segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Organização e Mobilização dos Trabalhadores

 Leituras para distrair

Em muitas e significativas áreas, a situação atual da organização da produção traz novas dificuldades e oportunidades para a organização dos trabalhadores. A comunicação com a classe e entre a classe é facilitada, mas ela também é disputada por fontes diversas com diversidades de informações.

As facilidades de comunicação e a pluralidade de informações, características de nossos dias, não levam necessariamente a uma relação grupal. Esse é um fenômeno constatado pelos analistas sociais. Ao contrário, verifica-se hoje um fenômeno de isolamento do indivíduo diante do mundo de contatos e oportunidades potenciais.

Quando os sindicatos, que ainda são os agentes que promovem a organização dos trabalhadores, não se impõem nessa disputa de comunicação, a tendência é o trabalhador perder a consciência da sua posição de classe. Ele nem mesmo sabe o que isso significa.

O trabalhador não fica imobilizado. Ele precisa sobreviver. Então, ele busca  caminhos alternativos e disponíveis para resolver suas dificuldades, ainda que nem sempre escolha a melhor opção.

Esteja ele em sua casa, ou na sua sala, na sua “estação de trabalho”, ou na sua bicicleta, moto ou automóvel prestando o seu serviço, o trabalhador se vê sozinho. E um aspecto fundamental da sua organização como classe – a solidariedade – vai para o caralho!

Não há mais colegas de trabalho. Nem de empresa, nem de sala. Nem de prédio, nem de nada. Sozinho, seja qual for o seu local de trabalho, o sujeito, de qualquer gênero, tem que pensar alternativas para suas necessidades que geralmente não são apenas dele, mas de uma família sob sua responsabilidade.

O trabalhador, ele ou ela, precisa elaborar por si mesmo respostas de classe que estariam no seu repertório de alternativas se ele convivesse com companheiros que experimentam as mesmas necessidades, e se tivesse a oportunidade de saber sobre as respostas que foram dadas por outros trabalhadores que historicamente passaram por experiências similares. É como se o trabalhador tivesse que reinventar a roda.

Infelizmente, alguns acham que estão superando essas limitações. Acham que não só venceram, mas mudaram de classe. Tornaram-se empreendedores. O capital, objetivado na figura do capitalista, do patrão, para quem o estágio atual da organização da produção sorri favoravelmente, estimula essa ilusão do trabalhador, ao mesmo tempo em que retira os seus direitos trabalhistas.

Afinal, diz o patrão, agora corremos juntos! Já não tenho a obrigação com férias, carteira de trabalho, décimo terceiro salário, auxílios de saúde, de alimentação ou fundos de aposentadoria! Somos até concorrentes, vivemos as mesmas dificuldades! E muitos trabalhadores passam recibo de babacas acreditando nessa história.

Mas, o canto de sereia do capital não seduz apenas os trabalhadores. São muitos os dirigentes sindicais que por ignorância do contexto, por incompreensão do seu papel ou até por malícia, por peleguismos puro, acomodam-se na ideia de que não há o que fazer, em vez de avançarem nas tentativas de entendimento da situação e na busca de possibilidades de superar as dificuldades. Esse é o retrato de parte significativa da atual crise sindical.

Nos centros urbanos, nas grandes empresas e fábricas que permanecem como os pontos focais de organização dos trabalhadores,  já não existem as grandes movimentações de entrada e saída de seus expedientes ou nos seus intervalos refeições.

Deixaram de existir os pátios de concentração, e a própria presença no local está rareada com a possibilidade do home office. Mas, isso não quer dizer que os trabalhadores tenham desaparecido ou que deixaram de se constituir como classe. Há, sim, uma mudança na organização da produção que impõe mudanças nos mecanismos de organização dos trabalhadores, mas o mundo ainda é o resultado da força de trabalho.

Para reunir essa força não há receita de bolo, não tem mágica, e nunca teve. O capital mudou a forma de fazer valer sua ideologia, temos a responsabilidade de encontrar a nossa.

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domingo, 8 de dezembro de 2024

Força de Trabalho, Exploração e Lucro

Leituras para distrair

No modo de produção capitalista, o trabalhador não vende o seu trabalho. Ele vende a sua força de trabalho por um salário e por uma jornada acertada entre as partes, e o comprador, o patrão, se apropria da mercadoria que a força de trabalho produzir durante o tempo a que tem direito.

Essa relação salário x força de trabalho  que é legalmente aceita, faz parecer que o salário representa uma troca  de dinheiro por trabalho quando não é isso que ocorre, isso é uma ilusão.

Não se trata de uma compra do “trabalho” em troca de salário, mas a compra do direito de uso da “força de trabalho” por um determinado tempo, uma jornada. Cotidianamente tratamos o salário como se fosse o pagamento do trabalho quando o salário é o preço da venda da força de trabalho. Trabalho e força de trabalho são coisas distintas.

O capitalista, patrão, comprador da força de trabalho, pode também comprar diversas outras mercadorias e armazena-las (materiais, ferramentas, máquinas, instalações etc.). Não faria sentido, mas deixadas por si, elas ficarão alocadas onde estiverem e do jeito que estiverem, pelo tempo que forem deixadas lá, e sujeitas ao desgaste natural dos materiais de sua composição.

Podem até serem valorizadas no mercado de trocas se houver escassez de algumas,  mas a tendência e probabilidade maior é o desgaste e desvalorização. Elas não produzirão nenhum outro valor.

Contudo, se o tal comprador, capitalista, reunir certas mercadorias com a mercadoria força de trabalho que ele também tenha comprado, outras mercadorias poderão ser produzidas, e o capitalista poderá levar essas novas mercadorias ao mercado de trocas para vende-las.

A nova mercadoria, produto do uso da força de trabalho, é trocada ou vendida a por um preço maior – geralmente bem maior - do que aquele que o trabalhador recebeu pela venda do uso de sua força de trabalho (esse é o objetivo).

O capitalista então faz a compensação de todos os seus gastos, incluindo os salários que pagou, e se apropria do excedente chamando-o “lucro” que ele sempre buscará aumentar (a rigor, a busca do capital é sempre maximizar uma relação chamada “taxa de lucro”).

A criação de uma nova mercadoria que pode ser vendida por valor maior que o empenhado pelo capitalista na aquisição de meios de produção e de força de trabalho, só é possível pela característica especial da força de trabalho. Só ela – a força de trabalho - é capaz de fazer um novo valor acontecer.

Contudo,  esse mecanismo não é tão evidente. Geralmente, nem o próprio trabalhador ao se deparar com a mercadoria que produziu reconhece nela o seu trabalho. E essa alienação é tão significativa que, em geral, olhamos em volta para as coisas do mundo sem refletir que cada uma delas, sem exceção, salvo os elementos da natureza, só existe porque há na sua composição o trabalho humano, o produto da força de trabalho de alguém ou de muitos.

Essa distância, essa alienação,  entre o trabalhador e o produto da sua força de trabalho, ou seja, o seu trabalho efetivado, passa a impressão que o mundo material existiria sem o esforço do trabalho humano. E uma impressão que, apesar de falsa, é cada vez mais forte nesses tempos de internet, redes sociais, plataformas de trabalho e inteligência artificial.

O programa computacional mais bem elaborado, a máquina mais sofisticada e inteligente ou a cachaça mais saborosa não existiriam sem a força de trabalho humano.

Essa ilusão ignorante interessa a um dos lados da luta de classes: o capital. A aparência que o lucro surge por si só, do nada, com vida própria, como um parto virginal, sem cópula, é conveniente na medida em que esconde o mecanismo de exploração da força de trabalho.

Sob outro olhar (o “nosso”), na medida em que o trabalhador nada recebe desse excedente que só a sua força de trabalho é capaz de produzir e produziu, aquilo  que o capitalista chama de lucro, trata-se de fato de um mecanismo de exploração. É a parte do produto do seu trabalho que o trabalhador não recebe, embora, vale insistir, ele tenha negociado legalmente a venda da sua força de trabalho ao preço de um salário.

Na história da economia (economia capitalista seria um pleonasmo), até hoje, há mais de 150 anos, apesar das várias tentativas, nenhum teórico conseguiu apresentar outra justificativa para a origem do lucro.

