terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Brasil mostre a sua cara!

Opinião

A sociedade brasileira parece que vem se desvelando para si mesma. Mitos que generalizavam a caricatura de uma sociedade fraterna e sem preconceitos vêm se desfazendo em decorrência da nossa dinâmica social, notadamente das nossas experiências sociopolíticas. Vamos revelando a nossa imagem real, e ela não tem a doçura jovial e angelical da face pública de um Dorian Gray, ao contrário, vamos descobrindo outra face, escondida e nada agradável, que retrata as nossas deformidades [1].

Não gosto da imagem que tenho visto e admito preferir que certos preconceitos sejam constrangidos por mitos do que aceitá-los e viver num ambiente de apartação. Contudo, também vejo nessa exposição uma chance de entendermos melhor quem efetivamente somos e com quais atributos e valores sociais cada um de nós se identifica. Vejo uma chance de observarmos nossa imagem real e, conforme o caso, atuarmos sobre os aspectos que nos importam quaisquer que eles sejam.

De fato, estamos vivendo um fenômeno que não é exclusivamente brasileiro, mas inserido em uma dimensão internacional, e a atual exposição de núcleos de fascismo e racismo, além de outros preconceitos discriminatórios, que chegaram a surpreender, foi favorecida pelas mobilizações populares em 2013 e o golpe parlamentar consumado em 2016 que se estabeleceram como marcos. Porém, em nosso caso, muitos desses sentimentos sempre estiveram embotados e disfarçados em convenientes e confortáveis posições criadas pela nossa apartação socioeconômica. As manifestações apenas desmascararam certos atores e ideais políticos que pareciam estar meticulosamente arrumados dentro de uma caixa que foi aberta e da qual foi despejado o seu conteúdo sem ter como arrumá-lo volta. Despejados da caixa, esses ideais e atores políticos perderam seus constrangimentos e passaram a divulgar e induzir comportamentos e práticas, estimulando a propaganda de suas ideias com a consequente formação de grupos de posicionamentos bem mais distintos do que estivemos acostumados em nossa organização política até aqui.

Para o bem ou para o mal, as questões centrais estão aí. O golpe e destituição da presidenta, a unção do seu substituto, as práticas do irrefutável poder e dos aparelhos judiciários, o arrocho da parcela social mais carente através das reformas trabalhista e previdenciária, a entrega do patrimônio público aos grupos privados, a corrupção legislativa praticada e tratada com banalidade, as manifestações racistas, a tentativa de censura política nas escolas, a criminalização dos movimentos sociais, os antagonismos às organizações dos trabalhadores, a propaganda para o armamento da população civil, a impunidade dos torturadores da ditadura e a incorporação de suas práticas pelos aparelhos policiais, as investidas em favor da censura ideológica, entre outros.

A dureza da realidade é que apesar dos desencantos não temos como determinar o fim das monstruosidades apunhalando o quadro como romanceou Oscar Wilde, até porque morreríamos junto com ele. Ao contrário, o que precisamos fazer é revelar e tentar redesenhar esse Dorian Gray social, apesar do nojo e do enjoo que possamos sentir. Assim, não é hora de acanhamentos nem de exasperações, mas de explicitações e de evidências. Como cada um de nós quer estar retratado nesse quadro, nessa imagem? É com essa determinação que precisamos prosseguir.

Quem se aproximar, seja com comentários, opiniões ou propostas – inclusive com candidaturas - precisa mostrar como tem sido representado no quadro e como quer estar. Não basta dizer que a imagem é feia. Isso eu também acho!

Eu quero saber como o fulano se posiciona e tem se posicionado a propósito de cada um dos temas que me afligem. Quero saber quais tem sido e quais serão as suas escolhas, e se elas são coerentes com o que ele propaga. Se o fulano for um candidato, eu quero saber a sua história e se as suas ações efetivamente contribuirão para a melhoria do quadro. Quero saber o seu partido e como esse partido tem votado e se posicionado. Quero saber quais são os seus compromissos explicitamente, incluindo os seus compromissos de alianças políticas.

O fulano reconhece a importância da mobilização social e o papel dos trabalhadores como principais agentes sociais das mudanças necessárias? Está disposto a ir para as ruas apoiando ou participando dessas mobilizações? Se não for assim, não me apareça com discursos vagos e, muito menos, pedindo autorização eleitoral para fazer o que achar melhor porque não terá. Nem me venha com história que deseja melhorar a imagem acrescentando com um lindo nariz, esteticamente bem desenhado e bem afeiçoado, mas alocado no alto da testa do Dorian Gray, além dos outros três que já estão por lá. A criação desse monstro não contará com a minha colaboração. 

[1] O Retrato de Dorian Gray, da autoria de Oscar Wilde, um clássico da literatura internacional, foi publicado nos EUA em 1890.  O personagem Dorian Gray envaidecido com a própria beleza após ser retratado em pintura por um amigo, inconformado com o envelhecimento, vende a sua alma para garantir que o retrato, em vez dele, envelheça. O desejo é concedido e Dorian entrega-se a uma vida  libertina e sem qualquer compromisso moral mantendo a aparência bela e jovial enquanto o seu retrato, mantido escondido, é de um monstro envelhecido e disforme que registra em sua imagem todos os aspectos corrompem a alma de Dorian Gray.
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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Nas arenas do ZAP

Opinião

Não é novidade que o tratamento de opiniões políticas em grupos zap-zap impacta as relações entre os participantes. Quando o grupo não replica relações de amizade a preocupação com tais impactos é secundária. Participar, ficar ou sair do grupo é questão de conveniência. Porém, quando há amizades entre os participantes, a preocupação é relevante e saudável porque demonstra uma valorização das relações interpessoais e o desejo de conservá-las.

Cuidando de preservar relações que valorizo, aproveitei as tradicionais reavaliações de fim de ano pensando mais sobre esse assunto. Desliguei-me temporariamente de alguns grupos permanecendo apenas naqueles cujas propostas iniciais era de fins específicos, e outros de duração limitada. Foi uma boa decisão, mas a regra temporária, embora interessante, é de aplicação bem restrita e não contempla a realidade.

É ingenuidade imaginar que possamos nos representar com duas identidades, ou supor que basta a razão para ficarmos impermeáveis aos debates, como se tivéssemos carcaças isolando o nosso “eu” político dos outros “eus” que nos constituem. Não somos assim. Sinto-me afetado quando uma manifestação de opinião agride valores que me são caros, assim como sinto constrangimentos ao emitir juízo negativo ou criticar aspectos que são valorizados pelo outro cuja relação de amizade eu considero. Por outro lado, tentar fazer de qualquer grupo zap-zap um ambiente incompleto retirando a sua dimensão política é deformá-lo habitando-o com personagens fictícios, avatares de nós mesmos, desprovidos de crítica, de valores e de princípios políticos.

