Leituras para distrair
Na
cozinha, embaixo da pia. A cachaça tinha um lugar certo em minha casa. Lá,
ficava a reserva do meu pai, que nunca foi muita. Um ou dois litros,
eventualmente um garrafão de três ou cinco litros. Geralmente pingas fabricadas
nos municípios de Itaboraí e Rio Bonito. Lembro-me de alguns rótulos: Cabeça
Encarnada, Herondina, N. Rodrigues. Os garrafões, sem rótulos, vinham de alguns
sítios da mesma região.
A
minha mãe era quem limitava o excesso de consumo. A regra básica era o meu pai beber
em casa. Algumas vezes o velho chegava meio “chamuscado” do trabalho – uma
pinga com os amigos, mas era raro e, até onde percebi, provocava mais
brincadeiras e piadas do que conflitos. Fazia parte de um anedotário familiar
ao qual mesmo nós, crianças, tínhamos acesso.
Não
lembro, mas terá ocorrido nessa época da infância o primeiro gole. Meu pai e um
tio querido eram amicíssimos e curtiam fins de semana realizando trabalhos
caseiros tipo pinturas, reformas e reparos. Ouviam futebol, molhando as conversas
com umas cervejas e pingas. Bem menino, eu ficava próximo e eles toleravam,
fingindo contar com a minha ajuda. Eventualmente eu era premiado com uma bicada
na cerveja. Um privilégio. Prática incorreta e inadmissível hoje, mas que me
deixava vaidoso.
Adolescente,
vieram as experiências etílicas, como as de muitos meninos: Cuba Libre, Samba
em Berlim, Gim Tônica, Caju Amigo, Fogo Paulista com Fernet, além da cerveja.
Era o que rolava no meu mundo gonçalense. Com uma vaidade típica de moleque
querendo aparecer, aventurava-me numa pinga pura, uma aventura que outros não
ousavam e que abria espaço para a minha exibição.
Amigos
levados em casa conheceram meu pai sempre cordial e camarada. Brindava-nos com
umas doses do seu acervo, e para alguns era a primeira oportunidade de beber
uma cachaça. Já adulto e com filhos foram muitas as oportunidades e felicidade
de lamber umas pingas em companhia do meu pai. Aliás, sem pieguices, bebi umas
doses em nossa última conversa. Ele não podia devido às suas condições de
saúde, no máximo um copinho de cerveja.
A vida me presenteou com essa experiência e lembranças boas. Ô sorte!
Sempre
gostei de beber uma cachaça. O tempo, a maturidade, as experiências e também a
possibilidade econômica permitiram que o gosto fosse aprimorando, reforçando a
preferência e provocando a curiosidade sobre o produto. Assim, descobri outros
aspectos que relacionam a cachaça com a história econômica, cultural e política
do Brasil. Juntou a sede com a vontade de beber. Adoro bebericar uma pinga,
jogar conversa fora ou conversar sobre ela e suas características. Sempre fiz isso com amigos antigos e, mais recentemente, com outros mais novos e participantes da Confraria de Cachaça Copo Furado
do Rio de Janeiro e do Clube Carioca da Cachaça.
A
propósito, essas lembranças vieram por conta de estar lambendo uma em homenagem
e celebração do sexagésimo quinto aniversário do meu querido irmão que é mais
novo e, no momento, mora em local distante. Naturalmente ele teve experiências
distintas, porém, compartilhamos a preferência prazerosa e desfrutamos juntos
esse prazer sempre que possível – beber uma cachaça. Tomara que as
oportunidades ainda sejam muitas. Por ora, parabéns para ele.
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Viva o Sérgio!!! E o carinho que o envolve, imenso, mais que etílico!!
ResponderExcluirFica aí o meu brinde também.
ResponderExcluirEu, meu pai e meus irmãos sempre tomávamos umas cachaças juntos. Hoje é só com meus irmãos.
PS: aqui é o Vicente da EBT BH.
ResponderExcluir"Kuristo" é porque sou maratonista e falante de Esperanto.