Karl Marx, que dedicou parte significativa de sua vida ao estudo dessas relações, desvelou esse mistério, tão conveniente para os capitalistas, e registrou seus estudos e anotações que se desdobraram em 3 volumes sob o título geral “O Capital - Crítica da Economia Política”.

Não é por outro motivo que os economistas clássicos odeiam o velho Mouro e tentam disfarçar suas formulações e excluir suas análises e conclusões, embora nunca tenham conseguido.

A pergunta “de onde vem o lucro?” deixa economistas e capitalistas apavorados. Por isso, fogem do Mouro como o diabo da cruz. ### 

sábado, 7 de dezembro de 2024

Classe e luta de classes

 Leituras para distrair

O que caracteriza a classe no capitalismo não é o fato de se trabalhar num mesmo prédio, numa mesma empresa, ter um mesmo patrão, realizar a mesma atividade, nem mesmo a grana que se recebe como salário.

O pertencimento de classe é determinado pelo papel do indivíduo no modo de produção vigente. Quem vende a sua força de trabalho como a única mercadoria que possui para levar ao mercado de trocas e poder sustentar suas necessidades pertence a classe chamada trabalhadora que, em outras épocas, foi chamada de proletariado.

Quem compra o direito de uso dessa força de trabalho pagando um preço chamado salário, e se apropria do produto do uso dessa força, é membro de outra classe. Esse comprador é um patrão e pertence a classe capitalista que tem também outros integrantes conforme os seus papeis no mecanismo de circulação do capital.

As classes não são homogêneas. Há diversidade de situações e de interesses entre seus membros. Tanto um gerente de alto escalão em uma grande empresa e que recebe salário altíssimo, quanto aquele empregado de salário mais humilde e que recebe uma merreca na mesma empresa, ambos pertencem à classe trabalhadora.

O dono de uma carrocinha de pipoca que paga salário a um menino como empregado ajudante, está na posição de um capitalista. Um médico que trabalhe para um hospital, mas que também tenha um consultório próprio com empregados para limpeza, atendimento enfermagem etc. estará no papel de membro da classe trabalhadora como empregado do hospital, e no papel de capitalista enquanto dono do consultório.

Um aspecto importante dessa relação de compra e venda: salário x força de trabalho é que se trata de uma relação de troca legal, regulamentada e socialmente aceita por ambas as partes. Não se trata de um roubo ou burla, embora em quase a totalidade das vezes haja um enorme desequilíbrio de poder na relação e no estabelecimento de seus termos.

Outro aspecto, talvez fundamental dessa relação,  é que o trabalhador não vende o seu trabalho. Ele vende a sua força de trabalho sobre a qual o comprador passa a ter o direito uso como qualquer outra mercadoria que tenha comprado, assim como o trabalhador faz o que quiser do salário que receber pela venda.

Na medida em que o comprador (capitalista) também possui materiais, ferramentas, instalações e outros recursos ele põe em ação a força de trabalho que comprou e se apropria da mercadoria que essa força produzir durante o tempo a que tem direito.

A força de trabalho vendida pode ser de qualquer natureza. Manual ou intelectual. O trabalhador pode ter qualificação profissional ou não. E a atividade pode ser exercida em qualquer ambiente – num escritório, numa oficina, na rua ou mesmo na residência do trabalhador - com ou sem o auxílio de ferramentas ou instrumentos que, por sua vez, podem até ser da propriedade e responsabilidade do trabalhador (situação ideal para o capitalista).

Desse modo, quem pertence a classe dos trabalhadores  certamente tem interesses comuns com outros integrantes da sua classe, ainda que não estejam todos reunidos no mesmo local, vestindo uniformes idênticos, trabalhando para um mesmo patrão, na mesma empresa, ou assentados em diferentes situações econômicas.

Não é preciso desenhar para se concluir que esses interesses conflitam com os interesses dos capitalistas. Não porque uns sejam “bons” e outros “maus”. O pertencimento de classe não é uma questão de separação entre boas e más pessoas. Não se trata de uma relação moral nem ética. Os interesses são naturalmente conflitantes porque o modo de produção capitalista funciona assim.

Esse conflito é chamado de luta de classes e não é uma invenção de sindicalistas, socialistas ou comunistas. A luta de classes é uma decorrência lógica das relações da produção capitalista que a classe de maior poder sempre tenta esconder porque assim esconde a sua posição privilegiada na relação.

A evolução tecnológica das ferramentas, máquinas e instrumentos de produção, ou seja, dos meios de produção, modificou completamente a imagem tradicional de classe trabalhadora como grupo de empregados reunidos no galpão de uma fábrica realizando atividades orientadas por uma hierarquia de monitores, supervisores, gerentes ou coisa que o valha.

As modificações são de tal ordem que há mesmo o caso de trabalhadores nem se reconhecerem como integrantes de sua classe. Esse “não reconhecimento” já existia no caso de trabalhadores com diferentes status econômico. Sempre foi o caso dos empregados de altos salários e aqueles que ganham merrecas. Mas,  a evolução tecnológica trouxe novas situações. Há trabalhadores que se imaginam como capitalistas, empreendedores ou “prestadores de serviços” quando, na verdade, estão no limite máximo das aspirações do capital, ou seja, apropriar-se do produto do seu trabalho ao menor custo possível.

O fato é que a realidade tomou outros aspectos, mas as relações de produção permanecem porque elas são inerentes ao capitalismo. A luta de classes existirá enquanto existirem as classes, e essas só deixarão de existir quando o modo de produção capitalista for superado.

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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Gostaria de aliviar, mas não tem clima pra isso!

 Opinião

 

Ouvimos, vemos e lemos sobre a crise climática, mas para nós, leigos, além dos aspectos concretos da própria crise, enchentes, secas, queimadas, furacões,  não é muito fácil a compreensão e assimilação do tamanho dessa coisa.

Sabemos que um dos principais aspectos da crise é o aquecimento do planeta decorrente da alta concentração de certos gases na atmosfera levando a níveis indesejados aquilo que deveria ser nossa proteção natural, o tal do Efeito Estufa.

São vários os gases que provocam o efeito estufa, mas o principal deles é o  dióxido de carbono (CO2) emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento. E para quantificar em uma medida única a emissão de diferentes gases de efeito estufa (GEE) criou-se o termo dióxido de carbono equivalente (CO2e).

Atualmente, considera-se que o CO2 seja o principal responsável pelas emissões mundiais de gases de efeito estufa (GEE) que bateram novo recorde em 2023 e chegaram a 57,1 bilhões de toneladas anuais de dióxido de carbono equivalente (CO2e), sendo o Brasil  o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. [1].

Na reunião da COP21, em 2015, em Paris, o mundo concordou em limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação com os níveis pré-industriais. Para tanto, a ciência diz que as emissões de GEE devem ser reduzidas em mais de 40% até 2030. 

Segundo um relatório de outubro de 2024 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ainda é tecnicamente possível atingir a meta de aquecimento global do Acordo de Paris. Se não for assim, o mundo chegará a um aumento catastrófico da temperatura de até 3,1°C. E, ainda, mesmo que os  compromissos atuais para 2030 sejam cumpridos (e não estão) o aumento da temperatura seria de 2,6 a 2,8°C.

As nações devem se comprometer coletivamente a reduzir 42% das emissões anuais de gases de efeito estufa até 2030 e 57% até 2035, ou a meta de 1,5°C do Acordo de Paris desaparecerá dentro de alguns anos, o que traria impactos devastadores para as pessoas, o planeta e as economias. O bicho não está pegando, ele já pegou! [2]

Façamos, então, uma consideração a partir desse quadro super geral:

Imagine o mundo hoje. O tanto que o planeta está fumegando e o tanto que precisaria ainda fumegar para, no mínimo, fazer avançar as demandas das enormes populações carentes e desatendidas pelas distorções onde 15 da população mundial acumula dois terços de toda a riqueza do mundo.

Imagine o que significa provocar uma redução de 57% (mais da metade) das emissões num prazo de 10 anos (até 2035). Faça-se a aproximação que se achar necessária. A ordem de grandeza dessas quantidades não se altera.