Sempre haverá a opção de saída de um grupo alardeando incompatibilidades, mas isso significaria contar que nos encontros pessoais todos se comportarão também como avatares sem personalidades políticas. Seria assumir imaturidade e abrir mão de tratar, até radicalmente, se necessário for, os conflitos entre as nossas opiniões e valores.

Eu prefiro apostar na maturidade como provedora da razão que sustentará a amizade se essa for realmente franca e consistente. Isto, sim, armará os participantes dos grupos com sensibilidade bastante para tratar os conflitos e para aparar e superar os eventuais excessos.

Não acho absurdo que participantes dos grupos zap-zap não sejam companheiros em algumas lutas e que tenham divergências sobre os assuntos tratados ali. Quem sabe, serão companheiros em outras lutas e terão opiniões convergentes em outros temas. Particularmente nas questões atuais pode ser que existam opiniões e desejos de desdobramentos visceralmente antagônicos, mas se houver efetivamente relações de amizades, haverá a vontade de encontros e de conversas, mesmo para tratar abobrinhas, quem sabe embaladas com músicas e cantorias, com consumo de quitutes gastronômicos, umas boas cachaças, cervejas e outras motivações de prazeres. Se não for assim, a relação de amizade, qualquer que seja a sua idade, ainda será incompleta, inconsistente, uma relação que não resiste à revelação de novas características dos parceiros o que também é uma possibilidade, desagradável de se constatar, mas uma possibilidade real. Aí a relação se esvai.

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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Santa candidatura?

Opinião

A candidatura Lula 2018, cada vez mais, vem se declarando como messiânica e apolítica. É uma pena!  Uma espécie de pregação religiosa que descarta qualquer possibilidade de transformação da realidade pelos seres humanos e que aposta em uma graça suprema para realizá-la. Uma graça onipotente que deveria ser ungida no processo eleitoral porque somente ela sabe ou saberá o que é bom para todos, mesmo que todos não saibam disso.

Aliança, aliança, aliança! Parece ser a única proposta da campanha. Projeto? Não existe! A única proposta é a unção do detentor da graça suprema com votos. A Lula caberá o projeto que lhe der na cabeça, a ele caberá determinar a “agenda possível” não importa qual ela será porque, afinal, ele será um ser consagrado. Cabe indagar se não seria mais adequado consagrar Lula como um monarca.

De minha parte não excluo ou nego a possibilidade e a potencialidade de Lula, através de sua candidatura, atuar como liderança de um projeto político mais identificado com a esquerda tradicional, ainda que reformista e longe, muito longe, de revolucionário. Até mesmo o PT poderá ter um papel relevante nesse processo porque a sua militância não se confunde com a maioria da direção partidária contaminada por personagens com projetos pessoais de poder, muitos sustentados por corrupção, que nada têm com os princípios que criaram o partido. Esse não é o caráter da militância do PT. Contudo, essa possibilidade só será uma realidade se houver um projeto com princípios explícitos que sustentem e que justifiquem um engajamento político. Nunca um ato de fé como se tem apostolado.
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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Esses heróis não morreram de overdose

Opinião

A semana de 22 a 26 de novembro é período de celebrar o meu principal herói nacional, o marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata que determinou o fim dos castigos físicos na Marinha brasileira. Um herói de 1910 que só foi anistiado postumamente, em 2008. Já fiz alguns registros em sua homenagem, mas a sua memória merece muito mais. Esse registro é mais uma que lhe rendo. No dia 25, próximo, cruzarei as águas da Guanabara para encontrar amigos e celebrarei também os feitos do mestre-sala dos mares.
Mas, vale também lembrar outro herói, o jornalista Edmar Morel, talvez o primeiro a registrar com rigor e valorizar a história do marinheiro que foi renegado pela Marinha que ele tanto amava. Foi Morel com seu livro, cuja primeira edição foi de 1959, quem deu origem à expressão Revolta da Chibata nome pelo qual ficou conhecido um dos mais importantes fatos históricos do nosso país. Como homenagem a João Cândido, copiei um trecho da primeira edição, de um exemplar surrado e de capas rasgadas que ganhei de um falecido, mas inesquecível amigo.

“... A noite de 22 novembro de 1910 foi marcada por deslumbrante recepção ao novo Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, no Clube da Tijuca, enquanto João Laje, um dos maiorais de O Paiz, em sua residência, no bairro de botafogo, oferecia um jantar aos oficiais do Adamastor.
O Marechal, ao lado de todo o Ministério, ouvia a ópera “Tannhauser”, de Wagner, quando um tiro de canhão sacudiu a cidade. Cinco minutos depois um outro estampido ecoou pelo Rio. Vidraças, agora, eram quebradas em Copacabana e no Centro.
O Presidente da República foi informado que a Marinha estava revoltada. A princípio, na natural confusão criada nesses momentos, atribuíram a chefia do levante ao Almirante Alexandrino de Alencar, que oito dias antes deixara de ser Ministro da Marinha. Soube-se, porém, que ele viajava para a Europa, no transatlântico italiano “Principessa Mafalda”, que anos depois, nas costas da Bahia, naufragou, alta madrugada, arrastando à morte mais de seiscentas pessoas.
A sublevação, na verdade, fora arquitetada nos estaleiros da Armstrong, onde a João Cândido e outros cabeças do motim foram dadas hábeis e proveitosas lições de navegação.
... 
João Cândido era o chefe supremo da insurreição, sendo o primeiro marinheiro no mundo, a comandar uma Esquadra. Foi um comandante diferente. Não usou a farda de Almirante, preferindo o seu uniforme branco de praça de pré, meio rasgado pelo tempo. Apenas, como distintivo, um lenço de sêda vermelho ao pescoço, um apito e uma velha espada de abordagem.”

[copiado de Morel, Edmar - A revolta da Chibata – Irmãos PONGETTI Editores, 1959 – RJ - mantidas pontuação e grafia da Edição)

Ver também:

Atualmente existem diversas publicações (e de vários tipos) sobre a Revolta da Chibata. Para quem se interessar eu recomento a quinta edição do livro de Edmar Morel, que foi organizada por Marco Morel (Doutor em História pela Universidade de Paris, professor da UERJ e neto do jornalista) e publicada pela Paz e Terra em 2010, uma edição comemorativa do cinquentenário da publicação da primeira edição. Essa edição conta com uma interessante apresentação do organizador, Marco Morel, um prefácio à terceira edição do jurista Evaristo de Morais Filho (1914 - 2016) além de capítulos e anexos complementares à obra original de Edmar Morel.

