sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Primeiras doses e parabéns pra você!


Leituras para distrair
Na cozinha, embaixo da pia. A cachaça tinha um lugar certo em minha casa. Lá, ficava a reserva do meu pai, que nunca foi muita. Um ou dois litros, eventualmente um garrafão de três ou cinco litros. Geralmente pingas fabricadas nos municípios de Itaboraí e Rio Bonito. Lembro-me de alguns rótulos: Cabeça Encarnada, Herondina, N. Rodrigues. Os garrafões, sem rótulos, vinham de alguns sítios da mesma região.

A minha mãe era quem limitava o excesso de consumo. A regra básica era o meu pai beber em casa. Algumas vezes o velho chegava meio “chamuscado” do trabalho – uma pinga com os amigos, mas era raro e, até onde percebi, provocava mais brincadeiras e piadas do que conflitos. Fazia parte de um anedotário familiar ao qual mesmo nós, crianças, tínhamos acesso.

Não lembro, mas terá ocorrido nessa época da infância o primeiro gole. Meu pai e um tio querido eram amicíssimos e curtiam fins de semana realizando trabalhos caseiros tipo pinturas, reformas e reparos. Ouviam futebol, molhando as conversas com umas cervejas e pingas. Bem menino, eu ficava próximo e eles toleravam, fingindo contar com a minha ajuda. Eventualmente eu era premiado com uma bicada na cerveja. Um privilégio. Prática incorreta e inadmissível hoje, mas que me deixava vaidoso.

Adolescente, vieram as experiências etílicas, como as de muitos meninos: Cuba Libre, Samba em Berlim, Gim Tônica, Caju Amigo, Fogo Paulista com Fernet, além da cerveja. Era o que rolava no meu mundo gonçalense. Com uma vaidade típica de moleque querendo aparecer, aventurava-me numa pinga pura, uma aventura que outros não ousavam e que abria espaço para a minha exibição.

Amigos levados em casa conheceram meu pai sempre cordial e camarada. Brindava-nos com umas doses do seu acervo, e para alguns era a primeira oportunidade de beber uma cachaça. Já adulto e com filhos foram muitas as oportunidades e felicidade de lamber umas pingas em companhia do meu pai. Aliás, sem pieguices, bebi umas doses em nossa última conversa. Ele não podia devido às suas condições de saúde, no máximo um copinho de cerveja.  A vida me presenteou com essa experiência e lembranças boas. Ô sorte!

Sempre gostei de beber uma cachaça. O tempo, a maturidade, as experiências e também a possibilidade econômica permitiram que o gosto fosse aprimorando, reforçando a preferência e provocando a curiosidade sobre o produto. Assim, descobri outros aspectos que relacionam a cachaça com a história econômica, cultural e política do Brasil. Juntou a sede com a vontade de beber. Adoro bebericar uma pinga, jogar conversa fora ou conversar sobre ela e suas características. Sempre fiz isso com amigos antigos e, mais recentemente, com outros mais novos e participantes da Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro e do Clube Carioca da Cachaça.

A propósito, essas lembranças vieram por conta de estar lambendo uma em homenagem e celebração do sexagésimo quinto aniversário do meu querido irmão que é mais novo e, no momento, mora em local distante. Naturalmente ele teve experiências distintas, porém, compartilhamos a preferência prazerosa e desfrutamos juntos esse prazer sempre que possível – beber uma cachaça. Tomara que as oportunidades ainda sejam muitas. Por ora, parabéns para ele.
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3 comentários :

  1. Viva o Sérgio!!! E o carinho que o envolve, imenso, mais que etílico!!

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  2. Fica aí o meu brinde também.
    Eu, meu pai e meus irmãos sempre tomávamos umas cachaças juntos. Hoje é só com meus irmãos.

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  3. PS: aqui é o Vicente da EBT BH.
    "Kuristo" é porque sou maratonista e falante de Esperanto.

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