Opinião
Sempre olhei com espanto aquelas cenas de enormes
mobilizações populares alemães ovacionando Hitler e o seu governo nazista.
Adultos diversos, jovens e até crianças abraçadas num ufanismo de raça superior
e endossando o projeto de conquista e domínio do mundo numa guerra de âmbito
mundial que matou mais de 70 milhões de pessoas.
Ignorante e capturado pela propaganda americana e
europeia, a minha referência sempre foi
o nazismo alemão. Nunca me ative muito ao nazifascismo japonês de Hirohito e
sua canalha, quase todos perdoados por interesses não menos canalhas que se
satisfizerem com os cerca de 200 mil cadáveres de Hiroshima e Nagasaki.
Até certa época eu avaliava que os delírios absurdos e
irracionais daquelas multidões resultavam tão somente da atuação de sujeitos
com capacidades malignas excepcionais. Líderes políticos embusteiros, profetas
do mal que convenciam populações oprimidas e desiludidas por não terem suas
necessidades atendidas.
Com os aprendizados da vida e buscando o conhecimento de
alguns pensadores do mundo, dei de cara com as indagações da filósofa Hannah
Arendt sobre o que ela chamou de “banalidade do mal”.
Nos anos 60 do século 20, a filósofa alemã que vivia nos EUA,
foi enviada por uma revista para cobrir o julgamento em Israel do carrasco
nazista Adolf Eichmann. Ela escreveu uma
série de artigos que mais tarde foram reunidos em livro onde desenvolveu o
conceito de banalidade do mal.
Em seus artigos, Arendt se contrapôs ao julgamento
“espetáculo” que apontava o carrasco nazista como um super vilão. Arendt
ressalvava que, em hipótese alguma, Eichmann deveria ser perdoado por suas
atrocidades, mas em vez de apontá-lo como uma excepcionalidade humana e
expressão encarnada do mal – como estava ocorrendo no julgamento – seria mais
importante buscar saber porque indivíduos que eram “comuns” em suas práticas
cotidianas, ao vestirem-se de oficiais nazistas incorporaram as atrocidades
como fossem suas rotinas de trabalho e onde o mal era apenas uma tarefa a ser
realizada como cumprimento de ordens.
Afinal, quais seriam as condições que levavam a esse tipo de
situação? – Essa foi uma questão proposta pela Hannah Arendt.
Para Arendt, Eichmann era um criminoso que devia ser punido,
porém o fenômeno a ser estudado não era a figura dos carrascos em si, mas quais
as condições que levavam seres humanos comuns a praticarem os horrores
nazifascistas até sob olhares da população civil que foram, no mínimo,
tolerantes ou indiferentes.
As teses da Hannah Arendt, os contextos e circunstâncias de
suas formulações são objetos de estudos de historiadores e pesquisadores, não
desejo nem tenho capacitação para
tratá-los aqui. Mas, as leituras de suas observações mudaram o foco de minhas
compreensões e avaliações de certas situações políticas, especialmente no
momento atual onde figuras como Trump, Millei e Bozo chegam ao poder por
vontade e voto de uma maioria da população.
Trump, em âmbito internacional, e seus dois macaquitos aqui,
nos quintais dos EUA, são, de fato, figuras especialmente malévolas. Mas, o que
dizer das multidões que os apoiam e que os levaram ao poder apesar de saberem
sobre todos os valores que defendem e praticam?
Não se pode dizer que são casos de propaganda enganosa. Ainda
assim, homens, mulheres, jovens, grupos familiares, religiosos, pessoas
diariamente engajadas em suas atividades
de garantia de sustento, deslocam-se, reúnem-se, manifestam-se em apoio a esses
líderes e suas bandeiras que incluem: discriminação, enganação, misoginia,
violência, tortura e até assassinatos. Isso parece estar bem além de
necessidades básicas insatisfeitas e inconformidade com as tratativas
governamentais que estão sendo dadas.
Se o mal não é intrínseco da natureza humana, se não nascemos
assim, então como criamos ou permitimos a criação das condições em que ele tem
germinado e florescido com tanto vigor?
Não sei responder nem tenho a expectativa de respostas
comprovadas, mas tento fazer conjecturas e gostaria de saber daquelas que
outros tenham feito. ### (Jorge Santos – Rio, 12/04/2025)