Opinião
O prefeito do Rio terá
razões suficientes para sorrisos de ironia. Permanentemente criticado por sua
administração referenciada por concepções religiosas, ele assistiu, assim como
nós, a assembleia legislativa aprovar, em 18/04/2019, um projeto de lei proclamando
os santos católicos São Jorge e São Sebastião “padroeiros” do Estado do Rio de
Janeiro. Como a proclamação refere-se ao estado, então ela está sendo
encaminhada para a aprovação do governador.
Mesmo que o projeto pudesse
ser criticado em nome da laicidade, ainda assim, caberia um projeto de lei
determinando as obrigações do estado na promoção institucional de festejos e
celebrações em homenagens aos referidos santos católicos. Afinal, eles contam
com a devoção religiosa de parte significativa da população. Seria um ato do
poder público reconhecendo essa realidade. Contudo, o projeto de lei vai além.
Ele assume uma autoridade eclesial e proclama os santos católicos como
“padroeiros”, ou seja, o ato legislativo atribui a São Jorge e São Sebastião a responsabilidade
de intervir e proteger os interesses da população fluminense junto às
autoridades e cortes celestiais. Notícias da própria Alerj informam que o
projeto original estabelecia apenas São Jorge como padroeiro, mas recebeu
emenda agregando o nome de São Sebastião. Mais do que isso, os deputados
esperam que os santos exerçam suas influências onde puderem nas áreas do divino
e do sagrado. Pelo menos é o que se deduz das justificativas do projeto porque,
conforme elas, além dos atributos de mártires católicos que os levaram à
categoria de santos, os referidos também são reconhecidos no Candomblé e na
Umbanda por suas associações com os orixás Ode, Ogum e Oxossi. É mole?
Prédios desabando por
desleixos de fiscalizações e matando seus ocupantes. Militares metralhando
pretos e pobres considerados imprestáveis e descartáveis. Representantes legislativos
e sindicais exterminados por combaterem violações de direitos sociais. Bacias
hidrográficas quase irremediavelmente perdidas em rompimento de barragens
descuidadas por seus proprietários. Mortes banalizadas. Cidades abandonadas por
seus administradores são inundadas, indefesas que estão frente às intempéries.
Um governo federal submisso em suas representações internacionais envergonha a
nação. Ao mesmo tempo, tenta extinguir a
previdência social solidária. Viabilizar os negócios do sistema financeiro é sua
meta. Tentativas de revisão buscam recuperar do lixo histórico golpistas
torturadores e assassinos. A política educacional transformada em piada.
Milhões de pessoas retornando para abaixo da linha da pobreza. As pérolas
ministeriais se multiplicam, uma superando a outra. Desde a instituição do azul
e rosa para meninos e meninas até o inqualificável diagnóstico da ministra da
agricultura: o brasileiro não passa fome porque nunca tivemos guerra e porque tem
muitas mangas em nossas cidades. Nesse cenário desabrochou o
brilhantismo político dos deputados fluminenses. Apelar para os santos: “Proclamamos-vos,
São Jorge e São Sebastião, padroeiros do Estado do Rio de Janeiro. É com vocês!”
Definitivamente, não
somos uma nação para principiantes. A proposta – pasmem – foi encaminhada em
conjunto por um deputado do PT e outro do PSL. E, pasmem mais um pouco. A tal
emenda que enfiou São Sebastião de contrabando no projeto foi da autoria de um
deputado do PSDB. Eu não tenho os detalhes, mas considerando o resultado, será
interessante verificar quem aprovou essa coisa. Só pensar nisso causa arrepios.
E pensam que acabou? Já disse que aqui não é para principiantes. Essa coisa foi
proposta, aprovada e enviada para a assinatura do governador em regime de
URGÊNCIA.
Tento imaginar o que as
divindades estarão pensando. Mais trabalho sem poderes adicionais. Suponho que
São Sebastião não se sentirá satisfeito. Os deputados aumentaram a sua
jurisdição, que antes era só a cidade do Rio de Janeiro, sem acrescentarem recursos.
Deverá virar-se com os que já possui. Quanto a São Jorge, pelo menos agora terá
uma credencial, ele que tem protegido os cariocas na informalidade. Mas,
dificilmente isso lhe renderá homenagens maiores do que as que lhe prestam
hoje. De qualquer forma, a julgar pelas
justificativas dos deputados, agora um e outro serão cobrados, não apenas por
suas intermediações nas esferas celestiais, mas também por seus prestígios e
poderes nas bandas de Aruanda.
Outros santos certamente
terão suas avaliações. Padroeiros de outros municípios do Estado do Rio gostarão
de dividir tarefas com São Jorge e São Sebastião. Poderão concentrar suas energias
naquelas que forem de caráter local. Sei que é uma opinião otimista. O Brasil também
tem dois padroeiros e isso parece que não tem ajudado tanto. Eu achava que a
padroeira do país era N. Sra. Aparecida e pronto. Mas, aprendi que há um São
Pedro de Alcântara com o mesmo cargo e responsabilidades da santa. Sua
proclamação decorreu da devoção da família real portuguesa. Lá pelos idos de
1800 a monarquia pediu e o papa decretou. Como se vê, coisas da política. Apesar
disso, parece que quem tem segurado a barra é a santinha preta. Branca em sua
origem, mas enegrecida simbolicamente por uma força cultural que muitos tentam
negar.
Não faço proselitismo
ateu nem agnóstico. Muito menos negarei a existência das bruxas. As divindades,
se puderem, farão muito bem protegendo as populações, seja nos limites do burgo
carioca, no âmbito do estado ou quanto consigam. Alguns mais atarefados. São
Jorge, por exemplo, sei que tem lá seus
compromissos com a proteção dos britânicos. Mas, é nojento ver aqui, na Alerj, o
PT, PSL e PSDB reunidos nesse conluio metafísico, escroto, populista e
alienante, ao mesmo tempo em o governo federal tenta a destruição de direitos
previdenciários conquistados com tanta luta pela sociedade brasileira,
particularmente pelos trabalhadores. Ontem, dia de São Jorge, o dragão estava
solto na Comissão de Constituição e Justiça, no Congresso, em Brasília.
Mas, nojo não significa
desesperança nem decepção. Que sejam cantados louvores gospels, celebradas missas e procissões. Incineradas velas. Ofertadas
flores, ebós ou despachos. De minha parte espero que as respostas dos
padroeiros venham sob a forma de força, união e energia para transformar essa
realidade na marra e nas ruas. Em manifestações públicas. Em agitações e
paralisações. Numa forte e consistente greve geral que sirva de estímulo e
motivação para tantas outras.
No mais, desejo como Teresa
Cristina e Argemiro da Portela: ... que nunca me faltem flores para
agradecer amores que Oxum vive a me dar.
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