Isso seria (ou será?) como a necessidade de dar um cavalo de pau, uma freada com freios mecânicos e de mão acionados, num automóvel se deslocando a 300 km por hora. Uma tentativa de praticamente parar o mundo.

Claro que há viabilidade técnica, mas não é disso que se trata. Trata-se de política. E vemos nos noticiários os representantes governamentais desse planeta capitalista, na maior cara de pau, assinando termos, acordos e promessas como se tudo já estivesse acordado e combinado com sua alteza  “o Capitalismo”.

São quase 60 bilhões de toneladas de CO2e despejados na atmosfera  por ano, praticamente o dobro desde o ano de 1990, e os caras assinam promessas de reduzir esse despejo em mais de 50% num prazo de 10 anos. Me engana que eu gosto!

E alguns de nós é que somos apontados como sonhadores românticos ou ridículos  quando insistimos em nossas convicções sobre o socialismo e sobre a necessidade de enfrentar, lutar e superar o capitalismo.

Até mesmo alguns companheiros engajados acusam-nos de esquerdismo quando cobramos do governo Lula um enfrentamento mais assertivo com o capitalismo, sem perceberem que o tempo de preparação da revolução já passou.

Grande parte da população, incluindo alguns companheiros de luta, assiste passiva e credulamente a TV mostrando os sorridentes representantes do capital prometendo que abrirão mão de seus lucros e que darão o cavalo de pau no mundo para a necessária redução de bilhões de toneladas de GEE.

Afinal, quem são os sonhadores nessa história?  #####

 

[1] https://revistapesquisa.fapesp.br/producao-de-gases-de-efeito-estufa-cresce-13-no-mundo-mas-cai-12-no-brasil/

 

[2] < https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/comunicado-de-imprensa/nacoes-precisam-fechar-enorme-lacuna-de-emissoes-em>

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

São Gonçalo - 445 anos

 Leituras para distrair

 

Semana passada, 22/09/2024, a cidade de São Gonçalo (RJ) – onde nasci e cresci - comemorou 134 anos desde que foi elevada à Vila e Município desvinculando-se do município de Niterói. Embora oficial, esse é um marco inadequado porque esconde partes importantes e interessantes da história da cidade que já tinha cerca de 240 anos de existência quando foi incorporada à Niterói. A data oficial, só contabiliza a sua existência a partir da chamada emancipação política.

O fato é curioso porque os municípios como o próprio Niterói, Itaboraí e Maricá celebram suas respectivas histórias desde suas fundações como sesmarias. Por esse critério, São Gonçalo é tão quatrocentão quanto os seus vizinhos e nesse ano de 2024 estaria celebrando, então, 445 anos de existência, desde a data da entrega da Sesmaria a Gonçalo Gonçalves – o “Velho”,  em 1579.

As sesmarias estavam na lógica desse câncer histórico que é o latifúndio no Brasil. A coroa portuguesa como forma de ocupar suas colônias concedia o direito de uso, herança, mas não de propriedade, e obrigação de exploração de terras que eram as capitanias hereditárias. Os donatários das capitanias, por sua vez, tinham a prática de dividir suas terras em partes menores, que eram as sesmarias, repetindo a prática de concessão.

A historiadora e pesquisadora Maria Nelma Carvalho Braga, autora do livro  O município de São Gonçalo e sua história” – Ed. Apologia Brasil,  fez uma interessante linha do tempo que eu recortei (anexo) da minha edição (terceira edição, ainda independente).

Li a notícia, não posso confirmar, que com os seus trabalhos a pesquisadora conseguiu que a Prefeitura oficializasse a data de 6 de abril, data da entrega da Sesmaria a Gonçalo Gonçalves, em 1579, como marco fundante da cidade.







 

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Bips, Walk Talkies e Meio ambiente

 

Opinião

 

O caso dos bips e intercomunicadores no Líbano e na Síria, de uso do grupo Hesbolah, e que foram explodidos supostamente pelo governo de Israel, são apenas partes visíveis de tantas outras atrocidades bélicas que ocorrem quase cotidianamente e que fogem da nossa imaginação.

As tragédias visíveis, que alcançam as manchetes internacionais, trazem incertezas e inseguranças para as sociedades adjacentes às sociedades alvos, e provocam assombro e curiosidade naquelas mais distantes. Porém, em um e outro caso, o mais comum é que passem a ser banalizados em prazos cada vez menores .

Neste contexto, parece ser uma expectativa inútil e ilusória apostar que uma espécie sequer cuida de si, que se automutila e se autodestrói, na escala em que estamos presenciando, venha a ter algum tipo de cuidado com a preservação da natureza, do meio ambiente e do planeta como um todo

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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

História de vinho e fogo

 Leituras para distrair

 

Nesses tempos de insuportáveis securas e queimadas, lembrei uma experiência que já contei algumas vezes, mas não lembro de ter registrado. Uma viagem em Rondônia, anos 80,  seguindo a rota de rádio da Embratel. Fazíamos um percurso de retorno, desde a cidade de Vilhena, sul do estado, passando por Ji-Paraná, até a capital Porto Velho.

Tomando-se como referência o lado brasileiro (Rondônia faz fronteira oeste com a Bolívia),  Vilhena é, ou era, a entrada na região amazônica para quem chega do Sul através do Mato Grosso. Talvez a principal cidade ao sul de Rondônia, na época um estado recém-criado. Para os caminhoneiros, as enormes antenas de tropodifusão da Embratel em Vilhena eram uma referência. Um portal da Amazônia.

A rodovia era ladeada pela floresta em ambas as margens, e seguíamos  desconfortáveis em uma Kombi durante a noite.

Muitas queimadas. O aeroporto de Porto Velho interditado parte do tempo devido a fumaça. A viagem foi assustadora para mim, porque viajamos  atravessando um corredor de fogo durante enorme parte do percurso. O motorista e um acompanhante local viam tudo com naturalidade. Eu me cagava de medo.

As queimadas eram bem afastadas da estrada, mas à noite pareciam próximas e que avançariam sobre nós. O que se via era como dois intermináveis paredões de fogo margeando a estrada, uma visão assustadora que não esquecerei.

Em dado momento, em meio aquele vazio total, deparamos com um posto comercial de parada. Era um restaurante e tinha também outros serviços, mas durante a madrugada estavam fechados, apenas o restaurante aberto. Paramos e eu ansiava por uma bebida que não fosse água nem refrigerante ou suco. O restaurante era grande, de propriedade e administrado por um casal. Foi quando aconteceu o fato inesquecível e razão das lembranças e desse registro.

Eu esperava algo como uma cervejinha mambembe e choca quando a dona abriu uma geladeira – querosene – e sacou uns belos vinhos gaúchos e gelados. Era madrugada, mas a cozinha produziu deliciosos bifes que fizemos desaparecer embalados pelo vinho. Conversa vai e vem, soubemos que o casal era paranaense, uns dos tantos sulistas que ocuparam aquela região da Amazônia. Eram muitos deles.

A parada e o encontro foram agradabilíssimos. Hoje sinto frustração por não ter registro preciso sobre o local ou trecho da viagem. Difícil imaginar que não existia celular e nem  máquina fotográfica disponível naquele momento. Mas, ficou a memória, ainda que com suas imprecisões. Retomamos nossa rota. O fogo já não pareceu tão assustador. Chegando em Porto Velho deveríamos seguir para Rio Branco, no Acre, mas esperamos ainda um ou dois dias até que houvesse condições de voo proibido pela fumaça.

Em tempo: Esses fatos ocorreram na viagem de retorno. Eu escrevi (em 2018) sobre a viagem de ida, num texto que dei o título “ Múmias Incômodas. ” Para quem se interessar, o link é:

https://blogdojorsan.blogspot.com/2018/09/mumias-incomodas.html

sábado, 7 de setembro de 2024

Democracia e Comunicações

 Opinião

Para a galera historicamente engajada no projeto de democratização das comunicações que se estruturou efetivamente no combate contra a privatização das telecomunicações, a atualidade tem demonstrado o enorme prejuízo da desmobilização sindical pós desmonte e venda do sistema Telebrás.

