domingo, 27 de junho de 2021

Festa boa, tinha Zé Magro e Galdino

 

Leituras para distrair

Santo Antonio, São João e São Pedro são as três referências de festas juninas, mas para mim e outros próximos, na juventude,  o ciclo encerrava com a celebração de Santana. Reverenciada em 26 de julho, a avó do Cristo era a patrona de uma festa que se realizava em Monjolos, um bairro de São Gonçalo – RJ que, naquela época, era afastado dos centros urbanos da cidade.

 A festa de Munjolos (o nome correto do distrito é Monjolos, mas ninguém pronunciava assim) sempre era programada para a última semana ou último fim de semana do mês de julho. Não sei como é hoje, mas para nós, nos anos 60  do século 20, era o gran finale dos festejos juninos.

 Frequentei a festa desde menino, levado por um colega que se tornou o meu grande amigo, parceiro e compadre. Companheiro de histórias  que não cabem aqui, infelizmente falecido. A família do meu compadre era oriunda da região. Família grande, eram proprietários e herdeiros de vários sítios que em outros tempos constituíam laranjais, uma cultura natural naquela parte do RJ, limite com o município de Itaboraí.

 Um comentário de passagem: o extrativismo de laranja na região foi predatório. Sem projetos de agricultura permanente e renovada, esgotadas as capacidades de produção das terras,  os laranjais foram transformados em loteamentos pelas últimas gerações de proprietários.

 O pai do meu compadre, que também foi outro inesquecível e querido amigo, serviu como combatente da FEB na Itália, e a família comprometeu-se com a construção de uma igreja no bairro como contrapartida pelo seu retorno  que foi visto como uma graça religiosa. Isso motivou atividades para angariar fundos e tocar a construção da capela que se situava na pracinha central do bairro. As festas anuais eram umas dessas atividades.

 Munjolos não era mais do que a pequena praça com um coreto e a igreja. Um pouco distante da praça, talvez um quilômetro, havia outro núcleo devido a um campo de futebol e barracas que atendiam à galera nos dias de jogos.

 No entorno da praça da igreja havia um pequeno comercio: armazém, padaria, armarinho, barbearia, farmácia , uns botecos etc. No mais, eram residências, e as casas que não eram de familiares do meu compadre eram de conhecidos e vizinhos  de relações muito próximas.

 A festa tinha procissão e missa. Tinha os que caminhavam ao lado da santa; tinha os que ficavam mais próximos do padre; tinha a turma que carregava o andor com a imagem; os grupos de tradicionais carolas entre outros. Enfim, havia um ritual que atendia às relações sociais locais.

 O amanhecer era marcado por salvas de fogos de artifícios: foguetes e fura-balões – começava a festa. A agitação das montagens das barracas já iniciadas na semana anterior compunham o clima de festa.

 As barracas eram típicas de festas juninas: jogos, doces, salgados, bebidas. A “Barraca da Santa” era uma especial. Em local privilegiado e pré-estabelecido, a arrecadação com a venda dos seus produtos, contribuições da comunidade, era revertida para o projeto da igreja.

 Em algum momento da noite ocorria o ponto alto da festa – um leilão. Era o  quando os representantes dos poderes locais, geralmente aglutinados em torno da Barraca da Santa, faziam as suas doações e exercitavam as suas relações arrematando as prendas leiloadas e, às vezes, devolvendo para que fossem leiloadas outra vez. As prendas muito valorizadas eram os leitões e cabritos assados. Até onde lembro, o leilão era a atividade que demarcava o encerramento oficial da festa que, na prática, prosseguia até o início da madrugada.

 O dia se construía em torno dessas atividades. Para mim era um clima gostoso que foi assumindo aspectos  diversos na medida em que as nossas vidas também mudavam. Conversas, brincadeiras, paqueras, encontros, novas relações, aprendizados, frustrações e alegrias marcaram uma época importante para alguns de nós. Cada uma dessas emoções foi vivida como experiências distintas num período que foi desde que éramos ainda crianças até uma idade onde alguns já éramos casados e até com filhos.

 Na festa tinha o churrasquinho de gato do Galdino – inesquecível para mim. Era o ambulante mais simples de todos. Um pequeno fogareiro e os espetinhos. Galdino servia os espetinhos de carne cuja origem era mote das conversas, mas cujo aroma era sedutor. Era inconcebível passar a festa sem consumir pelo menos um daqueles churrasquinhos.

 As ilações sobre a origem do churrasco do Galdino eram justificadas porque o consumo de caça era comum naquela época e região, e o gato não era considerado uma “vaca sagrada”. O Zé Magro, caseiro de um dos sítios, alimentava-se exclusivamente dos animais que caçava.

 A casa dos avós paternos do meu compadre era a nossa base. De lá saímos muitas vezes para dias e momentos felizes dos quais ficaram generosas lembranças de fatos e personagens. Salvo uma ou outra encrenca, sem consequências, o ambiente era tranquilo e sem violências. Naturalmente isso mudou e acabou.

 Nunca mais voltei. Suponho que o Munjolos de minhas lembranças deixou de existir. Nem mesmo sei qual o nome oficial da igreja. Não pesquisei. A rua lateral à igreja, onde fazíamos a nossa base, hoje tem o nome do pai do meu compadre: Rua Expedicionário Jaime Porto – Monjolos – São Gonçalo – RJ.


A melhor imagem que consegui (via web). A igreja e o coreto da pracinha - copiei em 27/06/2021



 

*###*

Um comentário :

  1. Mais uma maravilha de crônica de bons e velhos tempos. Apesar de ser uma experiência sua, faz lembrar a minha, no subúrbio do Rio da infância, em que as experiências foram semelhantes. Onde até as brigas e os bandidos ainda não tinham a gravidade e e contundência armada que têm hoje. Abraço Grande JORSAN.

    ResponderExcluir