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sábado, 18 de novembro de 2017

Lamas que não param

Opinião

Para fazer a pregação de suas ideias a partir de uma posição confortável, a direita coxinha se faz passar por apartidária – assexuada politicamente. Protege-se das réplicas acocorando-se em um montinho nebuloso de conceitos difusos que ela chama de moralidade, ética, isenção e outros termos que possa interpretar conforme os seus interesses. Ela tenta parecer com aquelas iconografias católicas de anjinhos sem pirocas, nem bundas, nem xerecas, apenas carinhas sorridentes, cada qual em seu montinho de... nuvens. Essa é a direita coxinha.

Contudo, no dia a dia, a direita coxinha está por aí, representada em todas as suas vontades pelo conjunto de partidos políticos que sustentaram o golpe parlamentar de 2016, que sustentam o governo Temer e cujos representantes, vários deles, estão em cana ou acusados com provas explícitas de corrupção.

Esses partidos, longe da impotência assexuada que a direita coxinha tenta utilizar como disfarce, fornicam os trabalhadores brasileiros e permanecem organizados ainda com poderes absurdos, como demonstraram em votação na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 17/11/2017, libertando corruptos comprovados, no rastro dos acontecimentos de Brasília que libertaram o senador líder tucano flagrado com a mão na propina e com a propina nos bolsos.

Os participantes da direita coxinha que divulgam suas ideias nas redes sociais e que não gostam de ser identificados com os grupos nem com as ações de seus representantes parlamentares discursam indignação e revolta, apregoam que o mundo todo é ladrão, desqualificam o país, desqualificam a sociedade, criminalizam a organização social, enfim, distribuem tapas para todos os lados fazendo de tudo para que as disputas de ideias sejam vistas, não como disputas, mas como confusão. Na confusão todos se igualam e não haverá responsáveis. Mas, não enganam! Foi a direita coxinha quem, derrotada na última eleição presidencial, sustentou e valorizou o golpe parlamentar e que sustenta e valoriza o golpe complementar das reformas trabalhista e previdenciária que vem sendo levadas a cabo por seus representantes levados ao poder. É a direita coxinha que floreia e adorna medidas que, na prática, admitem o trabalho escravo, que fazem pouco caso da realidade brasileira argumentando  que logo estaremos vivendo 140 anos e que apelidam de empreendedor o coitado desempregado obrigado a torrar suas poupanças para sobreviver.

De fato, seria um equívoco afirmar uma unanimidade de pensamento na direita coxinha. Alguns já foram além e apoiam explicitamente um golpe militar enquanto outros ainda disfarçam propósitos democráticos. Há, ainda, os que estão percebendo que “entraram de gaiato no navio, entraram pelo cano”, parafraseando os Paralamas do Sucesso. Não encontram alternativas de representação por uma razão bem clara: não têm, nunca tiveram propostas de projetos políticos. Até aqui, não conseguiram conceber nada melhor que um “capitão de bravata” que pode, sem qualquer  prejuízo, ser confundido com um “cagalhão de gravata”, esse “oitavo passageiro”, um Alien que se conseguirem parir os devorará. Há outras tentativas Huck ou Hulk, não me cabe saber o correto, se será o menino propaganda do caldeirão global ou algum outro monstro tão incrível como o da Marvel Comics. Coisa de coxinha!

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sábado, 11 de novembro de 2017

Perdeu a oportunidade de ficar calado

Opinião

A caçada ao Lula já vem de alguns anos com grampos telefônicos e monitorações de toda ordem tendo ele e membros de sua família como alvos. Nem mesmo as ligações telefônicas com a presidenta Dilma foram poupadas. Suas conversas e comentários nos ambientes mais íntimos foram invadidas e divulgadas para quem quisesse saber. Trabalho realizado por arapongas profissionais experientes, dizem que alguns com especialização no exterior.
Ainda assim, até esse momento, nem uma conversa sequer foi detectada que revelasse incoerências ou inconsistências entre a vida pública do sapo barbudo e a sua vida vasculhada.
Por outro lado, bastou um microfone aberto inadvertidamente por alguns segundos registrando a informalidade de comentários em off durante uma reportagem para trazer à tona a realidade e destruir a imagem ensaboadinha e perfumada que vinha sendo construída para um jornalista da rede global. A ponto dos seus patrões serem obrigados a defenestrá-lo em nota pública, esmerdalhando irreversivelmente a sua carreira profissional.
Não acho correto, nem faço juízo do jornalista pelo evento em si. Existem outras razões  para tal. Mas, não deixa de ser irônica a comparação entre as duas situações. Afinal, não foram poucas as vezes em que o jornalista de boca nervosa, ícone da direita coxinha, se desdobrou em jeitos e trejeitos diante das câmaras para desqualificar Lula e seus simpatizantes colocando-se, presunçosamente, ele próprio, como referência de austeridade e moralidade consoante com a vontade dos seus patrões.

A direita coxinha tem razões de sobra para estar emudecida e emputecida. 
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domingo, 5 de novembro de 2017

Ainda sobre Telecomunicações

Opinião

Essas notas são comentários, não são uma tese. Logo não houve a preocupação de incluir bibliografia nem referências para sustentar as afirmações – embora elas existam.
O texto trata primeiro sobre as privatizações de maneira geral e, depois, sobre o caso das Telecom que é o objetivo original.