Ao lutar pelo monopólio e pela garantia de um sistema público de telecom , tínhamos uma visão nítida e acertada sobre o valor estratégico das redes, incluindo as tecnologias sem fio e de satélites - que eram o objeto de disputa naquele momento.

Já fazíamos conjecturas sobre as possibilidades futuras dos ainda infantis serviços de comunicações de dados, como eram chamados por nós, embora naquelas décadas de 80 e 90 do século 20 ainda estivéssemos anos-luz distantes e sem a noção do que viriam a ser as redes e serviços criados na camada de aplicações da teleinformática, como a própria internet  e, notadamente, as atuais redes sociais.

Infelizmente, a degradação da organização sindical arrastou consigo os poucos núcleos então formados ou ainda em formação que agregavam às suas opções ideológicas conhecimentos profissionais e capacitação técnica,  certamente úteis na formulação e sugestão de pautas de intervenções, de mobilizações e de lutas por políticas de democratização das comunicações.

Não dá pra voltar a roda do tempo, nem cabe lamentar leite derramado, mas a reflexão nunca será demais e sempre contribuirá para o nosso aprendizado.

O estado da arte das tecnologias, a inclassificável concentração de riquezas, e o surto neoliberal  das privatizações trouxeram-nos ao cenário atual:  as big techs e suas redes, até mesmo um indivíduo, caso notório da rede X, ameaçam e disputam o poder com os Estados nacionais.

Aquilo que antes era tido como papo ininteligível de “ingênuos” tecnicistas, hoje é um poder que se materializou na realidade cotidiana com potencialidade e velocidade de transformações assustadoras.

Tal poder ameaça as estruturas das organizações sociais quando não destrói ou suprime valores e direitos fundamentais para um projeto de independência,  emancipação e libertação da humanidade.

A consigna “a luta continua” – desprestigiada - até parece brincar ironicamente conosco, mas sem outra eu continuo com ela. (Jorge Santos – Rio, 06/09/2024)

domingo, 1 de setembro de 2024

Uma revolta sem heróis

 

Leituras para distrair

 

No século 17 ou no Seiscentos ainda não existiam “brasileiros”. O conceito de identidade nacional é relativamente recente, mesmo no resto do mundo. Naquela época tinha dinastia, rei, império, donatários, metrópoles, colônias etc. A produção de cachaça no Brasil prejudicava os interesses da metrópole portuguesa que emitiu uma Carta Regia proibindo a fabricação e comercialização do produto por aqui, na colônia.

A proibição emputeceu a galera do agro fluminense que se desenvolvia no outro lado da baía de Guanabara em relação à cidade do Rio de Janeiro. Nada pop, senhores de terras e escravos,  mancomunados na atual cidade de São Gonçalo, que então era uma freguesia, organizaram-se a partir da região onde hoje é o bairro Gradim. Atravessaram a poça e promoveram um sapeca iá iá  na cidade do Rio de Janeiro, invadindo a Câmara de Vereadores, depondo o governador interino (o efetivo estava em São Paulo), assumindo o governo da capitania e conseguindo, mais tarde,  revogar as proibições.

A proibição da Coroa portuguesa foi em 13 de setembro de 1649, mas só dez anos depois, em 1659, o governador da ocasião resolveu fazer valer a determinação que seus antecessores ignoraram. O sapeca iá iá aconteceu em 8 de novembro de 1660 e a revogação das proibições foi conquistada em 18 de junho de 1661.

Recentemente, ano de 2021, nosso Congresso aprovou a instituição do dia 13 de setembro como o Dia Nacional da Cachaça, embora, curiosamente, a justificativa do projeto de lei (5428/09) esteja errada em relação às datas dos acontecimentos, mas o projeto vingou.

A Revolta da Cachaça não teve heróis. Foi iniciativa de proprietários de terras, contudo, segundo um importante jornalista e historiador sobre a época (Vivaldo Coaracy) as narrativas reduzem a participação popular que já acumulava descontentamentos com a corrupção do governo (aqui uma novidade: o governador do Rio de Janeiro era corrupto).  Segundo Coaracy:

"... Foi uma verdadeira revolução, em que pela primeira vez no Brasil o povo rebelado depôs um governador ... o simples fato da cidade ter durante seis meses se governado a si própria, exercendo todas as funções administrativas e legais, é suficiente para caracterizar a importância desse movimento.”

A produção e o consumo da cachaça acompanharam o curso do desenvolvimento econômico no Brasil. A produção de açúcar no Nordeste e Sudeste;  a extração do ouro avançando pelos confins mineiros; depois as práticas dos imigrantes açorianos, italianos e alemães que se repetiram no Sul. E a cachaça instituiu-se em todo o país como elemento de uma “cultura brasileira”, parte da nossa identidade, embora pagando o preço dos recalques e discriminações por sua origem popular.

Segundo Câmara Cascudo:

...a banalização da cachaça foi o segredo-motor de sua sobrevivência. Ficou com o povo, não mais numa quinta fidalga do Minho, e essa força obscura garantiu-lhe a contemporaneidade funcional.”

Gosto dessa interpretação do pesquisador. Com interesses finais e papeis distintos, hoje há um conjunto diverso de atores que trabalham para superar as discriminações e divulgar a cachaça de qualidade como bem cultural, agora brasileiro. A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro está engajada nesse projeto há 30 anos.

 

13 de setembro – 2024 – Dia Nacional da Cachaça

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Copo Furado - 30 anos

 

Leituras para distrair

 

Vem cá Brasil, deixa eu ler a sua mão, menino. Que grande destino reservaram pra você. E o Brasil cresceu tanto que virou interjeição. Lá lá lá lá lauê. Fala Martim Cererê

Martin Cererê é um poema ufanista (1928) que o Zé Katimba, em 1972, musicou em um lindo samba enredo para a Imperatriz Leopoldinense,  e que foi tema de muitas controvérsias.

A letra do samba diz que a expressão “ Brasil! ” se tornou uma interjeição de emoção positiva. As chamadas dos programas esportivos da Globo confirmam isso.

Controvérsias à parte, são fenômenos da linguagem. Autores e personagens literários deram origens a adjetivos. Termos como  dantesco, maquiavélico, quixotesco, kafkiano, orwelliano incorporaram-se ao nosso linguajar com maior ou menor popularização. E um desses termos que já foi super popular  é “ balzaquiana ” . Um adjetivo feminino referido originalmente às mulheres com idades em torno dos trinta anos ou passadas deles.

O francês Honoré de Balzac, lá pela metade do século 19, em seu romance “ A mulher de trinta anos “ tornou públicas questões que eram veladas pela moral de sua época. A inutilidade social e frustrações da mulher que atingia os trinta anos, auge de sua maturidade, sem cumprir as formalidades sociais obrigatórias de casamento e constituição de família.

Balzac expôs a opressão que sofriam as mulheres com a interdição de expressarem suas emoções, sonhos e desejos. Infelizmente a caricatura misógina prevaleceu no uso do termo.

Hoje a referência dos trinta anos das mulheres tornou-se quase caricata e foi deslocada na escala etária, contudo são muitos os interditos da época que permanecem e ainda obrigam e mobilizam a organização política feminina.

A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro, em  agosto de 2024, aos seus trinta anos, se faz balzaquiana de maturidade e experiência.

Porém, diferente da personagem Julia d’Aiglemont de Balzac, a Copo Furado celebra, manifesta e proclama seus sonhos e projetos. Ousadia! A Copo Furado chega aos seus trinta anos exuberando vontades e possibilidades, longe da personagem de Balzac.

A Confraria busca ser um centro convergente de pessoas com projetos em torno da divulgação da cachaça de alambique em diversas dimensões, cachaceiros assumidos que expressam suas preferências sem admitir  constrangimentos que não sejam aqueles auto impostos por suas finalidades.

Uma situação inusitada. Poucas áreas de interesse comercial nesse universo capitalista  contarão com uma " confraria " que trabalha para o fortalecimento dessa área sem outras motivações.

