os serviços de
voz, mas para qualquer tipo dos serviços que começaram a surgir.
E
foi nessa hora que o governo brasileiro – após cerca de 15 anos de resistência
dos trabalhadores (Ver Nota ao final) que lutavam pela preservação estatal do setor - entregou ao
capital privado o seu sistema de Telecom e privatizou, em 1998, o sistema
Telebrás.
Um
erro frequente
O
advento de novas tecnologias tornou o acesso à rede de Telecom um fato banal e
a universalização do acesso viável, desde que existisse um projeto para tal.. O
mundo inteiro foi afetado por esse impacto tecnológico – as nações pobres e
ricas. As tribos africanas, grupos armados extremistas escondidos nos mais
distantes rincões, as gangues nos guetos urbanos, as cidades nos confins da
China. Os estádios de futebol e as festas no mundo inteiro – todos acessam as
redes via celular.
As
novas tecnologias impactaram o mercado de trabalho, os comportamentos pessoais
e de grupos, as relações familiares e sociais, até a cultura de um grupo
social. No Brasil já existem mais de 20 milhões de pessoas que nasceram sob
esse cenário e que são os chamados nativos digitais. Até doenças típicas já
foram desenvolvidas nessas populações. Porém, esse encontro de interesses
(privatização) e circunstâncias (boom de nova tecnologia) não foi casual,
embora ainda existam os que equivocadamente associam esse fato à privatização
das Telecom. Ainda é frequente, no Brasil, ver alguém apontando o cenário
decorrente da revolução tecnológica, que impactou todos os continentes, como
sendo um fruto da privatização das Telecom e que a justifica. Porém, trata-se
apenas de uma ignorância de acontecimentos históricos ainda recentes.
O custo
da privatização das Telecom
Na
época da privatização as posições estavam polarizadas. Era privatização versus
monopólio, o que é natural em disputas desse porte. Não há espaço para
desdobramento de propostas. Certamente haveria espaço para a construção de
modelos diversos, desde que se mantivesse o poder de barganha do Estado como
ocorreu em outros países. Mas, aqui não ocorreu assim. Tudo foi entregue de
mãos beijadas, e nem está sendo valorizado aqui os aspectos criminosos do
processo de privatização.
Apenas
para registro, o presidente FHC foi gravado em conversas com o então Ministro
das Comunicações, Mendonça de Barros, sobre o arranjo que fizeram viciando o
leilão de privatização das Telecom. O episódio ficou conhecido como “o grampo
do BNDES” – busquem no Google - e provocou a demissão do Ministro das
Comunicações, do presidente do BNDES e de diretores do Banco do Brasil.
O
fato é que sistema Telebras foi esquartejado de qualquer jeito em pacotes de
empresas para serem vendidas e todas foram leiloadas sem nem mesmo o registro
do patrimônio que estava sendo entregue (para saber mais veja-se a questão
recente sobre a doação chamados bens servíveis). O governo promoveu-se um
tarifaço, antes dos leilões, para tornar o negócio ainda mais interessante, e
abriu mão de exigir qualquer compromisso ou contrapartida dos compradores.
A
sociedade ficou a ver navios, ou melhor, sem ver os navios, porque até mesmo
serviços estratégicos (militares) foram entregues aos novos operadores.
Resultados
O
resultado está ai. Pagamos uma das maiores tarifas do mundo por serviços de
Telecom, as fábricas foram transformadas em meras montadoras, e junto com elas
foram as possibilidades de aprimoramento e de formação profissional. Os
estudantes de nível médio e universitário não dispõe de laboratórios nem
ambientes para conhecer e complementar suas formações – suas escolas e
universidades não estão equipadas, e o acesso aos ambientes privados são
restritos ou apenas proibidos.
Os
hospitais, as escolas e as repartições públicas não têm prioridades no
atendimento e provimento de serviços de telecom. Desde 2010 o governo tenta
implantar um Plano Nacional de Banda Larga que garanta a universalização do
acesso público a serviços de qualidade (a velocidade é um fator de qualidade)
porque os frouxos compromissos de universalização foram simplesmente
desconsiderados. A Telebrás, morata com a privatização, teve que ser exumada e,
recentemente, o governo ainda teve que bancar o lançamento de um satélite –
outro porque o sistema de satélites nacionais foi leiloado.