As privatizações
As privatizações não foram uma exclusividade do Brasil. Ocorreram no âmbito da chamada globalização, um termo que dominou a década de 80 do século XX e que resumia os objetivos das grandes corporações capitalistas que se representavam politicamente através das plataformas dos governos Reagan (EUA – 1981 a 1989) e Tatcher (Inglaterra – 1979 a 1990). Plataformas que receberam o cunho de neoliberais.
Na linha do pensamento neoliberal, a globalização do capital impunha a quebra total das barreiras comerciais entre as nações e a retirada do Estado de qualquer atividade que não fosse a prestação dos serviços essenciais, privatizando-se todos os recursos públicos que não tivessem tais finalidades. Essas pressões se fizeram sentir por todos os países ocidentais, incluindo o Japão, que trataram o assunto de formas distintas. Foi um processo que está registrado em farta e consistente bibliografia, tanto em seus aspectos gerais, como em suas peculiaridades. Não há, aqui, a pretensão de se fazer uma análise da sua história nem do seu mérito.
Um fato que o tempo tornou evidente é que a “globalização” foi uma espécie de início da derrocada do Estado de bem estar social implantado nos países centrais da Europa pela social democracia e que servia como uma espécie de meta desejada pelas sociedades das economias periféricas.
As sociedades dos países centrais já amadurecidas e organizadas politicamente questionaram o movimento de globalização e impuseram condições aos seus governos buscando resguardar os ganhos que haviam conquistado e que as corporações capitalistas tentavam retirar. Afinal, o bem estar social do pós-guerra na Europa foi uma conquista dos trabalhadores que não só bancaram a guerra, como também bancaram a construção de uma infraestrutura de bens e recursos para a obtenção de serviços públicos. Não estavam dispostos a entregar suas conquistas de bandeja nos processos de privatizações. E não o fizeram.
Contudo, nos países periféricos (Brasil entre eles), com sociedades sem organização política suficiente, longe ainda de usufruir das facilidades do bem estar social europeu, muitas delas (sociedades) ainda saindo de longas ditaduras sustentadas exatamente pelos países centrais, sem identificar o estatal como público, e com governos que não passavam de satélites distantes dos governos dos países centrais, valeu a regra do privatizar tudo.
No Brasil, com uma potente infraestrutura nos setores de mineração, processamento industrial, energia, telecomunicações e petróleo, entre outras, toda ela de propriedade estatal porque foi construída com a riqueza decorrente do trabalho de sua população, com poucos exemplos significativos de infraestrutura de porte resultante de investimentos externos, mas governado por grupos sem qualquer projeto estratégico nacional, a palavra de ordem foi leiloar tudo – i n c o n d i c i o n a l m e n t e.
Tudo que foi possível foi entregue ao capital privado sem qualquer condicionante que garantisse o desenvolvimento nacional. Só não foi entregue o que não deu tempo de entregar. Mas, o projeto sempre foi entregar tudo, até mesmo as agências de fomentos financeiros como o Banco do Brasil e o BNDES.
Esse projeto foi liderado e executado pelo partido PSDB nos governos FHC, porém a eleição posterior de um governo do PT, apesar de frear o ímpeto privatista, não alterou significativamente o quadro. É verdade que FHC já tinha entregado quase tudo, mas embora de características populares, os governos Lula e Dilma assumiram compromissos de não reverter nem redirecionar a direção apontada do PSDB. Pior, prosseguiram com os leilões de áreas petrolíferas, na prática consolidando a privatização do petróleo instituída pelos tucanos.

As Telecom
O Brasil com um território imenso contava na década de 80 com uma rede nacional de Telecom que abrangia todo o território nacional. Uma rede que incluía sistemas modernos e com tecnologias de ponta incluindo laboratórios de pesquisas e de desenvolvimento, sistemas de cabos submarinos internacionais e sistema de satélites em consórcio com outros países (Intelsat) e de propriedade exclusivamente nacional (Brasilsat), este último, lançado em 1985, garantia a cobertura de Telecom em toda a região amazônica. Toda essa rede de Telecom compunha o sistema Telebrás que era uma holding de operadoras de âmbitos estaduais (as chamadas Teles), além de uma empresa operadora das redes interestaduais e internacionais e do sistema de satélites (a Embratel). Todo esse sistema era estatal. Tanto a propriedade dos meios como o direito a exploração dos serviços.
A manufatura equipamentos, partes, peças e componentes – a indústria de Telecom - por sua vez, era de propriedade privada e controlada por grupos multinacionais, por alguns grupos exclusivamente nacionais e outros de parcerias de capital nacional e internacional - sem a participação Estado.
Os serviços de difusão de imagens e de áudio (televisão e rádio) eram explorados por grupos privados sob a forma de concessão, e os demais serviços de Telecom eram fornecidos exclusivamente pelo Estado.
Imaginando-se a rede de Telecom como um arranjo de “nós”, que são as centrais de Telecom, interligados por sistemas de transmissão, é a tecnologia dos equipamentos nesses “nós” e a qualidade das interligações quem determina as possibilidades de ofertas dos vários tipos de serviços. No início dos anos 80 o serviço básico oferecido, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, era o serviço de telecomunicações individual e bidirecional de voz chamado de “telefonia”, e nessa época iniciava a demanda por um novo serviço que era a comunicação entre processadores e computadores eletrônicos - a comunicação de dados. Esse novo serviço, ainda embrionário, já era apelidado de “filé mignon das Telecom”.
Para o uso de qualquer desses serviços era (e é) necessário, naturalmente, o usuário acessar o sistema de Telecom e isso era realizado através de fios de cobre estendidos sobre postes ou enterrados em vias subterrâneas. .
O ideal – imaginado como meta internacional – era a universalização do acesso, ou seja, qualquer pessoa deveria ter acesso aos serviços de Telecom, que na época era o serviço de telefonia. Mesmo que individualmente houvesse dificuldade, no mínimo deveria haver acessos através de terminais públicos que no Brasil eram os “orelhões”. E os padrões internacionais diziam que nos centros urbanos deveríamos ter sempre um orelhão ao alcance da vista.

Pausa:
Estamos no final da década de 80. Não existia esse negócio de celular, computadores pessoais e internet. Eles já irão aparecer, nessa ocasião estavam pipocando aqui e acolá, pelo mundo.

O Sistema Telebrás
O sistema de Telecom nacional que compreendia todo o sistema Telebras tinha algumas características especiais:

a) Era um sistema autosustentado – não dependia de investimentos externos – trabalhava com um mecanismo chamado autofinanciamento. O assinante do serviço adquiria uma linha física (não existia celular) e recebia em troca ações da Telebras;

b) Era lucrativo no sentido comercial (lucro operacional líquido) como também era um dos principais contribuintes de impostos, além de praticar tarifas extremamente baixas se comparadas com referências internacionais.

c) Tinha um enorme déficit de linhas de acesso aos nós das suas redes, consequentemente havia uma baixa taxa de terminais por habitantes – nem chegava perto dos países centrais – em que pese a abrangência e qualidade da sua rede. Aumentar o número de terminais era um processo difícil em qualquer lugar. Significava construir redes urbanas, esburacar ruas e projetar e instalar redes para um horizonte mínimo de 30 anos. Como essa demanda não era atendida, o preço de um terminal era altíssimo. Faltavam telefones. Havia negociações em mercado paralelo, e uma aquisição formal só ocorria nas oportunidades de planos de expansões das empresas.

d) Contraditoriamente, havia recursos para as expansões. Porém, o(s) governo(s) proibiam o sistema Telebrás de investir os próprios recursos na expansão do sistema e no atendimento à carência de terminais. O lucro dos serviços de Telecom era alocado em outras áreas, enquanto a população reclamava da falta de telefones. Isso, naturalmente, não ocorria por acaso ou incompetência governamental, resultava de uma ação premeditada para atribuir a carência de terminais ao caráter estatal do sistema. O “filé mignon” já era objeto de desejos.