Tomara que continuemos assim. Até arrisco dizer que a Copo Furado está criando um novo significado para a expressão Confraria de Cachaça. Gosto disso. Beber unidos é um prazer enorme e sozinhos também! ### (Jorge Santos – Rio, 17/08/2024)

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Vera e Lili

 

Leituras para distrair

 

Uma das canções da ópera rock The Wall  do Pink Floyd chama-se “Vera” onde o personagem Pink pergunta sobre a cantora Vera Lynn cobrando dela a  promessa de uma de suas canções: um reencontro num dia ensolarado.

Vera Lynn foi uma cantora britânica que morreu velhinha, em 2020, com 103 anos. Ela foi uma referência durante a segunda guerra mundial quando a sua interpretação da canção We’ll meet again (Nós nos encontraremos outra vez), fez sucesso entre as tropas e se tornou um ícone da memória daqueles tempos.

Eu sei que nos encontraremos novamente em algum dia ensolarado. Sorria como você sempre faz.  Até que o céu afaste para longe as nuvens escuras. Nos encontraremos novamente. Não sei onde, não sei quando, mas eu sei que nos encontraremos novamente em algum dia ensolarado

## (tradução livre de trechos da canção We’ll meet again)

Acho interessante que nos caldos de tantas tragédias e estupidezes humanas ainda sobre esse tipo de lembrança, coisas tão bonitas.

Do mesmo período trágico ficou a lembrança de Lili Marlene. Uma poesia feita por um soldado alemão durante a primeira guerra (1915) que foi transformada em canção em 1938 e usada pelo ministério nazista da propaganda, já na segunda guerra mundial, para elevar o moral das tropas (transmissão via rádio e reprodução por alto-falantes).

O curioso é que a canção, captada e ouvida também pelos combatentes do outro lado das trincheiras, fez sucesso entre as tropas aliadas, a ponto dos nazistas suspenderem as transmissões e proibirem a reprodução da canção gravada originalmente pela cantora Lale Andersen. Mas, ela fez tanto sucesso que as tropas alemães questionaram a censura, e a propaganda aliada bancou uma gravação e passou a divulgar uma versão com Marlene Dietrich que arrebentou a boca do balão.

Nossas duas sombras pareciam uma só e todos percebiam nosso amor, toda a gente ficava a contemplar quando estávamos junto ao lampião, como outrora, Lili Marlene. O lampião reconhece teus passos, teu belo caminhar. Ele ilumina tudo na noite, mas há tempos esqueceu de mim. E se algo me acontecer, quem vai estar junto ao lampião com você Lili Marlene?

## (tradução livre de trechos da canção Lili Marleen)

Lili Marlene fez sucesso no mundo inteiro com várias versões, inclusive uma em português sob a óptica de um pracinha da FEB que é muito legal.

As várias gravações, versões, curiosidades, histórias e registros oficiais com nomes e datas podem ser encontradas na web. Para quem se interessar eu recomendo ouvir as gravações originais de We’ll meet again com a Vera Lynn e de  Lili Marlene com a Lale Andersen. Eu acho emocionantes. Claro, também sugiro a ópera The Wall – saber porque o personagem Pink buscava e cobrava a promessa da Vera Lynn.

Sobrará alguma coisa bonita nesses caldos fedorentos de Gaza, Ucrânia, Síria, Iêmen, Sudão, Etiópia, Somália, Mianmar entre outros? Consta que são mais de 30 conflitos armados no mundo, neste momento, em 2024. Sobrará alguém para ouvir e cantar?

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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Futuro duvidoso, vejo grana, vejo dor.

 Leituras para distrair

O boteco próximo onde gosto de bebericar umas cachaças acolhe torcedores  de futebol e tem vários telões que são atrativos de clientes. Eu não tenho qualquer relação com esportes, mas gosto de observar a galera quando isso é possível. Apenas curiosidade.

Constato que houve uma mudança especial no comportamento dos expectadores.  Antes a galera se agrupava quase exclusivamente como torcida  que, em coro, gritava, xingava, comemorava ou lamentava os lances da partida. O interesse era pelo desempenho do seu clube ou por resultados de outros jogos que pudessem afetá-lo. Mas, isso mudou, e muito.

A tecnologia arrombou as porteiras das proibições existentes com a possibilidade das apostas virtuais – as BETs (do inglês “to bet” – apostar) - onde os banqueiros são corporações com centro de comando fora do país. Assim, se antes a galera ficava bestificada (meu juízo) diante das telas, agora ela fica BETficada.

As BETs tomaram conta das torcidas. Menos interessada no jogo em si, a assistência fica trocando informações (daí eu saber) sobre suas apostas. Quem apostou em “que”, “quem”, “quando”, “onde” ?

Nos botecos, além dos clientes, os garçons e garçonetes, a moçada dos balcões e até da cozinha, todos fazem paradinhas possíveis em frente a tela mais próxima na expectativa de faturar a aposta que fez. É de impressionar a quantidade de participantes. Afinal, no Brasil as apostas mobilizam um mercado que em 2023 foi estimado em mais de R$ 120 bilhões. Bilhões, com “Bi”.

Até onde observei, sou um dos poucos não apostadores. Nenhum mérito por isso. Apenas não tenho o hábito de apostar. Felizmente! Acho que sou um viciado potencial, então não participo de jogos, e nestes tempos de BETs já considero uma sorte enorme. ###  (Jorge Santos – Rio – 01/08/2024

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Genocídio – Descarte de inservíveis para o capitalismo

 

Opinião

Insisto na avaliação que não se dará qualquer passo importante no avanço das políticas progressistas sem uma manifestação explícita do fim do capitalismo como meta. É verdade que aqui ou acolá aponta-se os males do capitalismo, mas quase sempre sem negá-lo, como se houvesse a alternativa de um capitalismo bom no lugar de um capitalismo ruim. Não há isso! Será o fim do capitalismo ou a barbárie que, aliás, já se manifesta.

Os agrupamentos da esquerda hesitam em apontar com clareza que o grande empecilho de uma evolução sociopolítica progressista é o capitalismo e suas determinações, incluindo as atuais democracias liberais. Suas manifestações sugerem a possibilidade de um capitalismo domesticado, e a única expressão que aparece como proposta concreta e sem tergiversações é:  "resistir". Isso é pouco, muito pouco.

As populações mais carentes estão descrentes das propostas políticas da esquerda. Já perceberam que elas não são alternativas para modificar efetivamente suas situações e, assim, respondem equivocadamente ao toque de chamada fascista que convoca para a derrubada de todas as estruturas sociais embora elas, as populações carentes, sejam os verdadeiros alvos e principais vítimas dessa escolha. Preferem arriscar.

Veja-se o caso do Brasil. O governo Lula empenhado em realizar os seus compromissos de frente ampla, desdobra-se em malabarismos para ajustar o inajustável, isto é, as desejadas metas sociais versus as insaciáveis buscas de ganhos das organizações capitalistas e dos seus representantes parlamentares.

O governo até tenta se justificar para a população, mas erra quando cede às barganhas parlamentares sem denunciar e desnudar a farsa que se desenrola no palco político. Pior do que isso, não aponta com clareza para a população uma alternativa de transformação real do quadro atual. Quem propõe sem constrangimentos mudanças revolucionárias é a direita fascista.

A maior parte das correntes de esquerda ou, genericamente, as correntes progressistas confundem o apoio ao governo com a obediência acrítica e quase religiosa  às suas decisões. Negam ao presidente a possibilidade de ouvir opiniões de fora de sua bolha de apóstolos. Isso é messianismo puro, situação catalisada pelas características pessoais e personalidade do presidente. Sem essa crítica, assim como em outras partes do mundo, seguem perplexos diante do avanço da extrema direita. E não nos iludamos com os resultados recentes na Inglaterra e França, positivos, sem dúvidas, mas não revertem o avanço reacionário.