Quase
todas as empresas leiloadas e seus compradores protagonizaram casos
escandalosos de artimanhas financeiras ou corrupção. As operadoras atuais de
serviços de Telecom são as campeãs de reclamações e a maior delas está na iminência
de falir – conseguiram falir um negócio que sempre foi caracterizado como o
terceiro melhor negócio do mundo. O primeiro era considerado o petróleo e o
segundo era o petróleo mal administrado.
Os
orelhões que poderiam ser instrumentos de acesso público aos serviços de alta
qualidade (internet veloz) – transformados em pontos estratégicos de acessos
WiFi - na medida em que são acessos físicos já implantados, estão sendo
abandonados e destruídos.
Sem
a propriedade do sistema nem condicionantes estabelecidos na privatização a
sociedade fica nas mãos das operadoras privadas e da indústria de produtos. A
sociedade não dispõe de instrumentos para priorizar soluções nem induzir
projetos estratégicos. O Brasil, se quiser, que se vire com essa caricatura,
esse arremedo de agência reguladora, essa piada de mau gosto .chamada Anatel
que com suas primas “reguladoras” compõem mais um item deplorável das
privatizações no Brasil.
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NOTA:
Resistência
à privatização das Telecom
O
principal núcleo de resistência à privatização das Telecom foi a organização
dos trabalhadores do setor num processo que pode ser resumido em três fases. Na
primeira fase, início dos anos 80 (governo Sarney), o monopólio estatal dos
serviços telefônicos era exercido por todo o sistema Telebrás, mas o serviço de
comunicações de dados era exclusivo da Embratel por força de lei ordinária que
criou a empresa. As tentativas de privatização visavam o serviço de comunicação
de dados – o filé mignon - e iniciaram com a perspectiva de lançamento do
primeiro satélite nacional pela Embratel (1985) através das tentativas de
grupos privados de se apropriarem da exploração dos serviços de dados via satélite.
Nesse projeto, a atuação da Embratel se reduziria à manutenção, operação e
aluguel dos equipamentos terrestres e espaciais deixando para a iniciativa
privada a exploração dos serviços. O ápice dessas tentativas ocorreu com o a
assinatura pela diretoria da Embratel de um contrato ilegal entre a empresa e
um consórcio denominado Vicom composto pelos grupos privados nacionais Globo e
Bradesco e uma multinacional Victory Comunicações. A reação dos trabalhadores
foi uma greve de caráter nacional e de adesão plena (outubro de 1987) que
paralisou a empresa e obrigou a anulação do contrato. Esse evento determinou, ainda,
a demissão da diretoria da Embratel, não pela assinatura ilegal, mas por não
ter conseguido reprimir o movimento dos trabalhadores como era a expectativa do
ministro das Comunicações e da diretoria da Telebrás.
A
segunda identifica-se com o período constitucional. Impulsionados pela
movimentação dos trabalhadores da Embratel, os demais trabalhadores do setor se
agregaram à luta para transformar o direito que era exclusivo daquela empresa e
estabelecido por uma lei ordinária, em um direito da União estabelecido na
Constituição de 88. A campanha, a participação dos trabalhadores, a integração
da sociedade e, finalmente, a vitória do monopólio estatal das Telecom ficou instituída
como um dos principais marcos registrado nos anais da Constituinte 88.
A
terceira fase foi pós-constituinte quando foram rechaçadas as muitas tentativas
dos próprios governos em quebrar o monopólio constitucional. Essas tentativas se deram com a publicação de portarias,
decretos e até assinatura de contratos inconstitucionais durante os governos
Sarney (até 1990) e Collor (até 1992) todos eles impedidos judicialmente pela
atuação dos trabalhadores do setor associada a uma assessoria de excelentes
profissionais juristas que se integraram completamente à luta pela defesa do
monopólio. A investidas ilegais para a privatização tiveram algum refluxo
durante o governo Itamar (1992 – 1995) quando postos em algumas importantes empresas do
sistema Telebras foram ocupados por personagens que não compactuavam com a entrega
das Telecom ao setor privado, mas o núcleo privatista, embora recolhido, manteve-se abrigado no próprio ministério
das Comunicações. Findo o governo Itamar, as investidas retornaram no governo FHC, não mais
com atos ilegais, mas como projetos de governo que conseguiu quebrar o monopólio
constitucional nos seu primeiro ano de mandato (agosto de 1995) e, finalmente,
privatizar o setor com o leilão do sistema Telebrás, em 1998.
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