O impacto tecnológico
Foi nesse cenário que o desenvolvimento tecnológico provocou um enorme impacto em todo o mundo. A viabilização de pequenas redes cujos “nós” eram acessados via rádio e interconectados entre si, como se fossem células em uma colmeia de abelhas, dispensou a necessidade das linhas físicas para acesso às centrais da grande rede de Telecom. Diminutos terminais com enorme capacidade de processamento viabilizada pela microeletrônica e com um número cada vez maior de funcionalidades implementadas por programação, por softwares chamados de “Aplicativos”, dispensaram os cordões umbilicais de cobre ou mesmo de fibras ópticas de tão difícil instalação e expansão que caracterizava a telefonia fixa. Até o termo Telefonia Móvel foi abandonado e substituído por Telefonia Celular.
As favelas, os conglomerados urbanos, os locais de difícil acesso, os grandes condomínios, as pessoas individualmente e até outras máquinas poderiam se conectar e falar em rede, sem a necessidade de esburacar e garimpar as vias de acesso. Era a grande oportunidade para as escolas, os hospitais, as repartições públicas – o Estado poderia, finalmente, não apenas resolver as suas pendências com a sociedade, mas dar um enorme salto qualitativo no atendimento aos serviços públicos porque tínhamos um sistema de Telecom com padrão de qualidade internacional, estrutura funcionando muito bem, profissionais capacitados, mercado interno também para a comercialização, e não apenas para os serviços de voz, mas para qualquer tipo dos serviços que começaram a surgir.

E foi nessa hora que o governo brasileiro – após cerca de 15 anos de resistência dos trabalhadores (Ver Nota ao final) que lutavam pela preservação estatal do setor - entregou ao capital privado o seu sistema de Telecom e privatizou, em 1998, o sistema Telebrás.

Um erro frequente
O advento de novas tecnologias tornou o acesso à rede de Telecom um fato banal e a universalização do acesso viável, desde que existisse um projeto para tal.. O mundo inteiro foi afetado por esse impacto tecnológico – as nações pobres e ricas. As tribos africanas, grupos armados extremistas escondidos nos mais distantes rincões, as gangues nos guetos urbanos, as cidades nos confins da China. Os estádios de futebol e as festas no mundo inteiro – todos acessam as redes via celular.
As novas tecnologias impactaram o mercado de trabalho, os comportamentos pessoais e de grupos, as relações familiares e sociais, até a cultura de um grupo social. No Brasil já existem mais de 20 milhões de pessoas que nasceram sob esse cenário e que são os chamados nativos digitais. Até doenças típicas já foram desenvolvidas nessas populações. Porém, esse encontro de interesses (privatização) e circunstâncias (boom de nova tecnologia) não foi casual, embora ainda existam os que equivocadamente associam esse fato à privatização das Telecom. Ainda é frequente, no Brasil, ver alguém apontando o cenário decorrente da revolução tecnológica, que impactou todos os continentes, como sendo um fruto da privatização das Telecom e que a justifica. Porém, trata-se apenas de uma ignorância de acontecimentos históricos ainda recentes.

O custo da privatização das Telecom
Na época da privatização as posições estavam polarizadas. Era privatização versus monopólio, o que é natural em disputas desse porte. Não há espaço para desdobramento de propostas. Certamente haveria espaço para a construção de modelos diversos, desde que se mantivesse o poder de barganha do Estado como ocorreu em outros países. Mas, aqui não ocorreu assim. Tudo foi entregue de mãos beijadas, e nem está sendo valorizado aqui os aspectos criminosos do processo de privatização.
Apenas para registro, o presidente FHC foi gravado em conversas com o então Ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, sobre o arranjo que fizeram viciando o leilão de privatização das Telecom. O episódio ficou conhecido como “o grampo do BNDES” – busquem no Google - e provocou a demissão do Ministro das Comunicações, do presidente do BNDES e de diretores do Banco do Brasil.
O fato é que sistema Telebras foi esquartejado de qualquer jeito em pacotes de empresas para serem vendidas e todas foram leiloadas sem nem mesmo o registro do patrimônio que estava sendo entregue (para saber mais veja-se a questão recente sobre a doação chamados bens servíveis). O governo promoveu-se um tarifaço, antes dos leilões, para tornar o negócio ainda mais interessante, e abriu mão de exigir qualquer compromisso ou contrapartida dos compradores.
A sociedade ficou a ver navios, ou melhor, sem ver os navios, porque até mesmo serviços estratégicos (militares) foram entregues aos novos operadores.