Genocídios. Guerras. Não estão ocorrendo por acasos, coincidências ou idiossincrasias de dirigentes políticos caricatos ou de líderes religiosos fanáticos. As determinações do capitalismo não incluem carregar consigo uma massa humana que deixou de servir aos seus propósitos em decorrência dos ganhos tecnológicos na produção. A solução é o descarte. E essa é a função do fortalecimento e propagação da ideologia e dos agrupamentos de extrema-direita. Esse movimento prosseguirá porque ele faz parte da lógica capitalista cujas corporações sustentam financeiramente suas atividades. Ele crescerá enquanto os movimentos progressistas, de esquerda ou quaisquer que sejam suas designações, não assumirem que as soluções para os enfrentamentos passam imperativamente pela explicitação da luta pelo  fim e superação do capitalismo. Passam também por se desavergonharem de falar em socialismo, comunismo ou revolução. Mas, cá pra nós, nem todos querem isso, talvez ainda por medo ou, quem sabe, por convicção.

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sábado, 22 de junho de 2024

Escolha difícil

 

Leituras para distrair

 

Hoje gozei meu privilégio de morar na Praia do Flamengo, frente para o mar e em local com fácil travessia das pistas de rolamento do Aterro. Semáforos e  passarelas em frente ao meu prédio permitem e acesso a parte especial da praia com quiosques, barraquinhas, posto de salva vidas etc.

Com o recente desvio do Rio Carioca, que agora despeja suas sujeiras diretamente no interceptador oceânico em vez de fazê-lo na Praia do Flamengo, a praia está quase despoluída, e uma conjunção de eventos  climáticos favoráveis de ventos e marés - noticiados nos jornais – tornam as águas claras e sem detritos. Um passeio na praia e mesmo um eventual mergulho são um prazer especial, como eu disse antes: um privilégio.

Com a audição congestionada de ouvir Chico Buarque por conta da passagem do seu aniversário e da quantidade incontável de mensagens anexando suas composições, cada uma mais bela que a outra, envolvi-me num clima de alegria, felicidade e presunção de conviver uma geração especial de poetas musicais inigualáveis como Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro, Cartola e Chico Buarque.

Mas, o inusitado e que justifica essas anotações é que toda aquela atmosfera de sublime Caribe Carioca pareceu desmanchar no ar ao ouvir os sons musicais emanados das barraquinhas e quiosques. Chico, Cartola, Aldir e Paulo Cesar são ilustres desconhecidos naqueles espaços.

Faço um esforço permanente para não fazer coro ao discurso equivocado do tipo: “já não se faz música como antigamente”. Não endosso esse discurso, compreendo as distancias entre as gerações, as experiências distintas, contextos e , naturalmente, as produções e relações artísticas. Mas, tô fora! Salvo nichos especiais que tenho acesso, a maioria das coisas que ouço são feias e sem graça para o meu gosto musical. Pior para mim!

As bolhas de comunicações e os hiatos geracionais são uma realidade que deve ser compreendida para que não caiamos na mesmice do conservadorismo ou, pior, do reacionarismo. Talvez eu esteja na praia errada, mas, ainda assim,  não deixo de imaginar como seria prazeroso se o som de fundo nas barraquinhas do Flamengo fosse alguma composição do Chico. Qualquer uma porque certamente ela me faria lembrar outras e eu seguiria cantarolando mentalmente, sonhando esse sonho impossível de desafiadora auto interrogação: tentar responder qual a minha preferida composição do Chico?  

### (Jorge Santos – Rio, 21/06/2024)

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Qualquer preço?

 Opinião

Precisamos garantir a governabilidade do governo que elegemos, e pagamos um preço por isso”. Com argumentos iguais ou similares, essa tem sido uma justificativa recorrente de alguns militantes diante de certas ações ou omissões do governo Lula quando pressionado pela direita política.

Contudo, vale perguntar: devemos pagar qualquer preço? E na sequência da pergunta: como saber se devemos pagar, qual é o critério?.

Tomemos como exemplo a atual investida da bancada de estupradores do Congresso e a intimidada reação governo Lula. Felizmente a mobilização popular arrefeceu o avanço dos parlamentares estupradores, embora sem calar suas intenções porque a proposta está mantida, e também forçou o governo se manifestar, embora tardiamente.

Parte do ministério governamental chegou a se manifestar, mas não autorizados a falar em nome do presidente - como se isso fosse necessário nesse tipo de questão. Lula, no exterior, inicialmente disse que teria que tomar mais conhecimento do assunto – como se a questão fosse uma novidade para ele. Quem não te conhece que te compre! Diria minha avó.

O seu representante na Câmara dos Deputados, quando questionado respondeu que “essa não é uma questão de governo”. Enfim, Lula atuou com as mesmas referências do comando de estupradores da direita que apostou em passar a boiada sem mobilização popular e foi surpreendido. Lula pisou na bola e pisou feio, outra vez teve uma reação de cagão.

Não há um consenso sobre o Lula cagão, nem eu trato essa questão como um atributo ontológico do presidente. Para mim é circunstancial e uma avaliação objetiva do governo deve decorrer de como ele responde às demandas que lhes são colocadas pela conjuntura política e não por minhas simpatias, empatias ou admirações por seus reconhecidos méritos. Dou mais valor à questão inicial:

Devemos  deixar de reagir às questões dessa ordem em nome de uma suposta garantia de governabilidade  e de evitar um impeachment? Qual deve ser o critério que determinará o sim ou não diante destas questões?.

A resposta é que só os fins justificam os meios, contudo não se justificam os meios que contradizem os fins que eles visam alcançar Esse é o critério!

Não dá para governar “esquecendo” os crimes da ditadura contra a população com a justificativa da garantia de um governo progressista e de representação popular. Assim como não dá para governar endossando o avanço de uma bancada de estupradores contra crianças e meninas mulheres em nome da garantia de um governo que teria como princípio justamente a defesa, a liberdade e a garantia de direitos dessas mesmas meninas mulheres. Isso é um contrassenso!

Essa prática contradiz o fim que ela diz querer alcançar. É um absurdo lógico e político! Não dá para praticar um governo escroto com a justificativa de garantir um governo que supostamente não seria assim.

Trata-se de um governo de alianças, então todas as questões terão esse caráter? Certamente não! Possivelmente o governo será uma sequência de concessões aos seus propósitos programáticos, mas há um limite, e esse limite são princípios que nem precisam ser enunciados, eles afloram na dinâmica dos embates. Não deverá haver contradições entre os meios e os fins.

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sexta-feira, 14 de junho de 2024

Uma bancada de estupradores

Opinião

Esse assunto PL do Estuprador não deveria ser deixado esquecer com o arquivamento, retirada de pauta ou coisa que o valha. O ideal seria que a mobilização que embotou o projeto se voltasse agora para marcar a ferro e fogo os seus autores e patrocinadores. 

Basta de consumir energias classificando a escrotidão do projeto, o que foi dito até aqui tem sido suficiente para denunciar a sua natureza. É preciso, contudo, apontar os canhões da indignação e repulsa para desvelar os seus autores, e para carimbá-los de tal forma que suas faces e nomes não consigam ser vistos, lidos ou pronunciados sem que sejam associados ao crime que executaram. 

Essas figuras não deveriam ficar impunes sob pena de se esconderem até sob outros crimes que certamente cometerão mais adiante. A punição deveria  ser  rebatizá-los acrescentando um apêndice, um identificador político. Por exemplo: O Eduardo, o Nicolas, a Bia, a Carla, o Escambau da PL do Estuprador. 

Também não dá para deixar ser levada pelo entusiasmo das mobilizações e passar batida a postura do governo Lula que fingiu que o assunto não era com ele. Como o vizinho inocente do Bezerra da Silva "...nasceu ai, não sou agricultor, desconheço a semente... " 

Outra vez cagão, Lula escondeu-se sob a autoridade de alguns dos seus ministros (de utilidades eventuais) que denunciaram o projeto, mas sem o endosso do chefe do governo nem autorizados a falar em seu nome. Cresce o número de situações em que o governo Lula assume essa postura. Está virando prática. ###

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Mísseis de Cuba e a inundação do Guaíba

Leituras para distrair


O colégio da minha neta, buscando integrar os alunos (crianças) aos eventos do RS, propôs como atividade que elas escrevessem cartas a um coleguinha imaginário riograndense. Os textos são emocionantes.

Guardadas as proporções e contextos, esse fato me fez pensar sobre como as crianças sentem ou percebem esses momentos de apreensões e angústias coletivas, e me fez lembrar da minha incompreensão e dos colegas, quando meninos, durante a crise dos misseis em Cuba e da ameaça de uma guerra atômica no ano de 1962.