Resultados
O resultado está ai. Pagamos uma das maiores tarifas do mundo por serviços de Telecom, as fábricas foram transformadas em meras montadoras, e junto com elas foram as possibilidades de aprimoramento e de formação profissional. Os estudantes de nível médio e universitário não dispõe de laboratórios nem ambientes para conhecer e complementar suas formações – suas escolas e universidades não estão equipadas, e o acesso aos ambientes privados são restritos ou apenas proibidos.
Os hospitais, as escolas e as repartições públicas não têm prioridades no atendimento e provimento de serviços de telecom. Desde 2010 o governo tenta implantar um Plano Nacional de Banda Larga que garanta a universalização do acesso público a serviços de qualidade (a velocidade é um fator de qualidade) porque os frouxos compromissos de universalização foram simplesmente desconsiderados. A Telebrás, morata com a privatização, teve que ser exumada e, recentemente, o governo ainda teve que bancar o lançamento de um satélite – outro porque o sistema de satélites nacionais foi leiloado.
Quase todas as empresas leiloadas e seus compradores protagonizaram casos escandalosos de artimanhas financeiras ou corrupção. As operadoras atuais de serviços de Telecom são as campeãs de reclamações e a maior delas está na iminência de falir – conseguiram falir um negócio que sempre foi caracterizado como o terceiro melhor negócio do mundo. O primeiro era considerado o petróleo e o segundo era o petróleo mal administrado.
Os orelhões que poderiam ser instrumentos de acesso público aos serviços de alta qualidade (internet veloz) – transformados em pontos estratégicos de acessos WiFi - na medida em que são acessos físicos já implantados, estão sendo abandonados e destruídos.
Sem a propriedade do sistema nem condicionantes estabelecidos na privatização a sociedade fica nas mãos das operadoras privadas e da indústria de produtos. A sociedade não dispõe de instrumentos para priorizar soluções nem induzir projetos estratégicos. O Brasil, se quiser, que se vire com essa caricatura, esse arremedo de agência reguladora, essa piada de mau gosto .chamada Anatel que com suas primas “reguladoras” compõem mais um item deplorável das privatizações no Brasil.
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NOTA:
Resistência à privatização das Telecom
O principal núcleo de resistência à privatização das Telecom foi a organização dos trabalhadores do setor num processo que pode ser resumido em três fases. Na primeira fase, início dos anos 80 (governo Sarney), o monopólio estatal dos serviços telefônicos era exercido por todo o sistema Telebrás, mas o serviço de comunicações de dados era exclusivo da Embratel por força de lei ordinária que criou a empresa. As tentativas de privatização visavam o serviço de comunicação de dados – o filé mignon - e iniciaram com a perspectiva de lançamento do primeiro satélite nacional pela Embratel (1985) através das tentativas de grupos privados de se apropriarem da exploração dos serviços de dados via satélite. Nesse projeto, a atuação da Embratel se reduziria à manutenção, operação e aluguel dos equipamentos terrestres e espaciais deixando para a iniciativa privada a exploração dos serviços. O ápice dessas tentativas ocorreu com o a assinatura pela diretoria da Embratel de um contrato ilegal entre a empresa e um consórcio denominado Vicom composto pelos grupos privados nacionais Globo e Bradesco e uma multinacional Victory Comunicações. A reação dos trabalhadores foi uma greve de caráter nacional e de adesão plena (outubro de 1987) que paralisou a empresa e obrigou a anulação do contrato. Esse evento determinou, ainda, a demissão da diretoria da Embratel, não pela assinatura ilegal, mas por não ter conseguido reprimir o movimento dos trabalhadores como era a expectativa do ministro das Comunicações e da diretoria da Telebrás.

A segunda identifica-se com o período constitucional. Impulsionados pela movimentação dos trabalhadores da Embratel, os demais trabalhadores do setor se agregaram à luta para transformar o direito que era exclusivo daquela empresa e estabelecido por uma lei ordinária, em um direito da União estabelecido na Constituição de 88. A campanha, a participação dos trabalhadores, a integração da sociedade e, finalmente, a vitória do monopólio estatal das Telecom ficou instituída como um dos principais marcos registrado nos anais da Constituinte 88.

A terceira fase foi pós-constituinte quando foram rechaçadas as muitas tentativas dos próprios governos em quebrar o monopólio constitucional.  Essas tentativas se deram com a publicação de portarias, decretos e até assinatura de contratos inconstitucionais durante os governos Sarney (até 1990) e Collor (até 1992) todos eles impedidos judicialmente pela atuação dos trabalhadores do setor associada a uma assessoria de excelentes profissionais juristas que se integraram completamente à luta pela defesa do monopólio. A investidas ilegais para a privatização tiveram algum refluxo durante o governo Itamar (1992 – 1995) quando  postos em algumas importantes empresas do sistema Telebras foram ocupados por personagens que não compactuavam com a entrega das Telecom ao setor privado, mas o núcleo privatista, embora  recolhido, manteve-se abrigado no próprio ministério das Comunicações. Findo o governo Itamar, as investidas  retornaram no governo FHC, não mais com atos ilegais, mas como projetos de governo que conseguiu quebrar o monopólio constitucional nos seu primeiro ano de mandato (agosto de 1995) e, finalmente, privatizar o setor com o leilão do sistema Telebrás, em 1998.

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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Caçando androides

Leituras para distrair

Num futuro imaginário, um cientista concebe e monta uma fábrica de produção de androides tão sofisticados que chegaram à possibilidade de desenvolver emoções. Os androides, chamados de Replicantes, são vistos como uma ameaça para os seres humanos e passam a ser produzidos com uma vida útil limitada a poucos anos, até que a sua produção é totalmente interrompida. Algumas das unidades existentes são enviadas para o espaço em missões sem retorno, e as demais unidades são caçadas e eliminadas por uma força policial especial chamada de Blade Runners.

Um grupo de replicantes daqueles enviados ao espaço se dá conta da sua situação, toma de assalto a nave em que estavam e retornam à Terra em busca do seu criador. Não se conformam com a vida efêmera recebida e exigem do seu “pai” uma solução para o aumento da sua longevidade. Na Terra eles são caçados e desenvolve-se um drama envolvendo um blade runner, uma replicante, o líder dos replicantes amotinados e o criador dos androides. O tema dramático é a “existência”, a “vontade de viver”, e o roteiro sugere interessantes reflexões e motivos para conversas.

O futuro imaginário do filme é o ano 2019 e sugere uma Terra controlada por corporações e habitada por uma sociedade estratificada em uma camada urbana completamente degradada e uma elite que vive, em outra camada, literalmente superior. Um mundo triste de atmosfera social densa e asfixiante, tanto que a versão original foi suavizada para se tornar comercial e levada as telas.  Mas, a versão do diretor - cuja cópia guardo com carinho - divulgada mais tarde se transformou em um clássico e, para tanto, contribuiu excepcionalmente a beleza e a aderência ao tema da trilha sonora do grego Vangelis. O solo de sax do tema de amor do filme Blade Runner é reconhecido logo nas primeiras notas e já teve uma quantidade enorme de distintas interpretações, cada uma mais bonita que a outra. Parece que ficará entre aquelas trilhas sonoras imortais do cinema. E a trilha sonora de apresentação dos títulos finais se transformou em um marco das possibilidades da música eletrônica – difícil alguém da minha geração que não a reconheça, mesmo que não relacione ao filme. Inclui no final desse texto os links para as citadas trilhas sonoras.

Gosto de ver filmes, embora não embora não goste mais de ir ao cinema. Para mim o ritual da espera é um saco, e pipoca com manteiga uma mistura fedorenta. Acho uma merda essa coisa de não poder entrar na sala de projeções a qualquer hora e ter que abandoná-la ao final da exibição. Bom mesmo era passar pelo cinema e, se fosse o caso, entrar e assistir o filme desejado, a qualquer hora, com o direito a esperar a próxima sessão para ver o pedacinho que faltou. Mas, há cinemas e há filmes, e entre os filmes há Blade Runner, essa magnífica ficção científica que me conquistou nos anos 80 e que neste mês, outubro de 2017, retorna com o lançamento no Brasil de “Blade Runner 2049”, versão 3D e outras modernidades. Uma espécie de Blade Runner II que estou tentado a ir ver, caso eu vença a minha indisposição de ir ao cinema. De qualquer modo assistirei, e tomara que seja bom, no mínimo à altura do primeiro, uma beleza que recomendo.

Blade Runner – Tema de amor - <https://www.youtube.com/watch?v=kXB_tzmrNjA> - Acesso em 24/10/2017.


Blade Runner – Creditos finais - <https://www.youtube.com/watch?v=Vs6zXpTz2hk> - Acesso em 24/10/2017.

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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Sobre o que se deve aprender na escola

Opinião

Recentemente tive a oportunidade de trabalhar durante dois anos como estagiário de professor em turmas de ensino médio do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Não tenho estatísticas, mas a maioria dos alunos pareceu ser do sexo feminino, de cor parda ou preta. Senhoras com família para cuidar, empregadas em atividades diversas, algumas com filhos ainda em fase infantil. Quase todos (homens e mulheres) trabalhavam em locais distantes, dependendo de um sistema de transporte precário, e muitos com atividades que afetavam a assiduidade.

A maioria deles nem tinha a visão que este tipo de projeto (EJA) que inclui escola, professores, material didático, alimentação e transporte é um projeto público e que resulta de uma disputa com outros projetos onde ele (aluno) não é o beneficiário. Uma disputa de recursos e de verbas públicas que poderiam ser alocadas em projetos para atender a interesses de outros grupos menores e específicos. Grupos que disputam a apropriação dessas verbas.

Muitos alunos, especialmente os mais jovens, não tinham a mínima noção de civilidade. Um comportamento comum era o entrar e sair de sala sem os usuais cumprimentos de cortesia, arrastar ruidosamente mesas e cadeiras, estabelecer conversas em tons altos e paralelas às aulas e ignorar a presença do professor.

Consultei um pouco sobre projeto EJA, sua história e outros aspectos, e encontrei diversos trabalhos de professores que se dedicam com empenho ao assunto. Também fiz minhas próprias observações e considerações que estão bem longe da qualidade das elaborações que tive a oportunidade ouvir, de ler e de estudar, mas não considero impróprias nem anacrônicas. Aprendi bastante, até porque essa era a finalidade do meu estágio, e aprendi que as tarefas dos professores, de maneira geral, eram e são bem mais complexas do que instruir os alunos sobre os aspectos específicos de suas disciplinas.

Por exemplo, aprendi que, entre outras, há a necessidade de  ensinar e cobrar do aluno, permanentemente, uma postura de civilidade e cortesia entre os seus no ambiente de sala de aula. Ensinar que a expectativa é que eles procedam assim não apenas em sala de aula, mas em todo o ambiente escolar e também nos demais ambientes da sua vida social. Entenda-se por civilidade: a prática de regras, maneiras e comportamentos formais que expressam respeito entre as pessoas.

Porém, aprendi que será um equívoco cobrar as práticas de civilidade como se os alunos estivessem cometendo uma subversão pré-elaborada. É verdade que eles sabem possivelmente a maioria das regras, mas não sabem utilizá-las simplesmente porque não praticam entre si em nenhum lugar nenhum, incluindo os seus lares. Convivem em ambientes onde as regras são outras e determinadas por outros valores, em alguns onde a civilidade , por incrível que possa parecer,  pode ser até uma prática constrangedora e que precisa ser escondida. Os seus comportamentos de “má educação” refletem apenas “falta de um tipo de educação” que é preciso ensiná-los.

Pedir licença ao entrar ou sair da sala de aula, falar com moderação, deslocar uma cadeira sem arrastá-la, tratarem-se respeitosamente e uns poucos outros protocolos devem ser ensinados como elementos fundamentais da disciplina escolar e cobrados pelo professor, inclusive com interrupção da aula para este tipo de orientação. Sempre que for possível, a orientação deve ser generalizada, sem exageros e sem firulas que apenas constrangem o aluno sem seduzi-lo para o uso da prática ensinada.

Os alunos precisam ser ensinados que as práticas disciplinares não são uma demonstração de obediência e reconhecimento de autoridades. São elementos que favorecem e constituem os suportes básicos do mecanismo do ensino-aprendizagem e da afirmação dos mesmos como indivíduos sociais credores e devedores de respeito, uns aos outros. Mas, ressalvo que o professor também precisa acreditar nisso.

Também aprendi que é muito importante insistir com os alunos sobre o papel deles em nosso contexto social. Mostrar que eles estão diante de uma oportunidade de utilização de recursos que são seus e que precisam ser conservados. Recursos que poderiam e que até deveriam ser aumentados, mas que para tal precisam ser valorizados e defendidos tanto com as suas posturas (dos alunos) na participação do projeto, como através dos seus desempenhos nas disciplinas curriculares e também com as suas mobilizações como sujeitos políticos, sob pena desses recursos serem desviados para outros fins que participam da disputa.

Frequentar aulas já é um passo significativo para aqueles alunos. Não fossem as dificuldades concretas que precisam superar, existem ainda aquelas de natureza subjetiva: constrangimentos, baixa-estima, não visão de perspectivas, acomodação com o status quo etc. Para eles, obstáculos que seriam apenas degraus na evolução do aprendizado podem representar paredões, barreiras quase intransponíveis e desestimulantes das suas tentativas de evolução. O passo seguinte neste cenário é a desistência.

E sobre as disciplinas específicas, estou convencido que o professor deve fazer um esforço especial para construir rampas de avanço no aprendizado, mesmo que sejam rampas suaves se consideradas à luz do ensino formal. O professor que insistir em estabelecer um filtro exemplar, uma barreira inflexível de controle da capacitação, um paredão intransponível de conhecimentos conseguirá, no máximo, elaborar um elogiável instrumento de avaliação, mas perderá os alunos por desistência dos mesmos quando um dos principais objetivos no cenário do nosso sistema educacional precisa ser também a atração e retenção dos alunos no sistema escolar.

Com outros professores aprendi - não tive a experiência -  que nas séries do ensino regular, dos níveis básico e médio, onde a presença  preponderante é de pré-adolescentes e de adolescentes os enfrentamentos são bem mais difíceis e complexos se comparados com os da educação de jovens e adultos.

Não são tarefas fáceis, tanto que eu mesmo não me habilito a realizá-las. E com essa visão, discordo completamente dessas mensagens reducionistas que circulam atualmente na web com uma lista fechada sobre o que se deve aprender “na escola” e o que se deve aprender “em casa” – e com adendos de censura ao ensino escolar conclamando para uma luta  “a favor da família e de um mundo melhor”.