Eu tinha 11 anos, iniciava o ginasial, e lembro do esforço de um determinado professor tentando explicar o significado das notícias que ocupavam todos os espaços da imprensa de então. A partir dessas lembranças, venho tentando imaginar como as crianças atuais do meu convívio estão absorvendo essas informações que anunciam um mundo sem perspectivas que não sejam tragédias.

Os fatos são trágicos e cotidianos e as versões são várias, umas consistentes outras com falsidades oportunistas. Gaza, Ucrânia, além de outros, e agora Rio Grande do Sul cujas inundações estão arrastando consigo o tema sombrio do aquecimento global e o esperado aumento da frequência das crises climáticas agudas. Sem contar a já quase banalizada tragédia das periferias brasileiras.

Alguém lembrará que enquanto as “minhas” ainda estão protegidas, há crianças que já estão sendo vítimas diretas desses acontecimentos. Replico: com toda razão! Não sei o que dizer.

No meu caso, por razões diversas não tenho conversado esses assuntos com os meus netos. São crianças de 8, 10 e 12 anos que independentemente das nossas vontades e apesar das blindagens que façamos são expectadores e ouvintes quase permanentes das notícias, além de potenciais personagens ou vítimas desse teatro dantesco. Não imagino como eles estão percebendo esses cenários.

Vivemos uma época em que a internet nos faz pensar que as crianças sabem tudo, e talvez saibam mesmo, no sentido de ter acesso a praticamente todas as informações – elas dominam aplicativos e navegam em redes de informações com mais desenvoltura que muitos de nós (do que eu, pelo menos). Contudo, como elas estarão introjetando essas informações? Quais serão suas dúvidas, angústias e inseguranças? Minha entrada na adolescência foi na Guerra Fria e eu tinha muito medo da tal bomba atômica.

Penso também que o ser humano tem certas defesas que são ativadas em situações extremas. Uma dessas defesas é a banalização dos eventos como forma de não sofrer com eles. Quem sabe, tais defesas sejam ativadas nas crianças que passam a ver as tragédias como fatos corriqueiros e que dispensam a solidariedade, aliás, o capitalismo cuida bem disso. A indústria do entretenimento cuida de misturar a ficção com a realidade de um futuro distópico. A nova temporada desta série eu não assistirei, a natureza cuidará disso.

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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Não haverá sustentabilidade no capitalismo

 Opinião

Sou completamente descrente em relação aos movimentos que buscam um certo “desenvolvimento sustentável”. Não nego que sejam iniciativas bem intencionadas, nem as rejeito, mas elas se incluem nas expectativas de transformações através da “educação”, palavra mágica apontada recorrentemente como panaceia para todas as nossas dificuldades.

Alterar o quadro absurdo onde a espécie humana parece caminhar desenfreadamente em direção a auto extinção implica numa troca de valores sociais por outros que conflitam diretamente com os da sociedade capitalista, e nenhum sistema educacional capitalista realizará essa tarefa porque não há como mudar o processo educacional sem uma correspondente mudança nas relações sociais.

Conforme exemplifica o filósofo húngaro István Mészáros, a propósito das funções e limitações do sistema educacional, seria um absurdo imaginar no ambiente da antiga ordem feudal um sistema educacional que considerasse a hipótese de submissão da classe dominante de então pela dominação dos servos como classe.

“... Podem-se ajustar as formas pelas quais uma multiplicidade de interesses particulares conflitantes se deve conformar com a regra geral preestabelecida da reprodução da sociedade, mas de forma nenhuma se pode alterar a própria regra geral.” [MÉSZÁROS, István, A educação para além do capital. – Editora Boitempo, 2008 ]

Da mesma forma, é um absurdo esperar que o sistema educacional vigente considere a hipótese do fim da exploração do homem pelo homem que é o sustentáculo da sociedade capitalista e  condição absolutamente necessária de ser superada para que as relações sociais se estabeleçam em um patamar superior, isto é, o fim da exploração do planeta como propriedade privada.

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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nada a ver com Pixinguinha

 Leituras para distrair

O atendente serve a cachaça usando um dosador, mas deixa que o líquido transborde por alguns segundos, o volume servido é maior que a dosagem prescrita. Em outras situações o próprio copo faz o papel de dosador, não há como transbordar, então o atendente serve uma porção bem menor que o volume do copo, espera que o cliente beba, e reinicia o enchimento do copo desconsiderando a porção servida inicialmente. Há casos de inversão no procedimento, o copo é cheio totalmente, o cliente beberica uma pequena porção e o atendente volta a servir, completando o volume que foi consumido.

São práticas comuns no serviço de alguns destilados, particularmente no serviço da cachaça, meu interesse, e tais práticas que são costumeiras na região do Rio de Janeiro recebem o nome de CHORO.

Em alguns estabelecimentos isso não é possível porque sobre a garrafa é aplicada uma fita que marca as dosagens pela altura do líquido o que impede o procedimento. Mas, isso é típico no serviço do uísque, não é muito comum no caso da cachaça. Ao contrário, é mais comum que o atendente, quando o copo permite, sirva doses generosas a seu próprio arbítrio. A meu juízo isso  é um sinal que fala mais sobre a desqualificação da bebida pelo próprio atendente do que sobre a sua generosidade para com o cliente.

Já vi essas práticas em outras regiões, até  fora do país, e não sei afirmar se o choro é uma prática generalizada, nem conheço outros termos. Mas, o meu universo são os botecos que frequento, e entre uma dose e outra eu relaxo imaginando sobre qual terá sido a origem da prática do choro e porque “choro”?

Naturalmente estou falando de divagações alcoólicas, nada a ver com análises antropológicas, mas lembro que certas teses apontam práticas e hábitos culturais como decorrentes de necessidades de organização social que foram sedimentadas pelo tempo. Sob essa óptica, quais teriam sido as raízes e motivações da prática e designação do “choro”?

O termo decorreria da relação de sinônimos entre os verbos chorar e apelar? Chorar por mais bebida? Sempre achei essa interpretação muito óbvia, mas, ainda assim, compartilho minhas especulações e paro por aqui, sem choro. ### (Jorge Santos – Rio, 25/04/2024)

terça-feira, 23 de abril de 2024

Santo Amâncio

 Leituras para distrair

Rolava uma história em minha família cuja memória sempre tentei recompor. O meu nome, desde que nascido menino, estava decidido por uma determinação do meu pai e seria o nome do santo do dia. Se fosse menina, a história era outra.

Hoje existe o Google, mas durante quase todo o século passado a referência eram os calendários católicos com os nomes dos canonizados pela igreja em cada dia do ano. Suponho que nas coincidências a escolha deveria ser da editora que publicava os calendários cujo nome popular era "folhinhas", e o santo da folhinha  no dia 8 de abril era (ainda é) um tal de Santo Amâncio. Logo estava determinado o meu nome que não contava com a aprovação da minha mãe.

Nunca resgatei os fatos completos, foi história aprendida ouvindo a repetição de conversas e brincadeiras de família.  Uma versão é que se tratava de uma sacanagem (o termo atual é trollagem) do meu pai para com a minha mãe que nunca aceitou o nome do santo da folhinha. Enfim, constava que o meu pai saiu para registrar um Amâncio e retornou do cartório com a certidão de registro de Jorge, uma decisão que contou com a aprovação da família e que não teve nada de surpreendente considerando que se tratava de um filho de macumbeiro nascido em abril.

Em minha experiência Jorge sempre foi uma espécie de nome protetor, embora muito comum em minha geração. Um nome que ainda carrega consigo um imaginário religioso muito considerado e respeitado. Por aqui, na região sudeste, o mito de São Jorge é fortíssimo,  o mito antes da santidade na medida em que ele é sincrético das mitologias católica, umbandista e macumbeiras em geral, além de outras que inundam esse nosso país de tradições culturais tão diversas. Os xarás dos meus tempos usufruíram desse fato peculiar, uma proteção pelo nome. Jorge nunca foi nome para se brincar.