Não discordo porque entender que a casa e a escola se confundem, mas porque a rigor essas listas apenas refletem a mediocridade dos seus elaboradores e apoiadores e, no fundo, não passam de um disfarce, um esconderijo de discriminações preconceituosas que estariam melhor acobertadas se fossem enfiadas no olho do cú dos seus autores.

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sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Um plágio assumido

Leituras para distrair

Em 2016 conheci essa história narrada no blog HISTÓRIAS BRASILEIRINHAS  do Luiz Antonio Simas.  Eu adorei e divulguei.
Por razões que não importam, resgatei e resolvi divulgá-la novamente a pretexto de Dia das Crianças – 12 de outubro 2017. Por favor, não interpretem como proselitismo religioso, seria uma redução.
Além de divulgar o link do Simas onde está registrada a história, eu também resolvi publicá-la diretamente aqui. Não tenho e nem mesmo solicitei autorização para fazer isso, mas inferi que não haveria objeção do autor. A intenção é apenas divulgar uma história tão bonita. Para quem já conhecia, desculpem-me pela repetição, mas acho que vale, pelo Simas e pela história.
O link de origem está no final.

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O PRIMEIRO TAMBOR SALVOU O MUNDO

Os antigos habitantes do Congo e de Angola contam que Zambiapungo, o grande deus criador, acordou um dia cansado da solidão do poder e das tarefas da criação. Pensava até mesmo em interromper o curso do mundo. Faltava algo naquela grandeza toda. Zâmbi, é assim que ele é mais conhecido no Brasil, achava que tinha criado todas as coisas necessárias para a vida. Apesar disso, estava triste e recorreu aos inquices; deuses que são seus filhos queridos.
Zâmbi pediu que Zaratempo fizesse algo para despertar seu interesse e o impedir de desistir do mundo. Tempo balançou uma bandeira branca e criou as estações do ano, com todas as suas mudanças. Zâmbi gostou, mas não sorriu.
Zâmbi chamou Katendê e pediu a mesma coisa. Katendê, o senhor das jinsabas [folhas] , falou ao pai sobre o poder mágico das plantas que curam, acalmam e conversam com as pessoas. O deus supremo se interessou um pouco, mas ainda assim não sorriu.
Matamba foi a próxima a tentar. A senhora das ventanias mostrou a força dos furacões e o baile fabuloso dos relâmpagos que clareiam a escuridão. Zâmbi olhou, até bateu palmas, mas continuou triste.
E assim vieram todos os deuses do Congo. Vunji trouxe as crianças mais brincalhonas, que lambuzaram Zâmbi de doces; Angorô inventou o arco-íris; Gongobira deu a Zâmbi um rio de peixinhos coloridos; Dandalunda chamou as luas que mudam marés; Mutalambô fez um banquete com as caças trazidas das florestas; Nkosi forjou ferramentas e adagas no ferro em brasa; Lembá Dilê conduziu um cortejo branco de pombas, cabras e caramujos.
Zâmbi gostou e agradeceu, mas continuou triste.
Até que Zâmbi perguntou se Nzazi, o dono do fogo, sabia de alguma coisa que pudesse afastar aquele banzo, que é como o povo chama a tristeza. Nzazi, que entre os iorubás é conhecido como Xangô, consultou um grande adivinho e fez o que ele mandou. Começou cozinhando e repartindo as carnes de um grande bode branco entre as divindades do Congo.
Em seguida, Nzazi aqueceu a pele do bode na fogueira. Ainda com o fogo, tornou oco o pedaço de um tronco seco da floresta. Sobre uma das extremidades do tronco oco, esticou a pele do animal e assim inventou Ingoma, o primeiro tambor.
Nzazi começou a bater no couro do tambor com toda a força e destreza. Aluvaiá, aquele que os iorubás conheciam como Exu e os fons como Legbá, gingou ao som do tambor. Logo depois, todos os deuses do Congo , ao batuque do Ingoma, dançaram também e fizeram a primeira festa na manhã do mundo.
Zâmbi gostou do fuzuê do tambor de Nzazi e descansou feliz. Era isso que faltava. Ainda deu a Ingoma o poder de acabar com a tristeza das mulheres e dos homens pela festa dos corpos que ele, Ingoma, convida para dançar.
Desde este dia, Ingoma é uma divindade; aquela capaz de transformar e renovar o mundo pela festa. Sem o tambor, nós até poderemos ter tudo aquilo que é materialmente necessário, mas seremos tristes.
Ingoma, o primeiro tambor, um dia se casou com Muzenza, a moça bonita que dança. Eles tiveram uma filha. O nome da menina, a linda filha de Ingoma e Muzenza, é Ngala, a Alegria.
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Esse texto foi copiado – sem autorização – do blog HISTÓRIAS BRASILEIRINHAS – de Luiz Antonio Simas http://hisbrasileirinhas.blogspot.com.br/2016/04/ingoma-salvou-o-mundo.html - acesso em 12/10/2017

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Em nome de quem?

Opinião

Agora, virou moda no zap. O vídeo de um militar qualquer ameaçando a democracia e com legendas da direita coxinha divulgando e repetindo o seu discurso frouxo, vazio e povoado de verborreias. Meninos criados por dindinha Bililica ameaçando: “se não for como eu quero, o meu general vai atirar em vocês!”.

Nos vídeos, já que não podem mostrar os seus coldres e arsenais, os gorilas exibem medalhinhas e broches e, presunçosamente, alegam falar em nome de uma “tropa” que, a rigor, lhes obedece por obrigação funcional. Desconsideram que não são mais do que servidores públicos armados por concessão da sociedade e que, especialmente por isso, deveriam estar com as suas violas enfiadas em sacos. Nenhum deles recebeu ou tem qualquer autoridade de representação pública, nem por um voto sequer. Mesmo o mais adornado com medalhas não tem a representação que possui o menos votado vereador no mais remoto rincão do Brasil. Não têm sequer a autoridade de representação que tem um membro eleito de CIPA na mais modesta fábrica do país.

Ao ameaçar a sociedade revelam-se em seus instintos. Césares de meias-tigelas!  Imaginam as lentes das câmeras de celulares como se fossem os seus rubicões e através delas exibem as suas pantomimas. No fundo não se distinguem de outros que agridem e espancam a população indefesa aproveitando-se da vantagem de um poder armado. Passam a impressão que, se pudessem, estariam aboletados no alto de um prédio e de lá exerceriam a sua força armada disparando contra uma imprestável multidão civil. Felizmente são poucos. 

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