Ateu, não tenho fé religiosa, mas gosto de me sentir devoto dessa imensa legião que reza e bate tambor para festejar o seu protetor, como diz a canção. Hoje acordei com a salva de fogos às 5 horas da manhã. Coisa boa. Salve Jorge!

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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Mais do que Abril, precisamos um ano vermelho

 Opinião

O governo atual decorreu de um acordão e está em disputa (embora essa visão não seja consensual). Ocorre que as batalhas dessa disputa estão ocorrendo em espaços onde os trabalhadores e as organizações sociais não participam, e como as nossas representações parlamentares não são suficientes para os enfrentamentos, tomamos uma sova.

Além do mais, as representações da direita que não têm qualquer projeto para melhorias das condições sociais dão provas cabais que estão dispostas a levar o país  ao limite da degradação em todos os aspectos, haja vista as últimas deliberações no legislativo para solapar os poderes executivo e judiciário.

Trazer o enfrentamento para o campo de lutas que foi conquistado com a eleição do governo Lula é um imperativo lógico, e é nesse contexto que se insere a importância e a necessidade das greves e as ocupações no campo, notadamente a atual greve dos servidores – professores – federais e as ocupações do MST que nesse ano completa os 40 anos de lutas dos Sem Terra e que celebra no dia 17 de abril os 28 anos dos assassinatos de Eldorado do Carajás.

O deslocamento da luta para os espaços dos trabalhadores ocorrerá conforme a intensidade dessas mobilizações e o apoio que elas receberem de outras categorias e grupos sociais. Obviamente a clareza da questão não significa a simplicidade da resposta, mas caberá ao governo, forçado pelas mobilizações, convocar os seus contadores, abrir as planilhas e determinar as movimentações orçamentárias: qual recurso sairá de onde e para onde.

Sem provocar isso, valerá o que está ocorrendo até o momento. Lá, no espaço onde não participam os trabalhadores, a premissa tem sido a exclusão de qualquer alternativa que valorize as necessidades sociais e que não priorize os ganhos das corporações capitalistas. É essa regra que precisamos mudar, e ela só mudará com mobilizações, greves e ocupações. Não há outros caminhos.

É bem verdade que há o chamado _pensamento mágico:_ o míssil já foi lançado, velocidade e direção já estão determinadas, e fechamos os olhos e cruzamos os dedos na expectativa de estarmos contribuindo para que ele acerte ou erre o alvo. Não acho que seja uma boa opção.#####

terça-feira, 16 de abril de 2024

Ponta cabeça ou de cabeça pra baixo?

 Leituras para distrair

 

A partir de 16/04/2024 um mapa-múndi produzido pelo IBGE que tem o Brasil no centro do mundo estará disponível para venda. O IBGE decidiu comercializar essa versão de mapa que inclui os países que compõem o G20 além de algumas informações básicas sobre o Brasil.

Eu achei essa iniciativa legal, mas parte da direita está subindo nas tamancas. Um articulista do site Metrópoles escreveu assim:

É um amontoado de asneiras, mas elas expressam o pensamento entre mágico infantil, claudicante e desonesto do PT e do restante da esquerda brasileira.

Há críticas especificas ao mapa. O tradicional teria duas vantagens: põe as coordenadas 0,0 no centro e não divide continente. O mapa do IBGE corta a Ásia e a Oceania.

Eu gostei da ideia e já tinha simpatia por aquele mapa que inverte as regiões Norte – Sul. O mundo de “ponta-cabeça” (uma expressão paulista), no Rio seria “de cabeça para baixo”. O fato é que num mundo onde acostumamos a acordar querendo saber as últimas notícias sobre as últimas guerras ou qual o último flagelo do nosso país, todo o resto parece ser insignificante. Isso é horrível!

Aprender que a representação cartográfica é uma convenção e que não é determinada por lógica, mas uma relação política, é uma lição importante. Aliás, Greenwich que convencionalmente separa o mundo em oriente e ocidente resultou de uma disputa, até pelo nome, e o símbolo da ONU é um mapa visto do topo (norte).

Há algum tempo presenteei meus netos com globos terrestres de última versão geopolítica. Para estimular o interesse elaborei questões que eles deveriam responder em nossos encontros. É impressionante o número de possibilidades que esse exercício abre.  Meus netinhos responderam carinhosamente, por consideração ao vovô  - que aporrinha cobrando a ocupação do tempo deles com “essas coisas”.

Mas, um deles (são três) ganhou um outro globo terrestre, modernoso, com processador e memória digitais, iluminado e com uma caneta touch screen que, apontada sobre o país no mapa do globo, responde a número enorme de questões – geralmente demográficas, e até toca o hino do país. Novos tempos!. Estou pensando sobre como abordar com eles o assunto das guerras, não bastasse a morte do Ziraldo ###

 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Um alerta dos mestres

 Opinião

 

O que o proletariado conquistava era o terreno para lutar pela sua emancipação revolucionária, mas não, de modo algum, a própria emancipação “

 A assertiva acima está em “ A luta de classes na França de 1848 a 1850 “ (Karl Marx). Ela foi resgatada pelo professor Florestan Fernandes em um texto de 1987 a propósito das conquistas dos operários do ABC e de seus sindicatos na década de 80 do século XX ( Nós e o Marxismo - Ed. Expressão Popular, 2009).

 O professor Florestan complementou: 

Ao enfrentar a ditadura e desobedece-la , o proletariado vergou o arco do despotismo burguês ... e não conquistou outra coisa além do espaço político que abocanhou para lutar como classe plenamente constituída, que exige sua autonomia como e enquanto classe e a liberdade para travar tal luta em todas as direções necessárias “

 Passado tanto tempo, desde Marx e Florestan, impressiona a atualidade dessas observações que são um alerta  quando avaliamos o cenário político recente. As eleições dos governos de liderança petista foram conquistas de espaços de lutas, mas não resumem as lutas em si. Já afirmei outras vezes e reitero que no período pós-eleitoral, equivocadamente, deixamos de atuar como lutadores e passamos a atuar como zeladores do campo que conquistamos.

 Enquanto o neoliberalismo, até mesmo incorporando sem constrangimentos a sua face de extrema direita, avança conseguindo que seus valores atravessem todas as camadas sociais, há uma espécie de trava nas lideranças progressistas que não apontam para suas bases  diretrizes políticas de mobilizações. É o que está ocorrendo no governo atual. Em vez de prosseguir com as lutas no espaço que conquistamos, estamos arrumando a cama para a burguesia capitalista e suas representações políticas deitarem.

 Não deveria ser assim porque  quando as diretrizes políticas são claras, as bases progressistas respondem ocupando os espaços de luta, buscando e fazendo os embates. Vale dizer que muitas dessas bases que têm apoiado os governos Lula nem são petistas.

 Todas as vezes que as lideranças olharam para as bases e acreditaram nelas , elas se mobilizaram e responderam, de formas diversas, mas não fugiram aos enfrentamentos. Até deficiências de comunicação institucionais do governo, do PT e outras são superadas. As bases fazem interpretações, criam mecanismos de comunicação, furam bolhas digitais e combatem.

 Sem contar as eleições petistas anteriores (um histórico a parte), foi assim na mobilização pela liberdade de Lula, na mobilização contra o golpe que derrubou a Dilma, na cobrança dos responsáveis pelos crimes contra Marielle e Anderson,  na sustentação do acordão de 2022,  no caso do questionamento à política de juros do Banco Central, no caso Israel/Palestina, além de outras situações que alguém certamente poderá exemplificar.

 Sim, as frentes de batalha são várias, não há que desqualificar uma diante da outra nem ignorar que há protagonistas e papeis diversos, mas é fundamental ressaltar que tem sido a mobilização permanente das bases que tem sustentado politicamente essas lutas e que tal mobilização decorre quando as bases identificam as diretrizes apontadas com clareza e comprometimento pelas lideranças. Não sendo assim, a pena é um movimento errático e amorfo – o que está ocorrendo.

 Com essa visão não há como deixar de cobrar um governo completamente absorvido nos conchavos parlamentares e que se apresenta mudo para as suas bases. Conquistamos o campo, prossigamos com as lutas! ###